29 dezembro 2011

A bem da Nação

De acordo com alguns órgãos de comunicação social, a Assembleia de República este vazia de deputados no dia 23/12. Não havia tolerância de ponto, donde que das duas uma: ou os deputados assumiram uma tolerância indevida ou todos encontraram algo que fazer no exterior nesse dia, o que é uma coincidência extraordinária…

A bem da Nação, da dignidade do órgão e da seriedade e solidariedade que deve existir sempre e muito particularmente no período em curso, seria muito positivo que todos os grupos parlamentares comunicassem publicamente o que todos os seus deputados andaram a fazer nesse dia 23/12. 

27 dezembro 2011

Direitos de autor

Eu entendo que se comprar um livro ou uma música não tenho o direito de os copiar e distribuir ou vender e acho que a criação tem que ser remunerada com protecção da propriedade intelectual. Entendo que quem produz um medicamento é devedor de uma remuneração que pague o esforço de investigação e desenvolvimento.

Agora, custa-me mais a entender que isso se aplique com a terra e com sementes. Que um agricultor não possa seleccionar livremente grãos da sua própria colheita e semeá-los no ano seguinte! Mas é assim.

No caso concreto de França, 99% de todas as sementes comercializadas estão protegidas por um certificado de origem vegetal que integra o tal conceito de protecção dos direitos de quem desenvolveu a espécie, sendo assim proibida a sua “replantação”. Ainda em França, esta prática era tolerada mas o lóbi dos produtores de sementes conseguiu fazer votar uma lei que clarifica o contexto e obrigará a pagar ao “dono” da semente um certo valor em direitos. Pode fazer algum sentido e ser reconhecível o paralelo com outros processos criativos ou científicos, mas quando se fala de sementes e terra soa a algo bizarro e contra-natura.

21 dezembro 2011

Este parte, aquele parte ...

“Galiza ficas sem homens que possam cortar teu pão”. Assim escrevia Rosalía de Castro o que muito foi cantado. Há também a fotografia de Gérald Bloncourt da menina portuguesa com a boneca, na lama de um bairro da lata de Paris, muito recentemente identificada, que foi e é outro símbolo. Quando o governo sugere a emigração é natural que a evocação desta fase miserabilista desperte repulsa e reacções fortes.

Não tem que ser assim, uma diáspora de qualidade a funcionar em rede pode ser um enorme factor potenciador do desenvolvimento do país e não há nenhuma dívida de que a experiência internacional é um importante factor de valorização pessoal. Ou seja: a saída do país construtiva e ambiciosa é positiva; a saída para simplesmente fugir à miséria, não.

Da mesma forma que se incentivam as empresas a saírem, será lícito que o governo faça o mesmo com as pessoas? Acho que não. Não gostaria de ver um ministro no vale do Ave a sugerir aos desempregados têxteis que façam as malas e que partam para o Paquistão. O que gostaria era de ter visto o governo a dizer aos seus “boys” para irem gerir hospitais para Angola e para o Brasil em vez de ter substituído as administrações em Portugal para lhes dar lugar.

O problema do emprego em Portugal e na Europa não se resolve carregando barcos de gente; resolve-se com fábricas, mas isso está fora de moda.

16 dezembro 2011

Saber gastar, saber poupar

Na ressaca dos excessos do consumo público em que vivemos, é conclusão evidente que o Estado não soube gastar. Fazer uma larga requalificação urbana na cidade do Porto e arredores e esperar que seja o “andante” a pagar, investir na modernização da linha do Vouga e a seguir encerá-la … são apenas exemplos.

Agora que é necessário poupar, parece-me que também não está a saber poupar. As reduções devem ser baseadas em indicadores e rácios e, naturalmente, serem mais veementes para quem gasta proporcionalmente mais. As reduções cegas são mais rápidas de implementar mas potencialmente muito injustas.

Imaginemos duas entidades análogas. A “A” já tinha feito o trabalho de casa e tem uma estrutura ajustada e uma organização equilibrada e eficaz; a “B” mantém-se tranquila, pouco produtiva e com as suas gorduras estruturais. Vem o corte cego, igual para todos e o que acontece? A “A” vê-se e deseja-se para o conseguir cumprir devido ao seu ponto de partida mais apertado; a “B” com alguma facilidade lá corta algumas gorduras e alcança o objectivo. Quem fica bem e quem fica mal na fotografia?

Eu sei que dá muito mais trabalho definir indicadores relevantes, analisar rácios e definir objectivos, mas essa é a única forma de ser justo e nos tempos que correm a injustiça é muito difícil de insuportar
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13 dezembro 2011

"Afectos" com preço

A Assembleia Nacional Francesa votou unanimemente um documento de princípio tendente a abolir a prostituição e, a exemplo da Suécia, criminalizar os clientes. Uma das vantagens de ver estas notícias nas páginas abertas a comentários, como neste caso no Le Monde, é que, apesar de algum primarismo e chutos ao lado, há sempre uma grande latitude de pontos de vista que acabam por enriquecer o tema. Aqui não faltou: “É um puritanismo hipócrita; será válido apenas para os pequenos, os grandes como o DSK acabarão sempre por encontrar esquemas; é uma espécie de “lei seca” com as consequências conhecidas, é importante para a dignidade da “mulher”.. e etc.

Se o proxenetismo e o tráfico de seres humanos devem ser crime bem penalizado, e acho que já são, o cobrar pelos “afectos” simplesmente pode ser algo mais delicado de caracterizar. Vejamos no limite: se uma menina vai de férias com um homem (para já não pensemos no vice-versa para não criar mais confusão) em que ele paga tudo… e tem tudo… isso pode ser considerado um negócio e penalizado? E se simplesmente fazem um programa em que ele paga um bom jantar, tendo já subjacente o passo seguinte? Ainda é crime? E quando ela casa sem afecto e sem amor, apenas pela recompensa material, não estará também a vender a sua dignidade? E, aqui, a ser crime, é a vítima que é condenada…?

09 dezembro 2011

Uma oportunidade

Todos sabemos que os erros e as falhas são oportunidades para aprender e corrigir e vem isto a propósito da justiça em Portugal. Ao que parece, qualquer processo mediamente complexo e que disponha de meios de defesa suficientes transforma-se facilmente num queijo suíço de tanto buraco que evidencia ou, noutra imagem, é um simples castelo de cartas que qualquer sniper de boa pontaria faz ruir em dois tempos. E podem os casos actuais estarem perdidos. Pode Isaltino Morais continuar a fumar tranquilamente os seus charutos pagos pela conta do seu sobrinho taxista enquanto apela e recorre até onde preciso for; pode Carlos Cruz regressar às câmaras e recuperar o estatuto de vedeta da televisão, pode Dias Loureiro e o restante universo BPN voltarem a ser socialmente frequentáveis e pode até Manuel Godinho pôr uma acção qualquer contra o Estado Português e, quem sabe, ganhar.

Podem estes e outros casos passarem ao lado da justiça mas aproveitem por favor mudar qualquer coisa para nos próximos ser diferente, pode ser? Não que tenha que ser mesmo como naquele país maquiavélico do outro lado do Atlântico em que lida a sentença condenatória o réu é algemado e não vem dar palpites e lançar poeira para os media. Pode não ter que ser assim, mas pode ser muito melhor do que o que é actualmente. Questão de aproveitar a oportunidade para construir algo melhor, mais eficaz e eficiente … e, por favor, não deixem que os futuros snipers sejam os arquitectos do edifício.