16 março 2021

Um novo apartheid


Tempos e países houve onde se separavam as pessoas pela raça, por exemplo, escolas para uns e outras escolas para os outros. Houve quem tivesse sonhado e lutado por um mundo onde direitos e oportunidades não dependeriam da cor da pele; onde essa ideia de dividir seres humanos por uma coisa chamada cor ou raça seria um anacronismo a eliminar.

Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades e vemos hoje polémicas quanto a quem pode ou não traduzir o poema de Amanda Gorman, pronunciado na tomada de posse de Joe Biden. A tradução de um texto literário e especialmente de um (bom) poema, onde há duplos sentidos, imagens evocadas e uma elegância de frases a cumprir, não é como ser um figurante porta-estandarte. Requer um bom conhecimento da língua origem e um excelente domínio da língua destino. A escolha de um tradutor deve ser determinada pela capacidade e mérito e não pela cor da pele ou o género.

Depois do tempo em que se aplaudia quem tinha belos sonhos, passamos a um tempo em que nos querem fazer mergulhar num pesadelo triste e sombrio: o de um apartheid cultural.

09 março 2021

Não falha! E as sobras

Pode o Governo não conseguir comprar a tempo os computadores prometidos para os alunos necessitados aprenderem em casa durante o confinamento; pode não conseguir reforçar a capacidade de resposta do SNS a partir de dentro ou de fora; pode a execução orçamental de 2020 ter ficado abaixo do previsto antes de Covid-19… mas há coisas que não falham.

Relativamente à Presidência Europeia, contratar comes e bebes para festas que não haverá, automóveis e fardas para motoristas que não verão passageiros, prendas para visitas que não nos visitarão e montar um centro de imprensa quando a ordem geral é trabalhar isolado, essas coisas não podem falhar! Acrescentando os casos que passaram por ajustes diretos a empresas recém-nascidas, aparentemente as únicas “capazes”… venham depois chorar e lamentar que o populismo constitui um grave problema.

E palpita-me que no fim tudo isto ainda vai gerar uma sobras simpáticas

08 março 2021

Foi você que pediu uma freguesia?


Leio atónito que alterações legislativas permitirão criar cerca de 600 novas freguesias, um aumento de cerca de 20% face ao número atual. Vejo anunciado que, em termos de população, será necessário um mínimo de 900 habitantes, 300 no interior, quando a média global do país está acima de 3000. Realmente, depois da racionalização dos tempos da troika, parece confirmar-se que, por cá, reformas a sério apenas sob severa tutela e que à primeira oportunidade os velhos reflexos regressam, mais teimosos do que um boneco “sempre-em-pé”, que, não importa o que lhe façam, retoma sempre à posição inicial. Eventualmente, será mais apropriado falar de “sempre-em-crise”.

Com uma população que não aumenta, com o desaparecimento da necessidade da presença física nas instituições públicas para cada vez mais interações, parece-me até que se deveria pensar e avançar ao nível dos concelhos e não recuar nas freguesias.

Quem pede uma freguesia? Queixas de foro afetivo pelo desaparecimento da individualidade da “sua” freguesia histórica e… “Prasidentes desempragados” de uma Santo António de Matraquilhos ou Santa Maria dos Escofados, que perderam o seu pequenino poder. Nenhuma destas motivações deveria ser racionalmente atendida. Nunca cresceremos assim, brincando aos pequeninos.

E em versão reduzida no Público de hoje.