23 outubro 2019

Pobres e ricos, justiça e injustiça (II)


Continuação da publicação anterior.

Sobre o aceitar ou não as desigualdades deste sistema, há duas questões a colocar. A primeira é qualitativa – o sistema precisa de ser corrigido na sua essência? e outra é qualitativa – a amplitude e a banda estão corretas?

Quanto à natureza do sistema, e com a necessária abertura de espírito relativamente ao futuro desconhecido, dentro do que se conhece e se imagina hoje, vivemos no pior sistema… com exceção de todos os outros. A falência dos modelos comunitários e igualitários, tentados de várias formas e feitios ao longo de um século, está aí para quem quiser ver. São sistemas que a prazo originam pobreza.

Mas … sim, o Estado deve proporcionar níveis mínimos de decência, dignidade e igualdade de oportunidades a todos os cidadãos. Não vejo discussão sobre a necessidade e justeza do tema…. A ressalvar que não está em causa uma esmola caridosa, mas um contrato com obrigações e direitos de ambos os lados.

Por outro lado, há a questão algo subjetiva da “justiça” na amplitude. É justo que um Diretor Geral ganhe mais do que um operário, mas essa diferença ser 300 vezes superior à média da empresa, já se torna muito questionável. Pode-se argumentar que um excelente CEO (já vale mais, só com esta sigla) é uma pérola rara, sujeita à regulação de uma relação de oferta-procura, que, se assim é paga, é porque merece: “É o preço!”? Não, há situações obescenas e não faltam salteadores de empresas perdidas.

As injustiças na circulação da riqueza não estão apenas nas disparidades dos rendimentos. Algo mais trivial como não pagar impostos e beneficiar dos serviços públicos pagos pela contribuição de outros é injusto, apesar de não existir grande consenso quando à falta de ética desta habilidade. Obviamente que se a utilização dos impostos fosse judiciosa e honesta, seria mais fácil condenar os fugitivos…

Estamos a falar de roubos, no sentido amplo da palavra, quando alguém abusivamente se apropria indevidamente de um valor material, ou priva outro de um direito.

Roubar é crime, certo, e não falta legislação a tipificar roubos. Mas há disparidades e imoralidades para as quais não é tão evidente conseguir um remédio por força de lei. E então? O que não tem remédio, remediado está?

21 outubro 2019

Pobres e ricos, justiça e injustiça (I)


Ao constatar a disparidade entre os extremamente ricos que ostentam, esbanjam e desperdiçam e os extremamente pobres que não têm pão, teto nem cuidados de saúde, não é difícil constatar a existência de um problema de justiça neste mundo. Obviamente que haverá gente mais rica do que a média por mérito próprio, por terem honestamente gerado a riqueza que possuem e alguns pobres que o são por sua responsabilidade, por não fazerem o mínimo esforço para criar e manter meios decentes de subsistência, que estariam ao seu alcance. Se isto é verdade, também é verdade que a questão não começa nem acaba num “Quem quer bolota, trepa!”.

É relativamente fácil defender uma atitude de ataque, tipo Robin dos Boques, de tirar aos ricos para dar aos pobres, numa ótica de que ladrão que rouba a ladrão tem direito a perdão e, mais do que perdão, terá mesmo obrigação. A necessidade de haver alguma (re)distribuição da riqueza é inquestionável, mas é ingénuo acreditar que tudo se resolve apenas montando e ajustando um franco sistema de vazos comunicantes… até porque o que se distribui não vem de uma nascente espontânea, onde apenas faltaria definir a respetiva repartição.

Numa perspetiva de dinâmica sustentável, que é a de um mundo vivo como o nosso, não se pode falar de riqueza e esquecer a sua criação, porque sem criação, a prazo, acabará por não haver nada para distribuir. E a criação da riqueza envolve iniciativa, riscos e rasgo e… prémio. Sem prémio não haverá criação de riqueza e das tentativas empreendidas sairão sucessos e fracassos. Algumas iniciativas terão muito sucesso, outras pouco, por vezes resultado neutro e muitas provocarão perdas em vez de ganhos.

A incerteza num processo de criação, provocará resultados forçosamente assimétricos, pelo menos na origem.

Aceitamos, portanto, que as desigualdades são uma caraterística intrínseca deste sistema e nada há a fazer? Não – tema para um próximo capítulo.

14 outubro 2019

Os privilégios dos "desprivilegiados"


A História tem mais do que passeios em jardins floridos. Não faltam crimes, abusos e barbaridades que nos interpelam e interrogam como, por exemplo, a escravatura e a segregação racial. Mas uma coisa é reconhecê-lo e lutar contra todas as discriminações reais atuais, outra coisa é o fundamentalismo agressivo e generalizado contra os “brancos”, desclassificados logo à partida pela cor da pele (e se for homem heterossexual, a coisa agudiza-se). Não faltam exemplos e os acontecimentos de 2017 na progressista (?) universidade de Evergreen, nos USA, por um professor ter questionado o princípio de não dever vir à escola num “dia da ausência”, são uma mostra assustadora e grotesca de onde isso pode chegar. Ver documentário aqui.

A facilidade com que alguém é catalogado de racista, humilhado, silenciado e outro alguém se arroga no direito de se dispensar do mínimo de obrigações de respeito pelo seu semelhante, pela justiça e pelo rigor dos fatos, é uma forma de discriminação. Uma discriminação feia, que não fica muito atrás daquela que se pretenderia combater. Em vez de um grupo invocar uma supremacia, baseado numa suposta raça, temos outro grupo arvorando uma suposta superioridade, justificada por um estatuto de “intocável-desprivilegiado”, infinitamente credor por algo que ocorreu há seculos atrás e desmedidamente suscetível relativamente a qualquer coisa que ouça e não goste.

Não sei se poderá chamar a isto uma religião, tem semelhanças, mas não proporciona tolerância, justiça e harmonia entre todos os humanos deste planeta. Um péssimo serviço à causa fundamental.

12 outubro 2019

O problema do populismo


Não faltam demonstrações de desalento e de preocupação pela entrada do “Chega” no Parlamento, um pouco como alguém se lamentar de ter encontrado um rastro de bicho de madeira em casa, potencialmente ameaçador para a saúde de toda a mobília.

O Chega e outros populistas podem efetivamente minar o regime democrático, para lá do que ele já foi minado pelos menos populistas. Se populismo é apresentar aos eleitores receitas falsificadas, todos são maus. Quanto ao extremismo, não encontro nocividade acrescida no ser de direita. Nunca entendi porque se tolera mais Staline, Mao e Fidel do que Hitler, Mussolini e Franco.

O problema da implantação e do crescimento dos populistas não está, no entanto, nas mentiras que dizem; está precisamente nas (algumas) verdades. Os partidos tradicionais demitiram-se de ser sérios. Pelo politicamente correto divorciado da realidade, pelas desonestidades de todo o tipo, pela negação das evidencias e dificuldade em assumir e corrigir as falhas… demasiadas coisas cheiram mal nos habituais inquilinos do poder.

Não é, portanto, difícil apontar meia dúzia de verdades incómodas, para as quais os eleitores estarão recetivos. É fácil, a seguir, enxertar nesse discurso uma dúzia de meias verdades e duas dúzias de mentiras descaradas.

O bicho da madeira aparece porque não se arejou suficientemente a casa. Não se tendo tido o cuidado de manter um ambiente são, não vale a pena agora chorar pelo apodrecimento adicional. Não reconhecer e não tratar a causa fundamental apenas agrava.

09 outubro 2019

Pintar a cara de …


Neste nosso mundo onde há gente morrer de fome, por falta de condições sanitários, carências nos tratamentos de saúde, onde se vivem outras privações significativas e até o futuro do planeta está ameaçado, foi notícia importante a descoberta de uma fotografia antiga de 18 anos, em que o atual primeiro ministro do Canadá, disfarçado de Aladino, aparece com a cara pintada de preto. O próprio veio apresentar as suas desculpas e a mim custa-me a entender o pecado.

Se alguém pinta a cara de negro e ao mesmo tempo, repito, ao mesmo tempo, assume um comportamento grosseiro, estúpido e/ou mal-educado, associando-o à cor da pele, sim, isso é racismo estúpido inaceitável e a condenar, mas apenas e apenas se coexistem a cor e a atitude. Se unicamente assume uma máscara/um personagem que por acaso é negro, custa-me a ver o problema.

Podem argumentar que há um código antigo que associa o pintar a cara de negro a uma atitude depreciativa e racista. Sim, mas vamos construir um futuro baseado nesses códigos caducos? Não estará na altura de assumir que pintar a cara de negro, amarelo, azul, cor de rosa, em xadrez ou às riscas, ou o cabelo de louro ou de verde é isso e apenas isso? Não será preferível ignorar e apagar essas associações, em vez de as recordar e valorizar a este ponto?

Não estará na altura de assumir que o mundo que queremos é um onde “não há cor”, não a valoriza, nem de uma forma nem de outra…? Acredito que sim.

07 outubro 2019

Perda de virgindade?


Para lá do sobe e desce, mais desce do que sobe, dos participantes tradicionais, estas eleições são talvez as primeiras em que se começam a ver sérias fissuras na hegemonia dos que por cá mandam há algumas décadas. Para já ainda não muito quantitativamente, mas, para aí se caminha.

Há a consolidação do PAN, que, beneficiando da exposição do seu singelo deputado na legislatura prévia, passa a ter o privilégio de ser eventualmente relevante na viabilização de uma solução governativa. Está bem que as questões ambientais são uma urgência e uma premência, sem proteção do ambiente não há futuro, mas daí a esta infantilidade que “tudo” passa pela proteção do ambiente e dos animais… ok, temos a ideia do SNS para cães e gatos, uma brutal discriminação relativamente aos ratos, galinhas, pombas, iguanas, pulgas e percevejos... (e sem ser exaustivo…).

Faz sentido as correntes ideológicas do “Livre” e da “Iniciativa Liberal” estarem representados e veremos se esta visibilidade acrescida irá “PANificar” a sua base para as próximas eleições.

Livramo-nos de ficar a chorar com a entrada do RIR e fica para o fim a questão do “Chega”, no que parece ser uma dramática perda de virgindade no país dos brandos costumes… Obviamente que seria apenas uma questão de tempo aqui chegarmos, porque os erros e a desonestidade dos partidos tradicionais, empurraram, empurram e empurrarão parte do eleitorado para “alternativas” diferentes. Apenas demorou mais tempo…

Curioso, curioso é ver a distribuição geográfica da percentagem do “Chega” por distrito. Existirá uma fronteira ali para os lados de Rio Maior?