31 julho 2005

Fuga fixa



A liberdade é um verbo frio. Uma jornada sem mapa, sem sol, sem bússola, que soa como um mar sem ondas que nunca se consegue rasgar duas vezes igual.

Por isso nos prendemos a ideias, dogmas, histórias e queremos acreditar em coisas sem cuidar. E nos prendemos a hábitos e costumes para aquecer o nosso lugar e o frio do imprevisto cortar, como se o futuro pudéssemos balizar.

E nos enraizamos a um canto, um país, que adoptamos, dizendo lhe pertencer. Como se fizesse sentido, no sítio onde nascer, morrer. E queremos crer que não estamos cá por acaso. E desenhamos deuses, que depois de mortos nos prendam.

E por vezes dizemos amar quando a solidão é pesada de carregar, como quem quer não se conseguir soltar. E há vezes e há dias, em que atingimos a liberdade de chorar. Não é lógica esta postura. E procuramos uma amarra que possa prender o mar.

30 julho 2005

PGA para autarcas

Juntando a coincidência do período de exames com o aquecimento para as próximas eleições autárquicas, eu gostaria de propor a obrigatoriedade de uma Prova Geral de Acesso para candidatos a autarcas.

Para se eleito é necessário ter os votos dos eleitores, base inquestionável da democracia. No entanto, o facto de terem sido eleitos não constitui um unguento divino que lhes permite fazer tudo. Alguns autarcas com problemas com a justiça chegam a insinuar que “não retire outrem aquilo que o povo deu!”.

Saindo fora dos casos mais óbvios de tribunal, quando vejo alguns autarcas serem entrevistados, quando se passa algo de imprevisto na sua área, fico muitas vezes com a sensação de que o seu conhecimento das bases do seu exercício está abaixo dos mínimos.

A autonomia dos autarcas vai crescendo e isso deveria ter correspondência no nível de conhecimentos específicos que lhe deve ser exigido para exercer a sua função. Nada de muito diferente do que é exigido a, por exemplo, médicos e professores e outros que, para gerirem “coisa pública”, têm de fazer prova de competência.

A não haver conhecimento seguro do enquadramento, o autarca irá reger-se pelas “práticas” existentes, que não serão necessariamente as boas práticas. Ainda, uma organização em que todos conhecem claramente as regras, as suas competências e responsabilidades, é condição necessária para a eficácia. Quando se sabe só mais ou menos como é, não se tem bem a certeza, as decisões não flúem, as responsabilidades dispersam-se e é meio caminho andado para tudo emperrar.

Em resumo, sugiro que vão todos para a escola, que façam exame e quem chumbar fique impedido de se candidatar! Seria um atentado à democracia? Ou simplesmente um garante de que só se apresentariam a votos pessoas capazes?

29 julho 2005

O último embarque?






Nascemos com a Lua aos pés, trazida em transmissões directas.
De salto em assalto, infinito à vista, para um futuro, um destino virgem



Era assim que no final dos anos 60 víamos o mundo a avançar. A minha enciclopédia juvenil ilustrada até falava dos grandes benefícios para a humanidade que a energia atómica civil nos traria. Exemplo, batatas tratadas com raios X, não grelavam!!! O que eles contavam às criancinhas! Radiações à parte, a sensação que eu tinha, nessa época, era a de que se avançava a todo o vapor (de origem nuclear?) com o infinito como o limite. Mesmo o desastre da missão Apolo 13 era “só” um preço a pagar pelo arrojo do pioneirismo. E havia ainda o “2001: Odisseia no Espaço”, em que as naves espaciais dançavam a valsa à nossa frente, boquiabertos e deslumbrados nos cadeirões do “Estúdio Foco”.

Em 2005 temos é um monte de sucata no espaço, russa e não só, que não sabemos quando vai cair nem onde. O Challenger explodiu em 1986, o Columbia explodiu em Fevereiro de 2003. Agora, quando tudo devia estar mais do que ok, o Discovery está a perder peças e a Nasa anuncia o fim dos voos tripulados. Provavelmente a presença física de um ser humano no espaço, hoje em dia, poderá ser mais simbólica do que outra coisa.

No entanto, fica aquela sensação de incapacidade e de retrocesso. Já não estamos a caminho do infinito montados em gloriosas máquinas espaciais. Os meus filhos não sentirão seguramente que estamos com a lua aos pés, mas sim afastando-se. Talvez também não acreditem assim tão facilmente na história das batatas tratadas com raio X. E a lua lá segue tranquila sobre as nossas cabeças...


*foto retirada, sem autorização, do site da NASA

28 julho 2005

Irra, que irrita!


Portugal está a atravessar uma crise. É mau. Parece haver consciência generalizada do facto. É bom, muito bom, que exista essa consciência. Bastante pior, para além dos grevistas mimados, são os comentaristas que querem atirar o país para o sofá do psicanalista. “Seremos viáveis como país independente?” “Teremos novo rumo possível?” “Estamos esgotados!” bla, bla, bla... Junta-se ainda a invocação da suprema afronta para o orgulho nacional do “o melhor é sermos anexados por Espanha!”. Irra! Podem-me explicar o que ficaríamos objectivamente a ganhar com isso?

Saberão esses comentaristas que já “estamos anexados” a uma coisa chamada EU que, para o bem e para o mal, muito nos condiciona macroeconomicamente? Que uma parte dos problemas que temos é comum aos quatro países do sul do euro? Os PIGS, como carinhosamente chamam os vizinhos do norte a Portugal, Italy, Greece e Spain. Estes quatro países, com exportações menos tecnológicas, são muito mais afectados pela valorização do Euro do que os do norte da Europa. Saberão eles que se tivéssemos ainda o escudo, se decretava uma desvalorização da divisa e, do dia para a noite, ficávamos todos mais pobres e sem contestação nem greves?

Saberão ainda que a Espanha, com contas públicas invejavelmente saudáveis, tem as exportações estagnadas e o crescimento económico baseado no consumo interno e no imobiliário? Para já está bem... e isso ajuda-nos bastante porque para muitas empresas portuguesas o seu mercado doméstico já é naturalmente toda a Península Ibérica, mesmo sem anexação!

O caso mais complicado talvez esteja na Itália. No entanto, dizia-me recentemente um italiano responsável por uma multinacional líder no seu sector que a Itália já tinha sofrido muitas outras crises no passado e que havia conseguido ultrapassa-las. Que desta vez também encontrariam forma de sair.

Eu acho que o Paolo tem toda a razão. Se há problemas a resolver, vamos arregaçar as mangas e atacá-los. Este ficar estendido no divã, entre baforadas de fumo, a fazer a psicanálise da identidade nacional, não adianta nem acrescenta nada. Somente irrita! Irra!

27 julho 2005

Física nas férias


Depois da Filosofia de férias , chegou a vez da física. “A Aventura da Física – A demanda da unidade” de Éthienne Klein e Marc Lachièze-Rey. Comparar a evolução da física, e das ciências em geral, com a da filosofia, na busca de um entendimento global e uno para o que nos rodeia, é assaz diferente.

Consegue encontrar-se alguma sobreposição na fase inicial (?) dos gregos clássicos, nomeadamente Sócrates e Aristóteles. A partir do momento em que a ciência abandona a especulação pura para se basear no rigor da observação e no método científico, ela dispara. Passa a existir efectivamente evolução em que tese mais antítese, dão síntese, que vai receber nova antítese... e por aí fora num processo sólido e construtivo de conhecimento.

A filosofia mantém-se sempre no seu estilo revolucionário. Revolucionário no sentido geométrico da palavra, equivalente a rotação. Rodando, mudando a direcção para onde olha, mudando o lado exposto a um observador externo estático... mas revolução completa é rodar 360º e voltar à posição inicial.

É surpreendente para mim como, na física, a simples busca de simetrias e a utilização de ferramentas matemáticas, permite atingir conclusões complexas que, por vezes, só muito mais tarde a experiência consegue evidenciar.

Fascinantes são conceitos como a quantificação, valores preferenciais mais prováveis do que outros, evoluindo com saltos e não continuamente; a relatividade e outras coisas mais da física quântica que não se podem enunciar assim só de passagem.

No topo, no topo, coloco o princípio da incerteza de Heinsenberg que demonstra matematicamente que não podemos saber tudo. Que quando queremos saber com muita precisão uma coisa, por exemplo a posição, alteramos outra, a energia.

Para concluir, cito um filósofo, em pele de engenheiro:

“O binómio de Newton é tão belo como a Vénus de Milo. O que há é pouca gente para dar por isso.”

Álvaro de Campos

25 julho 2005

Diferenças e direitos


No passado os canhotos eram forçados a escrever com a direita. Hoje isso já não acontece. Hoje estamos a chegar ao outro extremo. Os “diferentes” reclamam “todos os direitos”, mesmo que esses direitos choquem com os direitos de terceiros.

Vim isto a propósito da inesgotável polémica sobre a adopção de crianças por homossexuais. Parece que a diferença entre um casal homossexual e um heterossexual é só o facto de o primeiro não poder procriar e o resto são preconceitos sociais. Como tal, têm o “direito” de adoptar. Evidentemente que há um pequeno detalhe que escapa, que são os direitos das crianças.

Gostaria que os “modernos e descomplexados” fizessem um esforço de “descer à terra” e pensassem num caso seu muito, muito, próximo. Imaginem essa criança a dizer “tenho novos pais!” “Mas qual deles é a mãe e qual é o pai?” Aquelas conversas que se têm tipicamente ora com o pai ora com a mãe, como serão? O que será para uma rapariga ter uma “mãe” masculina? Ou um “pai” feminino? Tudo natural, preconceitos à parte!?!

Eu, estou a pensar em aproveitar esta tendência reivindicativa da diferença para enriquecer a sociedade com um novo grupo que passo a descrever.

Quando o despertador tocar de manhã, vou ter uma vontade irresistível de dormir mais uma hora. Quando sair para trabalhar vou ter a necessidade de parar para um café e para ler o jornal na esplanada durante outra hora. O que tinha para fazer de manhã passará para a tarde. Não conseguirei fazer o intervalo de almoço em menos de duas horas. Pelas 15h30 sentirei uma fraqueza tal que terei de sair.

Aproveitarei a indemnização do despedimento (porque haverá de certeza as duas coisas) para explicar que se trata de um problema real e antigo e que eu serei extraordinariamente infeliz e frustrado se me obrigarem a trabalhar. Há os que nasceram para trabalhar e os que nasceram para não trabalhar; tal e qual como os destros e canhotos. Hoje em dia ninguém condena os canhotos pois não? Eu simplesmente tenho alergia ao trabalho.

Penso que conseguirei um grupo de pressão bem colocado que me ajudará a provar que se trata de um direito que me assiste. Ser feliz e sentir-me realizado, ter casa, carro, gozar férias (?), etc. e sem me obrigarem a fazer aquilo que é contra a minha natureza.

24 julho 2005

In certa parte



Parto, chego a partir à partida, chego a partir à chegada. Partido, entre saber e arriscar, entre ver e sonhar. Repartindo, a ansiedade de fugir, a nostalgia do meu mar. Numa velocidade, impossível de acertar, de estupidamente lenta a estonteante e descontrolada. E acelero, fujo do sufocar. E travo, do perigo a anunciar

Partir, reviver, refazer cada chegada, quebrar, a fuga insustentada.

Afinal nunca parti, não consegui chegar. O meu estado não muda, deambulo frente ao mar.

23 julho 2005

Estrondosa Guerra dos Mundos

Este filme é um estrondo. Efeitos especiais estrondosos! Infelizmente, no final, pouco mais nos fica na memória do que os estrondos.

Aspectos técnicos. Na altura em que o romance original foi escrito, talvez a substituição da bobina de ignição fosse suficiente para pôr um automóvel a andar depois da intensa radiação. Hoje não é assim, muito longe mesmo. Quem já ficou parado na estrada com um misterioso “Bip” sabe disso. Teria sido mais engraçado ter posto o automóvel dentro de um galinheiro que servisse de gaiola de Faraday. Até poderia dar um efeito especial estrondoso com a visualização do desvio das linhas de campo. A mesma dúvida para a coerência da presença da máquina de filmar electrónica, estranhamente sobrevivente.

Enredo de suporte. Pobre e “déjà vu”. Não restam dúvidas de que o divórcio é para eles sinónimo de vida caótica e para elas, após segundo casamento, garantia de progressão social fulgurante.

Desenvolvimento. Superficial. Personagens estáticas, caracterizadas em poucos minutos e sempre iguais até ao fim. Profundidade nula. Histórias paralelas ou cruzadas inexistentes.

Para a memória. Só a frase do condutor de ambulâncias que diz que os sinistrados sobreviventes são os que mantêm os olhos abertos a caminho dos hospital. Infelizmente, para ele, a coisa correu mal quando se recusou a ficar quieto.

Anedota final. O soldado que sumariamente espreita para o bicho moribundo e que, com profunda sabedoria, garante que já não há perigo. Um verdadeiro e iluminado herói.

22 julho 2005

O carácter das línguas

Em recente viagem de trabalho na Tunísia surpreendi-me com a quantidade de termos franceses misturados nos diálogos em árabe. Alguns de neologismos/ conceitos importados, tipo “boîte de vitesse” e outros aparentemente só por simpatia e derivados de uma conversação anterior em francês. Achei que tal permissividade não era nada elevada nem sinónimo de carácter da língua.

Ironicamente, dou por mim, em seguida, a falar em Português ao telefone, face aos árabes, e a dizer, repetidamente, “transhipment” em vez de transbordo. Concluí que o efeito não seria muito diferente nem, pior ainda, tão raro.

Que pensará um inglês, quando no meio de um discurso em Português, ouvir “coffee break”, “after shave”, “teenager”, “low profile” ou “drink”?

Algumas destas importações têm a ver com neologismos. O “basketball”, pode ser adoptado foneticamente como basquetebol ou ser traduzido para um “balón cesto” como fizeram os espanhóis. Este fenómeno toca todas as línguas. Ao fruto castanha chama-se em flamengo “kastanje”, cujo som nos é muito familiar.

Há outro grupo mais grave. É o imigrante que fala da casa tipo “maison” com janelas tipo “fenêtres”. É também o gestor moderno que acha que a aplicação dos conceitos será mais pura se usar vocabulário de origem. Assim, fala de “assessment” em vez de avaliação e de” training” em vez de formação. Evidentemente um problema de distracção e/ou presunção e/ou ignorância.

Curiosamente os franceses, que tiveram a coragem de inventar o “octets” para fugir ao aparentemente incontornável “byte”, resolveram trocar o “fin de semaine” pelo “week end”,

Sintomático é o caso da informática. No primeiro embate, nem se consegue discernir que “file” é ficheiro e “folder” pasta. Li uma vez que “a competência dum especialista é inversamente proporcional ao número de “palavrões” que utiliza e desconhecidos pelos leigos”. Quem sabe, traduz e clarifica, quem não sabe debita chavões para impressionar. A posterior introdução de versões portuguesas de software tem “nacionalizado” muitos termos. Horrível e lastimável é, pelo contrário, a adopção do Brasileiro, por exemplo, no SAP (planejamento, estoques, faturamento, etc).

Recuando um pouco mais, a influência cultural francesa, no final do século XIX, inundou o Português da altura de inúmeras palavras francesas porque era chique. Como um motorista francês é mais fino do que um português, um motorista fino português chamar-se-ia então chauffeur.

Indo ainda mais atrás, porque é que um médico de crianças se chama pediatra (Grego: “paidós”/criança + “iatros”/médico)? Porque é que uma cidade do mundo se chama cosmopolita (Grego; “Kosmos”/mundo + “polis”/cidade). Foi presunção de, numa dada altura, o grego ter sido considerado elevado e assim ter invadido toda a linguagem erudita? Não sei. O que é um facto é que hoje está na língua e, enquanto um chauffer talvez esteja de saída, o pediatra não. Nota à parte: na minha opinião, para bem entender Português, é mais importante estudar grego do que latim. É impressionante a quantidade de étimos gregos que temos e cujo conhecimento muito ajudaria a bem a dominar a nossa língua.

Não é raro coexistir mais do que uma palavra, de diferentes origens, para o mesmo conceito, sem clarificação rigorosa das diferenças de aplicação como o cavalo do latim vulgar, o equestre do latim erudito e o hípico do grego. Obviamente as línguas evoluem mas que valor acrescentado terá ficarem consagrados no Português o “drinque” e o “trainingue” e todos os outros “ings” que por aí andam?

20 julho 2005

Filosofia de férias

“A Anarquia dos Valores – Será o relativismo fatal?” de Paul Valadier veio ter às minhas mãos estas férias. Pareceu-me que poderia ser interessante, apesar da minha visceral incapacidade de digerir textos filosóficos. Qualquer afirmação fora de contexto muda de valor. É possível, esgrimindo contextos, fazer uma afirmação razoável, ridícula, estúpida, divinal e por aí fora. Acho que é isso que os filósofos fazem e os vários “ismos” não são mais do que várias modas em que se muda a vítima que é virada do avesso no momento.

Consegui ler o livro enquanto ele revisitava Sócrates, Kant, Nietzsche, existencialistas e por aí fora. Quando a autor embalou para as suas conclusões, eu desembraiei. Fiquei a cinco páginas do fim. Foi mesmo morrer na praia.

Acho que muita gente ainda não ultrapassou o trauma pós-Galileu. Se não estamos no centro do mundo, estamos no centro de quê? Um dia, quando se aplicar o princípio da incerteza de Heisenberg a todo o conhecimento, tudo ficará mais calmo.

O meu filósofo preferido continua a ser Fernando Pessoa. Gosto muito mais das análises dos artistas do que das dos filósofos convencionais. Os artistas usam o pincel, os filósofos usam o bisturi. Vão lá desvendar uma mulher bonita com um bisturi, e depois digam que, afinal, nem ficou lá muito bonita...

Talvez por tudo isto, Sartre, o filósofo, esteja datado e Camus, o romancista, fique intemporal. A propósito de Camus, transcrevo um excerto de um muito interessante prefácio a uma reedição de “O Avesso e o Direito”, que nenhum filósofo poderia escrever:

“A miséria impediu-me de crer que tudo está bem debaixo do sol e na história; o sol ensinou-me que a história não é tudo”.

19 julho 2005

Divórcios e protecção de menores


Há quem se prepare cuidadosamente para o casamento. É uma acção voluntária, deixada ao critério de cada um, e determinada pela importância da mudança de vida implicada. Os divórcios são cada vez mais frequentes, por razões que não cabe aqui analisar, e a mudança de vida brutal para os filhos menores, quando existem, mereceria, essa sim, uma preparação e um acompanhamento obrigatório.

Os acordos de regulamentação de poder paternal definem uns dias e uns euros. Nada mais. A forma como os progenitores separados gerirão a futura relação com os filhos fica ao critério e ao bom-senso de cada um. Não existe em lado nenhum uma definição do enquadramento desse relacionamento. Algo que diga que os ambos os progenitores deverão ter presente em todas as suas acções:

Que é o do interesse dos filhos, e direito deles, usufruírem de um contacto são e desdramatizado com ambos os pais; que os filhos não têm que optar entre a mãe e o pai, mas sim conciliar a sua convivência com ambos; que o cumprimento do acordado não deve incluir, para os filhos, o ónus de terem que escolher e decidir qual dos progenitores devem privilegiar; que se deverão abster de solicitar aos filhos solidariedade para consigo, pedindo que eles julguem, e condenem, o outro progenitor; que deverão aplicar o maior rigor e isenção ao referirem-lhes, quando absolutamente necessário, algum aspecto relacionado com a sua vida passada em comum e separação; que eventuais diferendos ou motivos de queixa pessoais deverão ser mantidos exclusivamente entre si e sem envolvimento dos filhos; que a estabilidade e a felicidade presente e futuras dos filhos devem ser colocadas acima de reflexos de rancor e de sentimentos de vingança; que, apesar dos pais estarem separados, continuam a existir regras básicas a cumprir e que ambos os pais têm sobre eles exercício de autoridade; que a ascendência do outro progenitor não deve ser espezinhada, nem a autoridade paternal diminuída; que aspectos fundamentais da vida dos filhos deverão ser discutidos em conjunto e não ser objecto de decisão unilateral; que ambos se divorciaram e que o seu casamento é assunto definitivamente do passado.
Tudo isto são pontos fundamentais para minimizar o impacto da separação dos pais nos filhos e, em maior ou menor escala, é muito frequente um ou ambos os progenitores não resistirem à tentação de envolverem os filhos no seu “ajuste de contas”. Não é necessário ter grande formação teórica para imaginar os efeitos provocados nos menores por uma perda de referências adicional, desnecessária e estúpida.

Não é possível deixar um assunto desta gravidade ao simples “bom-senso” e a um aconselhamento de ocasião, num momento em que, muito frequentemente, a estabilidade emocional não é a melhor e não ajuda a ver claramente os limites desse bom-senso.

O tribunal de família não se deveria limitar a verificar os “euros e os dias”. Deveria avaliar o potencial de risco de cada caso e, em função disso, “receitar” acompanhamento social para balizar o comportamento dos pais e proporcionar aos filhos uma referência isenta que lhes atenue as dúvidas do que é ou não “normal” na nova fase da sua vida.

Esse acompanhamento deveria ter um enquadramento legal e obrigatório e durar o tempo que fosse necessário enquanto os menores dele necessitassem. Merecer, merecem-no sempre.

17 julho 2005

A energia que irá mover o mundo

Sabemos já há bastante tempo que o petróleo há-de acabar um dia porque se gasta a uma velocidade bastante superior à da sua criação. Não sabemos muito bem quando. Parece, no entanto, que algumas grandes companhias petrolíferas estão a consumir reservas a um ritmo superior ao da descoberta de novas. Paradigmática é a trapalhada da Shell que, o ano passado, foi obrigada a rever várias vezes em baixa a sua estimativa de reservas. Por tudo isto, o preço alto do petróleo deve ter vindo para ficar.

Vejamos as alternativas. O nuclear está largamente proscrito. Pessoalmente vejo como principal problema real, mais do que a segurança das centrais, os resíduos. De qualquer forma, é provavelmente a única alternativa real, disponível hoje, que permite manter o nosso “wonderful way of living” (sic G. W. Bush) sem assar o planeta com o efeito de estufa.

O hidrogénio como fonte de energia é, para já, uma farsa. Enquanto não se descobrirem reservas naturais desse gás, temos o seguinte processo: com energia eléctrica e água obtém-se hidrogénio e oxigénio; guarda-se o hidrogénio; depois com ele e oxigénio gera-se energia eléctrica e água. O hidrogénio é um mero acumulador de energia, tipo bateria, com um rendimento melhor ou pior. Não é o que se chama uma “fonte de energia”.
A energia hídrica, no nosso país, já terá pouco mais para explorar. Também não me vejo bem num país com todos os cursos de água às poças e pocinhas. Energia eólica, sim mas as potências são limitadas e os impactos brutais nas paisagens. Ainda vamos ter, um dia, um “polis dos montes” (como é que se diz “monte” em grego?) para recuperação das paisagens degradadas. Fará sentido que em zonas de reserva natural, em que quase não se pode circular, se coloquem aqueles moinhos ruidosos e assustadores? Não queremos ser um país de turismo de qualidade?

Há outras pequenas coisas que não são centrais de muitos MW mas que somadas podem ajudar e que não estragam nada.
Veículos híbridos que recuperam a energia da travagem. Porque não juntar um painel fotovoltaico no tejadilho para carregar as baterias enquanto o pessoal está na praia e não só?
Aquecimento de águas por painéis solares. Acho que deveria ser obrigatório por lei para as novas construções.
E, já agora, utilizadores responsáveis. Não se pode ser contra as centrais nucleares, estar muito preocupado com o efeito de estufa, etc., e, ao mesmo tempo, ter o aquecimento em pleno no Inverno e o ar condicionado brutal no verão! Não é coerente, pois não?

Por longo tempo continuaremos a depender fortemente dos combustíveis fósseis. Continuará o desequilíbrio geográfico entre os locais de produção e os de consumo. Os árabes já descobriram, e demonstraram em 1973, a força que isso dá. Agora temos a Rússia que re-nacionaliza “legalmente” a Youkos. A América Latina inspira-se no estilo Hugo Chavez e desta vez foi a Bolívia a taxar sem mais a exportação dos produtos energéticos. De África e de tudo o que se passa à volta do petróleo nem vale a pena falar. Basta olhar para Angola.

Receio bem que geopolítica, e mesmo militarmente, o mundo vá aquecendo à medida que as reservas forem arrefecendo. Talvez o Iraque seja apenas um primeiro caso...

15 julho 2005

Segunda-feira, carro sujo


Às segundas-feiras costumo ter a parte de trás do carro suja. Umas pegadas de areia no chão, um papel de uma barra de chocolate, um papel rabiscado, um ticket de um livro comprado na Fnac, um celofane de um CD, um pacote de açúcar comido à socapa, umas pedras apanhadas para a colecção, ou até, quem sabe, uma pena de gaivota apanhada na praia. Todo este lixo é lá deixado por dois pequenos ocupantes.

Às segundas-feiras eu fico a olhar para esse lixo e não tenho coragem de o limpar. Como se, mantendo o lixo, o carro se mantivesse menos vazio. Quando volto a ver o carro limpo, senti ter perdido algo.

Às segundas-feiras quem entra no meu carro fica surpreendido com a anarquia reinante na parte de trás. E eu não explico.

14 julho 2005

Ser-se mais do que uma só coisa

Este texo, de contexto datado, foi publicado no jornal Público em 20 de Março de 2005, como "Carta ao Director". O tema de fundo é, na minha opinião, universal...


O facto de Bono dos U2 ter sido considerado como um possível líder do Banco Mundial, apoiado pelo Secretário de Estado do tesouro dos USA, é surpreendente.

Talvez menos surpreendente seja o facto de alguns financeiros e economistas carimbarem imediatamente essa hipótese como irrealista, sem sequer analisarem os requisitos da posição e as qualidades de Bono. Independente deste caso particular, que até já está decido de uma forma radicalmente diferente, para muitos, o sucesso só pode ter uma vertente. Se ele já tem sucesso como músico, basta! O sucesso multi-facetado é incómodo e inaceitável para os pequenos de espírito que não aceitam que um estranho, com êxito noutra área, lhes possa passar à frente na sua própria tribo.

E lembrei-me de um dos melhores livros que li recentemente chamado “Budapeste” escrito por um tal Chico Buarque que se revela como um grande escritor. No entanto, como ele já tem sucesso noutras áreas, não será fácil ser reconhecido como grande escritor pela tribo literária.

E lembrei-me de uma criança sonhadora que me dizia ser importante e motivo de grande admiração conseguir “ser-se mais do que uma só coisa”. O seu ídolo era, naturalmente, Leonardo da Vinci. Dentro da lógica anterior, Leonardo da Vinci teria sérios problemas de afirmação. A tribo dos pintores não lhe perdoaria a engenharia; os anatomistas não suportariam que ele também fosse arquitecto, os culinários não gostariam dos seus dotes de escultor e por aí fora. Teria que optar e deveria ficar só num único galho.

O recusar que se seja “mais do que uma coisa” é condenar cada tribo a uma consanguinidade cultural, que é obviamente sinónimo de definhamento.

12 julho 2005

Notas de viagem – Paris e Marrocos, 28 a 30 Junho

Paris by GPS - Eu tinha uma ideia do acesso ao hotel mas algumas dúvidas sobre o percurso depois da saída da auto-estrada. O taxista, que até nem era português, resolveu usar o GPS. Logo de entrada, o esparguete de vias mostrado no monitor, não prenunciava nada de bom. Seleccionou o caminho mais curto por estrada nacional, semáforos, rotundas e zonas residenciais com lombas redutoras de velocidade. Ainda tentei sugerir a auto-estrada mas o homem estava inamovível. No fim descontou-me 70 cents do preço marcado no taxímetro. Em compensação mostrei-lhe como apanhar a auto-estrada em 300 metros.

Paris, esplanada refrigerada - Há sempre alguma inovação. Ventoinha na esplanada que asperge água, difundida à frente das pás. Mais uma vez os táxis de 2 rodas. Curiosamente com condutora feminina.... ai ai! Pode ser muito bom, cuidadosa, ou muito mau, azelha. Meio-termo é difícil.

Cité, centro do centro - Parque de estacionamento do Tribunal de Comércio. No lado direito 2 Jaguares; no lado esquerdo 3 sem-abrigo com a instalação dos seus colchões e demais trastes. Calor insuportável. Pior só mesmo pagar 3,60 Eur por 25 cl de água Vittel numa esplanada. Se não é recorde, está perto.

Casablanca by old táxi - Táxi do aeroporto para o hotel. Foi um grande carro há 30 anos atrás. Mercedes 220 D muito, demasiado, esforçado. A 2 km de hotel pára com sobreaquecimento. Debaixo da tampa do motor já tem um recipiente com água. Lá deita umas gotas no radiador fumegante. A porta do condutor não abre por fora para o homem reentrar. Pancada para descer o vidro e já está, abre por dentro. Está tudo controlado. Avançamos com o ponteiro no máximo e umas valentes aceleradelas nos semáforos. Chegamos. Um transeunte pede boleia ao táxi para o centro mas não tem sorte. Pelos vistos é normal os táxis em serviço darem boleia.

Sqala, porto de Casablanca - Restaurante no antigo forte restaurado pelo sultão após a reconquista aos Portugueses. As guaritas eram-me familiares.

Kenitra - Passagem rápida. Não deu para avaliar quantas das dezenas de cegonhas que aí estavam em Janeiro já terão regressado, nem quantos dos milhares de patos e afins ainda estarão na enorme lagoa de água de doce junto à costa.

Mexilhões descascados - São marés-vivas e os rochedos mostram os seus mexilhões. Na estrada entre Moahemedia e Casablanca estão na berma à venda, à temperatura ambiente, ao pó e ao Sol e já descascados. Só para corajosos de último grau.

Antiga Mazagão – Agora El Jadida, muito agradável. Aposto que daqui a 10 anos, os implantes turísticos terão crescido como peste de cogumelos. Há um quarteirão português ainda com “ruas...” mas não deu para ver. A visita ficou pela zona industrial e por um restaurante em frente à esplanada da praia.

Pequena aventura aeronáutica - Regresso por Lisboa num dos famosos Beechcraft da Regional Airlines. 19 lugares todos corredor e janela em simultâneo. Aspecto geral do avião mal cuidado, falhas de pintura, manchas de óleo, etc. WC’s nauseabundos e decrépitos. Logo à saída de Casablanca não havia água para lavar as mãos. Para se proteger do Sol, o comandante coloca dois folhetos das instruções de segurança (?!) na janela à sua frente e à sua esquerda, tapando-lhe completamente a visão. Colocou-os pouco depois de sair de Casablanca e retirou-os algures na Costa da Caparica, já depois de passarmos o cabo Espichel.
Ao esperar pela entrega da bagagem à chegada vi uns remendos de borracha no bordo das asas, com as pontas descoladas. A hélice girava, empurrada pelo vento ao lado das nossas cabeças!

Tudo isto na mesma semana em que soube da realização do “Whisky, Romeo, Zulu”, um filme sobre o acidente com o avião da Lapa em Buenos Aires em 1999 em que morreram 70 pessoas. Uma companhia privada de um país pouco regulamentado, na prática, e com vários desrespeitos pelas normas de segurança à mistura.

10 julho 2005

Querem apagar a luz


Tenho visto com alguma frequência notícias sobre umas investidas preocupantes no sistema de ensino nos USA. Alguns candidatos a herdeiro de Torquemada, acham que Darwin e a evolução são uma treta e que o mundo foi criado por um ente superior todo-poderoso. Aproveitando a onda beata Bushiana actual e a influência que as autarquias, naturalmente politizadas, têm sobre os conselhos de administração das escolas, os manuais de biologia recebem autocolantes avisando os alunos de que a evolução é apenas uma teoria entre várias outras.

Definitivamente a igreja não aprendeu que a sua intervenção na ciência esteve, está e estará sempre condenada ao fracasso. No início, quando o homem via os trovões, não encontrava explicação para os mesmos. Aqueles que tinham dificuldade em conviver com esse desconhecido, atribuíram o fenómeno ao deus do trovão. Quando se descobriu como se formam as cargas electrostáticas nas nuvens e como se descarregam, o deus do trovão ficou desempregado.

Não se sabia porque é que “o Sol girava em volta da Terra”. A igreja explicou que deus todo-poderoso assim o tinha entendido e assim tinha criado o mundo. Quando Galileu ilumina a questão, a descoberta é dramática para a igreja. Reacção: apagar a luz, queimar livros, matar pessoas.

Sempre que a religião for utilizada para “explicar” o desconhecido por quem convive mal com ele, o resultado é só um. Cada avanço da ciência que explica o até então desconhecido é um recuo correspondente da igreja. Por isso a igreja teve na história tantas tentações para manter a escuridão. A luz tira-lhe força e, por isso, é sua inimiga natural.

Estes desenvolvimentos nos USA são declaradamente uma manobra de reduzir a luz e de regredir para a escuridão e no local mais perigoso: nas escolas. Curiosamente, nalguns países, o fanatismo islâmico actual foi plantado nas escolas por professores fundamentalistas.

08 julho 2005

Vamos tentar não perder o pé

Os responsáveis pelos atentados de Londres são assassinos bárbaros.
O mundo civilizado tem que encontrar a melhor forma de lidar eficaz e inteligentemente com este problema. Pode ser, ou não, o estilo do cowboy.
Há árabes, indianos, paquistaneses, judeus, índios, etc., que são gente “como nós”.
Metê-los todos no mesmo saco é injusto, não é civilizado e amplifica o problema.

07 julho 2005

Por anos e anos, eles estão aqui



Num pequeno apontamento televisivo sobre o “LiveAid”, apareceram uns senhores bem grisalhos, com grande calma e muita classe, a tocarem uma coisa com 30 anos chamada “Wish you were here”.

É um momento em que se diz: “Caramba, isto é eterno!”. Ou então, um pouco mais ao estilo “cota”: “Nunca mais se voltou a fazer nada assim!”. O tempo é o grande filtro da qualidade e, se 30 anos depois, ainda se ouvem álbuns dos Pink Floyd como o “Dark side of the moon” ou o “Wish you were here” com o mesmo prazer, é porque são mesmo, mesmo, bons.

Tenho mais dificuldade em classificar o “The Wall”. Não o consigo avaliar com isenção. Quando penso nessa fase da minha vida, do final dos 70s, início dos 80s, o “The Wall” é uma espécie de banda sonora omnipresente. Principalmente nas férias, não sei quantas vezes o ouvíamos por dia. A memória é de que, se não era desde o acordar até ao deitar, pouco faltaria. Ora trauteado, ora reproduzido no leitor de cassetes. Esse leitor de tecla “play” bem dura e que, quando desligado da tomada, gastava pilhas a um ritmo alucinante para o orçamento. Fosse a contar as estrelas cadentes no monte, fosse à volta da fogueira na praia, ao caminhar pela estrada, andava sempre lá um “Hey you, out there in the cold” ou, mais energicamente, uns tijolos a quererem saltar da parede.

05 julho 2005

Honda China



No passado dia 24 de Junho, foi carregado em Ghuangzhou o primeiro navio com Hondas Jazz produzidos na China, para serem vendidos na Alemanha e noutros mercados Europeus. A cerimónia teve bastante relevo local, conforme documentado na fotografia, e muita discrição a nível internacional. Entende-se porquê. Trata-se da primeira operação de exportação de larga escala de automóveis da China para a Europa, produzidos numa unidade vocacionada exclusivamente para a exportação para estes mercados.

Vejamos o que se dirá e fará na Europa quando, depois dos têxteis, chegar a vez da indústria automóvel. Querem apostar em como será diferente?

04 julho 2005

Risco improvável, riso inevitável

Nas recentes discussões no Parlamento sobre a revisão do estatuto dos deputados, alguns dos "interessados" terão alertado para o risco de essas alterações poderem provocar uma diminuição da qualidade dos políticos!

Lembrei-me imediatamente da qualidade dos Silvas de Águeda e afins e até me vieram as lágrimas aos olhos. De riso e de pranto. Como será um deputado de qualidade inferior à do Silva de Águeda?

E lembrei-me de uma entrevista que ouvi a Almeida Santos na Antena 1, a 22/01/2005. Entre outras coisas interessantes, confirmava que sempre houve muita disputa para a realização das listas eleitorais. E explicava. Apesar de não terem um vencimento muito elevado, muitos deputados ganham muito mais do que ganhariam noutra actividade fora do parlamento, ao seu alcance. Também beneficiam duma grande liberdade em Lisboa, inclusive conjugal. Achava que há demasiados deputados, de tal forma que alguns deles praticamente não têm oportunidade de intervir durante toda a legislatura. Conclui-se que muita gente quer ser deputado porque, afinal, se trata duma rica vida!

E porque não reduzir o Parlamento para metade? É simples, reduz significativamente os custos e até pode ser bastante higiénico

03 julho 2005

E se o Estado pudesse falir?

Imaginemos uma pequena/média empresa que se descapitaliza continuamente porque gasta mais do que ganha, em que os proprietários não podem trazer mais capital e em que a banca não acredita.

Há uma hipótese que é fechar, levando todos os trabalhadores para o desemprego. Outra hipótese seria reduzir e conter custos, incluindo os custos com o pessoal que são uma fatia importante. Convocados os trabalhadores, é-lhes explicado que vai ser necessário retirar algumas contribuições complementares e congelar o salário nominal durante um certo período para tentar equilibrar as contas.

Uma resposta possível para esta hipótese é os trabalhadores entenderem a necessidade, considerarem o plano equitativo para todos os níveis da empresa e aceitarem o sacrifício. Outra resposta diferente seria dizerem: Não senhor! Não se pode tocar nos sacrossantos direitos adquiridos, não podemos perder poder de compra e não aceitamos sequer congelamento da “evolução na carreira”. Vamos para a greve!

Não sabemos o desfecho para a primeira resposta mas, para a segunda, parece claro qual seria o futuro da empresa: acabava.

Numa outra escala, é isto que se passa com o Estado português e, em particular, com a função pública. A única diferença é que o Estado tem sempre quem empreste dinheiro, mais caro ou mais barato, hipotecando as gerações futuras, e pode sempre picar mais alguns cobres ao bolso dos contribuintes. Se o Estado pudesse falir, seria muito, muito, mais fácil

O plano actual do Governo toca a todos? Não. Tenta tocar em vários mas não alcança todos. Por isso não tem credibilidade? Bom... então, enquanto houver um Chico Esperto num canto deste país que não paga os impostos, eu não pago os meus! Ou vai tudo a eito de uma vez só ou nada! Se assim for, será sempre nada.

Quanto aos profissionais livres, que não pagam impostos, é verdade. E que tal se todos pedissemos recibo em vez de nos queixarmos? Não dá para entender que neste jogo estamos todos no campo e não na bancada?
A faltar mesmo a faltar acho que estão as obras públicas, as Casas da Música, o maravilhoso planeamento que faz destruir e reconstruir pontes e viadutos cada vez que uma via rápida passa de 2 para 3 faixas e... nunca é de mais insistir: o tráfico de influências e o financiamento dos partidos. E, já agora, convém referir que este financiamento não é só para produzir e colar cartazes nas campanhas eleitorais.

02 julho 2005

Palácio Nacional da Ajuda, Lisboa


Edifício de prestigio da capital onde é empossado o Presidente da República e o Governo, onde são recebidos visitantes ilustres e onde funciona o gabinete do ministro da Cultura.

Visto pela frente e pelas traseiras. Que o edifício não foi concluído, é conhecido. Talvez menos conhecida seja a degradação displicente da parte de trás. E não digam que o orçamento não dá para um bocadinho de reboco e de tinta... Trata-se de uma evidência escandalosa da cultura da fachada.

Ver entrada anterior do blogue. Afinal a diferença brutal entre fachadas para “inglês ver” e traseiras degradadas ignoradas não é só entre a capital e a província. Também existe no cartão de visitas de prestígio do Estado Português!