30 setembro 2013

Fuga dos partidos

Como é habitual, em maior ou menor escala, o poder foi “castigado” e a oposição reclama uma leitura política nacional e exige mudança. É assim em todas as autárquicas e, se nestas esse castigo está bem presente, a leitura dos resultados pode e deve ser muito mais rica. Refiro-me obviamente ao sucesso dos imprevisíveis independentes. A sua origem não é toda idêntica. Há políticos de carreira em ruptura com o aparelho central e há particularmente o caso do Porto, que é uma novidade absoluta nesta escala: um movimento de cidadãos organiza-se para tomar o destino da cidade nas suas mãos. Certamente uma especificidade fruto da personalidade muito particular da cidade. Independentemente da motivação das candidaturas independentes, o seu sucesso tem uma leitura clara. As populações rejeitaram os candidatos dos partidos e não vêm o futuro da sua terra nas mãos dos “Marcantónios” e à mercê das suas tácticas.

É mais um sinal de descrédito nos aparelhos partidários, nos seus modos de funcionamento e valores. A sua preocupação prioritária em gerir o poder no seu interior, deixa-os cada vez mais afastados e estranhos às populações. Se nas autárquicas é relativamente fácil aos cidadãos organizarem-se e criarem alternativas com sucesso, será muito difícil acontecer a nível nacional, numas legislativas, o mesmo que aconteceu no Porto. Isso, no entanto, não deveria ser motivo de descanso para os partidos e é muito mau atribuírem a culpa da sua derrota à simples existência de independentes.

28 setembro 2013

Solidariedade e moralidade

Começo por esclarecer que não sofro de nenhuma alergia generalizada a funcionários públicos. Algumas das suas funções são essenciais à sociedade e muitos são excelentes profissionais. Agora, o que me choca nestes tempos recentes é o seu estatuto de “casta” diferente e devidamente confirmado pelos tribunais competentes. Por um lado, o Tribunal Constitucional entende que como cidadãos não podem ser tratados de forma diferente de todos os outros, depois descobre que afinal não podem ser despedidos… Formalmente pode estar correcto, mas moralmente não está. Temos agora as providências cautelares para bloquear o aumento do horário de trabalho. Se está em causa uma alteração contratual, e se afinal estes contratos são iguaizinhos aos outros, entende-se que não possa ser decidida unilateralmente. No entanto, nós não estamos num período normal! Já sem falar naqueles que simplesmente ficaram desempregados, quantos nestes últimos meses tiveram um aumento da carga de trabalho, obrigando a horas adicionais não remuneradas; quantos tiveram duma forma ou de outra uma redução de remuneração, quantos entrarem em situação de precariedade acrescida? No momento em que escrevo isto tenho presente um caso de um amigo que após estar desempregado foi contratado sem prazo e com período experimental de 8 meses. Pouco tempo antes do fim desses 8 meses, o contrato foi rescindido pela entidade patronal para lhe ser proposto outro, a prazo, e com redução de vencimento.

Algumas destas alterações e reduções que tantos sofreram são fruto da necessidade desesperada de sobrevivência das empresas, outras serão oportunismo abusivo das entidades patronais, no entanto o que fica é que, escudados numa legislação simpática e em tribunais amigáveis, há uma grande maioria dos funcionários públicos que não está a participar de forma proporcional no esforço de ajustamento em curso. A viabilidade económica de uma empresa ou de um país não se decreta em acórdão, alcança-se por esforço solidário. A sensação de não equidade na repartição dos esforços é um veneno que mata…

25 setembro 2013

E eu pensei que tinha visto tudo

De há uns tempos para cá tornou-se moda, para não dizer praga, colocarem-se aloquetes (ou para quem preferir cadeados) nos gradeamentos das pontes como símbolo da união, da paixão, etc e tal…

Em Argel há uma ponte na zona de Telemly chamada ponte dos suicídios, de tal forma que lá se colocou uma grade para dificultar a tarefa. Ora bem, há cerca de duas semanas, três jornalistas lançaram o desafio de mudar a imagem da ponte para ponte do amor e convidaram os apaixonados da cidade a lá irem colocar o cadeado da sua paixão. A ideia é bem recebida e a as autoridades locais até decidem mandar pintar a tal grade.

Isto estaria bem se não se contasse com uns tais de fundamentalistas, salafistas que, “naturalmente”, consideraram que andar por aí em público a falar e a recordar o amor é uma heresia e um sortilégio. Vai daí, lá vão eles rebentar com aquilo, em nome da pureza e da recusa das influencias ocidentais nefastas.

Mas os apaixonados não desistem. Regressam na semana seguinte e deparam-se com a polícia que lhes pede uma “autorização administrativa” para lá fecharem o cadeado…

E eu pensei que já tinha visto de tudo!


Foto roubada

22 setembro 2013

E vão três !

Num curto espaço de tempo ocorreram dois factos relevantes, pelo menos para mim. A Microsoft comprou a divisão de telemóveis da Nokia por “tuta e meia”, relativamente à valorização passada desta, e eu, relutantemente, tive o meu primeiro iCoiso.

Sobre o descalabro da grande referência da modelar Finlândia, uma das únicas marcas europeias de tecnologia de grande consumo, pode dizer-se que sofreu de fartura mal digerida. Quando para muitos, esta era a “sua” marca inquestionável de telemóvel, eles não viram chegar os “dual-sim” que atiraram muitos dos seus fiéis para os braços da Samsung, mesmo a contragosto. A investida da Apple, abrindo o mercado para cima, também lhes passou ao lado. Possivelmente os seus últimos gestores “nasceram” ricos e que não tiveram iniciativa nem visão suficientes para enfrentar com sucesso o desafio de existir – um problema muito frequente.

Quanto à Apple, confesso que até tenho alguma simpatia pelo seu histórico de teimosia e coragem, e que após quase desaparecer, acabou por proporcionar um sucesso estrondoso. No entanto, este novo iCoiso faz-me torcer um pouco o nariz – parece querer mandar em mim mais do que eu gostaria Porque não recebe um cartão normal, porquê o cabo é específico e não USB standard? Felizmente não precisei de apresentar numero de cartão de crédito para o activar como já vi no passado, mas o estar fechado sobre um “ecosistema” próprio, por muito excelente que esta seja, enfim… e, talvez um dia descubra que o fechado “facetime” é superior ao aberto “skype”. Para já, ainda não descobri. Ainda por cima, poucos dias depois de o ter já tinha actualizações de sistema e de aplicações “obrigatórias” a fazerem-me nervoso miudinho.

Da Microsoft tenho uma herança de anti-corpos. Tiveram um enorme sentido de oportunidade, aproveitaram bem, mas nunca foram uma empresa de inovação nem de despertar o mínimo entusiasmo. Limitaram-se a espremer os seus clientes cativos sem grandes contemplações. Lembram-se que quando faziam novas versões de aplicações, cujo principal efeito parecia ser obrigar a comprar uma máquina nova…?

Hoje a Micrsoft, em queda, desdobra-se em esforços, nem sempre conseguidos, de fazer coisas bem-feitas. Será que vou passar a ter mais simpatia por eles, do que pela Apple? Será que tenho uma propensão doentia para ficar do lado dos mais fracos? Não, acho que não, é apenas uma questão de lidar mal com arrogância e muitas vezes é necessário passar pela mó de baixo para mudar de atitude. Infelizmente, demasiadas vezes, é esse o caso…

04 setembro 2013

Incêndios e descontrolo

Recordo-me de há uns anos largos atrás um importante incêndio florestal ter ocorrido em Maio e o ministro da tutela se ter desculpado pelo facto de este ter vindo antes da época oficial. Atendendo ao que se passa este ano, fico com uma certeza muito firme de que a época de incêndios se inicia na realidade quando a comunicação social pega assunto e começa a passar imagens sugestivas. Aí a coisa multiplica-se de forma assombrosa. Julgo que vale a pena reflectir e regulamentar algum tipo de restrições à divulgação das imagens dos fogos.

Sobre os bombeiros mortos, este ano, há algo de estranho. Os casos fatais anteriores de que me recordo são passados com “grupos” de bombeiros apanhados de surpresa. Esta situação actual de serem individualmente vitimados é nova, estranha e merecia alguma reflexão. O que há/houve de novo este ano para tal ocorrer? A formação que receberam foi a adequada? Há uma diferença entre voluntariado e voluntarismo. A complexidade do combate aos fogos florestais justifica certamente um alto grau de profissionalismo e, também, se existe uma instituição encarregada e paga para defender o país, este é provavelmente um campo que justifica a sua intervenção.

A afirmação de um responsável do sector, aparentemente suportada nas tais imagens da televisão, de que para evitar mortes é melhor deixar arder, é também muito estranha. Em primeiro lugar, é óbvio que em certas situações é necessário deixar arder uma parte para confinar o incêndio, sem que isso configure abandonar o fogo. Mas, se os bombeiros se expuseram onde não deviam, a culpa é do Ministro? Em segundo lugar, traduz uma lógica de valores no mínimo incompatível com a floresta. Uma boa floresta perdida pode ter muito mais valor e ser muito mais difícil de repor do que uma casa.

Com o devido respeito pelo esforço de quem lá está e os pêsames pelos perdidos, há aqui coisas que não estão bem e que não estão a ser devidamente analisadas. E, se não for pedir muito, que se pense no assunto antes da próxima época mediática de fogos.

02 setembro 2013

Venha mais uma guerra?

O Presidente dos EUA decidiu intervir militarmente na Síria, na sequência da constatação da utilização de armas químicas pelo regime. Se não há dúvidas sobre terem sido realmente usadas, a respectiva responsabilidade pode não ser tão clara e não são certamente as certezas oficiais dos funcionários de Obama que me convencem. Por trás dos rebeldes está, entre outros, o Al-Qaeda. Imaginar que eles próprios possam ter recorrido a essas armas contras os “seus”, para obterem o efeito que se perspectiva não é nada de improvável, atendendo ao histórico e aos valores de tal organização.

Agora, se até for verdade que a responsabilidade foi do regime, qual a base legal para a tal intervenção? Não pode ser obviamente uma decisão do presidente dos EUA, eventualmente validada pelas suas câmaras de representantes. E não pode ser porque isso dará argumentos a qualquer país para intervir em qualquer sítio, bastando-lhe uma decisão interna. É certo que os EUA não são um país qualquer, mas isso só lhes traz responsabilidades acrescidas. Se a Síria ultrapassou uma linha vermelha em direito internacional, a resposta teria que vir por direito internacional e não por iniciativa de um justiceiro solitário…

Finalmente há a questão de para que serve e o que mudará com essa intervenção. Enviam-se uns mísseis, fazem-se uns estragos, assusta-se os maus da fita e depois…? Radicalizam-se os ódios ao Ocidente, eventualmente cai um regime para um novo Iraque ou uma nova Líbia… consegue-se imaginar um balanço final positivo?