05 maio 2020

Legitimidade


Independentemente de considerações técnicas linguísticas mais elaboradas, ser legítimo, na raiz, significa de acordo com a lei. Para lá da conformidade com a letra das normas formais, pode-se invocar legitimidade noutras situações. Por exemplo, é legitimo ter a expetativa de uma vida melhor e será tão mais formalmente legítimo quanto a lei não o proíbe.

Mas também há ruturas na legitimidade. Por exemplo, uma revolução nunca será legitima à luz do quadro vigente, pela simples razão de que certamente nenhum código prevê e enquadra uma transição de poder dessa forma. Aí teremos a chamada legitimidade revolucionária, indispensável, mas que se quer transitória. E não faltam revoluções em que os seus líderes se “legitimam” donos do poder ad eternum, mesmo à revelia do programa inicial. O "Ganhamos, é nosso!", foi um princípio infelizmente adotado em muitas independências pós-coloniais.

Depois, há as auto-legitimizações, em que se trata de reformatar, adaptar a lei com o único objetivo de servir um interesse particular e não o geral. Por exemplo, mudar uma Constituição para eliminar a limitação de mandatos, quando o Presidente em funções chega ao limite.

Tudo isto vem a propósito das comemorações do 1º de Maio pela CGTP em Lisboa. À luz das regras gerais em vigor no dia era ilegítima, iníqua e irresponsável. O fato de na regulamentação do estado de emergência, ter sido acrescentada uma alínea muito especifica a legitimar o evento, pode ter resolvido o problema formal, mas não resolve o problema de fundo, pelo contrário. Um xadrez que se dispensava ter sido jogado.

01 maio 2020

Crime e castigo


O local da bonita foto acima, que não é de hoje, hoje o tempo esteve cinzento, é no limite do meu concelho de residência. Num dos meus circuitos de bicicleta habituais atravesso ali o rio Neiva e percorro umas centenas de metros na margem norte, até regressar ao lado sul no Minante.

Hoje, ser-me-ia proibido fazer essa travessia e sair do meu concelho, mas arrisquei. Com espírito de contrabandista, lancei-me no troço clandestino. Nesse percurso existe uma passagem improvisada sobre um curso de água, feita com umas tábuas manhosas, que costumo abordar com bastante prudência, redobrada esta manhã pelo ingrediente adicional de a madeira estar molhada e mais escorregadia. Infelizmente havia ainda outro ingrediente mais, que não detetei a tempo: as tábuas estavam inclinadas. De forma que ao, por segurança, colocar o pé no chão, ele não ficou estável e eu parti para uma cambalhota e um mergulho completo.

Ultrapassada a fase inicial de uma breve discussão inglória com a força da gravidade, verificado após emergir que a bicicleta não fugira para longe e posteriormente que a embalagem semiestanque do telemóvel tinha aguentado, reconheço que a temperatura da água não estava tão desagradável e que para a quantidade de lama acumulada, o mergulho até serviu de pré-lavagem… e certamente castigo contra a transgressão. Merecido ou não, é outra questão.

Pode-se entender que na Páscoa, naquela fase e atendendo à tradição das viagens e dos reencontros familiares alargados, poderia fazer sentido o travão. Neste fim de semana, já me parece absolutamente abusivo e um tique de quem ganhou o gosto. Que não se consolide o tique, esperemos. E da iniciativa da Intersindical para o dia, “nada” a acrescentar.