30 novembro 2006

P de Papa ou de Político ?

Lembram-se daquele Cardeal Ratzinger que se opunha ferozmente à entrada da Turquia na Comunidade Europeia, chegando a dizer, instalado no quentinho do Vaticano, que se isso acontecesse, teriam sido em vão as vitórias em Viena sobre os Turcos em 1529 e em 1683?

Lembram-se desse mesmo Vaticano que lutou até à exaustão pela inclusão da referência ao Cristianismo no preâmbulo do projecto de Constituição Europeia, num espírito de identificar a Europa como “território cristão”?

Esse mesmo Cardeal, agora Papa, no frio do terreno de uma visita à Turquia, afirma que é favorável à entrada desta na Comunidade Europeia.

Evidentemente que todos temos direito a mudar de opinião e não há infalíveis, nem mesmo o Papa. Agora, dizer isto inesperadamente, para aquecer o ambiente, acho que não serve para muito. Cheira a “Política” no seu pior: dizer o que os outros gostariam de ouvir. E quando se nota que se está a ouvir algo, só porque quem o diz nos quer agradar, sem muitas preocupações de convicção, o efeito poder ser contrário.

Sem dúvida que é necessário dar grandes passos para o desanuviamento nas relações entre religiões em geral e entre o cristianismo e o islão em particular e provar que ambas podem co-existir e serem compatíveis com um modelo social respeitador da liberdade e da dignidade humana. Agora, com politiquice é que não. É que os “outros” podem ser diferentes em muitas coisas mas não são necessariamente burros.

28 novembro 2006

A luta que continua

Eu, e creio que muitos mais, já não temos pachorra para as demonstrações e as lutas dos funcionários públicos. Não os ponho todos no mesmo saco, até porque, sendo tantos, haverá estatisticamente espaço para tudo.

Gritam escandalizados pela perda dos direitos adquiridos. A seu lado, que gritariam, só como exemplo, os trabalhadores da Opel Azambuja? Ou os da Autoeuropa que viram recentemente ser anunciado, de um dia para o outro, que 3/4 dos seus colegas de Bruxelas “vão à vida” ?

É desesperante não haver a mínima abordagem a como fazer melhor com menos recursos; como contribuir para criar mais valor. Do lado dos sindicatos, tudo o que seja tentar separar o trigo do joio, é uma reversão das conquistas dos trabalhadores que devem ser todos promovidos a par, independentemente do mérito e do contributo de cada um.

É estúpido não procurar que os recursos existentes sejam geridos para trazer mais riqueza ao país. E é egoísta exigir esses recursos para progressões automáticas, em vez de os deixar serem utilizados para criar condições para a reintegração de quem vai sair da Opel Azambuja e de tantas outras.

25 novembro 2006

A África chinesa

Uma recente edição do NYTimes on-line trazia, em nada menos do que 6 páginas, uma longa reportagem sobre a aventura africana da China, centrada em Angola.

Basicamente: Angola tem petróleo e precisa de financiamento para obras públicas. É uma espécie de milagre ao contrário. Os organismos de financiamento “ocidentais” como o FMI condicionam o seu apoio a o país a uma série de coisas chatas. Para lá do rigor nas contas públicas, a opinião pública ocidental pressiona para um bom governo e transparência.

Os chineses, desesperados para encontrar fontes de energia para produzir bens que os ocidentais os ensinaram a fazer, são mais flexíveis. Compram o petróleo e financiam/realizam as obras públicas com “respeito pela especificidade africana”. E aqui, evidentemente, não há opinião pública que pressione para nada.

Portanto: os ocidentais estão a enriquecer a China, dando-lhe tecnologia e conhecimento em troca da utilização do manancial de mão de obra barata. A China enriquecida, apresta-se a tomar posição forte nos países ricos em recursos naturais, ultrapassando os ocidentais que, com mais ou menos disfarce, ainda têm alguns pruridos em fechar os olhos ao que se passa nesse terceiro mundo tão rico quanto pobre.

Daqui a uma dúzia de anos vai-se dizer: se calhar cometemos um erro de análise quando considerámos a China o Eldorado da produção industrial e lhes ensinámos tudo o que sabíamos.

20 novembro 2006

Vai ser ela?


Esta carinha laroca, que qualquer sogra gostaria de ter como nora, vai ser a candidata do PS às eleições presidenciais francesas de 2007. Também face à concorrência existente como Fabius e afins, não é para surpreender.

Previsivelmente correrá contra um Sarkosy que também se deverá impor contra a corrente tradicional da direita francesa. Será uma partida radicalmente diferente do anterior clássico de Chirac contra Jospin e que deu como resultado ver Le Pen na segunda volta.

O problema é que, apesar de tudo, com os clássicos, sabe-se o que se espera e com estes “estranhos” não se sabe o que vai dar. E, em França, quando lhes dá para inovar o resultado é imprevisível.

Não, não é machismo da minha parte. É que me cheira a estética a mais. Uma certa postura de afirmação ... pelo charme. E, quando é assim, desconfio.

Um presidente de “pose”, masculino, como Chirac, Giscard ou Miterrand, é uma coisa habitual. Napoleão continua a ser uma referência mais ou menos consciente, mas um poder matriarcal será inconcebível e dificilmente digerível para uma boa parte da elite francesa.

Como ficará uma França governada por uma Cleópatra?

Vai ser bonito, vai ... !!!
Foto extraída do Le Monde

18 novembro 2006

Coisas palavras

... é o que diz Molero, há os que tomam o peso à palavra, os que lhe medem o comprimento e a altura, os que cheiram a palavra, os que espreitam para dentro dela, os que se empoleiram nela, os que a trazem às costas, os que a limpam constantemente, que a guardam avaramente na algibeira, que dormem com ela debaixo do travesseiro, que a colam ao céu da boca, que andam na rua com ela a dançar à frente dos olhos de depois dão com a cabeça num candeeiro, que tomam possa dela, de preferência à luz das estrelas, e depois deitam-na fora sem mais nem menos, esta palavra já está, agora venha outra, e há os outros, aqueles que amontoam palavras, que estão atulhados de palavras, caem-lhes palavras do bolso quando tiram o lenço com um gesto abrupto, e cada folha de árvore tem um nome, e cada grão de areia também tem, e as palavras que existem já não chegam, fazem palavras novas com tudo o que aparece, tiram palavras do ombro quando sacodem a poeira, e depois nascem palavras por geração espontânea, são já palavras que se escrevem a si próprias, umas puxam as outras, nunca mais acaba, e há aquela história, um pouco à Kafka, do homem que se fechou por dentro enquanto as palavras se amontoavam do lado de fora da porta, espalhavam-se pela escada e chegavam à rua, apoderavam-se da cidade e do país, faziam pressão sobre a porta, o homem colocava cadeiras e mesas do lado de dentro para as palavras não entrarem, nunca se chegou a saber o fim desta história, o autor tomou arsénico às colheres antes de escrever o último folhetim, a história era em folhetins passados ao stencil e enviados pelo correio aos assinantes de O Silêncio É de Oiro.....


In “O que diz Molero” de Dinis Machado

16 novembro 2006

A História no Parlamento

Penso que na teoria não há nenhuma boa razão para a não adesão da Turquia à Comunidade Europeia. Provavelmente a Comunidade ganharia muito com esta extensão, desde que correctamente faseada. Principalmente o povo turco, esse seguramente, beneficiaria muito com este enquadramento comunitário. Poderia servir de exemplo para provar que é possível um país de maioria islâmica conviver com os padrões culturais “europeus” de liberdade e de respeito pelos direitos do homem, esvaziando muita da polémica histérica que toma a árvore pela floresta. Recusar a Turquia por a sua população ser maioritariamente islâmica seria reconhecer uma identificação religião/padrão social que só interessa aos extremistas.

Tudo estaria bem se a Turquia fosse mais pequena. Mas os seus 70 milhões são dificilmente digeríveis. Uma boa parte da população europeia, em especial na França e na Alemanha, já traumatizada pela sua imigração actual mal integrada, nunca aceitará a curto prazo uma entrada efectiva da Turquia. Seria uma prenda eleitoral dada de bandeja aos partidos xenófobos e de extrema direita.

É politicamente incorrecto, ver impossível, dizer “não” à Turquia, mas, na prática, convém que não avance demasiado rápido. O que arranjaram os tortuosos franceses? Acharam importantíssimo e premente redigir uma lei condenando quem “negar” o genocídio arménio cometido pelos turcos no início do século XX. Como essa negação coincide com a posição oficial turca, está de bom de ver quais as consequências. Para lá da discussão filosófica sobre liberdade de expressão e da actual relevância de semelhante iniciativa, ela tem uma efectividade indiscutível. É uma bela forma de colocar areia na engrenagem do processo de adesão turco.

Os Turcos que já foram cabeça de império, e que é coisa que não se apaga facilmente, contra-atacam com o genocídio francês na Argélia. A Argélia que tem uma história não bem cicatrizada de colonização francesa e de processo de independência, exige à França que reconheça esse genocídio e tentativa de destruição da cultural local e que peça desculpa ao povo Argelino.

A mesma França, cujo Parlamento em Fevereiro votou e aprovou uma lei referindo e elogiando o papel positivo da colonização francesa no mundo e em particular no Norte de África, responde candidamente que a história deve ser deixada para os historiadores. Esta Europa está plena de belos exemplos.

14 novembro 2006

Falta de quê ?

Segundo o DN de ontem, nas duas greves da função pública realizadas em 2005, só metade dos ausentes é que “fizeram mesmo” greve. A outra metade terá justificado a falta, para não perder o dia, de várias formas mas muito provavelmente através do miraculoso e sacrossanto atestado médico.

Ajuda bastante a entender a disparidade de números apresentados nos balanços do governo e dos sindicatos.

Isto só prova o que já se adivinha. Que uma boa parte destes grevistas nem sequer têm a hombridade de assumir a sua posição de protesto plenamente. Sem dignidade ficam também os sindicatos ao fecharem os olhos a estes desvios e ao contarem estes doentes súbitos na sua estatística para justificar a larga adesão ao seu movimento de contestação!

Tanta coisa que falta !!!

09 novembro 2006

Desabafo

Podia pegar num assunto da actualidade e desancar como, por exemplo, a história dos bancos e a sua “revolta” contra o fim do chamado arredondamento dos “spreads”; picar uma notícia curiosa do NYTimes ou do Le Monde; escolher uma fotografia engraçada e baptizá-la com um título desafiador ou podia ir ao baú do sorriso marginal, pegar em qualquer coisa e passá-la a prosa...

Podia, mas há momentos em que é difícil dar sequência ao que está atrás. Fica este desabafo para ajudar à transição...

06 novembro 2006

Sem mais

Ao Rui não se podia pedir prazos nem horários. Também não se lhe podia pedir ligeireza nem que deixasse coisas por acabar. Meticulosamente descascava todos os bits e ia ao fundo de tudo, sempre em busca da perfeição. Com tempo e com segurança. No pior dos casos ficava em suspenso à espera para fazer o download da próxima versão da NDC, que iria trazer o bug corrigido. Havia sempre uma próxima versão.

O Rui contava a sua história, sistematicamente, com todos os pormenores. Qual o efeito do último “download químico” e o que se seguiria. Os meses em suspenso passaram a anos. Com o tempo a avançar, acreditamos que o Rui ia ser capaz de tudo descascar, persistente e determinado, como nos tinha habituado. Que o tempo jogava a favor dele e que haveria um download final que resultaria. E ele explicava tudo calma e sistematicamente até a tosse o interromper. Ainda tinha tempo para perguntar pelos problemas dos outros. Nunca mudou nada na postura nem no tom da voz. Acho que continuava sempre a acreditar no próximo download.

Mas não houve mais.