27 janeiro 2021

Direito à saúde, antes e depois?


Se ainda estamos longe de conhecer o desfecho e todos os efeitos da atual pandemia, questiono-me se esta brutalidade terá um efeito duradouro na forma como se encara o direito à saúde real dos cidadãos.

Na vertigem dos números e das solicitações a um SNS que antes já não tinha muita folga, instalou-se a perceção na opinião de pública de que ninguém deve ficar para trás e condenado por falta de meios. Ainda bem.

Curiosamente, no passado, morrer na lista de espera para uma intervenção ou sofrer um sério agravamento de saúde por falta de tratamento a tempo era considerado um “fatalismo”, que se lamentava, mas pouco escandalizava. Acrescente-se ainda que essas situações faziam parte de um quadro de solicitação regular. Não eram devidas a uma excecionalidade imprevista.

Durante muitos anos não chocou sobremaneira o SNS não conseguir atender razoavelmente a rotina. Hoje entende-se que mesmo para uma situação extraordinária e sem precedentes é dramático não poder tratar toda a gente. Como será para o futuro?

26 janeiro 2021

Falta de comparência

É a expressão que me parece mais adequada para caraterizar as recentes eleições presidenciais. Falta de comparência dos dois principais partidos que não entraram a sério nas mesmas. O PS “principal” queria Marcelo reeleito, mas não o quis assumir, nem apresentar candidato próprio; Marcelo é PSD, mas não quis assumir essa colagem ao seu partido. Não me recordo de ver nenhum senador destes dois partidos a dar a cara ativamente na campanha. É assim tão irrelevante o PR em Portugal? O eleitorado com o qual o PC e o BE contavam para carimbar a presença ritual dos seus candidatos também não comparecerem conforme as previsões. No caso do CDS a falta de comparência é mais funda, é da própria liderança.

O Chega e a IL estão a capitalizar a sua recente visibilidade no Parlamento e a sua “diferença”, nem sempre pelas melhores razões. Aliás, a promoção feita de André Ventura, a partir de iniciativas com objetivo oposto, acabou por se tornar o tema principal da campanha. Evoca-me a imagem de, face a uma pústula, o doente a espreme, espalhando o pus e o mal, em vez de verdadeiramente tratar a causa. Sendo este crescimento o fato mais relevante em termos de evoluções futuras, algumas reflexões.

Os partidos unipessoais não têm muita perenidade e este hoje vive todo do protagonismo exclusivo do seu líder. Não sei como o “mister” se irá aguentar quando/se um dia precisar de mostrar uma equipa em torno dele, em vez de apenas mandar algumas bocas algo assertivas e outras bazófias de mau gosto/princípio. Candidatos excitados pelas cadeiras disponíveis que se pressentem não devem faltar, mas de que perfil e com que efeito na identidade do partido? Lembram-se do PRD?

O Chega não teve (terá?) sucesso pela tal ideologia de extrema-direita. Essa era a do PNR de Mário Machado que nunca entusiasmou gente que se visse. Se o Alentejo “Ainda há-de ser Chega!” é por outros motivos. Ignorá-lo é falta de comparência ao diagnóstico sério.


21 janeiro 2021

Coisas de Mouros e Mouras


Já por aqui referi as duas visões simplificadas da presença e herança muçulmana por estes lados. Um destes dias resolvi espreitar o que se diz sobre o tema em terras irmãs. Encontrei algumas semelhanças. Na forma como os reinos cristãos procuram uma afirmação hegemónica cultural menorizando essa herança nos atos e na narrativa histórica e também na forma como caçadores do exótico, hipnotizados pela diferença perdida vêm herança mesmo onde ela nunca existiu.

E encontrei duas Espanhas. Um na zona onde a permanência foi longa e após a reconquista persistiram comunidades muçulmanas. Comunidades não integradas e supostamente colaborantes com os piratas mouros do norte de África que saqueavam e capturavam escravos na costa levantina. O facto de Granada ter ficado muçulmana ainda dois séculos após a reconquista principal, contará bastante para a persistência dessas comunidades, a sua visibilidade e conflitualidade. Chegou a ser decretada em 1609 uma ordem de expulsão formal dos mouriscos de Espanha, que se encontravam principalmente no Sudeste, especialmente por Valencia e Aragão.

Depois, há a outra Espanha, onde os muçulmanos foram efetivamente mais uma passagem do que uma presença, especialmente na Galiza. Aí mouros e mouras são um elemento fantástico, não necessariamente de carne e osso. Vivem em poços, fontes, enterrados na terra e, mais do que pelas espadas e adagas, se receiam pelos encantamentos e fenómenos sobrenaturais. Coisas estranhas e inexplicáveis são candidatas a “coisas de mouros”, muitas vezes refletidas na toponímia.

Em Portugal encontra-se certamente o equivalente desta visão galega, mas muito menos a outra. Não sendo especialista, não me recordo de ver referencias a relatos de tensões e rebeliões envolvendo comunidades muçulmanas pós-reconquista, muito menos no século XVII. Porquê? Certamente o além do Tejo, onde a presença foi mais longa, teria uma dinâmica e importância (e demografia?) incomparavelmente menores do que a costa levantina e isso conte para alguma coisa… tema a seguir

17 janeiro 2021

Juventudes acaloradas

Não é raro mesmo os filhos bem de famílias bem burguesas serem na juventude fervorosos adeptos e ativos promotores de amanhãs diferentes. Se a prática desses amanhãs foi, é e continuará a ser pouco harmoniosa, nos calores da mocidade desculpam-se alguns ímpetos pouco refletidos. Por norma a realidade dos fatos acaba por se impor e não faltam por aí ex-trotskistas, ex-maoístas, ex-marxistas-leninistas e até ex-maduristas.

Um problema que me parece novo é quando esses entusiasmados sobem nos aparelhos partidários e chegam a ministros. Veja-se o caso de Pedro Nuno Santos que descobriu que excitações e palavras tesas não pagam faturas nem salários e passou a PNS 2.0, mas somente depois de nos fazer enterrar uns milhares de milhões na TAP. Uma aprendizagem cara.

Ao atual líder da JS, um sucessor de PNS, só peço que não chegue a ministro. O país não aguenta. E quanto a Xi Jinping ser preferível a Trump, basta-lhe passar um mês em cada um dos dois regimes para descobrir onde se está melhor. E quanto à JS ir fazer campanha por toda a “esquerda”, sugiro que comecem por praticar na Coreia do Norte e na Venezuela. Estamos sempre a tempo de aprender, mas tentem aprender rápido!

14 janeiro 2021

José Luis Lopes da Mota


As trapalhadas, qualificação benigna, vistas com a escolha e indicação do procurador europeu fizeram-me deparar com o nome que dá título a este texto.

Em 2009, quando era presidente da Eurojust terá dito aos procuradores que investigavam o caso Freeport que era necessário arquivar o inquérito, caso contrário, se o PS perdesse a maioria nas eleições, “Alguém pagaria caro por tal fato”.

Como consequência foi condenado a uma pena de suspensão de serviço por um mês. A atual ministra Francisca Van Dunem terá sido o único elemento do órgão disciplinar do Ministério Público a votar contra a penalização.

Em 2017 pediu para ser reabilitado, a sua folha disciplinar foi limpa e assim pode tomar posse como juiz conselheiro do Supremo Tribunal de Justiça.

Em 2020 foi nomeado pela Ministra da Justiça como seu adjunto de gabinete.

Não acrescento considerações ou interpretações sobre os fatos acima enunciados. Apenas uma reflexão: “Os populismos galopantes são realmente um problema que urge combater".

12 janeiro 2021

Não, esta culpa não é do Governo


Há uns dias atrás escrevi que as restrições drásticas impostas pelo Governo à circulação dos cidadãos equivaliam a desresponsabilizar e infantilizar o povo, tratando-o como pequenos “Vitinhos”, que é preciso alguém mandar para a caminha.  A evolução da pandemia, entretanto conhecida, e o novo confinamento mais severo anunciado parecem sugerir que eu estava errado e que se houve falha da parte do Governo foi por não ter imposto mais restrições no Natal.

Entendo que não, que a culpa da explosão dos números não é do governo, mas sim de comportamentos individuais. Estamos num terreno onde não podemos assumir ser aceitável tudo o que não for proibido e que, se alguém fez asneira, a culpa é do Governo, que não o proibiu.

Sim, há questões de saúde pública e de saturação das infraestruturas sanitárias, mas… Não falta quem tenha tido necessidade de tratamento por comportamentos evitáveis do próprio ou de terceiros. Vamos proibir o tabaco para limitar o cancro do pulmão, as bebidas alcoólicas pelo fígado e demais complicações, os rojões por causa do colesterol, caminhar na rua pelos atropelamentos, passear de bicicleta para não haver ossos partidos e ir à praia entre as 12 e as 15h para reduzir o cancro da pele... e poderíamos continuar com uma longa lista de proibições destinadas a aliviar o SNS.

Há uma diferença fundamental a ter em conta. É entre os riscos conhecidos, integrados cultural e quantitativamente, e o Covid-19 onde pisamos terreno ainda pouco conhecido. Estamos habituados a ser “normal” morrer por falta de meios atempados de tratamento para uma doença “clássica”; morrer de Covid-19 por saturação do SNS é que não se aceita.

A culpa do contágio só será do Governo num país de Vitinhos. A saturação do SNS é outra história. Seremos efetivamente Vitinhos que sem ordem para ir dormir não o fazem?

10 janeiro 2021

O papel das elites

 

As inverosímeis imagens que vimos esta semana do Capitólio dos EUA constituem uma tentativa de golpe de estado. Uma multidão toma de assalto uma instituição fundamental do regime, com o objetivo de evitar pela força uma transição de poder legitima.

Obviamente que estamos nos EUA onde as instituições são sólidas e apesar dos 70 milhões que votaram Trump, os apoiantes destes métodos serão bastante menos, não sendo suficientes para a consolidação da revolução tentada.

Trump não pertence, se dúvidas ainda houvesse, ao universo dos habituais inquilinos daquelas paragens e instituições. Não se está a ver nenhum outro presidente efetivo ou potencial a comportar-se daquela forma. Mas, aí está a força (e a fraqueza) dele. Ao desconhecer o mínimo respeito pelas instituições e ao apelar aos seus apoiantes à mesma atitude, ele encontra ouvidos nos que entendem que as instituições e respetivos inquilinos habituais não os respeitam também.

A cura para este mal não passa por mais polícia, independentemente de neste caso ter sido insuficiente. A solução depende das elites e do seu trabalho responsável e sério de credibilização, de escuta, de humildade e de exemplo. Deixar arrogantemente a "escumalha" à deriva é armazenar pólvora que só espera a faísca, que se pode chamar Trump ou outra coisa qualquer, nos EUA ou noutro local do planeta. Vejam o perfil e curriculum dos atuais líderes que por aí andam e ouçam-nos a pedir respeito…

08 janeiro 2021

Os CVs inflacionados


Quem já participou em processos de recrutamento conhece e terá estado em guarda quanto aos CVs inflacionados. Alguém que invoca conhecimento profundo de um domínio com o qual teve um contato tangencial, que anuncia ter liderado projetos em que participou secundariamente, que afirma ter realizado coisas que apenas viu fazer… e por aí fora. É relativamente frequente e não abona muito a favor de quem assim se apresenta.

A indicação pelo governo de José Guerra para procurador europeu com a invocação de argumentos falsos para justificar a ultrapassagem da candidata escolhida pelo júri internacional, é um pouco muito isso.

Para o lugar e o contexto em causa é necessário investigar quem inflacionou o CV e alguém tem que ser responsabilizado. Não está em cauda um simples lapso como um erro ortográfico…

06 janeiro 2021

Custos elétricos


A recarga pública de veículos elétricos começou por ser gratuita, como forma de fomentar a sua utilização, e, entretanto, deixou de o ser. Supostamente a concorrência e o custo real começaram a entrar em jogo, existindo dois grupos de entidades envolvidas: os PCR, que instalam e exploram os postos de recarga o os CEME, que fornecem a energia. Assim, uma carga tem duas componentes de custo, podendo até uma ser função da duração e outra da energia fornecida. Simples!

A UVE (Associação de Utilizadores de Veículos Elétricos) fez um estudo comparativo para o custo de uma carga de 15 kwh, equivalente aproximadamente a 100 km, em diferentes cenários, com o resultado representado na imagem acima.

Constatando um custo médio de 6 Eur/100km, se considerarmos um preço médio do gasóleo de 1,32 Eur/l e um veículo que gaste 4,5 l/100 km, empata! Veremos se estamos em presença de um transitório ou de uma tendência, mas será algo perturbador que o custo de utilização do VE se aproxime do de um convencional, recordando ainda que no preço dos combustíveis já existe uma brutal componente fiscal. Obviamente que se o veículo for recarregado em casa, e especialmente com tarifa bi-horária, as contas são muito diferentes, mas… apesar de todos aspetos positivos que a mobilidade elétrica possa ter para algumas utilizações, talvez não seja assim tão evidente esta “descarbonização” generalizada.

Uma pequena nota final – existirem postos de recarga exclusivos de uma marca, também não faz muito sentido, nem ajuda à causa, pelo menos nesta fase do campeonato.

05 janeiro 2021

Não há quem pense ?

Quando alguns milhões de portugueses receberem o seu boletim de voto para as próximas Presidenciais em 24/1, encontrarão na primeira linha um senhor ilustre pouco conhecido, que apresentou um dossier onde constavam 11 assinaturas, das quais 6 válidas, contra um mínimo de 7500 necessárias.

Naturalmente que a lógica diria que esta candidatura não iria muito para lá da porta da rua. Mas não. Foi tudo tratado conforme as normas e procedimentos. Acontece que o timing do checking pelo Tribunal Constitucional não teve fit com o deadline do printing dos boletins.

E assim, uns milhões de portugueses passarão a conhecer este senhor. Para todos os narcisistas, fica aqui uma pista para a próxima? Não, para a próxima já deverá haver trancas na porta, mas, sinceramente, 


não há quem pense… antes?

03 janeiro 2021

Somos todos Vitinho ?!




O Vitinho passava na televisão a uma hora certa com uma mensagem que dizia às criancinhas: “Está na hora da caminha, vamos lá dormir”. As recorrentes e abrangentes restrições decretadas nestes tempos parecem-me num nível de tratar o povo todo como “Vitinhos”. Em março de 2020, quando a pandemia disparava sem se saber onde iria parar, na surpresa e incerteza generalizadas pode-se aceitar um grandes/incertos males, grandes (tentativas de) remédio.

Hoje, continua a ser necessário regulamentar comportamentos e estabelecer restrições, mas já deveríamos estar num ponto mais afinado e seletivo, menos bruto. Certo para alterações de horários de funcionamento, certo para limitar reuniões, políticas e outras, certo para impor distanciamentos, desinfeções e máscaras, mas … impedir a circulação ou a travessia de fronteiras concelhias é abusivo quanto aos direitos e excessivo quanto aos efeitos. Se, por exemplo, um sábado à tarde me apetecer ir ao Gerês apanhar ar, apenas isto, não estou só por isso a potenciar o alastramento do Covid-19.

Alguém aceitaria ser linearmente proibido de conduzir ao fim de semana para limitar acidentes rodoviários? Há regras elaboradas com esse objetivo, mas não são de cortar o mal e a raiz. Existem vários exemplos de comportamentos individuais irresponsáveis que podem pôr em risco terceiros, mas mal estaríamos se o tratamento fosse a castração sistemática e um polícia em cada esquina! Não, não queremos ser Vitinhos!

Atualizado em 04 01 com imagem da publicação no "Público".