31 maio 2023

Pata larga, pata fina


Na imagem deste veículo, salta à vista a largura reduzida dos pneus, que, para os padrões atuais, até parecem algo ridículos. Recordam-me o meu saudoso Uno 45 S, que apesar dos curtos 45 cv, andava que se fartava, pelo menos para as minhas necessidades.

 A imagem é do Dacia Spring, o elétrico lowcost mais popular do mercado, e a largura fina dos pneus é certamente motivada pela necessidade de andar muitos kms a gastar poucos kwh. Quem tem experiência de pedalar e de sentir muito diretamente a relação entre o esforço e o resultado, sabe bem que quanto mais largos os pneus, e maior         a superfície de contacto com a estrada, mais estes agarram, para o bem… e para o mal.

Nesta cruzada pela sustentabilidade e sobrevivência do planeta, decretou-se que os veículos elétricos fazem religiosamente parte da solução. Deixando de lado a produção e o ciclo de vida das baterias normal e anormal (pequeno acidente e perda total), assim como a origem da energia elétrica que as carrega, podemos realmente questionar se é ambientalmente responsável ter carros elétricos com algumas centenas de cavalos, obrigando a usar pneus de pata larga, que fazem gastar muito mais energia do que os de pata fina. Ao fim e ao cabo, excluindo quem vai salvar vidas, apagar fogos ou perseguir malfeitores, quem precisa, precisa mesmo, de andar a 140 km/h e ir dos 0-100km/h em menos de 10 segundos? Precisar, mesmo, mesmo…? (De ministros e afins, é melhor nem falar!)

 Curiosamente, este Dacia Spring terá 45 cavalos. Certamente não tão fogosos como os do meu velho Uno, mas suficientes para as reais necessidades de muito boa gente. Não tão divertido como outras opções, mas, enfim, para diversão há outras alternativas.

26 maio 2023

Esplanadas, tuk-tuks e pastéis de nata

E inquestionável a importância do turismo na recuperação de centros históricos e na revitalização de espaços rurais. Tem sido fundamental a sua contribuição na nossa economia. Após o desastre nas contas públicas que nos trouxe a famigerada intervenção da troika, o sol, o património cultural, as paisagens e a gastronomia já cá estavam. Não foi necessário muito criar para tirar partido desse potencial.

Não podemos, no entanto, ficar parados, contentes com o contentamento de quem cá vem sentar-se em esplanadas, dar umas volinhtas em tuk-tuk e provar pasteis de nata. Não podemos porque uma boa parte do emprego associado a essa economia é de baixo valor acrescentado e não corresponde ao modelo social com o qual nos pretendemos justamente identificar e a que muitos portugueses legitimamente aspiram.

Sim, é bom existir este contributo, não vamos matar a galinha dos ovos de ouro, pessimamente estaríamos se não existisse. Só que não deveria ser motivo de enorme contentamento termos uma economia “excelente” (?!), à custa de legiões de licenciados condutores de tuk-tuks e servidores de pasteis de natas. Algo de mais sério e consistente é necessário, a sério. E não é com um Estado voraz a apropriar-se de tudo o que pode, para depois pseudo magnanimamente distribuir que lá vamos.

 

21 maio 2023

Simplesmente


Um Ministério em alvoroço, confrontos físicos, ameaças de ministeriais socos, diversos ministros envolvidos e várias policias chamadas a intervir, incluindo os serviços secretos para, fora de horas e sem competência, obterem “a bem” um computador. Estava em causa a segurança nacional? O acesso a armas ou a informação sensível que poderia ser usada para um ataque terrorista eminente? Não, nada disso. Simplesmente controlar e impedir a circulação de informação comprometedora para um ministro. Entretanto tudo se soube e está tudo bem, dizem. Triste país este.

12 maio 2023

Era uma vez


Era uma vez um partido socialista europeísta que para conseguir aceder ao poder se aliou a improváveis comunistas. Para se manter no poder alimentou e fomentou a ascensão de um partido populista de extrema-direita, buscando fragmentar o espaço à sua direita.

Falamos de Portugal num passado recente? Não propriamente. Falamos da França, de Mitterrand nos anos 70 e 80, da forma como conseguiu chegar a Presidente da República e como a Frente Nacional cresceu até em 2002 disputar a segunda volta das Presidenciais. Hoje a FN é já cliente habitual dessas segundas voltas, incluindo das últimas de 2022, onde o candidato da direita clássica obteve apenas 4,78% dos votos e o do Partido Socialista 1,75%. A extrema-esquerda radical falhou por pouco a segunda volta, com 21,95% dos votos.

É um pouco cedo para imaginar onde vamos chegar e quando, a história não se repete por igual, mas este nosso PS podia fazer um pouco de esforço para não degradar e incendiar o nosso sistema partidário. A curto prazo a subida da extrema-direita pode ser maquiavelicamente interessante para travar a tradicional alternância, a prazo…

08 maio 2023

Por graça de Deus

Não é todos os dias que se pode assistir a uma coroação em direto, ainda por cima com tanta pompa e circunstância como foi esta última de Carlos III. Aliás, parece que por cá, mesmo antes de 1910, a tradição era mais uma aclamação popular, mais ou menos espontânea, e não cerimónia solene em palácio ou catedral

A abadia de Westminster não foi apenas um local para a coroação. Carlos foi coroado na abadia, pelas autoridades religiosas. Ao ouvir a parte principal da cerimónia, pareceu-me viver noutro tempo, quando o poder real era legitimado por suposta nomeação e designação divina. Efetivamente, se no reino ninguém pode estar acima do rei, não sendo de bom tom que ele se apodere a ele próprio e quando o povo ainda pouco ordena, só mesmo alguém do outro mundo pode ter ascendência para empossar um monarca.

Se numa perspetiva teórica faz sentido, na prática ficam muitas dúvidas sobre até que ponto o tal divino deu o seu consentimento e validou a escolha. Será na base do “Quem cala consente”? E também, em cada rutura ou mudança de dinastia, Deus ficou sempre do lado do vencedor, que se impôs com argumentos nem sempre muito espirituais?

Para lá destas falhas e incoerências, esta espécie de bicefalia tem algo de positivo, na medida em que não concentra todo o poder numa só estrutura. Recuando na História, por facilidade descritiva, ao tempo em que o notário da escolha divina não era cardeal ou arcebispo, mas o Papa, houve, é certo, Papas sequestrados por Reis, Reis condicionados por Papas, cisões temporárias e definitivas, mas globalmente havia poder e contrapoder. O Rei não tinha legitimidade completa sem a bênção do Papa, nem este tinha poder para impor o Rei e ditar ao Rei o que entendesse. Apesar dos desvios e abusos, talvez esteja aqui, nesta não concentração do poder numa única entidade, uma das razões do desenvolvimento bem-sucedido da Europa.

Curiosamente a nomeação divina, que dá o tema deste texto, ocorre num país (reino) em que desde o século XVI e Henrique VIII, passou a haver concentração de poderes na mesma figura, mas também onde existem instituições democráticas e estruturas representativas das mais sólidas e estáveis desde há muito tempo. Exceções? Outras razões…?

Nota: Pode-se considerar a aclamação popular portuguesa, um embrião, mesmo imperfeito, de democracia? Com todos os defeitos, é preferível ser (parte do) “povo” a empossar o soberano do que uma mitra.

06 maio 2023

Mergulhar no pântano


Em 2001 António Guterres atirava a toalha ao chão, demitindo-se para evitar “um pântano político, que minaria as relações de confiança entre governantes e governados”.

Nos tempos atuais vivemos também uma quebra nas relações de confiança e uma incapacidade de o PS efetivamente governar, mas para pior. Já passamos de uma sucessão de casos e casinhos para um contínuo de tricas, truques e rasteiras palacianos, sem ética nem princípios, sem seriedade nem integridade.

À incapacidade de dotar o governo de gente capaz, com um mínimo de experiência de vida, visão e dedicação à causa pública, o PM resolveu mergulhar no pântano, esperando que o PR o tirasse de lá, podendo sempre fingir que para ele estava tudo bem e que se de lá foi içado, terá sido até contra a sua vontade.

Não foi essa a opção do PR, que resolveu deixar o Governo continuar a enterrar-se no pântano. Se este já tinha dificuldade em se coordenar e atuar, a partir de agora vai ser pior. Pode ser uma espécie de “merecido castigo”, mas no final o maior prejuízo será para todo o país.

Ao embuste inicial do consulado Costa, com o “virar da página da austeridade” e a “culpa pela troika ser do Passos”, está agora a tentar vender-nos uma “normalidade formal”, absolutamente “anormal nos princípios” e trágica para a futura cultura política e práticas governativas. Que na próxima consulta popular haja discernimento.