29 dezembro 2017

Quando acaba o terrorismo islâmico?


Ao contrário do que alguns ingénuos e outros mal-intencionados possam pensar, o fim do terrorismo Islâmico não depende do Ocidente. Não depende de este assumir a sua história, de integrar melhor os migrantes, de terminar com a tal política intervencionista no Médio Oriente, nem da eficácia da sua polícia. Alguns destes pontos ajudarão a mudar a escala e a dinâmica do problema, mas nunca o erradicarão, porque não é daqui que ele nasce. Mesmo a derrota do autodesignado “Estado Islâmico” na Síria e Iraque é apenas o destruir de uma metástase. Facilmente outra nascerá, ali ou mais ao lado.

O terrorismo islâmico acabará, assim como a instabilidade social provocada pelo salafismo disfarçado ou assumido, quando quem de direito entender e assumir conclusões sobre a decadência e posterior queda do Império Otomano.

Nos séculos XVI e XVII o califado dominava completamente o Mediterrâneo Oriental, estava implantado no norte de África, inclusive na costa atlântica depois de Alcácer Quibir e ameaçava Viena e a Europa Central. No século XX aparece moribundo e cai de podre no fim da Grande Guerra de 14-18. Porquê? É uma grande questão, mas se foi claramente ultrapassado pela Europa das Luzes, não parece que um retorno às origens, a visão salafista, resolva grande coisa, pelo contrário.

Enquanto o “mundo muçulmano” não entender que perdeu por ter ficado para trás, nada resolverá buscando recuar ainda mais. É como beber uns uísques para esquecer uma dor de fígado. Um século depois dessa derrota, insistir em semear o ódio ao vencedor e em amaldiçoar os valores que permitiram esse desfecho, é continuar a afundar-se e a agravar as frustrações, donde nascem as radicalizações. Sem complexos para cima e para baixo, para a esquerda ou para direita, é absolutamente inquestionável que o mundo hoje, cultural, social e cientificamente está moldado pela fantástica evolução acontecida no chamado Ocidente, nos últimos séculos. Em cada pequena coisa que utilizamos, em cada minuto, está um saber nascido nesta civilização. Em nenhuma outra fase da história terá havido uma tamanha predominância global. É de realçar que este domínio não é fundamentalmente “hard”, pela força, apesar de esta existir nalguns cenários. O poder é fruto do conhecimento desenvolvido, do modelo de sociedade criado e da qualidade de vida proporcionada.

Existem imperfeições, certo, mas é indiscutível que o respeito pela liberdade, pela diversidade, a condição da mulher, a aceitação do espírito crítico, a abertura aos novos saberes, a separação entre igreja e estado e outras coisas para nós tão “naturais”, fizerem, fazem e farão a diferença. Se os líderes de lá não querem avançar, não nos peçam para regredir; se a larga maioria da sua população quer viver como no Ocidente, não os enganem quanto ao caminho a seguir. Enquanto a frustração pela derrota continuar na diabolização dos vencedores… é o chamado tiro no pé.

Como esta consciencialização poderá demorar algum tempo, há uma alternativa mais imediata: é a de os pregadores do ódio serem coerentes e declararem proibido e haram (pecaminoso) o recurso a todo o equipamento e tecnologia desenvolvida pelos kuffars (infiéis). Nem era preciso ser mesmo tudo, bastava armamento, meios de comunicação e de transporte. Já faria uma grande diferença!

26 dezembro 2017

Uma selfie que apela à morte?


Estas duas belas jovens, que quase parecem irmãs, Adar à esquerda e Idan à direita, tiraram uma selfie e, como é prática corrente, a foto foi publicada nas chamadas redes sociais, coisa suficiente para provocar sérias ameaças de morte, quem diria!

Passou-se no concurso “Miss Universo” e o grave problema veio do facto de Adar ser representante de Israel e Idan do Iraque, dois países que, como todos sabem, não se entendem. Só que os países, mesmo esses, são feitos de pessoas que, num mundo não tribal, não precisam de se odiarem automaticamente, muito pelo contrário. Elas estariam conscientes do terreno que pisavam e Idan ilustrou a foto com a frase “Paz e Amor de Miss Iraque e Miss Israel”.

Não correu bem. Poucos dias depois, a organização do seu país exigiu-lhe retirar a publicação, sob pena de perder o título. Na tempestade seguinte, ela e a sua família, estas coisas da tribo, foram ameaçadas de morte, decidindo estes sair do país. As autoridades iraquianas, dubiamente, acharam por melhor não tornar pública nenhuma posição.

Eu acredito que o desanuviamento eficaz e consolidável vem muito mais das pessoas conhecerem pessoas do outro lado, como elas, do que de resoluções internacionais ou esforços diplomáticos. Virá muito mais de quando (esperemos que não tão cedo) as forças armadas do país de Adar, atacarem o país de Idan, Adar saber que do lado de lá não está gente inimiga indiscriminada, mas também a sua amiga Idan e certamente outras tantas assim.

A humanização como forma de amaciar os conflitos, lembra-me a história das tréguas no Natal de 1914, quando os homens dos dois lados das trincheiras suspenderam a barbaridade para confraternizarem e jogaram futebol. O episódio não foi apreciado, obviamente, pelos altos comandos respetivos, sem distinção, que arranjaram forma de evitar a repetição de uma tal anormalidade. É mais fácil matar gente sem rosto e a intensidade da guerra depende exatamente dessa capacidade de não humanizar o inimigo. É esse o objetivo dos senhores da guerra e Paz na Terra aos homens e mulheres de boa vontade.

21 dezembro 2017

E Boas Festas :) !


Era uma pequena cidade do interior, de ruas estreitas, calçadas a pedra miúda, onde ainda não tinha chegado a estilização das iluminações esquisitas e ou envergonhadas. Não que estas fossem espetaculares, eram até bastante simples, mas evocavam-me um tempo que parece querer desaparecer. Acima das golas subidas pelo frio, entrava nos ouvidos o “Silent Night”, ou “Noite de Paz”, conforme o gosto. Numa varanda privada, um presépio mostrava-se ao público, inundando e baralhando de cores a camara do telefone.

Tudo normal, nestes tempos de frio e de noites longas, onde nos encolhemos para atravessar mais um inverno. Tudo normal, sentir esta soalheira brisa de luz e música nesta quadra onde é suposto nascer a boa vontade. Tudo normal, antes de hibernar receber um pouco de calor, do outro.

Para acabar o dia de hoje, não o hoje em que escrevo, mas o hoje que foi ontem, quando este texto nasceu, recebi inesperadamente dois “…e Boas Festas!!”, com sorrisos grandes, bonitos e genuínos. Tudo certo, quando assim é, verdadeiro. Obrigado e em Paz sigamos, pela noite grande.

Coisas raras


Estas duas imagens acima, retiradas do Observador, mostram um “segurança” a carregar, supostamente para dentro do veículo uma caixa, imaginamos que com documentos (não será um cabaz de Natal, presumo). A seguir, a senhora sai, com o marido, ao volante desse automóvel, completamente à vontade, sem ser importunada.

Isto passou-se ontem na Casa dos Marcos e leio ter sido hoje realizada uma grande operação de busca pela Polícia Judiciária, entre outros, naquele local. Eu acharia lógico que essa operação tivesse ocorrido no dia seguinte à divulgação do escândalo ou, pelo menos, alguma ação fosse feita para evitar a destruição de provas, durante todo este tempo.

Ora bem, não foi assim. A PJ foi lá uma semana e meia depois, curiosamente no dia seguinte a a senhora ter estado na instituição o tempo que quis, fazendo o que quis e saindo levando o que quis, sem ser incomodada. Mesmo sabendo que ela estava a passar lá o dia, ninguém se lembrou de, pelo menos, travá-la à saída e revistar o carro? Portanto, em conclusão, a PJ encontrará o que foi deixado para eles verem, certo?

Não sei se é apenas coincidência, mas … porra! Alguém continua a gozar connosco, não?

19 dezembro 2017

Uma quadratura do círculo

O rating da dívida pública portuguesa subir é uma boa notícia. Tendencialmente pagaremos menos juros pela pipa de massa que devemos e que precisamos ciclicamente de renovar. Independentemente do de quem é o mérito, se podia ser ainda melhor ou, pelo contrário, pior, é positivo!

Convém recordar que esta classificação não é um prémio de mérito genérico e abstrato. É uma leitura da capacidade do país para honrar os seus compromissos financeiros a prazo. Ou seja, entendem estes senhores, que para alguns estão “desautorizados”, mas, para quem interessa, para quem tem o cacau para aplicar, são muito credíveis, que se alguém emprestar dinheiro a Portugal, pode estar relativamente seguro que o irá receber depois, certinho, com os respetivos juros. Entre outras coisas, acham muito improvável que o país tente impor uma renegociação da dívida, que não honre os compromissos assumidos ou que possa sair da moeda única.

Como ficarão então os apoiantes deste governo, acérrimos defensores da saída do euro e da renegociação da dívida, quando veem o “seu governo” ser reconhecido por não pensar nem sonhar em fazê-lo? Este circulo quadrado é uma das particularidades desta mistura de água com azeite, também chamada geringonça.

15 dezembro 2017

A Autoeuropa não fecha?


Não tenho acompanhado o detalhe dos desacordos na Autoeuropa, mas não posso deixar de comentar aquelas posturas de “A Autoeuropa não fecha!!”, como se isso fosse um dado adquirido e o esticar a corda nunca pudesse conduzir a tal desfecho.

Recordo uma situação que conheci bem. No início da década de 90, a Bélgica tinha cinco (5) grandes fábricas de automóveis. Dessa altura até agora:

1997 – Fechou Renault, Vilvoorde – cerca de 3000 empregos diretos.
2010 – Fechou Opel, Antuérpia - cerca de 2500 empregos diretos.
2014 – Fechou Ford, Genk – cerca de 4000 empregos diretos.
Sobrevivem apenas duas fábricas: Audi em Bruxelas e Volvo em Gent.

Esta sequência serve para ilustrar não ser assim tão raro e improvável uma fábrica desta dimensão fechar. No nosso caso, temos a agravante de um eventual fecho da Autoeuropa representar praticamente o fim da indústria automóvel em Portugal, dada a dimensão reduzida da PSA Mangualde, como também reduzida era a Opel Azambuja. Neste ponto, não é demais realçar o quanto esta indústria, para lá dos números objetivos, é uma escola e um exemplo estruturante no tecido empresarial do país.

Pela sua dimensão a Autoeuropa não morrerá de um dia para o outro, mas, sem paz social, definhará. Independentemente das responsabilidades concretas, é irresponsável presumir que estes conflitos são inconsequentes. Podem não matar no imediato, mas moem.

Inquestionável é que mesmo sobrevivendo esta à pancada, fica altamente improvável vermos a instalação de outra Autoeuropa em Portugal. E que dava muito jeito, dava…

14 dezembro 2017

Aqui, não se discute política … nem futebol!


Tenho uma vaga memória destas palavras de ordem, de tempos longínquos, quentes, onde a discussão de tais temas podia ser assunto “fraturante”, sendo de evitar para uma boa convivência entre amigos e familiares.

Deixemos o futebol sossegado, pode-se pode viver muito bem passando ao lado do mesmo. Precisamos apenas de esquecer o facto de os nossos impostos pagarem “dipositivos de segurança”, cuja necessidade é consequência da agressividade e da falta de respeito nas “discussões” entre especialistas arruaceiros, alguns até supostamente gente responsável. Nunca discuti futebol “a sério” e, se me identifico com a cidade do Porto, tenho alguma alergia ao “espírito” do FCP, precisamente pela forma como os seus dirigentes e apoiantes frequentemente o “discutem”.

Num encontro de ex-camaradas há pouco tempos atrás, soaram de novo as mesmas palavras de ordem, que eu julgava enterradas, principalmente para a política, por supostamente estarmos hoje numa sociedade mais madura, habituada a um pluralismo de opiniões e a alternância de políticas, num cenário bastante diferente do da década de setenta.

Será saudável esta censura da discussão pública, em troca da manutenção da cordialidade nas relações familiares e sociais? Pode, efetivamente, ser um mal menor, mas não deixa de ser um mal e grave! O exercício da cidadania plena passa por questionar e discutir a política, as opções e os atos de quem nos governa. É evidente que dentro de um natural pluralismo, haverá visões diferentes. A incapacidade de debater objetivamente essas diferenças, pela base, pela factualidade e, em vez disso, cair no discurso grosseiro e agressivo, procurar silenciar a toda a força a discordância ou fechar a discussão invocando um simples adjetivo, supostamente desqualificante… não é próprio de uma sociedade civilizada.

Estamos a regredir, a avançar numa direção triste. A intolerância autoritária começa no verbal e acaba onde a deixarmos acabar. Pode ser num sítio feio. Eu gostaria de enviar a fatura desta deriva a quem de direito. Sugestões?

13 dezembro 2017

O guito há-de (des)aparecer


A entrevista na TVI de Ana Leal ao então Secretário de Estado da Saúde, Manuel Delgado, fica para a história, pelo menos para mim. Não necessariamente pela eloquência de ele negar o “relacionamento” enquanto nós vemos as fotos no país quente em simultâneo, mas pela clarificação da função, remunerada, do senhor na instituição.

Se até ali eu tinha dificuldade em saber qual era mesmo, mesmo, o seu contributo, o que ele era suposto fazer para justificar o seu vencimento, fiquei esclarecido. Em primeiro lugar ele acha normal ser pago, como qualquer um, por um serviço prestado, por ir lá algumas vezes por semana, corrigindo a seguir para algumas vezes por mês. No entanto, desconhecia os problemas financeiros e não se recordava de ter recebido um aviso e um pedido de intervenção sobre o assunto. Ou seja, que consultadoria de organização era a sua, que não tinha nem “p*** ideia” das contas da instituição?!

Um email da presidente, citado na entrevista, esclarece tudo quando apresenta e defende as pretensões iniciais do senhor, 12 mil euros/mês + carro + seguro saúde, bastante acima do valor final, uns singelos 3 mil euros. Ela reconhecia ser caro, mas recordava que a família/tribo dele estava às portas do poder e o próprio afirmava que “o guito há-de aparecer”. Esse guito, o nosso guito, supostamente dirigido a crianças portadoras de doenças raras, iria então acabar nos bolsos de uns sacanas comuns, infelizmente pouco raros.

E fecho porque, a partir daqui, já só me ocorrem palavrões.

12 dezembro 2017

Três mulheres


Uma marroquina, uma tunisina e uma argelina, estabelecidas na Europa, analisam e refletem sobre o que está a acontecer neste mundo, onde se assiste a uma influência crescente do islão político na sociedade. O guião e o estilo são distintos, mas há uma linha comum: a hipocrisia de quem defende e promove essa islamização, a desonestidade intelectual de muitos “ocidentais” que a toleram e relativizam e a inaceitável condição feminina nesse modelo de sociedade. 

Não são abordagens simplistas, depois de alguém ter ouvido qualquer coisa ontem e vir hoje debitar palpites, esquecendo-se que a realidade raramente coincide com aquilo que a ignorância imagina. São visões e posições de quem aí nasceu, viveu e se libertou.

No final destes testemunhos e reflexões ricas, incluindo alguns argumentos e pontos de vista que não compro, fica a confirmação e a perplexidade sobre como uma parte da Europa cosmopolita, culta e desenvolvida, continua a ver com condescendência e “compreensão” uma teoria e uma prática que, só para dar um bom exemplo, recusa um estatuto de cidadania de pleno direito à mulher.

Senhoras, senhores e correlativos, podem ter os vossos motivos para odiarem a sociedade em que vivem e o seu modelo, que até vos permite manifestar livre e publicamente esse ódio. Lembrem-se, no entanto, que o inimigo do inimigo não é automaticamente amigo. Ainda por cima, a aliança entre os “socialistas do terceiro mundo” e os “ativistas islâmicos” contra o “ocidente colonizador” foi coisa de interesse e circunstância, sol de muito pouco dura.

Para lá dos princípios não deverem ser atropelados pelo tribalismo, muito especialmente quando estão em causa direitos humanos, abram os olhos e vejam que esse casamento “vermelho-verde” acabou há muito. Sim, tenho uma enorme fobia do islão politico, denuncio a sua hipocrisia e assumo-o plenamente, como deve fazer qualquer um para quem direitos humanos são mais do que uma “ideia”.

11 dezembro 2017

Outro timbre



Numa destas tardes, ao deambular pela “Imbicta”, sugeriram-me dar um salto a Miguel Bombarda, haveria por lá coisas interessantes, e eu fui.

Uma das coisas interessantes que gostei de ver, foi uma exposição de aguarelas de Paulo Ossião na Ap’arte. Não entendo nada da técnica, nem do fino, nem do grosso e nunca tinha ouvido falar do senhor. Estou, portanto, à vontade para dizer barbaridades, sem me preocupar com o que pensem do que eu penso neste capítulo.

A imagem do Porto está, em geral, associada ao cinzento do granito, ao difuso do nevoeiro, à humidade atlântica. Tempos houve em que eu atravessava diariamente o rio, junto à serra do Pilar, e reconheço bem “esse timbre pardacento, de quem mói um sentimento”.

O “Olhar sobre o Porto”, das aguarelas em questão é mesmo sobre Porto. Disso não há nenhuma dúvida: cheiram a Porto de cima a baixo. No entanto, há ali uma luz, uma vida, uma vitalidade, um burgo nada sombrio. Dei por mim a sorrir ao percorrê-las, ao ver aquele Porto colorido, luminoso, esbatido numa luz talvez mais meridional, e transmitindo a imagem de uma cidade belíssima, que também é a minha.

09 dezembro 2017

Vistas da cidade


Não, não é de bom tom confundir romantismo com geografia, nem encher ou cuspir da boca chavões sobre a cidade das luzes, ou do amor, etc e tal.

O certo é que em qualquer passagem por ali, havendo algum tempo disponível, as solas trabalham todo o tempo que puderem. Poupo os detalhes dos locais concretos, mas, na cidade tão grande, acabam por ser quase sempre os mesmos. Como se houvesse uma necessidade de rever e sentir, confirmar que está ali, aquilo, aquelas coisas indubitavelmente parte do nosso mundo, em sentido restrito.

Uma cidade excessivamente centralizadora num país que se vê sempre mais do que é. Que consegue combinar na mesma identidade referências antagónicas como Versailles e a Revolução; Voltaire e Napoleão. Racionalmente, França tem uma caraterização difícil, por ambiguidade. Tanto uma real “mania das grandezas”, ostentação e culto do imperial, como, supostamente, o berço dos ideais de fraternidade e igualdade. Tudo isto vive e convive harmoniosamente no “C’est belle la France!”.

A dita influência cultural francesa, da qual tantos se reclamam recetores, por mim tem algo de placebo. Estará talvez aí a sua força, o permitir o nascimento de tantas correntes, supostamente herdeiras de uma certa visão do mundo, na prática mais filhas de um albergue espanhol (perdão a ambos os países).

Bom, tudo isto começou e acaba para dizer que gosto muito de deambular por Paris.

08 dezembro 2017

Afirma Shalom


Afirma Shalom que o Trump é um tonto, que não sabe o que faz, mas que já não há pachorra para tanta palestinofilia. Afirma Shalom que os territórios ocupados por Israel o foram na sequência de una guerra começada e perdida pelos outros. Muito longe de ser caso único na história da humanidade, como a Europa central pode testemunhar.

Afirma Shalom que os demais árabes inicialmente deixaram os palestinianos perder, para depois a sua ajuda solidária poder ser cobrada com mais valia. Correu mal porque, em tantos dias quantos o Senhor criou o mundo, o seu país acabou com essas veleidades.

Afirma Shalom que, se quisermos ir à história, Jerusalém do rei David é muito mais judaica do que muçulmana, religião nascida a 1500 km de distância e cujo fundador apenas visitou a cidade em sonhos, teletransportado.

Afirma Shalom que já não há pachorra para tanta infantilidade daqueles ocidentais, inimigos acérrimos do tudo o que é imperialista e capitalista, solidários pouco seletivos de toda a causa terceiro-mundista e sempre disponíveis para o proclamarem e partilharem em iPhones e iPads.

Afirma Shalom que deviam viver um mês em cada país da região e a seguir formarem uma opinião. Para mulheres, bastaria uma semana.

Afirma Shalom que já não há pachorra para tanta belicosidade e martiriofilia do Hamas, sempre mais disponível para gastar as ajudas recebidas em rockets do que em escolas e hospitais.

Afirma Shalom que eles não sabem ou não querem viver em paz. Quando perderam a guerra com Israel foram para a Jordânia e tentaram matar o rei hospedeiro. Foram corridos para o Líbano e assim começou o fim da “Suíça do Oriente”.

Afirma Shalom que o Trump é um tonto, que não sabe o que faz, e que tem más companhias, mas fazer um caso mundial e pretender uma guerra por esta coisa do estatuto de Jerusalém é coisa de quem gosta mesmo muito de guerra.

Não concordo com tudo o que ele diz, mas ...

06 dezembro 2017

Natal luz


Numa cidade-luz onde poucas ou nenhumas iluminações de Natal preenchem o espaço público, “diversité oblige” (um dia descobrir-se-á que toda esta correção, se calhar está errada), os narizes retraem-se ao contacto com o frio matinal.

No passeio à frente, narizes grandes e pequenos colam-me às montras animadas das galerias, transbordantes de sons e cores de Natal, ou do que lhe queiram chamar, mas bonito e caloroso.

No passeio atrás, uma idosa sentada, encolhida com o frio, com uma caixa de cartão no chão da rua, onde pede especificamente cheques refeição. Tem a companhia de uns gatos enroscados, imóveis e retraídos.

No mesmo passeio, dois turistas (?) de prancha na mão desenham calmamente o quadro. Têm todo do tempo do mundo, a senhora e os gatos estão absolutamente estáticos, tipo natureza morta.

Tirei a foto constrangido, muito a correr é certo, de longe, sem grandes preocupações técnicas e com um resultado sofrível. Talvez o desenho dos senhores tenha saído bem, tempo não lhes faltou… e descontração.

05 dezembro 2017

Saber rir


Sendo muito riso sinónimo de pouco siso, não saber rir é sintoma de um grave problema. É inquietante alguém não rir e particularmente preocupante não conseguir rir de si próprio. Estas reflexões sobre o ambiente do riso, a sua grandeza e a sua pobreza, ocorreram-me ao recordar-me de um programa humorístico passado, de audiência obrigatória na televisão, o “Contra-informação”.

Julgo que seria consensual a sua aceitação pelos portugueses em geral, quiçá reconhecendo um toque de excesso aqui e acolá, mas pouca ou nenhuma indignação despertava aquele humor. Se hoje houvesse “Contra-informação”, seria tão pacífico? Declaradamente, penso que não.

Já não se ri como soía e muito especialmente sobre essa classe que tanto a isso se presta, os políti(queiros). No tempo do programa, era “normal” ridiculariza-los e apanharem todos, pela mesma moeda. Os efeitos clubísticos ficariam em achar mais graça a umas passagens e, no limite, ignorar outras. Não estou a imaginar um coro de indignação nas redes socias (que não existiam, pelo menos na dimensão atual) com a caricaturização de um Primeiro-Ministro.

Hoje, acredito que seria diferente. As dinâmicas tribais direita-esquerda, ou o que quer que lhes quiserem chamar, estão mais fechadas e intolerantes. Há uma identificação muito mais forte com a fação, uma solidariedade militante, com a correspondente miopia sectária, sendo o resultado a incapacidade de rir do próprio e não aceitar ironias.

Não sei de quem é a culpa, poderia especular, mas uma sociedade que não consiga rir de si própria é … muito perigosa.

03 dezembro 2017

Entre ser e não parecer


Vai apenas a citação, em tradução livre. Com uma última frase, que é daquelas enormes, brutais, à Camus, de reverenciar e gravar na pedra.

A exigência de felicidade e a sua busca paciente. Não é preciso exilar uma melancolia, mas sim destruir em nós esse gosto do difícil e do fatal. Ser feliz com os seus amigos, de acordo com o mundo, e ganhar a felicidade seguindo uma linha que, no entanto, leva à morte.
“Tremereis face à morte.”
“Sim, mas nada terei falhado do que é a minha única missão e que é viver”. Não se resignar ao convencionado e às horas de expediente. Nunca renunciar – exigir sempre mais. Mas ser lúcido, mesmo durante as horas de expediente. Aspirar à nudez onde nos rejeita o mundo, brevemente estaremos sós face a ele. Mas sobretudo, para ser, não procurar parecer.


Albert Camus, em Carnets I

(e onde quer que este enormíssimo mestre esteja, feliz, morto e realizado, que me desculpe, se li e traduzi mal.)


foto googleada sem referência à origem

01 dezembro 2017

A democracia em risco


Ouvimos dizer e sabemos que é verdade. Mesmo com eleições formalmente democráticas, há propostas a ganhar peso que, no fundo, não estão alinhadas com os princípios e o modelo de sociedade que é o nosso. Por vezes está em causa um extremismo negativo e inconsequente, sendo mais fácil falar e ser contra do que fazer e construir a favor, outras vezes cresce o caricato. Tentando correr um espectro alargado, Trump nos EUA, os promotores do Brexit, o palhaço italiano, a frente nacional francesa, os nacionalistas flamengos, os radicais catalães e até o nosso Tino de Rans.

O problema resultante é muito analisado e discutido pelas elites nas vésperas das eleições problemáticas, mas o problema, mesmo problema, está em o problema causa não ser endereçado por essas elites, especialmente se no dia a seguinte a cada eleição problemática puderem dizer “Ufa!”.

Aqui pelos nossos lados, que conhecemos melhor, está no poder a equipa de um tal José Socrates, parte ativa e pelo menos politicamente comprometida com aquelas práticas. Está bem que ainda ninguém foi condenado, mas o que se sabe é suficiente para classificar a imoralidade desses tempos. Não há nenhuma (co)responsabilidade politica assumida por quem, por ação ou omissão, foi cúmplice daquilo? Assobia-se para o lado e espera-se pela justiça, insinuando-se que esta até pode ser algo facciosa… depois, admirem-se!

No 2º aniversário do governo, convocam-se e paga-se a “cidadãos” para questionarem o governo num simulacro grosseiro de abertura e de escuta do povo! Não seria melhor abrirem as portas a quem quisesse aparecer e apresentar as suas questões, sem papelinho? Vão dizendo “Ufa!” enquanto puderem, mas, depois, não se admirem!

PS: Ok, ok… há também a Tecnoforma e os sobreiros e os submarinos… e o Freeport. Não invalida nada, apenas reforça. No entanto, estas contas do Sr Sócrates, e apenas considerando a CGD e a PT têm outra escala e a equipa está alegremente lá agora…

29 novembro 2017

Seríamos mais ricos


O Senhor Engenheiro morreu. Muitos deverão ser aqueles que no seu percurso profissional, numa altura ou na outra, passaram no chamado universo Sonae. Eu passei duas vezes. Logo ao acabar o curso, quando um professor me convidou para uma empresa “tecnológica” que nos anos 80, quando a diversificação estava na moda, tinha sido integrada no grupo Sonae. Fiquei apenas cerca de um ano, foi mais um estágio do que outra coisa. Mais tarde, após as privatizações dos anos 2000, passei 4 anos numa empresa participada pela Sonae.

Não está aqui em causa fazer balanços nem análises do bom e do mau que por esses lados vi. Também não é objetivo fazer uma apologia fúnebre de Belmiro de Azevedo.

Uma coisa quero apenas realçar. A frontalidade que ele teve de dizer o que pensava, sem preocupações de (in)correções politicas. Muitos acham que ele “perdeu” bastante com esse estilo. Certamente que sim, que perdeu. Mas se muitos mais portugueses tivessem o hábito e a coragem de chamarem os bois pelos cornos e de incompetentes aos incompetentes, o país seria mais rico.


Foto googleada

28 novembro 2017

Uma coisa tresmalhada


Este livro acompanhou-me durante algum tempo. Tem um título que engana. Sim, não é nada sobre o que alguns possam estar a imaginar. A capa também ajuda à confusão. Quase apostaria que quem a fez não o leu nem conhece o conteúdo. É um livro de contos, um deles dá o nome ao livro e... quem quiser saber mais, fica a ganhar em lê-lo.

Já lhe dobrei a última página há uns tempos e inclui algumas passagens impressionantes que me apetece de alguma forma evocar. Tive alguma dificuldade em encontrar a expressão adequada e hoje arrisco-a, apesar de ainda achar fracamente ajustada.

Vibrantes empenhos e determinações, cujo resultado são equívocos ou, no melhor dos casos, inconsequências.

É lógico alguém perder-se por falta de determinação, mas é dramático quando uma determinação vigorosa leva a um destino indesejado ou a nenhum. É a vida… real, tão facilmente tresmalhável!

25 novembro 2017

Chateia-me…


Desculpem lá os religiosos e/ou tribalistas, mas este António Costa está a sair diferente do (mau) padrão habitual dos nossos políticos. É que ele ou é burro ou faz-nos de burros. E isso chateia-me…

Há uns tempos, voltou de férias descansado para anunciar tranquilamente que as armas roubadas de Tancos eram “inofensivas”, por prazo de validade expirado, num misto de: confiem em mim, eu sei coisas que vocês ignoram, e, se for preciso, também sou o pai Natal.

Temos agora a “ponderada” decisão da mudança do Infarmed para o Porto. Estava já prevista? Se sim, foi um segredo bem guardado. Se a ideia era fortalecer a candidatura do Porto à EMA, podiam ter contado a alguém. Assim, ficou tipo arma secreta excessivamente secreta. Chatice é ter 350 funcionários, são um detalhe que se verá (e pagará) a seguir. Depois de tanta precipitação, perdão, ponderação, diz o senhor que há tempo para fazer a mudança.

As boas regras mandam ponderar e planear atempadamente e depois realizar rapidamente. Aqui, é ao contrário. Decide-se rapidamente (atabalhoadamente) e depois ir-se-á fazendo lentamente ou, eventualmente, não fazendo. Chama-se subdesenvolvimento, mas a culpa da cepa torta será sempre de Berlim ou de Bruxelas.

PS : Isto é diferente de haver alunos em Bragança e ninguém querer ir para lá e de uma empresa deslocar uma atividade e quem quer vai, quem não quer sai.

19 novembro 2017

Pronada ou supinada?


Depois de quase duas décadas de retiro, as velhas sapatilhas voltaram às lides, mas não resistiram. Entregaram, não a alma ao criador, mas o revestimento de uma das solas à Natureza, ficando assim eu com uma sapatilha careca. Penso que não dá multa, mas não é bom. Aliás, multa mesmo, deveria ser aplicada a quem por aí anda em passada patuda.

Na loja, o vendedor quis saber como era a minha passada. Quando me preparava para responder, dizendo que não era patuda, precisou ser importante saber se era pronada, supinada ou neutra. Resisti a preguntar se ele tinha coragem para chamar supinador a algum familiar, mas apenas comentei que no meu tempo não havia nada disso. Respondeu, e bem, que este ainda era o meu tempo. Melhor do que o outro que, quando comprei uns patins em linha, me avisou de que aqueles rolamentos seriam rápidos demais para a minha idade…

Explicação feita, aquilo era simplesmente coisa de o pé cambar para dentro ou para fora. Como me considero uma pessoa equilibrada, declarei-me neutro, que o importante era terem amortecimento máximo e recebi as correspondentes para experimentar. Aquilo era mesmo fofo, mas parecia que ao pisar o chão estava a esborrachar algo em todas as direções, sem sentir o solo nem reenvio. Pedi algo mais firme e a coisa melhorou. Face à minha abertura, o rapaz ainda propôs mais duas alternativas. Uma declaradamente fora e outra… mais leves, mais ajustadas, mais ligadas ao solo e… claro, mais firmes. A opção racional seria pela do pé direito, mais amortecida; mas a outra, do pé esquerdo, daria mais gosto a correr, mas também mais risco. Razão ou coração?

A sapatilha nova que está na foto é de um pé esquerdo.

17 novembro 2017

É também racismo

E se, em vez de andarmos por aí a discutir a responsabilidade pelo que aconteceu há 500 anos ou há 50, nos mobilizássemos e denunciássemos as desgraças que acontecem hoje e continuarão amanhã?

Leio na imprensa que o único hospital público de Brazzaville, capital do Congo, fechou por falta de meios. Quem precisar e puder que se trate numa clínica privada. Isto não parece escandalizar muita gente, nem apelar a responsabilizar quem quer que seja.

No entanto, quando uns criminosos embarcam nas costas da Líbia uns migrantes, congoleses ou outros, sem as mínimas condições de segurança, com alta probabilidade de naufrágio e a desgraça acontece, a Europa acha-se culpada ...

Este aceitar a miséria e o crime, por omissão e negligencia, relativizar o nepotismo e a corrupção que tantos governos praticam contra os seus é uma forma de racismo. Chamemos-lhe neo-racismo, usando um prefixo bem na moda. O racismo clássico incluía uma visão de superioridade dominadora: já que vocês são limitados e incapazes, mandamos nós.

O neorracismo atual presume uma natural incapacidade de bom governo. Eles têm essa limitação e não há nada a fazer, nem a exigir. Os cidadãos que sofrem e morrem são vítimas “inevitáveis” da incapacidade e limitações da raça dos seus líderes. É uma fatalidade, vista com alguma superioridade natural e correspondente condescendência.

Haverá quem diga que uma boa parte da culpa não é dos líderes incompetentes e corrompidos, mas sim das influências externas que os manipulam e corrompem. Mais do mesmo… A culpa não é assim tanto deles, já que a sua “raça” isso proporciona.

Pensemos, só para exemplo, no Freeport e nos submarinos. A culpa maior não é dos nossos governantes, ao que parece, corrompidos. A culpa principal será então dos ingleses e dos alemães que os corromperam… certo?

13 novembro 2017

Ele saberá o que faz?


“As sauditas autorizadas a conduzir” – “Não entendo como não o consegui ver!”, do jornal Argelino “El Watan”. Esta caricatura às incoerências de algumas modernizações pode servir de alegoria para as mudanças promovidas pelo princípio herdeiro, dito MBS, na Arábia Saudita. Ele está a mudar coisas, mas saberá o que faz? O príncipe quer mandar, no país e na região. No país, prendendo, recentemente invocando luta contra a corrupção, opositores reais ou potenciais e contestatários. Pretende e decreta que o ambiente de negócios não se altera com estas arbitrariedades. O futuro o dirá.

Na região, não há forma de o acalmar. Há dois anos e meio que o Iémen é pilhado por uma guerra brutal e sem mais consequência ou objetivo do que destruir. Não há nada previsto ou em curso para (r)estruturar o dia seguinte. São deixadas zonas destruídas sem lei, ótimos viveiros e escola para formação e desenvolvimento de grupos terroristas. Provavelmente não haverá país mais martirizado neste momento com fome, carências de todo o tipo e a sofrer uma grave epidemia de cólera. Supostamente, o novo poder é apoiado pelo Irão, coisa inaceitável para os sauditas. Depois de tanto bombardeamento indiscriminado, receberam um míssil de volta, coisa considerada inaceitável?!

O Qatar não é flor que se cheire, mas o bloqueio inventado não faz sentido nenhum, que não seja uma birra de quem (quer) manda(r) aqui sou eu.

Na Síria, a batalha regional entre o eixo vertical sunita sul-norte e o eixo horizontal xiita este-oeste parece estar a resolver-se, com a ajuda da Rússia, para o lado xiita. Vamos então tentar quebrá-lo mais abaixo, pelo Líbano. Um fantástico país, com uma história riquíssima, onde se terá desenvolvido provavelmente a mais brilhante civilização do Levante Mediterrâneo, de gente educada e culta, que há uns tempos era considerado a Suíça do Oriente… As suas desgraças começaram quando os palestinianos foram expulsos da Jordânia por mau comportamento. A partir daí, entre palestinianos, israelitas e pró-iranianos, nunca mais teve sossego.

O seu primeiro-ministro, aparentemente de consensos, foi a Riad, demitiu-se de lá e nem regressou ao seu país. Especula-se que terá sido a isso forçado pelos sauditas e que se encontra retido, contra a sua vontade. Entretanto, estes sobem o tom e as ameaças contra os pró-iranianos do Líbano.

Em conclusão, MBS está a pôr a região toda a ferro e fogo e adivinhem quem lhe dá palmadinhas nas costas de pleno apoio? O Mister Trump! Neste momento, o não eclodir de mais violência na religião depende de … Israel.

11 novembro 2017

As redes sociais ameaçam a democracia?


Este era o título da capa de um “The Economist” recente, de onde extraí a imagem. Ao confirmar-se a influência pró-ativa da Rússia nas últimas eleições americanas, parece ter ficado muita gente histérica e indignada, numa de “não pode ser!”, “É preciso fazer alguma coisa!!”.

A propaganda e a manipulação da informação não são ciências novas nem específicas da Rússia. Sempre existiram. Um país tentar condicionar a opinião pública em terceiros, de forma direta ou camuflada, não é nenhuma novidade e não deveria espantar ninguém.

A internet e as redes sociais trazem uma diferença na forma. Constituem enormes amplificadores de “opiniões” e de noticias falsas e verdadeiras. Facilitam a difusão e a camuflagem. Mas tanto o fazem para o “mal” como para o “bem”, neste último caso na denúncia de situações e na mobilização para causas que a comunicação social tradicional ignora, especialmente em regimes controlados.

Assim, a simplificar, a internet está para a informação como a globalização está para a economia. Curiosamente, o próprio “Economist”, quando aborda questões e polémicas relacionadas com os aspetos negativos da globalização, reais ou percecionados, costuma acabar sempre no mesmo acorde: a globalização permite criar mais riqueza globalmente e, a prazo, é isso que conta. Até lá, são apenas alguns sobressaltos.

Embora eu não tenha uma posição tão liberal, do quanto mais aberto melhor, acho que neste caso da informação, quanto mais melhor. Acredito mesmo que a brutal diversidade de fontes de informação só pode, a prazo, melhorar o conhecimento da sociedade sobre si própria e sobre a humanidade. Todos sabemos que há mentirosos e manipuladores neste mundo. Antes estávamos expostos a meia dúzia, agora estamos expostos a umas centenas ou milhares, pelo tal efeito de amplificação. Teremos que nos habituar a isso. O controlo efetivo do que se publica na internet nunca, mas nunca pode ser efetivo nem eficaz, sobretudo num quadro de Estado de Direito onde estamos enquadrados. Vejam os Estados de Não Direito que bem a tentam controlar de todas as formas e feitios, cega ou seletivamente, à bruta ou à fina… e nem eles conseguem.

Significa que tudo é/deve ser permitido? Não. Haverá sempre um enquadramento legal a respeitar, mas, dada a dimensão deste universo,
é impossível ser completamente abrangente. É ainda de recordar que os “beneficiados” não são sempre os “Trumps”.

10 novembro 2017

O King Maker


Nos anos 70, houve no Parlamento um famoso e (a)típico deputado da UDP, de nome Acácio Barreiros. Para muita gente era considerado importante existir um ou dois naquele registo, vá lá, no máximo três, mas estava completamente fora de questão que pudessem mandar mesmo… O atual Bloco de Esquerda é um herdeiro direto do partido original de Acácio Barreiros. Mais polido e bem-apresentado, mas as raízes vêm de lá.

Abrindo uma exceção à não utilização de estrangeirismos, os Acácios Barreiros sucessores estão a tornar-se os “king makers” dos regimes e não exclusivamente em Portugal. A degradação e descrédito dos partidos tradicionais do poder faz subir os extremos, que acabam por se tornar os “viabilizadores” das soluções governativas. É uma situação perfeitamente normal, do ponto de vista da representatividade democrática, mas...

Dada a sua “sistemática marginalidade anti-sistema”, a participação ou apoio a uma solução de “poder tradicional” pode ter elevados custos eleitorais. Assim, eles precisam de vender a pele bastante cara e deixar uma assinatura clara nos programas governativos, resultando desproporcional à sua base eleitoral e, sobretudo, desalinhado com a larga maioria adepta de um modelo “tradicional”, com ligeiras nuances para a direita ou para a esquerda. Esses programas acabam por parecer mais uma lista de mercearia de exigências avulsas atendidas, do que algo com orientação e sentido estratégico, entrando-se assim numa navegação à vista, quando os tempos pedem outra coisa.

Saindo de Portugal, o que vemos na Catalunha é muito isso. Os anarquistas/radicais minoritários impuseram uma agenda e criaram a dinâmica que deu nesta triste figura. Como pode alguém falar/defender uma legitimidade democrática saída da “trapalhaçada” do 1/10? Como pode alguém de “esquerda” defender a separação de uma região rica que não quer ser solidária com as mais pobres?

Saindo da esquerda para a direita, noutras paragens, xenófobos e racistas vão chegando à primeira fila. São tão perigosos quanto os radicais de esquerda, dado que, como toda gente sabe, os extremos tocam-se.

09 novembro 2017

Assim, tipo Pai Natal


O senhor na fotografia é o José Moças da editora Tradisom. Para quem não a conhece, se eu referir, como exemplo, a edição dos últimos trabalhos do Júlio Pereira, do “Povo que Ainda Canta” e da Brigada Vitor Jara, ajuda…?

O José Moças é um entusiasta e entusiasma quem com ele fala, sobre projetos atuais e futuros. A esse entusiamo fica devedora a cultura portuguesa, pelo muito de bom que ele tem feito e certamente ainda fará. É um lugar comum dizermos que a música popular é um campo onde somos muito ricos, mas convém não esquecer que a riqueza precisa de ser permanentemente investida, construída, tratada e divulgada e esta também.

Assim a modos de publicidade, e não ganho nada como isto, exceto a satisfação de, à minha escala, contribuir para coisas que valem a pena, fica uma sugestão. Quem tem prendas para comprar, para a quadra que aí vem, e anda a coçar a cabeça sem saber o quê, ou ainda está na fase do “não sei que faça, logo se verá”, visitem a página da Tradisom. É capaz de valer a pena a viagem!

08 novembro 2017

À flor da imagem


Uma viagem longa com um écran nas costas do banco da frente, fez-me pensar em cinema. Fui à galeria dos premiados e escolhi Gravity para lá e The Revenant para cá. As condições de visionamento não permitiram certamente usufruir de um dos atributos fundamentais de ambos: a imagem.

Em contextos físicos radicalmente diferentes, não deixam de ter semelhanças: uma odisseia solitária, em condições limites, com um filho perdido nas costas. No entanto, ficou-me o sabor de serem excessivamente imagem e de consistência muito superficial.

Se o objetivo era o realce da sobrevivência solitária, dispensava-se o rocambolesco de tantas situações limite, passando até ao lado da potencial inverosimilhança de algumas. Demasiado espetáculo visual e demasiada intensidade acidental para poder sobreviver um enredo minimalista, de alguém apenas com o próprio. Empobrecido o enredo, fica tudo, ou quase tudo, à flor da imagem e não é bem este o cinema de que gosto.

Recordei outro filme visto anteriormente em circunstâncias idênticas, Budapest Hotel, e dei por mim a pensar como o humor e a ironia podem tornar as coisas muito mais sérias e profundas.

07 novembro 2017

No limite, não é altamente cómico


No limite podia não ter havido roubo, mas não o teremos atingido.

Algumas munições estavam para lá do limite da validade, donde que, pouco perigo ou nenhum. Era vê-las explodir, fora do prazo, próximo destes (ir)responsáveis, sem danos pessoais, só para assustar.

No limite 2 + 2 pode ser 3 ou 5. É apenas um a mais ou a menos, segundo o CEME. Uma forma aproximativa de controlar o inventário de munições, como bolinhas do paint-ball distribuídas no início do jogo e ser normal no fim sobrarem algumas, não disparadas… é mais do que limite.

Foi a maior recuperação de material militar roubado em democracia. Acho deliciosa esta definição temporal. Terá sido também o maior roubo “em democracia”? Vale o que vale.... No limite, deixem fugir uns F16, que, quando os apanharem, fica logo o recorde batido.

A segunda figura do Estado acha que este caso teve momentos altamente cómicos. Ria-se quem puder … e que ainda não esteja no limite de chorar.

06 novembro 2017

As coisas que (não) funcionam


Com António Costa Presidente da Camara de Lisboa, Joaquim Leitão foi Comandante dos Sapadores Bombeiros da cidade. Depois de A. Costa passar a PM, J. Leitão passou a Presidente da Autoridade Nacional da Proteção Civil. Num cenário improvável, eventualmente envolvendo vacas voadoras, de A. Costa vir a ser Secretário Geral da ONU, J. Leitão será o chefe (ou lá como se chama…) dos capacetes azuis?

Talvez não, dado que, onde funcionam, as coisas não funcionam assim.


Foto da CML

05 novembro 2017

Outra vez


Umas décadas depois. Arma os braços, encosta os cotovelos ao tronco, levanta um pé, pica o chão, eleva e transfere, pica com o outro, e outra vez, e outra…
Revisitando um excerto de “Por um título”. Com uns "Re"s a acrescentar…

Aprendi a correr. Não o correr atabalhoado da fuga, não o correr acometido do predador. Apenas o simples correr sustentado do desacompanhado. Aquele em que cada passo é dado com o fim de haver sempre outro passo mais para dar. Em que o cansaço se agrava ao descontinuar e em que se recupera ao não parar.

Ver o mundo deslizar pelos dois lados de mim. Ao sentir a minha velocidade como minha. Criada, mantida e gozada. Sob o calor que me destilava e expurgava, sob o vento que me desafiava, sob a chuva risonha que me fecundava.

03 novembro 2017

Coitadinho do gato


A sociologia é uma área de conhecimento intrincada e complexa, não conseguindo ter um binómio de Newton (nem uma lei de Ohm). Talvez por isso as suas interpretações e teorias tenham tanto de díspar no conteúdo como de ferocidade na sua defesa. Desculpem lá, mas falar demasiado alto está muitas vezes associado a fragilidade na argumentação.

Nesta vaga de denúncias de situações de assédio sexual, que já saudei aqui, veem-se teorias para tudo e para o contrário. Uma, que achei muito curiosa, argumentava estarmos a assistir a uma consequência da exposição excessiva do corpo (objeto) da mulher e do desaparecimento do travão religioso. Lembrei-me de uma sociedade em que não há de todo exposição pública do corpo feminino e onde existe uma presença quase asfixiante de normas religiosas restritivas na sociedade … e que não é claramente um bom exemplo. Dispensa-se o desenho, certo? Como dizia um sábio dessas paragens, estranhamente até um pouco alinhado com a teoria acima: se o gato come um pedaço de carne deixado em cima da mesa, a culpa é mais de quem deixou a carne à vista do que do bicho. Ou seja, a mulher que deixe de mostrar as pernas, se não quer ser importunada por um pobre animal, que, recorde-se, não é de pau.

Sobre essa coisa da exploração do corpo da mulher (ou do homem, conforme preferências), sinceramente não vejo porque não se pode expor e evidenciar algo belo, excluindo, claro está, o obsceno e o grosseiro. Uma voz bonita, não é também um “atributo físico”? Mostrar um olhar bonito, é exploração? Pobre e triste seria um mundo onde se só vissem imagens de corpos enfiados em sacos de sarapilheira (e nem sequer vou de novo ao paralelismo com os locais onde isso acontece).

Em resumo, eduquem, responsabilizem o gato abusador; se não for a bem, que seja a mal. O caminho é por aí. Esconder não é de forma nenhuma uma solução, e, a propósito, a origem do problema é tudo menos moderna.

Na foto uma escultura de José Rodrigues nos jardins do convento de São Paio, Cerveira.
Propositadamente…

02 novembro 2017

Aos amigos ausentes


Seja na exuberância dos cemitérios jardim do litoral, seja na austera secura dos do interior, amigos ausentes, amigos presentes.

Junto palavras, em tradução livre, de um grande amigo da humanidade, sempre, sempre presente: Jacques Brel. Jojo, seu grande amigo, tinha morrido de cancro de pulmão, a mesma doença que o iria vitimar.

Jojo
Aqui tens alguns risos, alguns vinhos, algumas belas
Tenho o prazer de te dizer que a noite será longa a tornar-se manhã
Jojo
Ouço-te rugir canções do mar, onde os bretões adivinham que S. Cast deve dormir ao fundo do nevoeiro.

Sete palmos de terra, Jojo ainda cantas
Sete palmos de terra, não estás morto

Jojo
Esta noite como sempre, refazemos as nossas guerras
Tu retomas Saint-Nazaire, eu refaço o Olympia, ao fundo do cemitério
Falamos em silencio de uma juventude velha
Sabemos os dois que o mundo boceja por falta de imprudência

Sete palmos de terra, Jojo ainda esperas
Sete palmos de terra, não estás morto

Jojo
Dás-me rindo notícias daí
Eu digo “morte aos idiotas”, bem mais idiotas do que tu
Mas que se aguentam melhor
Jojo
Tu conheces os nomes das flores, vê que minhas mãos tremem
Sei que sabes quem chora, para afogar de pudor
Os meus pobres lugares comuns

Sete palmos de terra Jojo, ainda és irmão
Sete palmos de terra não estás morto

Jojo.
Deixo-te pela manhã, para vagas tarefas
Entre alguns bêbados, amputados do coração
Que abriram demasiado as mãos
Jojo
Eu não vou a mais lado nenhum
Visto-me dos nossos sonhos
Órfão até aos lábios, mas feliz por saber
Que estou a chegar

Sete palmos de terra Jojo, ainda és irmão
Sete palmos de terra, ainda te amo

Foto: Cemitério de Numão

30 outubro 2017

Revolucionários ou revoltados, mas profissionais


A cara na capa deste livro é de Ilich Ramírez Sánchez, venezuelano apesar do primeiro nome. Ficou mais conhecido por Carlos, o Chacal, e foi o terror público número um, principalmente em França, nas décadas de 70 e de 80. Sim, nessa altura havia terrorismo, com bombas a explodir em locais públicos e, muito na moda da época, desvios de aviões e outros sequestros. Esta história ajuda a compreender o que por cá acontece e tem acontecido. Aqui vão alguns sublinhados meus, após leitura.

Não era proletário nem operário. Pelo contrário, a larga maioria dos terroristas ocidentais da altura eram da alta burguesia. Chega até a referir um caso, por excecional, de uma camarada originária de um nível social mais baixo.

Queria fazer a revolução. Na Venezuela, não deu jeito, em França também não foi possível, em Moscovo já tinha sido e… onde sobrou uma causa para lutar: Palestina. Se não houvesse Palestina, quais seriam as causas a abraçar pelos Chacais? Algum paralelismo com as mais recentes partidas para a Síria?

Começa por aspirar a ser revolucionário e depois passa a mercenário (revolucionário profissional), ou seja, organiza atentados e sequestros para quem lhe paga. No entanto, o auge da sua atividade ocorre quando França prende Magdalena Kopp, sua companheira de armas e ele usa o terrorismo… para exigir a libertação da amada.

Uma referência ao pacto Moro. Itália fechava os olhos ao transito e atividades dos terroristas (pró)palestianos pelo seu território, com a condição de estes irem fazer os estragos para outro lado. Edificante e muito próprio de um regime democrata-cristão. A coisa não acabou bem para Aldo Moro, raptado e assassinado pelas Brigadas Vermelhas, prova de que isto de tolerar terroristas pode não se saudável.

Dentro do Médio Oriente, estendido até à Argélia, que lhe estende o tapete vermelho durante o sequestro dos ministros da Opep, vemos uma enorme volatilidade nos acordos, desacordos, pactos e traições entre os vários líderes. Não ajuda muito a suposta base comum “árabe”, nem parece ser determinante existir um inimigo claro e comum, Israel. Fico a pensar que, mesmo sem Israel, dificilmente se veria (e se vê) paz e cooperação por aqueles lados, dada a falta de confiança mútua, ausência de compromissos estáveis e outras carências…

28 outubro 2017

O que foi diferente?


Existem incêndios florestais significativos em Portugal há décadas. Com mais ou menos área florestal ardida, fatalidades costumavam ser muito pontuais e prejuízos materiais para lá da vegetação eram geralmente limitados a construções isoladas. Este ano foi diferente, pelo número de vítimas e, sobretudo no dia 15/10, pela extensão e natureza dos estragos, abrangendo zonas que não se imaginava expostas.

O que houve de diferente este ano? Diria que fundamentalmente as condições climatéricas de fundo, um inverno muito seco, e uma meteorologia atípica nos dias das catástrofes. Se isto foi efetivamente diferente, por si só não justifica toda a desgraça. Deficiências que poderiam passar desapercebidas em situações menos exigentes, ficaram expostas e agravaram as consequências. Incompetência dos “boys”, planeamento burocrático (as grandes catástrofes de junho e outubro não respeitaram o calendário oficial), as falhas nas comunicações, incluindo a vergonhosa história do Siresp e a falta de profissionalização e de organização no combate aos incêndios.

Não será certamente por falta de leis. Após Pedrogão foi aprovada nova legislação, a tal do D. Dinis bis, e dois meses depois, com o relatório da comissão independente e a segunda catástrofe, novo pacote é lançado. Considerando que uma árvore precisa de décadas para ficar adulta, imaginemos quantas reformas elas verão durante o seu crescimento, caso aguentem. Há bastantes semelhanças entre este pacote de outubro e o pós-2003. Até no anunciar de novas centrais de biomassa e, já agora, onde andam as lançadas em 2006?

Vemos muitas medidas bondosas, mas esquecem uma coisa fundamental: a economia! Enquanto não houver uma perspetiva económica que viabilize a exploração das florestas, estas ficarão abandonadas a gerar biomassa. Podem somar os bombeiros, militares e aviões que quiserem: elas irão arder, será apenas uma questão de tempo.

Entretanto, uma das poucas utilizações economicamente viáveis que é a plantação do eucalipto é diabolizada, como se fundamentalmente só ardessem zonas de eucalipto e o resto, como o pinhal de Leiria, fossem simples exceções, a confirmar a regra. Para lá de outras consequências económicas, se arrancarmos os eucaliptos, reduzindo a atividade económica existente, o abandono não irá agravar? Dizem alguns que não, que vamos plantar carvalhos, são melhores e mais bonitos. São sim, mas nem toda a gente tem o carro melhor e mais bonito que gostaria de ter, pois não? É a economia...

27 outubro 2017

Essas palavras que aparecem


Tenho um hábito ou um problema. Numa sessão pública onde haja período de perguntas do público e em que participe, é quase obrigatório arranjar uma ou duas coisas para questionar. Se não o fizer é por alguma doença momentânea ou profundíssimo desinteresse ou, chamemos-lhe até, feio desdém.

Uma vez, assistia a uma conferência de um escritor, mediamente famoso, mas do qual eu desconhecia completamente a obra e comentei para quem estava comigo: “- Tenho que arranjar uma pergunta, não sei como.”. A resposta se não foi “– Não sejas maluco!”, pouco menos.

Resolvi perguntar-lhe se, quando escrevia, a definição e a dinâmica dos personagens era uma coisa bem planeada e controlada por ele, ou se havia momentos em que estes ganhavam autonomia e se emancipavam, surpreendo-o. Infelizmente havia na sala alguém com outra mania, a de acrescentar reflexões e comentários a qualquer momento, e o senhor despistou-se, ficando eu sem resposta.

Na minha modestíssima escala, estou convencido de que as histórias não nascem completas. Estou convencido que a folha em branco não é escrava de um plano pré-definido. Há coisas redemoinhando cá dentro que são atiradas para lá, com direção mais um menos definida, e depois mexem-se por elas. Nem sempre como se pensava. Por vezes surpreendem, abrindo novas vistas, outras vezes despistam-se e é-se obrigado a puxa-las para o sitio. No fim, inevitavelmente, fazer a monda, já que as palavras que brotam são sempre mais do que a boa conta.

Há um momento especial em que, a postos para o que vier, está uma página em branco à frente. Pode começar a correr e a brotar, divertindo-nos até, assim tipo “onde é que isto vai parar”; pode nada sair e não ajuda arrancar cabelos; pode sair lixo e aí fica angustiante; podemos descobrir coisas sobre nós que não imaginávamos…

Enfim, é a vida das coisas, que também são palavras.

25 outubro 2017

Respeito



Não é meu hábito fazer simples eco do que vai pelas ruas mediáticas, quando não tenho muito a complementar ou a contrapor, face ao coro geral. Abro aqui uma exceção para o tema Harvey Weinstein e outros, relativos às denúncias de assédio e de abuso sexual.


Tenho uma frase registada, da qual já perdi a origem, que diz que pecado só há um, é o de roubar, apropriar-nos de algo que não é nosso. Depois, muda aquilo que é roubado. Dentro do objeto do roubo, uma das coisas mais terríveis que se pode roubar a alguém é a dignidade.

Um pequeno parêntesis para nesta indignação generalizada não misturar os casos provocados e procurados de “promoção horizontal”, nem excluir as situações de género abusador diferente, certamente menos frequentes, mas não menos condenáveis.

Há uma coisa chamada a “lei do mais forte”, alguém poderá especular se tem raízes no processo de seleção natural, mas cuja aplicação em diversos domínios e escalas é a fonte da larga maioria dos males de que sofre o mundo. Para lá das evoluções científicas, tecnológicas e mesmo de hábitos sociais e culturais, estaremos sempre a cair para a bestialidade enquanto não resistirmos a usar a força.

Nos casos concretos em contexto profissional, em que está em causa uma carreira, uma realização pessoal, ou simplesmente a subsistência, acho-os profundamente revoltantes, pela “facilidade”, pela continuidade e pela proximidade penosamente vivida. Tudo o que possa configurar algo próximo sequer, é-me profundamente repugnante, levando mesmo a questões extremas. Considerando que as relações afetivas têm naturalmente altos e baixos e ciclos, começam e acabam, será que o risco de essa instabilidade contaminar a relação profissional é suficiente para regulamentar a ponto de banir completamente relacionamentos dentro das organizações? Não sei, podemos dizer que será questão de bom-senso, sendo que felizmente, ou infelizmente, toda a gente considera tê-lo!

23 outubro 2017

Quem te avisa…


O “aviso” reproduzido acima não me foi entregue na entrada de uma exibição de “A Guerra dos Mundos”, para dar ambiente. Apareceu-me na caixa de correio (física) e não nestes tempos recentes de picardias e tuitadas entre o Mr Trump e o Kim. Foi já em 2010 e eu fiquei extremamente intrigado com como e porquê alguém se deu ao trabalho de elaborar e produzir um aviso daqueles. Costuma-se dizer que “quem te avisa, teu amigo é”, mas eu, ingrato, ainda não preparei a mochila recomendada.

Isto de avisos e calamidades, fez-me pensar que entre a catástrofe de Pedrogão e a calamidade do 15 de outubro, não recebi, nem me lembro de ver física ou eletronicamente nenhum aviso com o que fazer em caso de incêndio próximo. Presumo que seria algo útil para as populações mais expostas. Estas apenas ouviram, à posteriori, que deveriam ser mais pró-ativos e resilientes. Sobre a forma da pró-atividade, essa fica no campo do autodidatismo, já que somos um povo sobejamente desenrascado. Se correr mal, aprendam para a próxima… caso cá fiquem para tentar de novo.

Porque é que em quatro (4) meses não foi possível emitir e divulgar um “manual” sobre o tema. Falta de lembrança, de vontade … ou de conhecimento?

21 outubro 2017

Novo cavaquinho, outra vez!


Em 1981, Júlio Pereira fez o país redescobrir o cavaquinho, para muitos apenas um instrumento de aspeto engraçado e em termos de potencial mal conhecido, dado o estado vegetativo em que aparecia nas tocatas folclóricas, dominadas pelo infestante acordeão.

Seguiu-se a viagem pela braguesa, pelo bandolim e o arriscando uma passagem pela mistura com a eletrónica no memorável “Cádoi”. Depois de várias outras viagens, o cavaquinho.pt em 2014, volta a marcar. Poucos como Júlio Pereira souberam ir buscar o tradicional, fazê-lo viajar e tratá-lo sem simplificações grosseiras nem sofisticações extravagantes. É autêntico, elaborado e com respeito pela identidade da música portuguesa genuína.

Por estes dias saiu à rua um novo marco: “Praça do Comércio”. Mais uma corrida, mais uma viagem e parabéns. Se há 36 anos atrás, Júlio Pereira nos fez redescobrir um instrumento, acho que ele agora inventou um novo, construtivamente igual, mas tratado de forma diferente e sempre cavaquinho, outra vez.

17 outubro 2017

Sobre as naus que não haverá


Se houvesse a escolher cinco locais naturais do país a proteger a “qualquer custo”, certamente que o pinhal de Leiria estaria nessa lista. Não apenas pela dimensão, pela função de estabilização do terreno numa parte daquela longa faixa litoral arenosa, que sem vegetação pareceria um deserto, mas, obviamente e também, por “a plantação de naus a haver” ser simbolicamente cadinho e berço de sonhos e aspirações.

O pinhal não estava dividido, com um canto do Manuel em Lisboa, uma tira do António no Luxemburgo e uma leira de uns herdeiros desentendidos quanto a partilhas (também não tinha eucaliptos…). Estava todinho à disposição do Estado.

Se há sítio onde podia e devia haver uma gestão e um ordenamento florestal irrepreensíveis seria ali. Avisos tinham saído de que a falta de limpeza e tratamento podiam proporcionar uma calamidade. Agora, resta-nos esperar serenamente pelas conclusões de um mui provável inquérito “post-mortem”. As notícias de que “faltava verba” para gasóleo, a ser confirmada, é assustadora, mas, realmente, não se pode ter tudo. O cumprimento do défice implica sempre prioridades. E pode-se reverter esta calamidade, senhores?

Será certamente replantado, não sendo necessário um D. Dinis bis para isso, mas a imagem acima de Hélio Medeiros do pinhal a arder, ficará na nossa memória associada à mediocridade e incompetência do desgoverno neste país, cada vez mais incapaz de sonhar com naus a haver. Tristeza.

16 outubro 2017

Continua a falhar


Há exatamente uma semana, eu questionava aqui o que é que falhou nesta época de incêndios de 2017, que “ficará para a história como um ano de recordes e já só pedimos que demore muito tempo até serem batidos”.

Infelizmente o recorde não estava fechado, nem em área ardida, nem em prejuízos materiais, nem em número de vítimas mortais. Sim, uma boa parte dos incêndios terá origem criminosa (como sempre tiveram), sim, o domingo foi um dia meteorologicamente excecional… sim, mas, entretanto, também ficamos a conhecer o relatório independente sobre a tragédia de Pedrogão.

É claro que não foi feito “todo o possível”. É impressionante como funcionou quase tudo mal. Até mesmo os políticos não entenderam que não atrapalhar, já pode ser uma ajuda. Não estamos à espera de soluções milagrosas, que o PM recorda serem impossíveis; não aceitamos que coisas desta natureza fiquem à mercê das populações isoladas, como sugeriu o secretário de Estado e quanto às férias que a ministra não teve, talvez a diferença não seja grande.

Organização, seriedade e competência, pode-se pedir? Ou isso releva já do domínio do milagroso, nos tempos que correm? E fico por aqui, dado que a seguir só conseguiria acrescentar palavrões feios.

PS1: Desde Pedrogão até hoje, alguém viu uma campanha de informação estruturada sobre o que fazer e o que não fazer em casa, no carro ou na praia quando houver um incêndio por perto? Eu não vi, mas posso ser eu que ando distraído.

PS2: Se ainda não choveu e as temperaturas continuam elevadas, à medida que o tempo passa a vegetação estará mais seca e o risco de incêndio será maior, certo? Então porque se reduzem os meios disponíveis? Somente porque mudou o nome do mês no calendário?