05 agosto 2013

Ter ou não ter GPS: Eis a questão!

Em tempos idos, ao palmilhar caminhos, mais concretamente para os lados do Gerês Oriental, havia um colega do grupo que tinha uma mania terrível. Qualquer caminho que aparecesse, à direita ou à esquerda, largo ou estreito, com cara de uso ou nem por isso, ele sugeria: “E se fossemos por aqui?”. A resposta era invariavelmente a mesma, ou uma de várias: “Esse caminho não tem cara de ir dar a lado nenhum, vai-nos desviar do nosso objectivo, fazer-nos perder tempo, qual o interesse de ir por aí à toa?” Ele, invariavelmente, respondia: “É capaz de ir dar a um sítio giro!”

Recordo-me disso quando agora, ao circular de bicicleta pelo monte, em cada encruzilhada me questiono: “E se eu fosse por ali?” E tento “cheirar”, procurar adivinhar qual a dinâmica e o destino daquele caminho, pensando: “Se tivesse um GPS, seria mais fácil”. Poderia com mais segurança tentar novos caminhos, minimizando o risco de chegar a um local sem saída no fundo de um vale e que exigisse muita energia adicional para de lá sair. E é que com a bicicleta a energia disponível tem limites!

Assim, até já seleccionei o modelo que me parece mais adequado, e vou seguindo nos sites de compra o respectivo preço para ver quando me aparece com um bom desconto para o agarrar. Ainda não encomendei, e por três razões: em primeiro lugar ainda não me apareceu a tal proposta tentadora, em segundo lugar porque os tempos que correm e que aí vêm sugerem contenção máxima… e falta uma razão.

Uma coisa é andar de cabeça erguida, tentando adivinhar, cheirando, estudando o mapa antes e depois e ir descobrindo e interiorizando o espaço explorado. Outra coisa é descarregar tudo, mapas e caminhos, para a maquineta e olhar para o seu visor, apenas. Afinal o G. tinha alguma razão quando insistia no desafio de  “E se fossemos por aqui… ?”. Se na altura houvesse GPS era mais fácil responder-lhe, mas não era a mesma coisa!

04 agosto 2013

O que o Povo quer

Quando há vários processos simultâneos com algumas semelhanças, é tentador fazer comparações e procurar paralelos e divergências nas causas e nas formas. O que pode haver de comum entre alguns movimentos de contestação em curso actualmente, como as primaveras árabes, a contestação na Turquia ou até no Brasil? A utilização de redes sociais é um ponto comum, é certo, como também o será serem usadas ruas e praças para os protestos, sendo que nada daí se conclui de muito relevante. Recordar ainda que Taksim em Istambul e Tahrir no Cairo começam ambas por “Ta” é … disparate.

No caso das chamadas primaveras árabes há certamente um contexto sociocultural com bastantes semelhanças nos vários países e, sobretudo, houve uma Al-Jazira, canal de televisão do Qatar, que ajudou a difundir e a propagar as contestações. Curiosamente no amigo Bahrain, ali mesmo ao lado, a ajuda foi outra. A Arábia Saudita foi apoiar militarmente o regime instalado, objecto de contestação popular. Se excluirmos estas e outras causas externas do xadrez geopolítico mundial que como, por exemplo, na Síria transformaram um movimento inicial genuíno de contestação num “simples” confronto sunita/shiita, penso que o traço comum nestas e em muitas outras revoluções passadas e futuras é simplesmente a população querer viver melhor. E este “melhor” declina-se em diferentes dimensões conforme os valores de cada um.

Para uns o melhor é haver mais liberdade, mais justiça, mais oportunidades, igualdade de acesso às mesmas, mais valorização do mérito e outras coisas desse género. No entanto, para muitos e muitos o “melhor” é simplesmente materialmente melhor como terem casa, carro e férias. Terem tudo aquilo que vêm nas imagens do mundo que lhes chegam lhes pela televisão e pela internet e a que eles acham terem direito.

Haverá países em que colocar uma parte da população a viver melhor é relativamente fácil. Basta actuar na válvula repartidora dos rendimentos dos recursos naturais que jorrem, como naturalmente a do petróleo, quando este existe. Noutros casos, essa mudança só se consegue com maior criação de riqueza e esta nascerá a partir do contributo esforçado de muitos (de preferência todos), criadas que estejam as condições para tal. Aqui pode surgir um ponto comum e fatal. Num país em que o sistema de valores não é são, em que a distribuição da riqueza, pouca ou muita, não obedece a critérios justos, pode instalar-se um entendimento generalizado de que não vale a pena contribuir mais porque a retribuição nunca dependerá da contribuição.

O facto de a população querer viver melhor e entender que isso se alcança apenas com a redistribuição dos recursos existentes, poucos ou muitos, não importando se justa ou injusta, o fundamental é estar-se individualmente do lado dos beneficiários, dá muito mau resultado.

Infelizmente este risco não é exclusivo do Magrebe, Médio-Oriente ou América Latina. Aqui mesmo, o grande desafio é manter na maioria da população a convicção de que a retribuição é função da contribuição e não de outras coisas mais, diversas, mas sempre injustas. Só com essa fé e consequente empenho se constrói um futuro melhor. E essa é uma das funções básicas de um Governo.