26 agosto 2015

Choveu na festa


Terminaram as festas da Sra da Agonia deste ano em Viana do Castelo, marcadas pela chuva e não só. Uma manifestação popular desta dimensão é e deve ser feita principalmente pelo povo. É absolutamente impossível e irrealista presumir que possa ser organizada da mesma forma como se produz um simples concerto musical. Dentro do orçamento para a sua realização uma parte significativa e largamente maioritária do contributo deve vir das “vontades” do povo, que até são gratuitas.

Parece, no entanto, não ser essa a tendência recente, dado o desenvolvimento de uma tutela pela autarquia, excessiva aos olhos de muitos. Particularmente polémica este ano foi a burocratização do Desfile da Mordomia, talvez o ponto mais alto e mais impressionante do programa, pela obrigatoriedade duma pré-inscrição. Se a preocupação com o rigor nunca deva ser pouca, precisamente por isso uma simples fotografia prévia é fraco garante do mesmo.

Um momento bastante constrangedor foi precisamente o controlo da entrada no referido desfile em que uns seguranças pesadamente trajados (a rigor) exigiam, sem cerimónias, o salvo-conduto às mordomas que se apresentavam na entrada. Recolhiam-no com determinação, como se estivessem a receber os cartões de consumo devidamente carimbados na saída de uma discoteca (que raio de festa…!). Ironicamente, o rigor aqui começava e acabava na simples existência de um papel.

Há certamente um equilíbrio a encontrar entre espontaneidade e organização e numa escala destas não existem soluções sem senão. De uma coisa tenho, no entanto, a certeza: não é por decreto.

24 agosto 2015

Um acto de coragem


Calmamente subiram ao palco do festival de folclore. Não tinham acordeões nem estridências, não dançavam nem rodopiavam. Na voz belíssima da cantadeira ouvíamos que “Quem vai ao Senhor da Pedra, vai ao céu e torna a vir”. Estávamos em Arcozelo e, por acaso, o Senhor da Pedra era mesmo ali ao lado. Nos inícios dos anos 80, apresentarem-se assim naquele contexto era um acto de coragem.

A voz em causa, que não levava ao céu mas pouco menos, pertencia a Isabel Silvestre, integrada no Grupo de Cantares de Manhouce. Quem está minimamente atento ao que se tem passado no campo da música tradicional portuguesa saberá bem de quem se trata.

Soube recentemente estar em curso uma iniciativa pública de obtenção de fundos para a edição decente de um novo trabalho dela. Nestes tempos em que qualquer um sem sair da sua sala, pode ouvir tudo o que quiser a custo nulo, ou quase, editar trabalhos bem produzidos que se querem, que compram, que se guardam e para os quais precisamos de contribuir, é também um acto de coragem. Neste caso concreto, este acto de coragem está ligado a algo de rico que temos, com tanto de rico quanto de frágil, que é a cultura popular, particularmente na sua vertente musical.

Porque sou português e aprecio actos de coragem, muito especialmente quando está em jogo a cultura e o meu país, irei subscrever.


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17 agosto 2015

FMI, FMI…

Desde o início que não entendo a participação do FMI nos resgates dentro da zona euro. É um pouco vergonhoso que a Europa e o Euro tenham tido necessidade de recorrer a essa instituição financeira. O argumento da sua experiência técnica vale pouco, dado os países em resgate não possuírem moeda própria. Um caso anterior, algo análogo, na Argentina, agarrando o peso ao dólar, foi um desastre. De uma coisa não tenho duvidas: se em 2010, em vez da Grécia, estivesse em causa, por exemplo, a França, mais depressa De Gaulle se levantaria do túmulo do que o FMI entrava lá…!

Agora, para a Grécia “take 3”, o FMI diz não entrar sem haver inicialmente uma restruturação da dívida, dado considerar que o país não tem capacidade para a reembolsar e, por isso, não pode emprestar ainda mais. Fico confuso. Então o FMI não é credor da Grécia? Só empresta mais se ele próprio aceitar um calote?!? Ou acha o FMI que que o calote deve ser apenas na parte dos outros credores? Espertos…! Por outro lado, se a função do FMI é precisamente intervir e tutelar os casos complicados, estará a Grécia assim tão mal, pior do que, por exemplo, o Mali?

Uma coisa eu entendo. Numa situação de crise alguém tem que liderar claramente e forte e feito, se necessário. Ou o FMI, ou a Europa. Este folhetim em que o menino doente se recusa a tomar medicação, face a uma troika de médicos, cada qual com o seu ponto de vista, em permanente negociação e busca de consensos, é imbróglio pela certa, como se constata.

11 agosto 2015

A campanha estreita do PS


A campanha do PS para as próximas legislativas está a ficar apertada. O eleitorado talvez esteja mais exigente, menos permeável às famosas ofertas de “papas e bolos” e também ganhou a consciência de que as festas têm ressacas, melhor ou pior medicadas.

Ao fugir da linha do atual governo, chamemos-lhe “troikiana” e ao deslizar para a esquerda, o PS caiu num caminho muito estreito, dado que a experiência radical à la Syriza também provou não funcionar, independentemente de quem foi a culpa. O PS tem assim dificuldade em caraterizar a sua alternativa, sendo que dar dinheiro às pessoas e acreditar que a economia a seguir cresce, não funciona, pelo menos no Portugal de hoje.

Talvez por essa estreiteza, estejamos a assistir a tantos despistes. A imagem do mudar para melhor como simples troca de um cenário, de cinza para cores lindas, pelo esforço de uma senhora que recorda uma simpática “partenaire” de ilusionista, é muito deficiente, para lá do piroso ridículo da imagem.

Menos programático mas muito sintomático foi o “pedir respeito” pelas pessoas, especialmente pelos desempregados, indo buscar uns rostos quaisquer, por acaso até sem serem previamente informados. Sabemos que os corpos perfeitos dos anúncios dos iogurtes, não se terão tornado perfeitos devido ao produto publicitado, mas fica muito mal comprar votos como quem vende iogurtes … e o assunto não se limpa, despedindo o fotógrafo.

O caminho estreito ou largo não dispensa uma liderança de confiança. Neste momento por muitos cartazes que se produzam com o rosto de A. Costa e as palavras “rigor” e “confiança” impressas ao lado em letra bonita, dificilmente elas colarão.

08 agosto 2015

Discriminação gay (positiva?)




Hoje é praticamente consensual que a orientação sexual de cada um é um assunto de foro íntimo ou público, conforme o próprio pretender e não deve ser objeto de nenhum tipo de discriminação. Se o simples facto de ser G, ou L ou B ou T, não deve ser nem estigma nem desvantagem para ninguém do ponto de vista social ou profissional, tão pouco me parece que deva ser uma vantagem.

Quanto Tim Cook, CEO da Apple, assumiu publicamente a sua homossexualidade, achou por bem acrescentar isso ser um dos maiores dons que Deus lhe deu… Imaginem um/a hétero/a a dizer algo correspondente!

Agora, António Simões foi promovido no HSBC e achou por bem realçar a vantagem da sua homossexualidade: “se não fosse gay, provavelmente não teria chegado a CEO do banco”. É uma afirmação que remete para as especulações sobre o famoso, e supostamente poderoso, lóbi LGBT, mas disso não falo, dado que nada sei de concreto.

O que me parece por demais evidente é ser, no mínimo, muito infeliz e despropositado assumir esta ligação direta entre a orientação sexual e a as capacidades profissionais. Não vejo nenhuma razão, nenhuma, para que homem, mulher, LGBT, ou o que quer que se invente mais, tenham aptidões profissionais especiais, derivadas apenas dessa orientação.


Foto retirado do site do Público - a romper ou a criar.. ?

07 agosto 2015

Quanto vale um CEO?

A SEC (Security and Exchanges Commission), agência reguladora do mercado de valores americano, decretou que as empresas cotadas serão obrigadas a publicar a relação entre o vencimento do CEO (Diretor Geral Executivo) e a média dos empregados.

A SEC tem por missão atuar no interesse dos acionistas, para todos os efeitos coproprietários das empresas cotadas. Eles já conhecem o vencimento do CEO, que não deixa se ser um seu “empregado”. No entanto, uma coisa é esse valor face ao lucro da empresa, que até pode parecer razoável, outra coisa é face ao comum dos outros empregados. Por muito genial, visionário e líder que seja o CEO, fará sentido que ganhe num dia tanto como a média dos empregados da empresa num ano? E no país da liberdade, da livre iniciativa, faz sentido legislar ou limitar sobre o assunto, num registo quase moralista?

Para os acionistas, a questão fundamental é quanto ganham eles próprios com as suas ações e a parte que fica na gestão de topo será, eventualmente, secundária. Dificilmente trocarão um rácio mais moral por menor benefício próprio. Donde que, de certa forma, o maior impacto desta iniciativa da SEC será talvez na opinião pública em geral.

Para lá da discussão de o tema ser ou não da tutela da SEC, de esta ter sido ou não sequestrada pelos sindicalistas, vale a pena refletir se não existe aqui outro sequestro. Será que o contributo do CEO para o resultado da empresa pode ser mesmo mais de 300 vezes superior à média da equipa? A saúde e a viabilidade das empresas, que se reflete na cotação em bolsa, é resultado de muitos fatores. A prazo, será também da equidade, acredito eu, eventualmente ingenuamente.

05 agosto 2015

Querido mês na terra


É apenas um mês, talvez nem completo, mas é muito e é pouco. Muito em importância. Seja no interior abandonado, seja na grande metrópole; seja gente que trabalha com as mãos, a quem se chama emigrante, seja gente mais formada, e a quem se chama expatriados, o apelo de vir cheirar a terra natal é muito forte. E é pouco, porque o tempo planeado para estar com a família, reencontrar amigos, rever o sol e o mar, a comida cá feita e, tantas vezes, colocar a respirar uma casa hibernada é sempre curto.

Por muito que se maldiga a desdita nacional, que se desdenhe a nossa sorte e se questione o sentido do nosso fado, Portugal é uma terra e um valor querido que emociona os seus. Nem sempre é fácil a chegada. Aquela palavra fora de sítio, eventualmente apenas escapada clandestina, mas que, para quem a ouviu, foi uma picada infeliz e parva. E há a noção de que faltaria um pouco de vontade para fazer um mundo de caminho e o país continuar a ser o mesmo, mas completo. Sem ser necessário voltar a fechar a casa no fim de Agosto, nem esperar pela reforma para a gozar a tempo inteiro.

Se o mundo é cada vez mais global, os mesmos produtos encontram-se em todo o lado, as facilidades de comunicação encurtam (algumas) distâncias, este pedaço de terra continua a ser nosso e único. Podem chamar-lhe nostalgia retrógrada, podem até culpar esse espírito por parte do atraso que sofremos. Eu não concordo. Identidade forte pode e deve ser uma vantagem. Penso também que esse sentimento é muito mais claro para quem já fez a experiencia de ter apenas um querido mês na terra. Sejam bem-vindos.

03 agosto 2015

Os trilhos do Alentejo


De férias em Évora, resolvi pegar na bicicleta para uma pequena viagem até à anta grande do Zambujeiro, imaginando não faltarem caminhos e trilhos para lá chegar. Calculei assim a olho o trajeto a seguir e arranquei. No sítio em que tinha previsto sair da estrada nacional, estava lá o caminho, sim senhor, mas com uma cancela fechada à frente. Na próxima alternativa, idem aspas… e circular de bicicleta pelas estradas nacionais do Alentejo não tem piada (nem segurança) nenhuma…

Visitada a anta, contava percorrer um estradão conhecido para fechar um triângulo com outra nacional, mas … lá me explicaram que um proprietário se tinha arreliado com a travessia dos seus terrenos e bloqueado o caminho, conforme a foto anuncia. Antes ia dar a Évora, agora não tem saída!

Parece que esta irritação e fecho de caminhos públicos é bastante frequente por aqueles lados. É muito grande o Alentejo, mas custa a crer que seja tão parco em caminhos públicos.

02 agosto 2015

Na rota de um deus pagão


Foi da pena do saudoso João Aguiar que me chegou a primeira referência ao Deus Endovélico. Aproveito para abrir um parêntesis e repetir o que já disse aí atrás. Foi um grande escritor, de quem eu li o pleno dos seus romances, e sempre com vontade para mais.

Porque a nossa história, o nosso passado e raízes, não se fazem apenas de reis e outras gentes, entendo que os Deuses não devem ser ignorados, para lá da relação de fé que se possa ter, ou não, com cada um. Os lugares sagrados têm algo intrínseco que ultrapassa os contextos espirituais concretos. Não é por acaso que, tantas vezes, vários credos se vão sucedendo no mesmo local.

Em tempos visitei pela primeira vez o lugar suposto do grande templo, significativamente hoje chamado de S. Miguel da Mota. Já nada resta de material, mas sim uma certa forma de respirar a paisagem, sintomática de ser um dos tais lugares sagrados.

Mais recentemente fui à Rocha da Minha, supostamente um local de culto do mesmo Deus, mas mais antigo e menos civilizado. Situada numas caprichosas curvas da ribeira de Lucefécit (que nome este… !), ela quase desenha um ómega no centro do qual está o santuário. É um sítio forte, que nos agarra. Fiz um voto de lá voltar. Quando a ribeira de nome mágico tiver água correndo, quero subir à fraga e ver aquela corrente circulando em torno de mim, seja qual for o Deus invocado.