30 dezembro 2006

Devagar se vai ao longe




Estes ditados, como muitas afirmações e “verdades”, têm uma validade muito dependente do contexto. Fugir de um fogo lentamente não será necessariamente uma garantia de chegar longe.

Li uma vez, já não sei onde, que os obesos activos são mais ponderados nos seus movimentos por lhes ser penoso ir, errar, regressar e recomeçar. Um atleta cheio de energia pode dar-se ao luxo de correr 2 quilómetros para uma deslocação que, bem pensada e planeada, poderia ser feita em 200 metros. O obeso não e, por isso, antes de avançar, verifica bem se está mesmo a tomar o caminho mais curto.

De uma forma geral, uma limitação de recursos força uma melhor gestão. Ou, buscando outra frase feita: “ A dificuldade aguça o engenho”.

Tudo isto a propósito desta “modernice” actual e monótona do rápido/urgente/urgentíssimo. Como já ouvi dizer várias vezes: mais importante do que o que se decide, é decidir rapidamente. E a tecnologia ajuda muito, porque também rapidamente podemos corrigir. Antes de haver telemóveis éramos muito mais organizados e cuidadosos. Tendo limitações de comunicação, tínhamos o cuidado de planear e acordar previamente os programas. Agora, podemos dar-nos ao luxo de “nada combinar” e em cima do acontecimento “acertar agulhas”.

Ou seja, com extrema facilidade, fazemos frequentemente a figura tonta do atleta que corre à toa percorrendo uma distância dez vezes mais do que a necessária.

Também, sendo verdade que as solicitações não são necessariamente regulares, existem duas formas de compensar essa variação. Uma é ajustando a velocidade, reduzindo e acelerando, mas nem sempre se domina bem a inércia. Outra forma é manter a corrida e ir a direito quando a coisa aperta e ziguezaguear quando há menos para fazer. Esta última tem um efeito secundário “excelente” que é transmitir a ideia de que se tem sempre muitíssimas coisas para fazer. Pode ser é viciante!

Com os votos de um de 2007 em ritmo certo!

27 dezembro 2006

Já chega de rotundas

O Presidente da Câmara Municipal de Viseu e da Associação Nacional de Municípios dizia em entrevista recente à comunicação social que já tinha feito muitas rotundas. Com orgulho precisava que em Viseu, numa estrada de quatro quilómetros, existiam seis rotundas!

Feitas as rotundas, acrescentava que os autarcas estão disponíveis para passar a outro tipo de intervenção como a gestão directa de áreas do ensino e da saúde. Isto, em teoria, até poderia fazer sentido, mas se pensarmos um pouco nos padrões frequentes de contratação e gestão dos recursos humanos municipais, desde a pequena Câmara do interior à volta da qual tudo gira, até à mastodôntica Câmara de Lisboa, vejo com bastante preocupação os autarcas a, por exemplo, seleccionarem professores.

É que o computador pode ser cego a muitos factores mas ao menos tem critérios objectivos, bem definidos, estáveis e facilmente verificáveis.

Uma sugestão, e para não ser redutor à partida, seria submeter os municípios a uma auditoria especializada e independente da gestão dos seus recursos humanos. Como foram contratados, qual o seu enquadramento e produtividade. Só aqueles que passassem nesse exame e demonstrassem seleccionar pelo mérito e terem quadros de pessoal de dimensão ajustada é que poderiam receber mais competências. Vai uma aposta para a taxa de sucesso?

26 dezembro 2006

Todo o Natal

Já se vinha a anunciar há uns tempos, mas este ano agudizou: a polémica sobre a descristianização do Natal.

Os guardiões da fé olham atentos para as representações do Natal que contornam a componente religiosa e não hesitam em apontar e acusar publicamente quem esquece que o Natal é, antes de mais, santo. Se quiserem ser coerentes nesse fundamentalismo também deverão atacar os mui pouco santos pinheiro de Natal, assim como o próprio Pai Natal, mas creio que isso já não arriscam.

Os guardiões da laicidade controlam as intrusões abusivas da efeméride e chegam ao ponto de proibir festas de Natal nas escolas. Uma coisa é ter um crucifixo permanente na parede à frente dos olhos de todos e que é abusivo. Outra coisa é promover uma festa de Natal que, obviamente, pode ter participação facultativa.

Mas, o que é certo, é que no nosso meio cultural o Natal tem um valor profundo, ao qual a maior parte dos agnósticos não escapa. E não estou a falar da hipocrisia de quem não crê em nada daquilo mas acha giro as festas e os presentes.

Estou a falar da fortíssima ligação do dia à família e ao lar. O Natal tem uma carga afectiva que talvez seja a mais significativa marca cristã global na sociedade civil europeia. E, os crentes pró-activos, em vez de andarem redutoramente de apito na boca a marcar falta cada vez que não vêm um presépio, deveriam talvez procurar entender a riqueza e a complexidade de uma celebração que atingiu uma dimensão que os ultrapassa. Poderiam tirar partido da mesma para passar uma mensagem de universalidade e de afirmação dos seus valores. Mas não, está mais na moda o fundamentalismo.

Nesta senda, acho que a próxima campanha poderia ser a proibição das mui pagãs fogueiras nas festas dos “santos populares” de Junho. Aqui, trata-se obviamente de uma celebração genuinamente pagã associada ao solstício do Verão e que a Igreja tentou integrar mas sem pleno sucesso. Está na hora da pureza formal!

23 dezembro 2006

Feliz Natal



É em locais como o documentado na fotografia que se executam actualmente a maior parte dos condenados à morte nos USA. Substitui a famosa cadeira eléctrica que demonstrou algumas falhas e efeitos secundários.

São administrados sucessivamente três produtos: o primeiro deve anestesiar e causar inconsciência, o segundo relaxa os músculos para evitar espasmos e o terceiro, final, pára o coração. Este último é tão violento que não é admitido sequer para matar directamente animais doentes.

Estaria, talvez bem, se funcionasse. Mas nem sempre funciona, como no passado dia 13/12, com o condenado porto-riquenho Nieves Díaz. Ou por as agulhas estarem mal introduzidas nas veias, ou por deficiências no fígado, argumento das autoridades, Nieves Díaz não morreu à primeira. Demorou 34 minutos e necessitou de uma segunda dose.

O problema é que, quando não funciona, não se sabe bem o que aconteceu. Pode por exemplo estar consciente mas já com os músculos sem acção e sentir a entrada e a actuação violentíssima do último componente. Dizem as testemunhas que ele mexeu muito os olhos.

Provavelmente a impressão que isto causa será a mesma em qualquer país, mesmo que não seja num que aboliu a pena de morte de forma pioneira há mais de um século, como Portugal.

Isto passa-se menos de duas semanas antes do Natal num país em que os guardiões dos altos valores cristãos perseguem as cadeias de retalho que se atrevem a promover o Natal sem assumir plenamente o carácter cristão do mesmo.

Só se pode acrescentar: ao menos aprendam a matar bem e com dignidade!

Feliz Natal e muitas prendinhas.

20 dezembro 2006

E se fosse a refazer...

Está quase a cumprir-se um ano, dia por dia, de um acontecimento que me virou a vida. Foi-me colocada uma questão que tinha duas respostas possíveis. Uma de continuidade, materialmente cómoda e intelectualmente insuportável e outra, complementar, de ruptura. Escolhi a segunda...

Após 3 meses de discussão, negociação e transição, iniciei um período de 6 meses, durante os quais não entrou um único euro na minha conta bancária. Controlei cada cêntimo que saía; cada litro de combustível consumido, cada minuto de telemóvel e cada compra de supermercado. Um custo que nunca questionei foi a assinatura ADSL que me permitiu comunicar, ler o mundo e publicar estas Glosas. Aperfeiçoei a culinária. Escrevi, li e aprendi coisas em atraso, mas sem nunca ficar em dia. Um dia por semana viajei a cantos e esquinas, enriquecendo o meu mapa mental de caminhos e a minha biblioteca fotográfica. Tive tempo inesgotável e disciplina para o usar. Semana após semana, mantive o ritmo dos contactos, reforçando os já feitos, acrescentando outro canal ou inventando outra iniciativa. Vivi uma Primavera de floração incerta com uma ponta de ansiedade e alguma insegurança mas sempre provando cada dia.

No último mês e pico, em que já tinha data para a retoma do fluxo dos euros, comprei a Transalp. Uma excentricidade em jeito de compensação das restrições anteriores. Nesse período, entre Minho, Gerês e Douro, foram 3500 km’s de cores, ventos, calores e cheiros. E foram também uns polegares quase abertos de acelerar e travar os 53 cv.

O ano completa-se por 3 meses baseado no outro lado do Mediterrâneo de gentes e costumes tão diferentes e tão próximos. E, claramente, enriquecedor. E, como dizia o poeta, “E se fosse a refazer, eu refaria esse caminho!”.

16 dezembro 2006

Fitas em Argel



Quinta-feira, que é como quem diz “sábado”, fui ao cinema. Não tendo mais que fazer no centro comercial onde está a “cinemateca”, entrei com meia hora de avanço. Para meu espanto, a sala já estava cheia a 3/4 e principalmente de pares às turrinhas. Deve ser o local por excelência para isso. Meia hora depois do filme começar ainda entrava gente e uma hora antes de acabar já saíam. E continuaram a entrar e a sair. Ou seja, um vaivém do princípio até ao fim. Nunca vi tal. Quando as luzes se acenderem já a sala estava praticamente vazia.

O filme: “Indígenas”. Bem a jeito para um certo consumo local que se considera “ad-eternum” vítima e credor dos malefícios da colonização francesa. O tema é de arrepiar. No início da segunda guerra mundial, o bravo exército Francês tinha caído heroicamente em “dois dias”. A inexpugnável linha Maginot cumprira perfeitamente a sua função: impedir um ataque frontal dos alemães! Os malandros é que resolveram dar a volta e atacaram-na por trás. Não se faz!!!

Quando a França, ainda ocupada, quer marcar presença activa na guerra, tem que recrutar voluntários nas suas colónias e especialmente no Magreb, ali mesmo à porta de Itália, por onde os Aliados entravam no Sul da Europa.

Na frente, estes “indígenas” são usados como “carne para canhão” de fraco valor. Para os motivar são franceses, cantam a Marselhesa e vão cobrir-se de glória a libertar a pátria; na altura dos reconhecimentos, promoções e fotografias: à frente os branco-brancos!

O mais escandaloso é a França da “Liberdade/ Igualdade/ Fraternidade” ter decidido, nos anos 50, congelar as pensões dos ex-combatentes cujos países de origem tinham obtido a independência. Chamaram-lhe “cristalizar”. Uma verdadeira jóia de figura de estilo. Dá para imaginar o que significa uma pensão congelada durante 50 anos??

O filme foi apresentado em privado à Presidência Francesa e dizem que a Bernardette ficou tão emocionada, “Jacques, il faut faire quelque chose!!!”, que o Jacques resolveu corrigir. Felizmente que para o défice Francês, 60 anos após o fim das hostilidades, já devem sobrar poucos felizes contemplados. E os que sobram não devem continuar a pesar durante muito tempo mais!

14 dezembro 2006

Reconstrução no pós-guerra



Sempre me intrigou a dinâmica das reconstruções nos pós-guerra. Em situação normal, a construção de uma simples ponte, por muito óbvia que seja a sua necessidade, é longamente ponderada até ser decidida e serem afectados recursos para a sua realização. E isto com todas as condições “ideais”: tempo para planear a solução, para fazer o projecto, para consultar empreiteiros, para negociar, para construir num prazo razoável, com fiscalização adequada e tudo o mais que permitiria, em teoria, uma óptima utilização dos recursos utilizados.

Numa situação de pós-guerra, há pontes, estradas, portos, aeroportos, escolas, habitações, infra-estruturas de energia, de água e sei lá que mais a reconstruir. Numa dinâmica “normal” levaria anos e anos a realizar o equivalente a todas essas empreitadas. Num pós-guerra é muito mais rápido, apesar de, teoricamente, as condições não serem ideais. Qual a diferença? A urgência e a necessidade galvanizam as vontades ou simplesmente se injectam recursos brutalmente?

Voltei a reflectir neste tema recentemente ao ver partir o contigente de Engenharia Português que foi ajudar a reconstruir o Líbano. É verdade que há lá muitas pontes para reconstruir. No entanto, muita da destruição de infra-estruturas no Líbano não foi parte daquelas “inevitabilidades bélicas”, mas mais um capricho de Israel de demonstração de força, sem correspondente justificação militar. Evidentemente que o Líbano necessita de ajuda da comunidade internacional e tudo o que seja feito para estabilizar aquela parte do mundo é pouco, mas nós também temos cá muitas pontes para fazer e, principalmente, para consolidar. Porque raio vamos nós reconstruir aquilo que uma “birra” de Israel destruiu?


Imagem googleada de swissinfo.org

12 dezembro 2006

As três pancadas

Sou Engenheiro Electrotécnico de formação e, se calhar, até mesmo de vocação mas, por favor, não me peçam para tentar resolver problemas em PC’s!

No início da minha carreira profissional desenhei hardware e firmware para sistemas baseados em microprocessadores. Simples mas completos. E sabia com rigor o que fazia o bicho a cada passo, em que endereço, o conteúdo dos registos e o estado das flags. Configurava os endereços de interrupção, a profundidade da stack e tudo o mais. Os problemas, quando apareciam, tinham que ser perfeitamente identificados e corrigidos na origem. Não havia outra alternativa.

Mais tarde, desenhei arquitecturas complexas que corriam em sistemas operativos de outra dimensão. Tinham algumas particularidades. Por exemplo, tinham “memória” e precisavam de conhecer todos os passos anteriores. Desligar e voltar ligar deixava o sistema vivo mas amnésico e encravado. E, quando parava, fazia parar uma fábrica inteira ou uma outra instalação de peso. Todo o rigor era necessário para poder dormir tranquilamente. Não havia outra alternativa.

Os PC’s fazem, cada vez mais, coisas muito giras, mas com tanto encastelamento de funções e objectos, já ninguém sabe mesmo o que se passa dentro daquelas caixas. Pragmaticamente falando não seria dramático se funcionasse mas o drama é quando não funciona. Nessas alturas, na maior parte das vezes, já nem se tenta entender a origem do drama. Mudam-se uns parâmetros de configuração, instalam-se umas versões mais recentes dos produtos, ou até mais antigas, vai-se clicando aqui e acolá, desligando e voltando a arrancar e baralhando e tornando a dar até parecer que está resolvido. E pronto! Dá-se por concluído o trabalho.

Isto, em parte devido à minha experiência anterior, causa-me uma alergia terrível. Onde estava o problema? Voltará a ocorrer? Ninguém sabe! Só se sabe que, de momento, aparentemente, funciona.

Parece-me muito idêntico àquela técnica antiga de reparar televisores a válvulas em que se davam umas boas palmadas síncronas nos lados da caixa, completadas por uma boa pantufada no topo e... “já está!”

11 dezembro 2006

Saída de auto-estrada



Auto-estrada para Zeralda/Tipaza, direcção oeste de Argel.
Saída Bouchaoui/Club des Pins.

Acesso ao hotel Sheraton e ao Palais des Nations, centro de congressos e zona residencial para altos dignatários do estado. Todos os dias por aqui passam ministros, assim como uma boa parte dos visitantes de negócios de Argel. Há uma barreira de polícia escassas centenas de metros à frente.

Até há um mês atrás eu tomava essa saída todos os dias. Agora sigo em frente e saio na seguinte.

Ontem, ao fim da tarde, uma bomba explodiu à passagem de dos mini-autocarros que transportavam quadros de uma empresa americana. Apanhou o primeiro autocarro, propositadamente vazio, matando o condutor. Em seguida, metralharam o segundo provocando nove feridos de gravidade variada.

Fiquei parado na auto-estrada, bloqueada, enquanto procediam ao rebentamento de outras duas bombas artesanais que lá estavam ainda por explodir.

Estatisticamente falando, Londres e Madrid continuam a ser mais perigosas!

Foto do site do Jornal “Liberté”

10 dezembro 2006

Pós-peregrinação



... uma obra de homem outra coisa não é senão este longo caminhar para tornar a achar, pelos desvios da arte, as duas ou três imagens simples e grandes para as quais o coração pela primeira vez se abriu”
Albert Camus

O post anterior, com o marco, é daqueles que marca mesmo. E que não aceita facilmente uma coisa qualquer a seguir. E, então, fui buscar uma das minhas citações preferidas do mestre e trouxe-a para Tipaza, para junto daquele trio clássico de raízes do que somos : civilização romana, oliveiras e Mediterrâneo.
O que me faz acrescentar:

“A miséria impediu-me de crer que tudo está bem debaixo do sol e na história; o sol ensinou-me que a história não é tudo"
Albert Camus

08 dezembro 2006

Peregrinação



“Compreendo aqui aquilo a que se chama glória. O direito de amar sem limites.”Albert Camus

Inscrito na lápide colocada no local adorado pelo grande mestre.

E com um agradecimento ao Mohamed, funcionário reformado, a quem eu interrompi a contemplação do Mediterrâneo para me guiar na imensidão das ruínas romanas de Tipaza até ao local onde ele próprio tinha visto o mestre e que, no fim, não aceitou mais do que um aperto de mão.

07 dezembro 2006

Mediterrâneo bravo



Há quem estranhe o ruído do mar, que lhes perturba o sono. Hoje o mar passou a noite bravo. Esteve mais ruidoso do que o habitual. Mas dormi bem. Quem nasce à beira mar sabe com o que conta.

04 dezembro 2006

Ainda "Percepções e realidades"

Custou-me um pouco a digerir este livro de Santana Lopes, mas valeu a pena. É enfadonho ver desfilar a agenda de uns meses de primeiro ministro, enumerando os assuntos “abordados”, praticamente todos os do país e do planeta (?!), e a sua “opinião” célere e certeira acerca dos mesmos. Como se governar fosse ouvir uma vez e rapidamente sobre tudo opinar.

A descrição dos abraços e as fotografias com os “grandes do planeta”, como prova do “excelente relacionamento” alcançado, chega a ser confrangedora de tão provinciana. Pequeno será sempre pequeno.

Há um ditado que diz: “Os cães ladram e a caravana passa”. Para Santana Lopes cada simples latido é uma ameaça que o faz sobressaltar. Há uma atenção e uma importância dada a cada “ataque disferido”, que não é mais do que uma enorme demonstração de insegurança.

O livro é sintomático de um certo espirito do “não fui mais longe porque me cortaram as pernas”. Santana passa ao lado das trapalhadas assobiando para o lado, tentando desviar-se e sacudindo os pingos de chuva. O não assumir os erros é trocado pela conspiração e pelo “fui vítima do meu sucesso”. Típico do incompetente que se recusa a reconhecer que o problema está mesmo nele.

O mais interessante é, no entanto, a descrição das nomeações e das escolhas feitas. A par de umas breves considerações sobre as capacidades dos escolhidos, está quase sempre, e em grande relevo, a referência a “filho de..”, “casado com... “, “colega da faculdade...”, “amigo de um conhecido .... “, etc!
Meritocracia, onde andas?

03 dezembro 2006

“Percepções e realidade” por Santana Lopes

Entretanto, José Sócrates ganhava as directas para líder do Partido Socialista [....] No meu círculo havia quem atribuísse esta vitória de Sócrates também à popularidade que alcançou nos debates que tinha comigo, semanalmente, na televisão sobre temas da actualidade. Algumas opiniões referem que fui eu que “criei” José Sócrates como figura da comunicação televisiva.
[...] os debates da RTP, sempre um pouco mal amados nos dois partidos porque nos davam popularidade e porque [...] eu estava “a inventar Sócrates, ao dar-lhe tempo de antena”.


O homem, para lá dos 5 filhos, ainda é pai mediático de José Sócrates que, sem ele, não teria chegado onde chegou! Se calhar não teria chegado, pelo menos nessa altura, mas por outras razões. E é evidente que este confronto só terá trazido vantagens a Sócrates, mas antes pela fraqueza de Santana Lopes...


Governei com toda a boa-fé, cumprindo o princípio de não deixar para depois as medidas difíceis, mais exigentes, algumas que já deveriam ter sido tomadas. [...] Se soubesse que o Jorge Sampaio iria dissolver a Assembleia, antes de um ano depois da tomada de posse, obviamente não teria seguido esse cronograma de decisões, porque considerava importante para Portugal garantir uma nova maioria com princípios e valores de governação que defendo e não dar o poder a adversários com caminhos diferentes.

Estas duas frases, no mesmo parágrafo (!), são representativas da ondulação do autor. Por um lado faz uma profissão de fé na sua convicção em governar com firmeza e convicção e sem fugir às decisões difíceis e impopulares, postura que reforça em várias passagens do livro. A seguir diz que se sonhasse que existiriam eleições tão cedo, a estratégia seria outra porque ganhar as eleições, afinal, é prioritário relativamente às reformas necessárias.

30 novembro 2006

P de Papa ou de Político ?

Lembram-se daquele Cardeal Ratzinger que se opunha ferozmente à entrada da Turquia na Comunidade Europeia, chegando a dizer, instalado no quentinho do Vaticano, que se isso acontecesse, teriam sido em vão as vitórias em Viena sobre os Turcos em 1529 e em 1683?

Lembram-se desse mesmo Vaticano que lutou até à exaustão pela inclusão da referência ao Cristianismo no preâmbulo do projecto de Constituição Europeia, num espírito de identificar a Europa como “território cristão”?

Esse mesmo Cardeal, agora Papa, no frio do terreno de uma visita à Turquia, afirma que é favorável à entrada desta na Comunidade Europeia.

Evidentemente que todos temos direito a mudar de opinião e não há infalíveis, nem mesmo o Papa. Agora, dizer isto inesperadamente, para aquecer o ambiente, acho que não serve para muito. Cheira a “Política” no seu pior: dizer o que os outros gostariam de ouvir. E quando se nota que se está a ouvir algo, só porque quem o diz nos quer agradar, sem muitas preocupações de convicção, o efeito poder ser contrário.

Sem dúvida que é necessário dar grandes passos para o desanuviamento nas relações entre religiões em geral e entre o cristianismo e o islão em particular e provar que ambas podem co-existir e serem compatíveis com um modelo social respeitador da liberdade e da dignidade humana. Agora, com politiquice é que não. É que os “outros” podem ser diferentes em muitas coisas mas não são necessariamente burros.

28 novembro 2006

A luta que continua

Eu, e creio que muitos mais, já não temos pachorra para as demonstrações e as lutas dos funcionários públicos. Não os ponho todos no mesmo saco, até porque, sendo tantos, haverá estatisticamente espaço para tudo.

Gritam escandalizados pela perda dos direitos adquiridos. A seu lado, que gritariam, só como exemplo, os trabalhadores da Opel Azambuja? Ou os da Autoeuropa que viram recentemente ser anunciado, de um dia para o outro, que 3/4 dos seus colegas de Bruxelas “vão à vida” ?

É desesperante não haver a mínima abordagem a como fazer melhor com menos recursos; como contribuir para criar mais valor. Do lado dos sindicatos, tudo o que seja tentar separar o trigo do joio, é uma reversão das conquistas dos trabalhadores que devem ser todos promovidos a par, independentemente do mérito e do contributo de cada um.

É estúpido não procurar que os recursos existentes sejam geridos para trazer mais riqueza ao país. E é egoísta exigir esses recursos para progressões automáticas, em vez de os deixar serem utilizados para criar condições para a reintegração de quem vai sair da Opel Azambuja e de tantas outras.

25 novembro 2006

A África chinesa

Uma recente edição do NYTimes on-line trazia, em nada menos do que 6 páginas, uma longa reportagem sobre a aventura africana da China, centrada em Angola.

Basicamente: Angola tem petróleo e precisa de financiamento para obras públicas. É uma espécie de milagre ao contrário. Os organismos de financiamento “ocidentais” como o FMI condicionam o seu apoio a o país a uma série de coisas chatas. Para lá do rigor nas contas públicas, a opinião pública ocidental pressiona para um bom governo e transparência.

Os chineses, desesperados para encontrar fontes de energia para produzir bens que os ocidentais os ensinaram a fazer, são mais flexíveis. Compram o petróleo e financiam/realizam as obras públicas com “respeito pela especificidade africana”. E aqui, evidentemente, não há opinião pública que pressione para nada.

Portanto: os ocidentais estão a enriquecer a China, dando-lhe tecnologia e conhecimento em troca da utilização do manancial de mão de obra barata. A China enriquecida, apresta-se a tomar posição forte nos países ricos em recursos naturais, ultrapassando os ocidentais que, com mais ou menos disfarce, ainda têm alguns pruridos em fechar os olhos ao que se passa nesse terceiro mundo tão rico quanto pobre.

Daqui a uma dúzia de anos vai-se dizer: se calhar cometemos um erro de análise quando considerámos a China o Eldorado da produção industrial e lhes ensinámos tudo o que sabíamos.

20 novembro 2006

Vai ser ela?


Esta carinha laroca, que qualquer sogra gostaria de ter como nora, vai ser a candidata do PS às eleições presidenciais francesas de 2007. Também face à concorrência existente como Fabius e afins, não é para surpreender.

Previsivelmente correrá contra um Sarkosy que também se deverá impor contra a corrente tradicional da direita francesa. Será uma partida radicalmente diferente do anterior clássico de Chirac contra Jospin e que deu como resultado ver Le Pen na segunda volta.

O problema é que, apesar de tudo, com os clássicos, sabe-se o que se espera e com estes “estranhos” não se sabe o que vai dar. E, em França, quando lhes dá para inovar o resultado é imprevisível.

Não, não é machismo da minha parte. É que me cheira a estética a mais. Uma certa postura de afirmação ... pelo charme. E, quando é assim, desconfio.

Um presidente de “pose”, masculino, como Chirac, Giscard ou Miterrand, é uma coisa habitual. Napoleão continua a ser uma referência mais ou menos consciente, mas um poder matriarcal será inconcebível e dificilmente digerível para uma boa parte da elite francesa.

Como ficará uma França governada por uma Cleópatra?

Vai ser bonito, vai ... !!!
Foto extraída do Le Monde

18 novembro 2006

Coisas palavras

... é o que diz Molero, há os que tomam o peso à palavra, os que lhe medem o comprimento e a altura, os que cheiram a palavra, os que espreitam para dentro dela, os que se empoleiram nela, os que a trazem às costas, os que a limpam constantemente, que a guardam avaramente na algibeira, que dormem com ela debaixo do travesseiro, que a colam ao céu da boca, que andam na rua com ela a dançar à frente dos olhos de depois dão com a cabeça num candeeiro, que tomam possa dela, de preferência à luz das estrelas, e depois deitam-na fora sem mais nem menos, esta palavra já está, agora venha outra, e há os outros, aqueles que amontoam palavras, que estão atulhados de palavras, caem-lhes palavras do bolso quando tiram o lenço com um gesto abrupto, e cada folha de árvore tem um nome, e cada grão de areia também tem, e as palavras que existem já não chegam, fazem palavras novas com tudo o que aparece, tiram palavras do ombro quando sacodem a poeira, e depois nascem palavras por geração espontânea, são já palavras que se escrevem a si próprias, umas puxam as outras, nunca mais acaba, e há aquela história, um pouco à Kafka, do homem que se fechou por dentro enquanto as palavras se amontoavam do lado de fora da porta, espalhavam-se pela escada e chegavam à rua, apoderavam-se da cidade e do país, faziam pressão sobre a porta, o homem colocava cadeiras e mesas do lado de dentro para as palavras não entrarem, nunca se chegou a saber o fim desta história, o autor tomou arsénico às colheres antes de escrever o último folhetim, a história era em folhetins passados ao stencil e enviados pelo correio aos assinantes de O Silêncio É de Oiro.....


In “O que diz Molero” de Dinis Machado

16 novembro 2006

A História no Parlamento

Penso que na teoria não há nenhuma boa razão para a não adesão da Turquia à Comunidade Europeia. Provavelmente a Comunidade ganharia muito com esta extensão, desde que correctamente faseada. Principalmente o povo turco, esse seguramente, beneficiaria muito com este enquadramento comunitário. Poderia servir de exemplo para provar que é possível um país de maioria islâmica conviver com os padrões culturais “europeus” de liberdade e de respeito pelos direitos do homem, esvaziando muita da polémica histérica que toma a árvore pela floresta. Recusar a Turquia por a sua população ser maioritariamente islâmica seria reconhecer uma identificação religião/padrão social que só interessa aos extremistas.

Tudo estaria bem se a Turquia fosse mais pequena. Mas os seus 70 milhões são dificilmente digeríveis. Uma boa parte da população europeia, em especial na França e na Alemanha, já traumatizada pela sua imigração actual mal integrada, nunca aceitará a curto prazo uma entrada efectiva da Turquia. Seria uma prenda eleitoral dada de bandeja aos partidos xenófobos e de extrema direita.

É politicamente incorrecto, ver impossível, dizer “não” à Turquia, mas, na prática, convém que não avance demasiado rápido. O que arranjaram os tortuosos franceses? Acharam importantíssimo e premente redigir uma lei condenando quem “negar” o genocídio arménio cometido pelos turcos no início do século XX. Como essa negação coincide com a posição oficial turca, está de bom de ver quais as consequências. Para lá da discussão filosófica sobre liberdade de expressão e da actual relevância de semelhante iniciativa, ela tem uma efectividade indiscutível. É uma bela forma de colocar areia na engrenagem do processo de adesão turco.

Os Turcos que já foram cabeça de império, e que é coisa que não se apaga facilmente, contra-atacam com o genocídio francês na Argélia. A Argélia que tem uma história não bem cicatrizada de colonização francesa e de processo de independência, exige à França que reconheça esse genocídio e tentativa de destruição da cultural local e que peça desculpa ao povo Argelino.

A mesma França, cujo Parlamento em Fevereiro votou e aprovou uma lei referindo e elogiando o papel positivo da colonização francesa no mundo e em particular no Norte de África, responde candidamente que a história deve ser deixada para os historiadores. Esta Europa está plena de belos exemplos.

14 novembro 2006

Falta de quê ?

Segundo o DN de ontem, nas duas greves da função pública realizadas em 2005, só metade dos ausentes é que “fizeram mesmo” greve. A outra metade terá justificado a falta, para não perder o dia, de várias formas mas muito provavelmente através do miraculoso e sacrossanto atestado médico.

Ajuda bastante a entender a disparidade de números apresentados nos balanços do governo e dos sindicatos.

Isto só prova o que já se adivinha. Que uma boa parte destes grevistas nem sequer têm a hombridade de assumir a sua posição de protesto plenamente. Sem dignidade ficam também os sindicatos ao fecharem os olhos a estes desvios e ao contarem estes doentes súbitos na sua estatística para justificar a larga adesão ao seu movimento de contestação!

Tanta coisa que falta !!!

09 novembro 2006

Desabafo

Podia pegar num assunto da actualidade e desancar como, por exemplo, a história dos bancos e a sua “revolta” contra o fim do chamado arredondamento dos “spreads”; picar uma notícia curiosa do NYTimes ou do Le Monde; escolher uma fotografia engraçada e baptizá-la com um título desafiador ou podia ir ao baú do sorriso marginal, pegar em qualquer coisa e passá-la a prosa...

Podia, mas há momentos em que é difícil dar sequência ao que está atrás. Fica este desabafo para ajudar à transição...

06 novembro 2006

Sem mais

Ao Rui não se podia pedir prazos nem horários. Também não se lhe podia pedir ligeireza nem que deixasse coisas por acabar. Meticulosamente descascava todos os bits e ia ao fundo de tudo, sempre em busca da perfeição. Com tempo e com segurança. No pior dos casos ficava em suspenso à espera para fazer o download da próxima versão da NDC, que iria trazer o bug corrigido. Havia sempre uma próxima versão.

O Rui contava a sua história, sistematicamente, com todos os pormenores. Qual o efeito do último “download químico” e o que se seguiria. Os meses em suspenso passaram a anos. Com o tempo a avançar, acreditamos que o Rui ia ser capaz de tudo descascar, persistente e determinado, como nos tinha habituado. Que o tempo jogava a favor dele e que haveria um download final que resultaria. E ele explicava tudo calma e sistematicamente até a tosse o interromper. Ainda tinha tempo para perguntar pelos problemas dos outros. Nunca mudou nada na postura nem no tom da voz. Acho que continuava sempre a acreditar no próximo download.

Mas não houve mais.

31 outubro 2006

Questão de género - parte II

Segundo estatísticas não muito antigas, que não sei se serão ainda rigorosas, 70% dos estudantes do ensino superior na Argélia são do sexo feminino. Segundo os preceitos “sociais médios”, e a média vale o que vale, a mulher não deve trabalhar depois de casar. Não vale a pena sorrir com desdém porque não é necessário recuar muitos décadas para este princípio ter sido “válido e actual” em Portugal. E, no entanto, continuam a querer estudar: que se contentarão de fazer com o curso?

A poligamia é legal desde que o marido tenha condições para a suportar. O limite é quatro mulheres, conforme regula o Corão. Uma pequena evolução legislativa recente obriga um juiz a pronunciar-se sobre o assunto.

Muita discussão sobre o véu. Há dois, o que tapa o cabelo e o que o tapa também o rosto. Em nome da liberdade uns apelam à sua proibição e, em nome da mesma palavra, outros defendem a sua utilização sem restrições. A Tunísia quer travar mesmo o que só tapa o cabelo; na Grã-Bretanha corre grande polémica com a comunidade muçulmana porque não se aceitou que uma professora falasse com um pano à frente da boca.

Na Argélia o véu está com utilização crescente. Em frente às universidades é visto a par de cabelos soltos e ombros nus. No entanto, na maior parte das vezes, não é aquela coisa encafuada e assexuada como se vê nas freiras. Tem estilo, combina com a saia comprida, com os tacões altos e mesmo com uns óculos de sol da moda. Não sei bem se é esta a intenção dos islamistas quando recomendam o seu uso...

Se juntarmos a tudo isto a proliferação de parabólicas que trazem todo o mundo a toda a gente... será que “Revolução” e “Mudança” vão ser mesmo palavras do género feminino?

30 outubro 2006

Questão de género - parte I

Notícia/comentário do jornal Argelino “Liberté “de 29.10.2006

Há alguns meses, o ministério da Justiça suprimiu completamente a obrigação dos funcionários do registo civil e notários exigirem, segundo o artigo 7 do código de família, um certificado de virgindade da futura esposa. No entanto, em certas regiões da Argélia, nomeadamente no interior do país, continua a ser exigido esse documento, enquanto o artigo 7bis exige unicamente o apresentação de um documento médico, com menos de três meses, certificando que os noivos não sofrem de nenhuma “doença ou outro factor que represente um perigo para o casamento”. A menos que certos funcionários do registo civil trabalhem segundo as leis de outra República”.


Complemento vindo do outro lado do mundo:

"Se colocarem carne na rua ou num jardim sem a cobrirem e os gatos a comerem, de quem é a culpa: dos gatos ou da carne exposta? Da carne exposta, eis o problema!"
Palavras recentes de um mufti (jurista islâmico, reconhecido como autoridade para interpretar o Corão) na Austrália, a propósito das mulheres se apresentarem na rua não completamente cobertas. Provocou um vendaval de reacções mesmo da parte de alguns sectores islâmicos, lamentou que tivesse sido mal interpretado, corre o risco de ser expulso da Austrália, vai tirar férias forçadas durante os meses, etc... mas disse-o do alto da sua autoridade durante um sermão.

29 outubro 2006

"O caminho faz-se ao andar..."



Cantares

Todo pasa y todo queda,
pero lo nuestro es pasar,
pasar haciendo caminos,
caminos sobre el mar.

Nunca perseguí la gloria,
ni dejar en la memoria
de los hombres mi canción;
yo amo los mundos sutiles,
ingrávidos y gentiles,
como pompas de jabón.

Me gusta verlos pintarse
de sol y grana, volar
bajo el cielo azul, temblar
súbitamente y quebrarse...

Nunca perseguí la gloria.

Caminante, son tus huellas
el camino y nada más;
caminante, no hay camino,
se hace camino al andar.

Al andar se hace camino
y al volver la vista atrás
se ve la senda que nunca
se ha de volver a pisar.

Caminante no hay camino
sino estelas en la mar...

Hace algún tiempo en ese lugar
donde hoy los bosques se visten de espinos
se oyó la voz de un poeta gritar
"Caminante no hay camino,
se hace camino al andar..."
Golpe a golpe, verso a verso...

Murió el poeta lejos del hogar.
Le cubre el polvo de un país vecino.
Al alejarse le vieron llorar.
"Caminante no hay camino,
se hace camino al andar..."
Golpe a golpe, verso a verso...

Cuando el jilguero no puede cantar.
Cuando el poeta es un peregrino,
cuando de nada nos sirve rezar.
"Caminante no hay camino,
se hace camino al andar..."

Golpe a golpe, verso a verso

António Machado

28 outubro 2006

Heathrow T5



Li recentemente no Finantial Times um artigo sobre a experiência da construção do novo e imenso terminal de Heathrow, o T5. Embora ainda falte mais de um ano para a sua entrada em serviço, e até o lavar dos cestos ser sempre vindima, os responsáveis do projecto apontam-no como um exemplo de realização perfeita, respeitando prazos e orçamentos. Se nos lembrarmos aqui/aí do Aeroporto do Porto....

Uma das novidades na implementação do projecto é os empreiteiros não terem multas contratuais. Pode parecer um contra-senso porque as penalidades por atraso foram criadas precisamente para criar pressão no sentido de os prazos serem respeitados. O “problema”, ao que parece, é que com tanta pressão, cada vez que num projecto tradicional é necessário mudar um parafuso de sítio, e num projecto desta natureza por mais cuidadoso que seja o planeamento há sempre imprevistos, a reacção/preocupação principal é conseguir mais valias/crédito de prazo/desresponsabilizar. Ou seja, em vez de se procurar uma solução para o novo local do parafuso, gastam-se as energias, isso sim, a fazer a “batata quente” saltar de mão em mão. E, desta forma, é fácil haver conflitos, tensões improdutivas e pouca fluidez no desenrolar do projecto.

Estou muito curioso em conhecer o resultado final desta experiência mas confesso que vejo com alguma simpatia esta abordagem em que os engenheiros ganham primazia aos advogados. Para isto, tem que haver cooperação e confiança. Como se gera e se gere isto num âmbito, por exemplo, de concurso público é uma grande incógnita. No mínimo só está ao alcance de um país com uma grande cultura de rigor, frontalidade e transparência.

Nota: Foto "googleada"

26 outubro 2006

Sinais dos tempos ?

O NYTimes “on-line” de 25.10.2006 diz:

“A administração Bush está a dar às administrações públicas uma larga autonomia para aumentar o número de escolas públicas de género único, no que é que é largamente considerado ser a mais significativa mudança na política neste tema, desde que uma lei de referência federal proibiu a descriminação sexual na educação há mais de 30 anos.”

O movimento para a separação foi patrocinado por um movimento de mulheres (!?) senadoras, dos dois principais partidos. Um dos argumentos é que, ao que parece, nos meios de baixos recursos, as crianças aprendem melhor quando separadas do sexo oposto.

Acho que há aqui, decididamente, um retrocesso social, não é? A questão é: este tipo de mudança é indutora desse retrocesso ou limita-se a adequar o sistema de ensino ao retrocesso já efectivo?

Questão de galinha e de ovo...?!

24 outubro 2006

E se estivesse vazio???

Neste ambiente de festa aqui, do final do Ramadão, estas palavras do A. Souchon ecoaram-me e deixo-as em tradução livre:

Abderhamane, Martim, David
E se o céu estivesse vazio ?
Tantas procissões, tantas cabeças inclinadas,
Tantas carapuças, tantos medos desejados
Tantos demagogos de templos e sinagogas
Tantas mãos juntas em preces apressadas
E se o céu estivesse vazio ?

Tantos “angelus”,
Ding
Que ressoam
E se ainda por cima
Ding
Estivesse vazio ?

Abderhamane, Martim, David
E se o céu estivesse vazio ?
Há tantos torpores
De músicas anódinas
Tanto analgésico nesses cânticos bonitos
Tantas perguntas e tantos mistérios
Tanta compaixão e tantos revólveres

Tantos “angelus”,
Ding
Que ressoam
E se ainda por cima
Ding
Estivesse vazio ?

Arour hachem, Inch Allah, Are Krishhna, Aleluia

Abderhamane, Martin, David
E se o céu estivesse vazio ?
Se todas as balas tracejantes
Todas as armas brancas
Todas as mulheres ignorantes
Essas crianças órfãs
Se essas vidas que soçobram
Esses olhos molhados
Não fossem senão o velho prazer
De trucidar ?

22 outubro 2006

Será depois

A Lua disse que não.
Amanhã trabalha-se... e jejua-se!

Complemento em 23/10:
Parece que para os lados das Arábias a Lua disse "sim". Lá já estão em festa...!

Amanhã... ou depois

Hoje ou amanhã acaba o Ramadão. A Lua dirá quando. Virão os dois dias da grande festa do "L'Eid" com deslocações “à terra” para agrupamento de famílias, roupas novas e tudo o mais. Mas ainda não se sabe quando vai ser. Se a Lua, logo pelas 21horas e tal, disser “sim”, amanhã começa a festa; se disser “não”, será um dia de trabalho como os outros. O planeamento fica um pouco pendente e dependente da Lua e considerando que não haverá problemas com as nuvens.

Durante 29 (ou 30...) dias, os muçulmanos que passaram a puberdade e saudáveis terão jejuado sem ingerir uma gota de líquido ou engolido uma migalha enquanto o Sol esteve visível. Todos os dias a hora do “imsek” de manhã e do “iftar” à tarde foi ajustada e anunciada nas mesquitas e na primeira página dos jornais.

Parece que por cá 90% cumprem mesmo, estatística não confirmada. Os restantes 10% não o admitem. Já que se peca tantas vezes, ao menos o jejum pode ser feito. Eu andei próximo nalguns dias mas com alguma batota. O pequeno almoço era tomado às 7h30, já com o Sol à vista, e meio chocolate desaparecia durante o dia da minha pasta. Mesmo assim, ainda dava para nadar meia hora na piscina do hotel antes do jantar!

Mas no Ramadão a abstinência e a contenção são só para enquanto houver Sol. A partir do Iftar é a festa. Das 18h e pico até às 19h30 está tudo a quebrar o jejum e mesmo num hotel de grande nível, só funcionam os serviços mínimos. O trânsito torna-se pior do que o habitual nas horas que precedem esse momento, com toda a gente nervosa a correr para casa sem grandes contemplações. Depois as ruas ficam praticamente desertas.

Existem pratos especiais e o jantar deve ser em família. Um pouco como a nossa ceia de Natal mas durante quase um mês. Amanhã ou depois reabrirão os restaurantes que estiveram todos fechados este tempo todo. O evento também serve para suportar várias campanhas de promoções como de bancos e operadores de telecomunicações, com ou sem capa de solidariedade.

O empregado de mesa do restaurante do hotel, os únicos restaurantes que funcionam, de olhos arregalados, faz a contagem decrescente para o fim do Ramadão. Diz que toma o pequeno almoço à 1h da manhã para dormir a noite inteira e não ter que se levantar às 3h da manhã e não conseguir adormecer mais. Faz-me um pouco de impressão quando almoço lá e os vejo olhar para os nossos pratos. Fora desses locais, é, no mínimo, indelicado comer em público durante o dia.

Para o próximo ano, o Ramadão avança 10 dias no calendário, ou 11?, ou 9?, aproximando-se do período alto do Verão. Os dias serão mais longos e mais quentes. Será mais duro. Será que 100% continuarão a assumir o jejum?

16 outubro 2006

Excerto de "Partidas Cruzadas"

Outra pessoa é uma forma. Quem está aberto para amar tem plasticidade. E o objecto amado encaixa nesse massa afectiva maleável. Um amor forte deixa uma marca no amante. Os amantes ficam moldados, cada qual com o negativo do outro impresso no seu. Um amor abortado é uma marca com um vazio perfeitamente desenhado no registo do afecto. Se tiver sido mesmo forte a marca fica indelével. E nada mais encaixará perfeitamente nessa matriz. Pelo contrário, fica temperado e resistente a ser vincado por outras pressões. Quem nunca amou é uma massa disforme. Quem amou demais tem uma “marca” cristalizada. Eventualmente quebrável... ou não.

(em construção...)

10 outubro 2006

Não queremos novas estruturas ágeis!

Extracto de notícia sobre colaboração entre o Massachusetts Institute of Technology e a Fundação para a Ciência e Tecnologia:

O relatório recomenda "a criação de uma nova agência ou organização que supervisione as colaborações com as universidades", uma vez que "é importante que, para uma colaboração eficaz, os constrangimentos burocráticos sejam minimizados".

A mim parece-me muito bem que os constrangimentos burocráticos sejam minimizados. Terá sido por isso que se criaram em tempos todos os institutos satélites das universidades. Será por isso que existem tantas empresas e fundações satélites nas autarquias??

Se o que existe não dá resposta, a solução é simples: ou passa a responder ou acaba! Criar coisas novas em estruturas paralelas “ágeis” e manter as existentes, que não funcionam, é duplicação. Encantadas ficarão as estruturas burocráticas. Permanecerão com a mesma dimensão e com menos coisas para fazer. Ao mesmo tempo, as novas estruturas são uma excelente oportunidade de carreira ou de complemento de carreira para muita gente. A solução é também extremamente flexível e até pode ser recorrente. Quando um instituto deixar de ser ágil, cria-se outro novo e “mais ágil”. Deve ser por isto que temos uma infindável lista de institutos, agências e fundações.

Só falta mesmo um dia criar uns ministérios executivos mais ágeis, deixando obviamente intocáveis os que não servem.

07 outubro 2006

Falha na concorrência

Face ao que é habitual passar-se em processos de concentração com produtos de capital muito menos intensivo e que viajam facilmente, nunca me passou pela cabeça que a fusão Optimus-TMN pudesse algum dia ser aprovada pela Autoridade da Concorrência (AdC). Apostaria 1 para 20 em como chumbava.

A jogada da Soane que parecia claramente inviável, foi estranhamente aprovada pela AdC. A “sorte” protege os audazes? Como consumidor lamento profundamente a permissão para a fusão da Optimus com a TMN. Se a concorrência com 3 fornecedores já pode estar no limite, com 2 é muitíssimo fácil deixar de existir. Sobretudo com o mercado relativamente maduro e a euforia das telecoms passada. Se mesmo a outrora voraz Vodafone vai desinvestindo dalguns países, quem é vai que investir numa “nova” terceira rede? Vejo-o muito difícil (salvo se chamarem aí uns chineses!).

O facto de a Sonae ser portuguesa, por si só, não traz vantagem nenhuma para o país. Quando a Soane quer comprar a PT é por achar que se trata de um bom negócio para ela. Porque espera ganhar dinheiro com a operação. E pode ganhar com os resultados da PT ao longo do tempo ou revendendo-a a prazo, inteira ou aos pedaços. Como qualquer empresa, não irá colocar o interesse da PT para a economia do país à frente do interesse da PT para a suas próprias contas. O que é importante para o país é o serviço prestado e a regulamentação desse serviço vital. E, aqui, acho que a AdC falhou.

No caso de a operação ter sucesso, veremos também qual o efeito do alto grau de endividamento que resultará desta montagem. Os resultados serão reinvestidos na melhoria dos serviços e no desenvolvimento desta infra-estrutura fundamental do país ou serão usados fundamentalmente para amortizar a enorme dívida? Está também por provar se teremos melhorias na rede fixa e em particular no custo actual do ADSL que é absurdo. E sem concorrência não há evolução!!

06 outubro 2006

Para que serve este sinal... ?



O trânsito é uma das melhores caracterizações da forma de ser, de conviver e da importância da formalidade em cada cultura. Em cada país, para lá do código da estrada que existe formal e escrito, há um código implícito, mais ou menos específico, que só a prática ensina.

Ido de Portugal para a Bélgica, achei perigosíssima a condução deles para os meus hábitos. É que ali seguem as regras e não há condescendência. Queimar uma prioridade ou facilitar uma ultrapassagem não tem tolerância. Foi-me muito mais fácil adaptar-me a Itália. Aqui as regras escritas não são muito respeitadas mas as interacções informais entre condutores são mais próximas das nossas...

O mais curioso é a forma como rapidamente nos adaptamos a cada conduta local. Inicialmente achei a Argentina completamente louca mas, passados poucos dias, conduzia exactamente como eles. Ultrapassando pela direita na autoestrada e fazendo quatro filas nos semáforos, onde teoricamente só havia duas. Neste caso, o desafio é conseguir, com um arranque fulgurante, ocupar umas das duas filas reais a seguir ao cruzamento. O problema foi no regresso ter que me re-adaptar ao padrão português!!

E para não dizer que é só o terceiro mundo que é “especial”, o pior lugar onde até hoje conduzi foi no centro de Paris. Nunca vi local mais agressivo. O truque é andar mais rápido do que vizinho do lado. Tentar ser gentil dá direito a ficar especado no meio da rotunda.

Tudo isto a propósito do sinal da imagem. Parece óbvio que se trata de um “Stop”. Sim, mas o que significa exctamente? Até em Portugal a sua leitura é contextualizada. Em muitos sítios pouca gente realmente pára. Aqui, já tinha entendido que antes duma rotunda não quer dizer nada. Tudo se resume a uma interacção bilateral procurando um equilíbrio entre atrevimento e condescendência. Em geral, a melhor forma de conseguir a prioridade de passagem é fitar o adversário nos olhos e sorrir. Funciona em 90% dos casos.

O que eu ainda não tinha aprendido é que alguém apontar de uma transversal, pela esquerda, olhar para mim e eu não reduzir, pode dar origem a que ele entre na mesma. Felizmente os travões estavam novos. Bem educado, a seguir, pediu-me desculpa! E eu já aprendi mais essa “regra”.

Entretanto, soube que a Argélia está no Top5 mundial do ranking dos acidentes rodoviários com uma média de 10 mortos em cada 100 acidentes. Ainda ontem no regresso à base passei por, acho, um desses 10. Um belo Honda S2000 encontrou na “sua” terceira faixa de rodagem um grande SUV Coreano.

03 outubro 2006

A assímptota truncada



É uma belíssima figura. Fina e precisa, como toda a matemática. Uma assímptota. O zero só coexiste com o infinito. Ter zero de algo só é possivel com um infinito na outra dimensão.

Um exemplo. Se o eixo horiziontal, o do “x”, for a minha velocidade de deslocação e o eixo vertical, o do “y”, for o tempo que me demora a percorrer um metro, então será assim: Quanto maior for a minha velocidade, mais para a direita estiver no eixo horizontal, menor será o tempo que demoro a percorrer esse metro e mais baixo será o valor correspondente no eixo vertical. Entendido?

Nos limites, e é sempre nos limites que as coisas ficam interessantes, se eu tiver velocidade nula, isto é, se estiver parado, nunca mais percorro o metro: tempo infinito! Para conseguir percorrer o metro em zero segundos... seria necessária uma velocidade... infinita!!! Então, não é bonito?

Toda esta introdução tutorial tem a ver com a desgraça de a nossa vida ser uma assímptota truncada. Quanto mais avançamos na idade, menor é a probabilidade de estarmos vivos. Não tenho dados estatísticos mas imaginemos que aos 50 anos temos 90% de hipóteses de estar vivos, aos 60 80%; aos 70 50% e por aí fora. Temos, portanto, uma curva logicamente a descer! É lógico. No entanto, aos 150 anos a probabilidade é zero e zero bem fechado.

Não é como a bela curva assímptota que nunca toca o zero e que deixa sempre um espacinho livre. Espaço cada vez mais reduzido, é certo, mas nunca fechando. Se assim fosse, haveria uma probabilidade reduzidíssima de ainda cá estar com 1000 anos. Talvez só afectasse uma pessoa em toda a população mundial. Na prática, a diferença seria muito pequena ou nula. Mas, do ponto de vista psicológico, é enorme. Uma questão de limites.

Seria bonito se a nossa esperança de vida fosse uma assímptota perfeita. Aceito perfeitamente ao entrar num avião que este possa cair. Aceito perfeitamente ao montar a moto que possa não terminar o passeio. Faz parte das regras do jogo, do risco e dos imprevistos que estão em cada esquina dobrada. Agora o que me custa mesmo é que me trunquem a assímptota!

A esperança é a última coisa a morrer e a assímptota é um exemplo eloquente.

30 setembro 2006

“Probo Koala”



Falou-se pouco em Portugal deste belo e esplêndido navio que a foto, “googleada” um pouco à sorte, documenta. Parece que começou por andar uns tempos meio errante ao largo de Algeciras e Gibraltar. Dizem as más línguas que a receber lixos de refinarias que ninguém queria. Outros dizem que foi uma refinaria artesanal flutuante, transformando cudre em gasolina pobre e à custa da criação de resíduos perigosos. Outros dizem que o facto de não ser especializado e transportar produtos petroquímicos muito variados produziu uma mistura perigosa na cisterna de recolha das águas de lavagem.

No início de Julho tentou descarregar em Amesterdão umas supostas águas sujas de lavagem de tanques. O cheiro pestilento e insuportável dos produtos abortou a operação. Recomendaram as autoridades portuárias que o navio fosse descarregar a Roterdão, onde existem meios próprios para o tratamento. O afretador achou que era muito caro. Além do custo da viagem adicional e do tratamento, perdia o contrato seguinte. Perferiu tentar outra “solução” dez a quinze vezes mais barata.

Assim, com os holandeses a assobiarem para o lado, o navio zarpou para a escala seguinte na Estónia, onde tranquilamente carregou produtos petrolíferos que foi levar à Nigéria. Na volta, no dia 19 de Agosto, fez uma discreta paragem na Costa do Marfim para descarregar “águas sujas de lavagem”. As 400 toneladas altamente tóxicas foram parar a várias lagoas nos arredores de Abidjan.

O efeito foi fulminante. Morreram 8 pessoas, algumas delas crianças que simplesmente mergulharam nas lagoas contamindas. Logo nos primeiros dias cerca de nove mil pessoas tiveram sintomas de envenamento como problemas respiratórios, hemorragias nasais, erupções cutenâeas, etc. O total, não claramente contabilizado, será de várias dezenas de milhar. Num país onde tanta coisa falta, faltaram as máscaras respiratórias que atingiram preços astronómicos. Quem está com um problema sério são os motoristas dos camiões que fizeram a descarga. Fugiram para parte incerta, ameaçados pela população em fúria.

Agora, a França altruística e humanitariamente propõe-se ajudar na recolha e no tratamento dos resíduos, apesar do mau momento nas relações políticas bilaterais.

Que seria do mundo pobre se não fosse a caridade dos ricos?!

27 setembro 2006

O lixo é relativo?


Há uma dúzia de anos, um belga em visita a Portugal dizia-me vivamente impressionado que Portugal era um país sujo. Eu, embora concordasse que podia haver menos lixo nas bermas das estradas, achava que não era motivo para tamanho escândalo. Também dizia ele que estava tudo muito degradado. Que, na Bélgica, ninguém dormia descansado se tivesse uma telha fora do sítio ou uma mancha no muro por pintar. Embora, globalmente, lhe desse razão achava que o nosso modo de vida tinha algumas vantagens, alguma descontracção que lhes faltava, permanentemente stressados com os sinais aparentes de arrumação. Também era verdade que, para eles, tratar do jardim era prioritário em relação a sair no fim de semana.

Deve ter sido por isso que quando devolvi a casa alugada ao senhorio, tive que pagar indemnização por o jardim não estar suficientemente bem mantido. Devo dizer que a culpa não foi só minha. Houve uma toupeira teimosa que muito contribuiu para essa desgraça.

Quando chegei a Argel achei-a suja e degradada. Excepto em pequenas zonas limitadas é difícil encontrar ruas limpas, lisas e/ou secas. Há construções novas e velhas, acabadas e por acabar e muitas novas que já parecem velhas. Pensando melhor, acho que poucas estarão realmente, realmente acabadas. Ficam sempre uns ferros para cima, ou uns buracos para fechar ou, no mínimo, entulho por limpar.

Não o comentei com os locais como o belga fez comigo. Mas, se tivesse feito, teriam eles um ponto de visto idêntico ao meu? Será o lixo relativo?

Devo acrescentar que não sou um fanático da organização. Apenas sou organizado na medida em que isso me interessa. Na medida em que me permite utilizar melhor o tempo e ser mais eficiente.

23 setembro 2006

Pequenas desventuras tecnológicas caseiras



Resolvi comprar um leitor de DVD para colocar num espaço livre no meu espaço multi-média. Esse espaço já esteve ocupado por um PC que prometia fazer tudo o que eu queria. Infelizmente só o fazia na teoria. Depois de muitos ensaios e tentativas de correcção, o PC voltou à origem.

Os leitores de DVD foram desenhados para serem colocados em cima de leitores de vídeo, que foram desenhados para serem colocados por baixo de uma TV “trambolho”. No entanto, cada vez há menos leitores de vídeo e TV’s “trambolho”. Apesar disso, os fabricantes de leitores de DVD’s ainda não descobriram e continuam a reduzir o tamanho dos leitores só na altura. A área continua a ser a de um “trambolho”...

A escolha ficou então muito reduzida e comprei um Kiss DP 1100. Ao testá-lo detectei uma falhas, nomeadamente na visualização de fotos. Escrevi ao fabricante indicando modelo, número de série e versão de "firmware". Deram-me uma receita daquelas tipo chave secreta para saltar de nível nos jogos da PS2. Não resultou. Escrevi de novo. Aí disseram-me que tinha de descarregar uma nova versão de “firmware” do sítio deles. Achei que um simples leitor de DVD não era aparelho para tais cirurgias. Protestei com o fabricante e protestei no sítio da Vobis. Disseram que teriam todo prazer em me atender numa loja. Bom...

Lá resolvi ir ao site da Kiss com a convicção de que me iria “divertir” nessa aventura. Descarreguei o programa, descompactei-o, gravei CD em modo imagem, arranquei o leitor que, para minha surpresa, me disse alegremente que tinha assimilado a actualização. Nunca pensei que corresse tudo a 100% à primeira... O problema é que a actualização não mudou nada daquilo que não funcionava correctamente!

Recontactei a Kiss e perguntei ironicamente o que me sugeriam fazer: trocar de marca leitor ou esperar por nova versão de "firmware". Responderam candidamente, sugerindo que esperasse por nova versão... talvez resolvesse...

20 setembro 2006

Ainda o "Grand Jacques"...

Pensava eu que já tinha captado tudo do "Grand Jacques", quando da minha caixinha com a obra completa saltou esta que passo aqui em tradução bastante livre:

Por um pouco de ternura eu ofereceria os diamantes que o diabo acaricia nos meus cofres de prata. Porque crês tu, ó bela, que no porto os marinheiros esvaziam as algibeiras para oferecer tesouros a falsas princesas?
Por um pouco de ternura...!

Por um pouco de ternura eu mudaria de rosto, mudaria de embriaguez, mudaria de língua. Porque crês tu, ó bela, que no alto dos seus cantos, imperadores e menestréis abandonam tantas vezes poderes e riquezas?
Por um pouco de ternura...!

Por um pouco de ternura eu oferecer-te-ia o tempo de juventude que resta no verão que se acaba. Porque crês tu, ó bela, que a minha canção cresce até à renda clara que dança na tua fronte, pendendo para o meu desespero?
Por um pouco de ternura...!


Jacques Brel, "La tendresse"

18 setembro 2006

A Máquina do Tempo

Não imaginava o que fosse viajar numa máquina do tempo. Deixar de ter contacto com um comunidade, até aí de vivência quotidiana, e regressar ao fim de uma meia dúzia de anos.

Claro que não se espera encontrar tudo igual. Mas apenas marginalmente diferente. E não é assim. E não é só a densidade e a cor dos capilares. Não é só o perímetro das cinturas. Não é só a profundidade das olheiras ou o aguçar do nariz. Essas são as evoluções da embalagem.

As diferenças mesmo estão nos olhares. Há quem apague, há quem acenda, há quem permaneça apagado e há quem continue brilhando.

O mais estranho é o tempo passar tão desigualmente. Uma dimensão realmente complexa.

16 setembro 2006

Esquerda, direita ou antes pelo contrário

Há 20-30 anos atrás, ser jovem e “ser do contra” era ser de esquerda. E sendo-o duma forma não necessariamente muito fundamentada. O Che Guevara era o herói generoso que tinha tentado mudar o mundo e morrido martirizado às mãos de broncos horrorosos.

Não está em causa o rigor desta perspectiva romântica, nem a avaliação do desfecho cubano desta história. Uma frase não sei de que origem diz: “Se aos 20 anos não és comunista, não tens coração; se aos 30 ainda és comunista, não tens inteligência”. Na altura, era “normal” ter coração.

Sendo “norma” o cabelo ser curto, “ser do contra” era ter o cabelo comprido. Se a geração acima achava que os comunistas não eram recomendáveis, “ser do contra” era ser de esquerda. E, já agora, da extrema mesmo porque os ortodoxos já estavam agarrados a um sistema visivelmente falhado. Essa irreverência, e contestação, tinha um pano de fundo, ingénuo claro, mas generoso e idealista.

E tudo isto vem a propósito de que agora está a ficar moda que ser “do contra” é ter a cabeça rapada, ser racista e xenófobo. Poderá não ser mais do que o espaço ainda possível de provocação? Será que esta é uma das poucas formas ainda disponíveis de chocar a “sociedade”? Não sei. Não sei se é só isso: querer chocar gratuitamente. Só faltaria uma nova frase: “Se aos 20 anos não és nazi, não tens personalidade....”.

Por muitas semelhanças que possam existir na questão de fundo, uma camisola com a imagem do Che Guevara não pode ser posta ao lado de outra com a imagem de Hitler... porra!!! (e para não pôr aqui um palavrão bem grosso...)

E é claro que esta “norma” tem excepções: "ter sido do contra" antes pela direita e sê-lo agora pela esquerda. No entanto, ambas são, politicamente, muito menos correctas...

14 setembro 2006

Meritocracia, sim, claro, mas...

Pelo menos na teoria, é praticamente consensual a importância da meritocracia. Promover quem demonstra ter mais mérito é fundamental para a evolução de uma organização ou comunidade. Por isso, é politicamente correcto apresentar longas profissões de fé neste credo.

No entanto, há um “mas”. É que sem confiança não há mérito. Realmente, eu nunca comprarei um automóvel a um fabricante em que não confie, independentemente do mérito objectivo da sua proposta. Pratica-se assim uma meritocracia dentro do universo da confiança, que pode ser mais ou menos restrito. E, aqui, há um problema potencial. É que a confiança nem sempre assenta necessariamente em critérios racionais. Pelo contrário, pode até ser bastante preconceituosa. Sexo, idade, raça, partido e nacionalidade são para muitos critérios de confiança com tanto de inquestionável, quanto de não susentando.

Em resumo, o potencial de evolução depende da aplicação da meritocracia e esta depende da capacidade de ter/ganhar confiança, preconceitos à parte. Senão, teremos somente uma espécie de nepotismo camuflado.

10 setembro 2006

De malas...

A partir de hoje, o Glosa Crua irá passar a estar baseado noutro continente.
Talvez passe por alguma fase de menor regularidade pelas atribulações da mudança ou por dificuldades tecnológicas. Se tal acontecer, tentaremos que seja por um período o mais breve possível.

08 setembro 2006

E depois ...?

“Nunca voltes ao lugar onde já foste feliz...”
Rui Veloso/Carlos Tê

“Eu só estou bem onde não estou, só quero ir aonde não vou...”
António Variações

“Avec le temps, va, tout s’en va...”
Léo Ferré

Quando se está mal é óbvio que a opção é mudar, aceitando o risco de piorar. Mas, quando um dia, uma hora, um minuto, um mês ou um ano se estiver bem? Que fazer? Tentar prolongar? “Não há bem que sempre dure...”
Se for bebida demasiado devagar, a cerveja perde a espuma e haverá um momento em que se deixa de saborear. Um pacote de leite consumido em demasiado tempo acaba por azedar.

E há alturas em que se vive um tempo ou um momento único. Ignorando o que vem a seguir, como nos devemos despedir? Com a expectativa do novo que se vai ganhar ou com a nostalgia do antigo que se vai perder? E não é possível despedirmo-nos duas vezes da mesma coisa.

No fundo, tudo é mais simples para os eternos insatisfeitos. Nunca terão dúvidas entre partir e ficar e nunca se perderão na cerveja até a espuma acabar!

05 setembro 2006

O estilo neo-calhau



Há quem opte por cimentar ou revestir com pedra os seus jardins para não ter mais problemas com relvas e ervas. Se bem que o resultado estético seja discutível, é uma opção pessoal num bem particular.

Situação muito diferente é quando são as autarquias que resolvem transformar espaços públicos em pedreiras. É uma praga que dura já há uns tempos e que continua implacável. Cada vez que se mexe numa praça ou num jardim, não parece haver outra alternativa que não seja cobrir tudo com pedra, criando um espaço árido e desconfortável, gelado no inverno e tórrido no verão. Chamo-lhe “estilo neo-calhau”.

Paradoxalmente, ao mesmo tempo e pelas mesmas autarquias, as rotundas, com ou sem obra de arte central, e acessos rodoviários em geral estão cada vez mais relvados!

A cidade do Porto tem uma boa quota deste “estilo neo-calhau”. Se a mais infeliz é talvez a Praça da Batalha, agora foi mesmo no coração do burgo, na Avenida dos Aliados. Não são necessárias palavras. Basta comparar fotografias do antes e do depois. A conclusão é óbvia e chocante.





Nota: A segunda foto não é minha. Foi "googleda" de guiadoimigrante.com

03 setembro 2006

Ainda as línguas e os “bês”

Parece lógico que as línguas evoluam. E dentro do universo de cada língua não é claro que essa evolução seja completamente síncrona. Por exemplo: se duas comunidades falarem hoje português igualzinho e deixarem de ter contacto entre elas, só por coincidência é que dentro de uma geração falarão ainda exactamente a mesma língua.

Parece lógico que as divergências nessa evolução serão tanto maiores quanto menor seja o nível de comunicação dentro da comunidade da língua. Parece lógico que uma nação fechada tenha a sua língua específica. Uma variante germanófona no Luxemburgo será assumida como marca identificadora. Se ocorresse numa zona do país Alemanha, seria diminuída face à norma oficial.

Parece claro que vivemos numa era em que o “nível de comunicação” é alto. Por isso, as divergência deveriam ser reduzidas. No entanto, nunca como agora, essas “divergências” foram valorizadas… Porquê? Por se entender que estão em risco? Que daqui para a frente não haverá mais espaço para divergências??? Será porque culturalmente estamos a ficar normalizados?

De todas as formas, parece importante distinguir o caso do flamengo germanófilo, radicalmente diferente do francês latino, do valenciano marginalmente diferente do catalão…

E, nesta confusão… onde ficam os nossos “bês pelos vês” ???

01 setembro 2006

Eu tive um sonho

Ao ouvir as catastróficas notícias sobre a possível exclusão das nossas equipas e selecção das competições internacionais, sonhei que teríamos um verdadeiro colapso no nosso futebol profissional.

Que se zangavam todas comadres e que se descobriam todas as verdades. E de tal forma que não se conseguia disfarçar mais e que estourava mesmo.

Que acabava essa “economia” que não gera nada de bom. E não estou a pensar nas vedetas milionárias. Preocupam-me mais os miúdos que têm jeito para dar uns toques na bola. E que, por meia dúzia de toques, por meia dúzia de anos, recebem meia dúzia de tostões fáceis e descuram o investimento pessoal em algo mais sustentável. Sem dinheiro não há vícios e sem dinheiro de origem fácil muito menos.

Sonhei que os recursos e as energias eram dirigidos para desportos, mesmo desportivos, de praticar e não de assistir. Que, por exemplo, a Câmara de V.N. de Gaia tomava a atitude revolucionária de, em vez de financiar centros de estágio para vedetas, promover a prática de desportos “caros” como o atletismo em todas as suas freguesias.

Seria bonito.

29 agosto 2006

Falando em “Nortês”



Achava eu que trocar os “vês” pelos “bês” era um erro crasso e inadmissível em bom português. Também achava que o Mirandês era um dialecto quase exótico e muito específico. Mudei de opinião recentemente depois de um breve contacto com esta segunda língua nacional.

Vejamos um exemplo, um pouco ao acaso: Selvagem em Mirandês é “Selbaige”. Façamos uma experiência. Peguemos numa amostra de população a norte do Mondego, excluindo a faixa litoral entre Aveiro e Coimbra, e registemos a percentagem de pessoas que trocam o “v” pelo “b” e que ignoram a nasalação final. Será provavelmente superior ao número das que pronunciam a palavra em bom português. Então, se alguém disser “selbaige” na Régua, está a cometer uma deturpação grosseira da língua. No entanto, se for em Miranda do Douro, trata-se de uma manifestação de riqueza cultural!

Há uma diferença. Em Miranda, provavelmente pelo isolamento, a especificidade manteve coerência e consistência. No entanto, no fundo, algo de comum tem que existir e de muito forte para tanta gente trocar os “vês” pelos “bês”.

Vivemos numa época em que caminhamos para a pulverização das línguas e de ressurgimento das línguas “minoritárias”, objecto no passado de uma tentativa centralizadora de aniquilação. E não são só os peso-pesados do Flamengo na Bélgica e do Catalão em Espanha. Por exemplo, o Galego e o próprio Mirandês têm uma visibilidade incomparavelmente superior à que tinham há uma dúzia de anos. A variedade de idiomas será provavelmente um dos mais complicados problemas administrativos da União Europeia e só tende a aumentar. Anedótica foi a “indispensável” versão em Valenciano do projecto de Constituição Europeia que afinal se confundia com a Catalã.

Porquê esta “necessidade” de realçar estas diferenças? Mudar a toponímia gravada nas pedras de Miranda ou de Santiago é assim tão relevante? Será porque tudo o resto está a ficar igual? Porque é que Valência tenta “desesperadamente” afirmar uma língua com diferenças ínfimas do Catalão? Será por recusar pertencer à órbita cultural de Barcelona? E tem que ser a língua a marca cultural diferenciadora? Caminhamos para uma nova Torre de Babel?

Não sei. Não sei se por cá necessitamos de definir um “Nortês”. “Num ixtou a ber a bantaige!!!” Mas estou menos preocupado com os meus “vês”.

27 agosto 2006

A falsa “Ligacaos”

Chamar “Ligacaos” ao imbróglio que vai pelo campeonato nacional de futebol, evocando o paralelo com o "Calciocaos" italiano, só mesmo para os distraídos ou para distrair. O fundo da questão são amendoins, ou mesmo apenas um único amendoim, e tudo anda à volta dos formalismos e da falta deles, tão caros nos nossos processos de toda a ordem.

“Ligacaos” seria sim o nosso “Apito Dourado” se houvesse coragem e capacidade de o levar até ao fim. Nesse caso sim, seria legítimo invocar a analogia. Mas, como eu profeticamente (desculpem a presunção) adivinhei em Maio, o desenlace dos dois casos é radicalmente diferente. Só me enganei no nome com que o caso Italiano ficou conhecido. Em vez de “Pés Limpos” foi o “Calciocaos”.

Para quando uma verdadeira “Ligacaos” por cá?

24 agosto 2006

Salvamentos bem catitas




Eu acho que a moda veio da série “Marés Vivas”. Aquelas “pick-up” 4x4 catitas com tripulantes catitas a correrem pelos areais extensos, em missões de salvamento bem catitas. Pelos vistos essa moda catita foi importada duma forma um pouco desenquadrada. Ainda hoje vi em frente à praia da Granja um desses veículos “kitados”, pleno de acessórios e de patrocínios. Não vi por onde ele pudesse entrar no areal. Se entrasse, não poderia circular mais de 200 metros. Nesses 200 metros atropelaria, no mínimo, uma dúzia de banhistas…
Não sei para que serve, mas que era catita, era sim!

E também acho que, mais ou menos indirectamente, estou a pagar para isto!


Nota: Foto retirada do site do ISN

21 agosto 2006

De como a infelicidade suprema afinal é banal

Por isso, vos aconselho a que vos distraiais, convidai cada passageiro a contar a sua história; mas se se encontrar um só que nunca tenha amaldiçoado a sua vida e que nunca tenha dito para si mesmo que era o mais infeliz dos homens, deitem-no ao mar de cabeça para baixo.

In "Candido" de Voltaire.

18 agosto 2006

Correr...

Desta vez acompanhei um pouco os Campeonatos Europeus de Atletismo. E descobri que acho mais belo ver correr do que ver dançar! Porquê? Talvez porque:

Aprendi a correr. Não o correr atabalhoado da fuga, não o correr acometido do predador. O correr sustentado do desacompanhado. Aquele em que cada passo é dado com o fim de haver sempre um passo seguinte. Em que o cansaço se agrava ao descontinuar e em que se recupera ao não parar.

Amava-me ao ver o mundo deslizar pelos dois lados de mim. Ao sentir a minha velocidade como minha. Criada, mantida e gozada. Sob o calor que me destilava e expurgava; sob o vento que me desafiava, sob a chuva risonha que me fecundava.

Amava-me principalmente quando ressuscitava, quando de uma reserva interna de dimensão desconhecida ia descobrir energia nascida só da vontade e de um ânimo incansável.


Já não consigo bem correr mas gosto muito de ver correr!

16 agosto 2006

Os fiéis amigos

Dizem que os cães são os melhores amigos do homem, mas à imagem dos últimos haverá seguramente muitos e variados tipos dos primeiros.

Serão uns fiéis guardadores do território do dono, é verdade, mas é pena que os donos não lhes ensinem que a via pública em frente à casa não faz parte da propriedade a defender. Não me chegam os dedos das mãos e dos pés juntos para contar o número de vezes que fui acossado na via pública por esses sentinelas, especialmente ao correr ou ao andar de bicicleta.

Isto vem a propósito de recentemente ao caminhar pela praia, ter encarado com um canídeo que não achei nada simpático e que ignorei olhando para o mar. Ele também não gostou de mim e ainda não tinham dobrado 3 ondas e já o tinha ladrando e rosnando encostado aos meus calcanhares. Parei e aí levantou-se da toalha a proprietária do dito, uma tia estilo cliente frequente da “Corporación”. Sorriu, chamou pela Lassie e disse-me candidamente o que dizem todos: “Não ligue, ela não faz mal nenhum…!”. Com as narinas da bicha ainda encostadas aos meus tornozelos respondi irritado que não era aceitável ser assim incomodado. Desvaneceu-se o “dermo-estético” sorriso, ficou zangada comigo e por despeito virou a cara para o lado, continuando a chamar pela Lassie que repartia a sua atenção entre os meus pés e a dona que não a encarava.

Lamentei que a cadela não fosse da escala “Space Shuttle” para poder testar na prática a minha teoria. Conhecem aqueles cãezinhos, pequeninos, mimados, rezingões, atrevidos e irritantes? Eu acho que um pontapé bem medido fá-los-ia facilmente entrar em concorrência com o vaivém espacial da NASA.

Enfim… prefiro lobos!

14 agosto 2006

Serra do Soajo

A estrada que vai do Mezio até Lamas de Mouro, pelo Soajo e pela Peneda, é um dos percursos mais deslumbrantes que conheço neste nosso belo país. A mata inicial não é de pinheiros nem de eucaliptos. É variada e densa, como deveriam ser muitas outras.
Ainda há duas semanas a fiz calmamente de moto, completamente deliciado.
Quando ouço falar de uma frente de incêndio desde Adrão até Gavieira, acho que nem quero saber mais nada. Há muito tempo que não me sentia tão incomodado com uma notícia de um incêndio.

13 agosto 2006

Pragas Telefónicas (PT)

Andava a encontrar com alguma frequência o meu telefone fixo com uma luzinha a piscar e indicação de chamada não atendida anónima. Se calhar era alguém que me queira oferecer algo e eu a perder as oportunidades!

Finalmente, sábado, à hora de almoço, lá atendi. Era a Beatriz da PT. Informou-me que a PT estava a procurar baixar os custos das chamadas telefónicas e queria saber quanto é que eu gastava por mês de telefone.

Pensei ser boa ideia a PT baixar o custo do telefone fixo mas perguntarem-me num sábado, à hora de almoço, quanto eu gastava era um absurdo. Deveriam conhecer, até melhor do que eu, o meu volume e perfil e, em função disso, proporem-me a promoção ou o plano tarifário mais interessante!

Despachei a menina com tanta determinação que dei uma valente cabeçada na porta dum armário que tinha deixado aberto ao atender a chamada.

No mesmo dia, umas horas depois ligou-me um “não sei quantos”, não lhe fixei o nome, da PT para me fazer umas perguntas… A minha sorte foi que, desta vez, a porta do armário estava fechada!
Nota: O calor dá nisto...

12 agosto 2006

A Estátua Falida

Cardoso e Cunha faliu. Acho de mau gosto bater no ceguinho ou em quem já está no tapete e também reconheço que ser empresário implica correr riscos, nem sempre corre tudo bem e falhar faz parte das regras do jogo. Do que vi noticiado, dos negócios de Cardoso e Cunha, não se parece tratar de uma grande aposta falhada, mas sim duma série de “aventuras avulsas”. Cito o Público:

"Em Portugal, o ex-ministro desenvolveu interesses nas áreas da agricultura, da pecuária (suinicultura) e do turismo e fez grandes investimentos em unidades industriais em África, nomeadamente na Guiné e em Moçambique (nos sectores das cervejas e do algodão), que correram mal. Na Guiné, os seus investimentos foram objecto de investigações."
Comparar esta falha rotunda com as responsabilidades que lhe foram atribuídas como gestor público dá que pensar. Não teve a estátua supostamente merecida quando saiu da Expo 98 mas o “buraco” teria sido maior ou menor se houvesse alguém com mais jeito do que Cardoso e Cunha à frente do empreendimento?

Também ainda está fresca a sua passagem pela TAP durante o governo de Durão Barroso, em que parece não ter tido outro objectivo para lá de afastar a equipa competente e com provas dadas de Fernando Pinto, para poder implementar o seu estilo de gestão. Não o conseguiu por um pelo e, provavelmente, pela mudança de governo (uma das raras boas decisões do governo de Santana Lopes).

Sem querer tirar conclusões precipitadas ou generalizações abusivas, ficamos a pensar em quanto nos terão custado os comissários políticos que passaram pela TAP, CTT, CP, PT e etc. e etc.

Nota 1: Ainda sobre os CTT, é exemplar a resposta de Carlos Horta e Costa aos gravíssimos indícios tornados públicos : é apenas perseguição pessoal e onde estão os inquéritos às outras grandes empresas públicas?

Nota 2: Ainda sobre desventuras privadas de figuras políticas, ficamos à espera do desenlace previsível para Carlos Melancia.

10 agosto 2006

Virtual x Real

“Virtual” significa susceptível de se exercer ou realizar, potencial ou possível e em oposição ao “real” que existe de verdade, é verdadeiro, efectivo e não imaginário.

Hoje é moda aplicar o adjectivo “virtual” (ainda se diz adjectivo ou já mudou outra vez a terminologia gramatical??) a tudo o que passe por um computador, seja por síntese, seja por simples comunicação, numa generalização abusiva.

Pondo de lado a síntese e a discussão sobre se é correcto ou não chamar virtual ao Rato Mickey, Lara Croft , Roger Rabbit ou aos Simpsons, passemos à comunicação.

Porque é que a comunicação entre pessoas com um computador pelo meio há-de ser virtual? É indiscutível que a comunicação escrita, em qualquer contexto, é sempre diferente da oral e a oral será também diferente conforme seja presencial ou não. Na comunicação oral, junta-se a expressão da voz e na presencial junta-se a linguagem corporal, que é riquíssima.

Não sou especialista no assunto, mas, ao escrever, a maior distância, a dinâmica mais lenta e a menor interactividade tanto podem conduzir a um resultado mais reflectido e ponderado como, pelo contrário, mais tenso e agudizado, conforme o contexto e os intervenientes.

Todos sabemos que a evolução duma crise, de qualquer tipo, pode mudar radicalmente, simplesmente por mudar passar do escrito para o presencial ou vice-versa. Mas isto não tem nada a ver com computadores. Qual a diferença entre uma mensagem escrita a tinta permanente enviada em papel por correio tradicional e uma mensagem enviada por correio electrónico? A segunda é mais rápida, proporciona maior interactividade, e, por isso, estará até mais próxima da comunicação oral não presencial. Não vejo nenhuma razão para chamar à primeira real e à segunda virtual.

O que me parece realmente bem virtual é a solidariedade electrónica. Quando chega uma mensagem desesperada à procura de um tipo de sangue ou de medula, ela é muito solidariamente reenviada para todos os contactos. Seria interessnte conhecer a percentagem de elementos dessas fantásticas cadeias solidárias que realmente se deslocam a um banco de sangue ou de medula.
Nota: Este texto saiu menos objectivo e incisivo do que eu quereria. A culpa deve ser do calor…

05 agosto 2006

O homem é um animal de hábitos

O homem é um animal de hábitos. E eu luto contra os hábitos, troco as voltas ao querer e a todo o desejo a nascer. Não é bem ao nascer, é depois antes de crescer. As árvores enquanto jovens são mais fáceis de arrancar. Entretenho-me assim, a ver coisas a criar e a, atento, remover antes do fruto vingar.

Neste mato conturbado de futuros abortados, de esperanças enfiladas, alguma será a última. Não, não me consigo habituar a ganhar o hábito de habitualmente querer uma coisa repetir.

Então parto, tenho o vício de quebrar, tenho a lonjura de esboçar novo nada de além-amar. E nenhum vício, nenhum hábito me deixará ficar a gostar de tranquilamente me deitar e de esperançosamente me enterrar.

02 agosto 2006

" A Ponte"



Pontes há muitas e tantas delas cheias de significado e de histórias.
Só no Portus-Cale já lá estão uma meia dúzia delas.
No entanto, para mim, e para muitos outros creio eu, e não me perguntem porquê, esta é:
“A Ponte”!


Nota: A “agitaçom” não foi da “emuçom”. Foi da “ondulaçom” da “embarcaçom”!

31 julho 2006

O código do Opus Dei

O famoso “Código da Vinci”, uma “simples” ficção, primeiro em livro e depois em filme, arrisca-se a deixar a maior mossa da história na imagem do Opus Dei. Efectivamente, ele é muito mal tratado e acredito que em parte injustamente. No entanto, o impacto e o incómodo gerados são de certa forma proporcionais à falta de transparência da organização. Não estará simplesmente a ser vítima da sua extrema discrição?

Mais do que protestar inocência, o Opus Dei só tem uma forma de convencer que é “abrindo-se”, tornando-se visível. Explicando quem são, quantos são, como recrutam, quais os critérios de admissão, quais os seus rendimentos, qual o seu património e como está aplicado, qual a sua presença e missão na sociedade em geral e em particular no ensino superior. Esclarecer os aspectos mais polémicos como o que há de verdade sobre a auto-flagelação, se são assim tão frequentes a rupturas dos jovens admitidos com as suas famílias naturais, qual a idade mínima com que os jovens começam a ser abordados, o que se passa quando alguém quer sair, se é verdade que um membro do Opus não pode ler o “Código da Vinci”, ou outro livro qualquer, sem prévia autorização superior e tudo o mais

Só “dando a cara” aberta e sinceramente permitirão que o público em geral deixe de acreditar em histórias com monges albinos assassinos. Fechados, prestar-se-ão a todas as suposições fantasiosas.

No final seria, no mínimo, curioso que fosse um romance popular a provocar uma mudança na postura de uma organização com décadas de tenaz discrição.

29 julho 2006

Se eu tivesse a certeza

Se eu tivesse
A certeza de sonhar
Se eu te conseguisse reconhecer
Num eco fugitivo de mim

Se eu soubesse regressar
À primeira vez que falhei
Se eu pudesse recordar
Como esse sonho enterrei

Se eu avançasse sem fingir
E o esforço do tempo a inventar
Se eu te visse à minha frente
Sem o sorriso engasgar

Então eu partiria
Sim eu partiria
Cruzaria continentes
Desenhados em bolas de sabão
Arrasaria os demónios
Que nos cansam e nos contam
Que o amanhã já cá está

Então eu não saberia
Deslumbrado ignoraria
Infantilmente sonharia
E às fadas escreveria

Então tu serias
Para sempre a princesa
Que eu não ousaria acordar
Porque apesar da loucura
Não esqueceria
Quão tremendo pode ser
O último passo ultrapassar

23 julho 2006

O homem da pancada

Há um executante nos espectáculos ao vivo que, embora normalmente pouco exposto, muitas vezes cativa a minha atenção. Não é o protagonista que canta a solo, não é o virtuoso que põe as cordas da guitarra a falar, não é também o fleumático de um baixo nem sequer o alquimista dos teclados.

É o homem da pancada!

Normalmente lá para trás, bate uma coisa diferente com cada perna, idem com cada braço e que, quando se entrega, ainda lhe sobre não sei o quê para marcar outras tantas batidas com o tronco, com a cabeça, com um esgar facial e com qualquer músculo que lhe sobre. Entregando todo o corpo a um ritual hipnótico, fico com dúvidas se ele está a executar a música ou se é a música que o está a executar a ele.

22 julho 2006

Utilidades

Podemos perdoar a um homem que faça alguma coisa útil, contanto que a não admire. A única justificação para uma coisa inútil é que ela seja profundamente admirada.
Toda a arte é completamente inútil.


Oscar Wilde em "O Retrato de Dorian Gray"

20 julho 2006

Um C-130 para a fotografia?



Citando a Lusa de ontem: O Governo português enviou um C-130 para o Mediterrâneo para participar no "processo de repatriamento" dos portugueses residentes no Líbano, disse hoje o ministro dos Negócios Estrangeiros, Luís Amado. Um C-130 já "está na zona" e vai agora andar, "entre Creta e Chipre" a participar no "processo de repatriamento dos portugueses que manifestaram desejo de abandonar o Líbano", afirmou Luís Amado.

Se eu bem entendo não se consegue sair do Líbano de avião nem é fácil por via terrestre. Tem que se sair de barco e o destino mais “à mão” é a ilha de Chipre, mesmo ali em frente. Aliás, ainda me recordo que, nem sei como, quando estava em Limasol, o meu telemóvel “via” uma rede libanesa! Daí, em plena tranquilidade, só entre a Cyprus Airways e a Olympic Airlines, há cerca de 8 voos diários do aeroporto de Lanarca para Atenas. A somar obviamente aos outros destinos regulares e aos inúmeros charters turísticos.

Será menos provável que a ligação por barco chegue a Creta, bastante mais afastada, mas, neste caso, só da Olympic Airlines, existem mais de 6 voos diários de Heraclion para Atenas.

Portanto, para fazer regressar a Portugal quem está em Chipre ou Creta, deveria ser suficiente fazer umas reservas nas carreiras existentes e que operam normalmente. Que vai andar o nosso C-130 a fazer “entre Creta e Chipre”. Foi para lá só para dizer que algo se fez? Pode-me estar a escapar qualquer coisa mas, como contribuinte, gostava de conhecer o relatório final da actividade desenvolvida nesta missão.

Complemento em 21/7

Diz o jornal que o primeiro voo do C-130 chegou a Lisboa com 13 passageiros. Afinal não ficou só entre Creta e Chipre. Fica só a dúvida se não teria sido mais cómodo e mais barato que essas pessoas tivessem voado nas linhas regulares...

Foto do C130 extraída do site do EMFA