29 novembro 2016

Teslinhas

O Sr Elon Musk é um tipo incrível. Para convencer o mundo de que os inovadores carros elétricos não são do outro mundo para as suas capacidades tecnológicas, anuncia uma fasquia um bom pedaço mais para cima: quer colonizar e colocar pessoas a viver em Marte, já em 2022!! Para quem se propõe tamanho desafio, carritos elétricos são tremoços… É um pouco como a Amazon querer distribuir encomendas por drones, a agência publicitária Google desenvolver veículos autónomos ou … a Efacec, para quem sabia fazer AGV’s, transformadores seriam canja.

A Tesla, automóveis, é uma história de expetativas, consegue levantar fundos nos mercados, mantém uma cotação das ações interessante, mas continua a ter dificuldade em ganhar dinheiro, pelo menos que se veja. No entanto, é uma atividade muito sexy e o pessoal excita-se com aquilo.

Anuncia-se uma fábrica para Europa. Tenho algumas dúvidas se isso será mesmo para avançar a curto prazo, ou é mais uma forma de gerar expetativas e assim conseguir convencer os investidores a avançarem com mais uns cobres.

Tão sexy a coisa é que já anda meio país aqui excitado… com a expetativa. Qualquer presidente de camara, ou associação recreativa, vem à praça apregoar a adequação maravilhosa do seu terreiro ao projeto. Imaginem que o nosso país até tem a vantagem competitiva de possuir um grupo de apoio no facebook (leio isto na imprensa séria)! O sr Musk e os investidores potenciais devem ficar extraordinariamente sensibilizados e irrevogavelmente convencidos.

Dependendo muito, obviamente, dos detalhes (e nos detalhes é que aparece o diabo), à partida seria bom que a eventual fábrica viesse para Portugal. No entanto, em vez de andar meio país excitado a berrar “Eu quero a Tesla, eu quero a Tesla!”, porque não pensar em criar condições de sucesso para as pequenas teslinhas que por aí andam a penar? Não serão tão sexys, mas são mais certas.

21 novembro 2016

A responsabilidade dos políticos, revisitada

Este texto meu, de fevereiro de 2004, foi publicado no Público do dia 10 desse mês. Hoje, Alain Juppé, que afinal não morreu, é notícia por ter passado à segunda volta das primárias de direita para as presidenciais francesas.

Caso seja ele a ir a votos, é muito provável que se encontre face a face com Marine le Pen. Depois, o pessoal surpreende-se com as “Trumpices”.

A responsabilidade dos políticos.

A França está em “estado de choque”. O brilhante Alain Juppé, delfim e potencial sucessor de Chirac e presidente do partido no poder foi condenado a 18 meses de prisão com pena suspensa e 10 anos de inelegibilidade. As reacções são curiosas: 10 anos de inelegibilidade para um “eleito” são equivalentes a uma morte cívica e mesmo quase a uma morte civil. A sentença é desproporcionada. Os juízes têm demasiado poder; deveriam ser antes um “serviço público de justiça”. A juíza é de esquerda e é casada com um americano!

Os juízes foram pressionados. Os seus gabinetes foram visitados por empregados de limpeza super-diligentes que, face a uma porta fechada, entraram pelo tecto falso. Mas, se houve pressões, talvez seja motivo para anular o julgamento. É a estupefacção num país em que os políticos têm tradição de inimputabilidade. Que acusa Berlusconi de “fazer leis de auto-protecção” mas que se recusa o tocar no seu próprio presidente da república. O curioso é que por detrás dos comentários parecem não existir dúvidas sobre o facto de a lei ter sido efectivamente violada e que, aparentemente, a responsabilidade deveria chegar ao próprio Chirac. Ao mesmo tempo ignora-se que os juízes se limitaram a aplicaram uma lei votada quase sem discussão pela actual maioria para disciplinar o financiamento dos partidos. […]

Por trás de toda esta problemática, em França e não só, está e continuará a estar o cancro da democracia que é o financiamento dos partidos e o tráfico de influências associado. Que o estado nunca será pessoa de bem enquanto este assunto não for encarado, legislado com isenção, a lei aplicada com rigor e a justiça feita com objectividade. Até lá continuaremos a viver em estados podres.

18 novembro 2016

E não há tampa para o buraco

A CGD é um banco público e dizem que fundamental como instrumento para o desenvolvimento da economia nacional. A CGD tem um buraco que vai implicar altos custos para os contribuintes. Uma das parcelas principais vem de empréstimos feitos a empresas/entidades envolvidas na luta pelo controlo no BCP. Ou seja, o instrumento público fundamental envolveu-se numa luta de comadres, ficou a arder e agora pagamos nós.

Parece claro que tapando-se o buraco, de um forma ou de outra, será necessário mudar de vida, que é como quem diz, a CDG deixar de ser um instrumento de controlo e propaganda política, a origem da maioria das suas desgraças. Precisará de banqueiros a sério e não de comissários tipo Armando Vara. O seu vencimento é demasiado elevado? Provavelmente sim (não só o deles), mas é uma situação de mercado, que não muda de um dia para o outro e o mais caro é sempre a incompetência.

Para poder encaixar os profissionais da banca na CGD, foi necessário alterar a legislação do “gestor público”. Ao fazê-lo e ao aprová-lo os nossos políticos assumiram que o tal estatuto é incompatível com as necessidades da CGD, face ao mercado. No imbróglio atual, parece evidente que alguém terá assegurado à nova equipa que a exceção criada incluía a dispensa de apresentar publicamente as declarações de rendimentos. Como o assunto “empancou” na opinião pública, agora ninguém disse nada, ninguém sabe de nada e as leis são para cumprir… enquanto os novos gestores parecem querer insistir em ver mantido o acordado.

Mais dia, menos dia este assunto estará de uma forma ou de outra encerrado, mas, para o futuro, quem serão os profissionais, qualquer que seja o setor, que acreditarão na palavra dos políticos, prontos a recuar e a se desdizerem à mais simples berraria populista? Não precisamos de gestores assim…? Pelo menos não voltem com os “Armandos Vara”, eles não estão perdoados.

Neste embrulhada, digna dos famosos e épicos tempos de Santana Lopes, o nosso irritante PM afirma em Madrid, contentinho, que o sistema financeiro português saiu do impasse…

17 novembro 2016

Depois do dia seguinte

A vitória de Trump, improvável e até mesmo impossível na ótica de quem julga(va) saber o que vai ser este mundo, aconteceu. Numa primeira reação acreditei que o Trump Presidente seria bastante diferente do Trump candidato, como, de certa forma, a discurso da vitória pressagiava. Pensava eu que, face a um candidato manifestamente mal preparado, a diferença, positiva ou negativa, dependeria do aparelho que o viesse a rodear e a guiar… a quem ele delegasse a chatice de governar mesmo.

No entanto, o que se está a ver agora (não) acontecer aumenta a minha preocupação. Dentro dos potenciais nomeados para a sua equipa, há gente com ideias estranhas, mas, mais preocupante, são aqueles que tiveram ações perigosas, tais como John Bolton, um dos grandes responsáveis pelas manipulações feitas pela administração Bush e, nomeadamente, pela construção da fantasia das armas de destruição maciça no Iraque. Tem bastantes inimigos entre as pessoas sérias deste mundo.

Trump transmite a imagem de um candidato não preparado, mas inebriado pelo poder. Extramente preocupante é o grau de envolvimento da família. Que um Presidente apresente socialmente a primeira-dama, é uma coisa; que se rodeie de filhos e genros no melhor espírito tribal terceiro-mundista é muito inquietante. Ou é porque não encontra mais ninguém em quem confiar, o que é alarmante; ou por querer deliberadamente concentrar o poder (e os seus proveitos?) num círculo restrito, o que é assustador, especialmente para a escala e as responsabilidades mundiais do país em questão, que não se pode transformar numa United Trump States Corporation.

No fim, o problema principal do populismo não é a sua ação; é a sua herança.

11 novembro 2016

Nos campos das papoilas


Nos campos de papoilas, onde outrora se acharam as trincheiras, há campos que permanecem minados por projeteis não explodidos, ainda não achados. Há demasiadas lápides fúnebres e tantas delas tão simples como “A Soldier of the Great War – Known unto God”. No memorial de Thiepval estão os nomes de 72000 soldados desaparecidos na batalha do Somme de 1916, de destino desconhecido. 


Uma coisa é ler uma descrição de algo onde, somente no primeiro dia, houve mais de 20000 mortos. Outra coisa é ver o filme no museu de Albert onde desfilam as imagens dos locais: La Boisselle, Poizières, Thiepval, Beaumont-Hamel. Muito mais do que isso é atravessar a região e ver como tudo é tão perto, como logo a sair ao inferno dos australianos, foi um dos ingleses, depois o dos irlandeses e do outro lado do riacho está os da Terranova. Os cemitérios militares são a imagem de uma colheita sinistra. De uma colheita que não se renovou, morreram definitivamente, e que não queremos ver renovada. 

Todas as guerras são estúpidas e insensatas. A Grande Guerra talvez mais um pouco, por uma certa ligeireza nas suas causas diretas e pela brutalidade e insensibilidade da imagem dos soldados a saírem em massa das trincheiras, tantos deles para caírem escassos metros à frente. No mesmo museu acima referido, a estatística diz-nos: 8 milhões, 538 mil, 315 mortos em toda a guerra.

11 de Novembro, dia do armistício, dia da papoila ao peito. Um armistício que não evitou uma nova grande guerra, apenas 20 anos depois. Entretanto, já passaram mais de 70 anos sobre o final da última grande guerra na Europa. Foi a última? Acredito que sim, mas nunca facilitando.




10 novembro 2016

Trump, Bush, Lula e Sanders

Contra todas as previsões e racionalidades, Trump ganhou. Ou, talvez, tenha sido antes Hillary quem perdeu, por desgaste da imagem e descrédito nos simples eleitores, saturados do sistema vigente. Se do lado Democrata estivesse um antissistema como Sanders, o seu resultado teria sido melhor do que o de Clinton e eventualmente venceria? Um cenário não menos inquietante…

Como vai ser na prática a ação de um líder assustadoramente diferente do modelo e dos valores tradicionais, que estamos habituados a ver? Encontro algum paralelo, noutra latitude geográfica e politica, com a eleição de Lula da Silva no Brasil em 2003. Um sindicalista ex-operário que destronou as famílias tradicionais do sistema. Hoje, vendo à distância, e como as investigações em curso vão levantando, a rutura com o “sistema” não foi assim tão significativa como inicialmente previsível.

Trump está mal preparado, talvez não muito diferente de George W. Bush, apenas com a diferença de que esta pertencia a uma dinastia do sistema e tinha mais tento na língua. O problema principal com Bush veio dos seus conselheiros, decididamente maus conselheiros. A esperança é que a prática de Trump, e no discurso da vitória já mostrou mais tento na língua, seja suficientemente influenciada por conselheiros razoáveis, o que quer que isso seja exatamente, esperando bem que não venham da mesma cepa.

O problema maior é que, depois do populismo falhar, a fase seguinte é muito imprevisível e incontrolável.

07 novembro 2016

O orçamento e o real

De orçamentos de Estado entendo pouco, mas orçamentos em geral já me passaram muitos pelas mãos e o princípio é sempre o mesmo. Ao longo do ano compara-se o realizado no ano com o previsto em orçamento e com o realizado no ano anterior. Para o ano seguinte, é tudo igual, apenas avançando um ano.

Na preparação de um novo orçamento os valores previstos para o ano seguinte são comparados com a realização/previsão do ano em curso. Sendo conhecido um valor mais atual e fiável para o realizado, ninguém irá comparar as previsões com o orçamentado feito um ano antes e, eventualmente, não cumprido.

Havendo diferenças entre o orçamento inicial e o realizado final, alguém levará nas orelhas ou será agraciado, conforme a natureza do desvio, mas uma coisa é certa… no final de cada ano o orçamento, “previsão”, morreu, substituído pela “realidade“ constatada.

Isto vem a proposta da polémica com os aumentos e diminuições das verbas, por exemplo para o ensino no orçamento de Estado. Orçamentou-se 100 e gastaram-se 120. Para o ano seguinte orçamenta-se 110 e chama-se a isto um aumento. Aritmeticamente é efetivamente um aumento face aos 100 homólogos, mas as comparações devem ser feitas entre o que faz sentido. Entre um número inicial errado e um atual certo, é absurdo considerar como base o que já se sabe estar errado.

Cereja no topo do bolo foi o ministro dizer que “já se sabe”, que o real será sempre superior ao orçamentado e assim, na prática, sendo expetável que o valor final real atinja os 130, haverá um efetivo e real aumento. Pois... só que isso não se chama “orçamentar” – chama-se brincar com verbas. E parece que ninguém está a/vai levar nas orelhas por isso.

03 novembro 2016

Coisas dos gostos na rede

Há uns dias, e por exceção excecional, interpelei uma figura pública na sua página facebook, achando que ele estava a apresentar uma posição mal fundamentada. Questionei-o se conhecia a “organização X”, bastante relevante no contexto em causa. Tive direito a uma resposta relativamente rápida, do género de declaração de ignorância. Dizia não conhecer, mesmo apesar da sua vivência, e deixava-me em desafio, com uma ponta de ironia, um convite a explicar.

Lá me apliquei a responder com uma exposição relativamente detalhada, resultando que a declaração irónica de ignorância era efetivamente infeliz. O senhor não respondeu nem comentou mais. Pode ser normal devido à grande quantidade de interações e solicitações, apesar de ter posteriormente comentado outras linhas abertas no mesmo post, talvez porque nessas ele “tinha razão e argumentos”.

O que eu achei mesmo delicioso foi que, antes de eu responder, a declaração de ignorância tinha 2 ou 3 gostos. Já depois da minha resposta a contagem subiu até aos 17, sem uma única reação na minha explicação. Diz bastante do “ouço apenas o que quero ouvir”.

Radicalização não é só a da kalashnikov. A intelectual também faz muitos estragos.