21 dezembro 2018

Falta de cor


Quis o azar ou a sorte que eu precisasse mesmo de ir à capital no ameaçador dia dos coletes amarelos, tradução literal de “gilets jaunes”. Na dúvida e por não poder falhar, acrescentei uma hora ao tempo previsto de viagem.

O primeiro contacto com a (não) realidade foi nas portagens de Alverca. Aí estavam umas (4?) viaturas da GNR, mais outras tantas da televisão, prontas para os diretos… e de amarelo ninguém. Se paro, enfio um colete e vou para lá mandar umas bocas, apareço nas televisões todas, sem dúvida. Não o fiz e perdi os meus três minutos de fama, que seriam tão, tão fáceis de obter. De facto, demasiado fáceis.

Esta caricata mobilização é em parte a imagem do que somos e do que não somos. A vitalidade (e a violência) com que os "gilets jaunes" saíram à rua em França durante semanas consecutivas fez muitos acreditarem que poderíamos fazer por cá uma coisa parecida, à la francesa.

Acreditaram as forças de segurança que mobilizaram muito para lá do necessário, antes assim do que ao contrário, mas o desvio foi enorme, e acreditaram excitados uma boa parte do pessoal que tem acesso a microfone público. Uau ! Vamos ter coletes amarelos e fazer vergar o governo…

Obviamente que não nos faltaram razões e motivos para manifestar o “ras le bol” com a trupe que nos governa e mesmo com a que se candidata a nos querer governar. Como é óbvio não é importando uma forma ou uma cor que a coisa funciona… muito menos às três pancadas, como aqui andaram à toa os organizadores, as forças de segurança e os altifalantes.

Assim seremos…? Um pouco infantis?

20 dezembro 2018

E porque não se calam?


Já referi aqui atrás a bacoca autossatisfação do Secretário de Estado sobre a conformidade legal da ação da proteção civil, na operação de socorro ao helicóptero do Inem acidentado, cujos destroços e vítimas esperaram 6 horas para serem encontrados. Para não ficar atrás, o Ministro da Defesa aproveitou e veio dizer que a intervenção da sua Força Aérea tinha sido impecável. Depois soubemos que a prontidão de 15 minutos do seu helicóptero afinal passou para uma hora, porque o mesmo estava avariado e foi preciso ir buscar o de reserva. Não teve consequências porque o acidente tinha já feito todos os estragos possíveis e a meteorologia nem sequer permitiu a intervenção da Força Aérea. No entanto, chamar a isto “impecável” …

Quem já deve ter aprendido a não fazer declarações simpáticas a quente é o Presidente da República, depois de em Pedrogão ter afirmado num primeiro tempo que tinha sido feito todo o possível. A propósito, o senhor de Tondela, o da fotografia simbólica com o PR, morreu sem recuperar o perdido, eventualmente prometido na altura. Falta de amigos na autarquia, eventualmente.

Entretanto, no Parlamento fala-se de proibir provérbios com animais, coisa importante e de uma nova lei de base para a saúde. E porque não se, em vez de pensarem em novas leis, tentassem fazer funcionar as que existem e se em vez de inventarem novas necessidades, assegurassem a disponibilidade das básicas?

18 dezembro 2018

Onde vivemos?


O local onde o helicóptero do INEM se despenhou no passado sábado fica a cerca de 20 km do centro da cidade do Porto, em linha reta. Foram necessárias mais de 6 horas após a sua queda até serem encontrados os destroços. Isto numa altura em que estamos cercados por GPS, smartphones, redes tantos G e, atendendo à importância de um meio de socorro daquela natureza, mesmo o famoso Siresp.

O que já se conhece evidencia que durante muito tempo, ninguém soube bem o que aconteceu/acontecia e como reagir. Parece óbvio ao comum dos mortais, mesmo não especialista nestes temas, que estas situações têm que ser objeto de procedimentos previamente definidos e com intervenientes cabalmente informados. Não é no momento que alguém vai refletir e pensar: o que é que eu faço agora? No sábado passado, entre montes de siglas e acrónimos, houve uma sequência de comunicações e de faltas das mesmas que, se não foram algo erráticas, parecem.

Ah… está tudo bem. O Secretário de Estado veio logo a seguir afirmar que a operação de socorro tinha decorrido de acordo com todos os normativos legais. Se assim foi e essa lei permite deixar, nos dias de hoje, quatro vítimas abandonadas durante 6 horas a 20 km da segunda cidade do país… É certo que neste caso particular a sorte deles não foi influenciada por essa demora, mas… onde vivemos?


Foto Lusa/Octávio Passos

16 dezembro 2018

Contra os peditórios




Acabo de saber que na próxima vez que pagar a conta numa farmácia, serei convidado a deixar os trocos para financiar as pessoas com dificuldades em suportar o custo dos medicamentes a cargo do utente. Infelizmente existirão muitas pessoas nessa situação e é mais do que justo e humano não perderem acesso aos seus tratamentos.

No entanto, será muito a contragosto que eventualmente deixarei lá os meus trocos. No meu país de hoje, o acesso à saúde, entre outros direitos, não deve depender de um peditório, seja ele num balcão de farmácia, na porta da igreja ou na fila do semáforo.

Numa sociedade moderna e organizada a solidariedade não deve passar por estes canais. É o Estado que a partir de impostos e outras contribuições a deve garantir. E esses eu pago-os todos. Para lá do princípio, estes fundos solidários têm ainda um problema prático que é o rigor e a justiça na sua utilização. Veja-se o caso das reconstruções após os incêndios de Pedrogão.

Obviamente que há prioridades. Enquanto formos governados por quem se preocupa basicamente em comprar votos, onde os principais beneficiados com o “fim da austeridade” são quem mais protesta a pedir mais, em que a fina flor da paróquia, incluindo a senhora que dá a cara na promoção deste peditório, apoiou indecentemente a reeleição de Tomás Correia no Montepio e em que um ex PM sulfuroso continua a bem viver à custa de uma certa caridade… realmente não dá para tudo e é necessário apelar aos bons sentimentos da população, promovendo peditórios.

Não, eu já dei!

12 dezembro 2018

Algo de novo?

Expressões como “aquele tempo era único” ou “hoje vivemos tempos singulares” normalmente traduzem alguma preguiça em procurar semelhanças e paralelismos entre o hoje e o ontem, vistos seja de trás para a frente, seja da frente para trás. Os tempos atuais nunca são, em geral, assim tão singulares. No entanto, fica sempre bem falar em transição…

Temos, por exemplo, a famosa transição energética, que até ficou agarrada a nome de Ministério. E quando se tenta justificar o absurdo de uma taxa de IVA razoável na energia elétrica ser apenas possível para potencias instaladas ridículas… fica bem, pensam eles, dizer que é um incentivo à melhoria da eficiência energética. Em França, quando Emmanuel Macron resolveu aumentar o imposto sobre os combustíveis e justificá-lo como um apoio à transição energética deu no que deu, não apenas por isso, mas foi um bom rastilho.

Temos os nossos caros deputados versão 5.0, para as quais a presença no hemiciclo já passou para o domínio do virtual. Uma transição significativa para a desmaterialização da governação.

Temos a transição de competências técnicas, como a definição do plano nacional de vacinação, para o parlamento, dominado por especialistas, excelentes na capacidade de fazer de conta que estão ou que sabem o que dizem ou que pensam no que fazem e exímios em declarar competências e CV’s para lá dos que a realidade da dura vida político-partidária permite. Fico à espera de ver os deputados definirem e votarem o número de pilares das próximas pontes rodoviárias. A transição para fazerem, desfazerem e refazerem programas de ensino, já foi realizada há bastante tempo e isso parece-me ser potencialmente pior do que o número de pilares nas pontes.

Temos ainda, por esta Europa fora e não só, a transição de votos para partidos de ideologia pouco democrática, basicamente porque o povo é estúpido e imprevisível, já que do lado dos políticos dos partidos tradicionais não houve transição nenhuma. Eles continuam com a falta de seriedade, competência e de frontalidade a que já estamos habituados há muito. Pela lógica, aqui não deveria haver nada de novo… mas há.