28 agosto 2018

Prerrogativas

Em plena crise de disponibilidade e fiabilidade do transporte ferroviário, leio que o operador deu prioridade a um comboio fretado pelo partido do governo, atrasando outros serviços, os do povo.

Certamente que, na imensidão dos problemas que enfrentam diariamente os utilizadores daquele meio de transporte, os distúrbios provocados por aquele “deixem passar quem é mais importante” foram uma pequena gota de água. No entanto, dizem muito da (má) forma como os governantes em geral deste país se situam relativamente aos serviços públicos do mesmo.

Gostaria muito que na outra grande embrulhada em curso neste nosso jardim que é a degradação do nosso Serviço Nacional de Saúde, bastante mais grave pelo que está em causa, gostaria que ministros e restantes apoderados o utilizassem mesmo como um cidadão lambda, já que o direito à saúde é indiscutivelmente universal. Gostaria que quem de direito e de poder se apresentasse nas urgências do hospital mais próximo, tentasse marcar uma consulta ou uma cirurgia. Gostaria que sentisse na pele e na saúde, na dor e na ansiedade o que sente o vulgar cidadão “não prioritário”, para quem eles também governam e a quem devem respeito e outras obrigações.

Obviamente que isso nunca sucederá. Da mesma forma que o seu comboio tem a prerrogativa de passar à frente dos demais, nunca eles sentirão esses problemas, que não são os deles. Enquanto isso não sentirem, não governam, governam-se.

23 agosto 2018

Deem palco aos charlatões


O Websumit tem uma enorme cobertura mediática. Desconheço quantos frutos concretos trará, mas palpita-me serem bastante inferiores ao seu impacto nos média. Enfim, cada qual faz como quer e gasta o seu tempo e dinheiro como entender, a menos que haja por lá dinheiro público/meu. De todas as formas, face a todo o mau emprego que fazem com os meus impostos, não será também tema para eu me preocupar em demasia.

Como não sei bem para que serve a tal conferência, não consigo avaliar se um personagem político como Marine le Pen tem lá enquadramento. No entanto, parece-me claro que não ganhamos nada em ostracizar quem teve 34% nas últimas eleições presidenciais de um dos maiores países europeus.

As suas ideias são perigosas e demagógicas? Sim, mas não é por lhe tirar o microfone que ela não as divulga. Acho mesmo que, pelo contrário, deve dar-se palco aos charlatões para os confrontar e desmascarar. A postura paternalista de que o “povo” sofre de menoridade intelectual, é de fraco discernimento e, por isso, devem existir uns tutores ideológicos que os protejam de influências nefastas é o primeiro passo para uma coisa muito feia.

Assim, deem palco a Le Pen, Maduro, Lula, Orbin e a todos os órfãos de Estaline. Desde que seja um palco livre e inteligente, não manipulado, temos todos a ganhar… menos os charlatões.

09 agosto 2018

Insensível ou pior

Terei sido um dos muitos que ficou de boca aberta quando o nosso PM, no contexto de uma análise ao incêndio de Monchique, utilizou a palavra “sucesso”. É um pouco como, face aos destroços de um acidente aéreo, dizer aos familiares das vítimas que as melhorias na segurança aérea são um caso de sucesso.

Por um lado, há a questão objetiva de se faz sentido falar agora em sucesso. O que sabemos é que o clima tem sido muito favorável, mas bastaram uns dias de calor para vermos já um enorme incêndio descontrolado. Seria prudente esperar pelo final do verão, antes de tirar conclusões.

Depois, há o contexto. Na situação catastrófica e dramática que se vive por aqueles lados, e drama não é apenas a perda de vidas humanas, usar a palavra sucesso é de uma enorme insensibilidade ou pior.

Ainda, sobre o que está a acontecer, para lá das imagens da facilidade de apagar velinhas de aniversário, dos grandes planos dos desesperos e da inflação no número de especialistas que nesta altura brotam, gostava de ver informação objetiva. Onde começou, onde se atacou, por onde circulam os meios, onde se reacendeu, por onde evoluiu, tudo isto documentado com números concretos. Ou seja, ter informação objetiva sobre o que se está mesmo a passar. Não sendo assim, ficamos reduzidos aos shows: o dos media e das suas entrevistas emotivas no meio da fumarada e o das comunicações oficiais sempre iguais, proporcionando especulações, muitas dúvidas e fáceis manipulações.

Se, quando se estiver já na fase da cinza, se concluir terem existido falhas graves na coordenação, haja sensibilidade para tirar conclusões e assumir responsabilidades.

07 agosto 2018

Bulas académicas


“Segundo relatou o próprio “X”, quando rebentou o escândalo, teria acordado pessoalmente com o responsável do curso umas condições vantajosas para obter o diploma. Não precisava de ir às aulas. Não precisaria de apresentar tese final. Teria equivalência inicial a 18 das 22 cadeiras do curso, correspondente a mais de 80% de toda a matéria e 2/3 dos créditos exigidos. As restantes 4 seriam aprovadas apresentando uns trabalhos que somaram apenas 95 folhas no total.”

Quem será este “X”? Um Relvas ou algum jotinha que se desenrascou para ter um canudo expresso? Não. Trata-se de Pablo Casado, recentemente eleito líder do PP espanhol. Não começa com o pé direito… “Contigo cresce Espanha”, está escrito no púlpito.

O relato do contexto deste percurso académico no Instituto de Direito Público da Universidade Rey Juan Carlos inclui outras anedotas deliciosas, como gente que teve direito a diploma, desconhecendo até estar inscrito no curso.

Pode-se traficar saber, esforço e mérito por estes arranjinhos, remunerados em numerário ou em espécie, a pronto ou a prazo? Pelo princípio, obviamente que não. Descredibiliza e desautoriza quem devia ter um comportamento eticamente exemplar.

Se numa empresa normal alguém for contratado apresentando habilitações falsificadas, o mais certo é ir para a rua no dia seguinte a isso ser descoberto. Os políticos são, de certa forma, contratados por nós e, como tal, passíveis de escrutínio e merecedores de intolerância face à falta de seriedade. Lá como cá, à esquerda, à direita … e vice-versa.


Fotografia EFE

06 agosto 2018

Tecnologias de proteção


A nossa Proteção Civil, a quem convinha fazer algo de excelente para limpar um pouco a imagem da vergonha do ano passado, resolveu ser moderna. Decidiu enviar SMSs a avisar quando há risco de incêndio, a dar um número de contacto e a pedir para as pessoas ficarem atentas. Dá uns títulos engraçados e quantificados como convém: Proteção Civil envia 7 milhões de SMS… grande trabalho, sim senhor. Convém apenas melhorar um pouco as 12 horas que o processo demora.

Sábado passado, seis jovens ameaçados por um incêndio na zona de Estremoz ligaram para o 112 e, na impossibilidade de explicarem onde estavam exatamente, ficaram a saber que não era possível enviarem a sua localização GPS para nenhum recetor. Ou seja, a Google certamente saberia onde eles estavam, mas para a Proteção Civil isso era impossível. Ficaram os seis feridos e dois com gravidade.

É mais fácil despejar SMSs de pertinência discutível do que poder receber a localização GPS de quem liga para o 112? Aparentemente seria, mas não foi o caso, dado que o primeiro SMS saiu com o número errado. Lapsos ...

03 agosto 2018

Eu e a política

Em conversa recente com alguém sobre os textos que por aqui vou publicando, alguns também na imprensa, surgiu a expressão de “intervenção política”. Fiquei a refletir se realmente o que faço há 17 anos, expressar publicamente a minha opinião e visão, muito frequentemente crítica, sobre a atividade política do país, se pode chamar “intervenção política”.

Dentro duma definição ampla da palavra, sim, será intervenção política. No entanto, prefiro a expressão intervenção cívica, dado que a minha motivação fundamental não é a promoção de uma “política”, muito menos de qualquer forma de politiquice ou de partidarite, mas sim, como cidadão, pedir contas a quem as tem que dar. Naturalmente que quando está no poder o A, irá ser provável achar que estou a defender a política do B… e vice-versa. É a vida de quem não se identifica num mundo de gregos e troianos.

O que ganho com isto? Certamente a antipatia de adeptos clubísticos e militantes, para quem os erros, as incompetências e incoerências são coisa relevante apenas em casa alheia. Prejuízo objetivo não o noto. No entanto, apesar de vivermos num país relativamente livre, acredito existirem funções e contextos onde o respeitinho é muito bonito e este exercício público de cidadania seja incompatível com uma vida minimamente tranquila e justa. Será uma razão para, livremente, eu continuar.