27 abril 2018

Passou-se!!!


A Natureza tem o dom de nos surpreender com as suas obras que tanto podem ser belas como assustadoras, suaves ou agrestes, áridas ou férteis, planas ou montanhosas, enfim, há de tudo. E neste tudo inclui-se também o insano.

Um dos locais mais insanos que conheço é a garganta do Candedo, parte da ribeira do Mosteiro, no concelho de Freixo de Espada à Cinta. Seja vista da estrada que a acompanha do lado poente, seja do alto da calçada de Alpajares, do lado nascente, apetece apenas dizer “Que raio é isto?!” (para os anglófonos e assimilados, traduzir por WTF).

Certamente que um geólogo terá muitas histórias para contar e apresentará algumas explicações e relações de causa-efeito. Na ausência do técnico, apenas podemos embasbacar e dizer “Que raio é isto / WTF!”. Ao contrário do outro extremo do mesmo planalto onde o famoso Penedo Durão desce suavemente, praticamente a direito, dos 700m até ajoelhar junto ao Douro, aqui a desordem é completa. Dentro da muita ou pouca ordem com que as várias partes do mundo foram brindadas, esta não recebeu nenhuma. Aqueles “mil folhas” de estratos rochosos dobrados ou torcidos nem obra de Diabo são; aquelas arestas obliquas, erguidas a apontar sabe-se lá que constelação, enfim… aquelas paredes verticais, isoladas, como restos de muralhas de um castelo que nunca houve… enfim.

Por falar em coisa satânica, também chamam à calçada “do Diabo”. Coisa frequente. Quando a passagem é mesmo complicada, é o Mafarrico que resolve. Certo que o preço cobrado costuma ser elevado, mas quando não há alternativa, reservando-se os anjos e arcanjos para trabalhos menos agrestes, é o mercado a funcionar.

Deambulando por aquele cenário requintadamente anárquico, pouco mais há a dizer do que “Que raio é isto !!!”. Quem quer que o tenha feito… passou-se!

Uma nota final para algo lógico. Da última vez que lá passei, dois grifos voaram em círculos sobre mim. Disse-lhes “Ainda não!” e eles foram embora!

25 abril 2018

E depois do Abril

Sim, o dia precisa e merece ser marcado. O que falta hoje, fundamentalmente, das expetativas de abril? Fundamentalmente, falta sermos governados por gente séria. Séria materialmente, no sentido de não meter no bolso o que não é deles, e é nosso… e séria intelectualmente, de não prometer a Lua para amanhã e a Via Láctea para a semana. Se isto estiver garantido, sermos governados por gente séria, já não seria mau para irmos por bom caminho.

Como acredito que eles não passarão a ser sérios por iniciativa própria, o que faz falta é escrutiná-los e pressioná-los para o passarem a ser. Infelizmente não costuma assim ser. A malta continua a avaliá-los na perspetiva tribal e faciosa, como no (mau) futebol.

Assim sendo, pode a malta continuar a erguer o cravo vermelho uma vez por ano, que no resto nada irá mudar de relevante.

18 abril 2018

Duplamente açoriano


Quando sai uma notícia sobre um alegado abuso dos nossos caros políticos, é habitual seguir-se imediatamente larga condenação pública, mesmo por quem apenas leu as letras gordas. Acontece pelo histórico a que estamos habituados, pouco dignificante para os mesmos e parecer óbvio ser “mais uma…”.

Não deveria ser assim. Deveríamos tentar entender o fundo e as razões, até porque, a malhar, convém ser com rigor, senão temos logo uma legião de virgens ofendidas apregoando injustiças.

Neste caso das viagens dos deputados insulares, duplamente participadas, não sei avaliar o enquadramento legal, mas posso analisar o principio. Um dos principais visados, Carlos César, argumenta que recebe uma comparticipação por ser deputado, como todos os deputados, e outra como açoriano, como todos os açorianos e por ser uma coisa não deixa de ser a outra, com todos os direitos inerentes.

Discordo. Quando se recebe algo, nunca é simplesmente pelo direito de receber, sem mais. Há sempre uma contrapartida subjacente e a avaliação do certo ou errado tem que olhar para aí, muito especialmente se a origem dos fundos for o erário público.

Imaginemos um aluno que tem direito a uma bolsa de estudo para comprar livros escolares, oferecida pela autarquia. Faz sentido beneficiar de outra bolsa para o mesmo fim, oferecida por exemplo, pela entidade patronal do encarregado de educação? Faz sentido receber a dobrar para a mesma coisa? Penso que não e nem coloco o cenário de ele receber o dinheiro e nem sequer comprar os livros.

Por outro lado, o subsídio atribuído aos deputados insulares já é positivamente diferenciado face aos do continente. Portanto a ser confirmada a situação, Carlos César e os demais, são duplamente beneficiados por serem açorianos, para o mesmo fim. E ele só é açoriano uma vez.

Quanto ao argumento do está bem porque “sempre foi assim”, nem vale a pena comentar.


Foto João Porfírio/Observador

16 abril 2018

Sem vencedores


Por muitos intervenientes que existam num conflito, o habitual é, mais tarde ou mais cedo, agruparem-se em dois blocos, que se defrontam até um deles vencer. Muitas vezes os alinhamentos são apenas de conveniência, podendo-se desfazer rapidamente logo a seguir ao fim da guerra e surgir uma nova confrontação entre antigos aliados. EUA e URSS durante e depois da II Guerra são um bom exemplo.

No caso da Síria, isso não está a acontecer, mesmo depois de 7 anos de guerra. É certo existirem duas linhas principais, motoras do conflito, que são o eixo vertical sunita, do Golfo à Turquia, contra o eixo horizontal xiita, do Irão ao Mediterrâneo. No entanto, o conjunto de intervenientes é tão diversificado que não se conseguem arrumar em dois blocos – ver exercício de identificar o (des)alinhamento atual na imagem acima. Por outro lado, uma vitória clara de uma potência regional, Golfo/Turquia ou Irão, seria dificilmente aceite pela outra parte.

Numa zona sensível como esta, os “big boys” nunca ficarão alheados, num jogo onde obviamente não há inocentes. Se numa primeira fase “toda a gente” era contra o Estado Islâmico, esse alinhamento inicial nunca passou por uma intervenção global e assumida no terreno. Provavelmente pela memória das desventuras iraquianas, das quais a situação atual acaba também por ser consequência, os EUA em especial mantiveram-se sempre a alguma distância. Esse vazio foi aproveitado pela Rússia, cuja intervenção musculada foi fundamental para o progresso do “regime”, enquanto a Turquia aproveita para ajustar contas com os curdos.

A ação desencadeada pelos EUA e aliados em 14/4 é uma bofetada contra um excesso do regime e um sinal amarelo à Rússia e ao Irão. Foi um aviso, pontual, não o início de uma operação de grande escala, visando derrubar o regime. Estando Trump muito mais próximo dos sunitas do que Obama, não é previsível que Macron alinhe em “cantigas” como o Sarkosy fez na Líbia, motivado pelo Qatar.

E, se não parece fácil vermos claros vencedores, irá esta guerra tornar-se crónica?

11 abril 2018

Triste

Na última dezena de livros encomendada sobre este “meu” tema estava incluida esta obra, muito interessante. Uma citação, para dar o mote:

“Para acabar com a nossa negação! As minhas críticas dirigem-se à minha “família”, aquela dos intelectuais de esquerda, campeões em todas categorias no que respeita a negação: com medo de “fazer o jogo da reação”, negamos a existência dos campos soviéticos, a barbaridade do maoismo, a tirania dos regimes do terceiro-mundo, desde que estes se proclamassem de esquerda. Hoje, face ao fanatismo islamista, com medo de sermos etiquetados de islamofóbicos, voltamos a mergulhar na negação.”

Para lá dos aspetos retrógrados e hegemónicos do Islamismo, que todos conhecem, ou podem facilmente conhecer se quiserem, o livro descreve principalmente a tolerância e a negação dessa realidade, que uma comunidade europeia, supostamente progressista, revela face ao fenómeno.

De uma forma muito detalhada e documentada, ele faz a ponte com processos anteriores, onde tantos “progressistas” se recusarem a admitir o óbvio, até as evidências não permitirem de todo continuar a ignorar a brutalidade desses regimes. Dentro da enorme lista de episódios embaraçantes não resisto a referir um exemplo: em 1953 o Partido Comunista Francês, aceita e defende a possibilidade da condenação à morte de uma criança de 12 anos, porque na URSS, a formação dos cidadãos é tão avançada e eficaz que, com essa idade, já atingiram a maturidade completa. Isto será ser progressista?

Receando uma etiqueta feia e consequente ameaça de exclusão da “comunidade”, um largo número de intelectuais ignorou as vítimas que sofreram e, tantas delas, morreram, pela liberdade e pela dignidade! Deixaram ser roubado o futuro a populações inteiras em regimes despóticos pós-coloniais, porque criticar era equivalente a defender a colonização. Estas visões e omissões absurdas e cruéis são propostas e defendidas por gente de nível intelectual elevado. Não teriam obrigação de, além de serem inteligentes, serem racionais e humanos?

O Islamismo como sistema de organização social é incompatível com os princípios fundamentais dos direitos humanos. Ignorar ou tentar branqueá-lo não é apenas desonestidade intelectual. É ser cúmplice de um crime. Não estamos simplesmente a discutir princípios filosóficos, estão em causa vidas e direitos humanos.

Da parte que me toca, é-me muito fácil. Não devo obediência a nenhuma família e consigo ver rostos, com nome próprio, de quem sofreu/sofre limitações aos seus plenos direitos. É claro que entre correr o risco de ser etiquetado com um nome feio ou ignorar quem não consegue viver dignamente, a escolha é-me muito, muito fácil.

Na mesma colheita veio o livro abaixo ilustrado, com o testemunho de Henda Ayari e do seu calvário pelo mundo salafista. Não é caso único, mas chega para confirmar que a interpretação literal e retrógrada do islão devia ser simplesmente proibida neste nosso mundo.




09 abril 2018

O Povo é sereno…?


Estávamos no ano quente de 1975 e durante uma manifestação no Terreiro do Paço, de temperatura diferente da então dominante nas ruas, ouviram-se umas explosões, sem se entender de onde nem como. Na tribuna, Pinheiro de Azevedo ia tentando controlar a situação dizendo “O povo é sereno, o povo é sereno!”. Era um daqueles momentos quando umas palavras noutro sentido facilmente lançariam uma vaga de estragos e violência. Costuma-se dizer que a multidão é acéfala, que quando está na rua e minimamente excitada, umas palavras de ordem incendiárias encontram sempre recetores que a amplificam, desencadeando uma reação em cadeia, descontrolada. As palavras de Pinheiro de Azevedo naquele momento buscavam precisamente desarmar essa carga na multidão e evitar os estragos.

Nos tempos que correm, as concentrações já não são apenas, nem principalmente, físicas e presenciais. Nos fóruns, nas caixas de comentários das páginas de informação ou de opinião e nas redes sociais encontra-se muita gente e, não raro, assistimos a um comportamento que lembra essa acefalia da turba. Seja pelas maldosas (criminosas?) notícias falsas, pelos discursos faciosos, pelas visões rancorosas, pela falta de educação ou pela arrogância da ignorância, não falta combustível a excitar a multidão e esta responde. Está bem que nesse mundo virtual não se sai em magote pelas ruas e praças a quebrar e a incendiar, mas há fraturas e terra queimada que, não sendo físicas, não deixam de ser reais e seriamente prejudiciais ao bem viver em respeito pela pluralidade.

Aqueles que vêm a realidade filtrada pela simpatia, acharão cada fenómeno positivo ou negativo conforme afetar a sua causa ou a do inimigo… e não esquecerão de amplificar, coisa de garantir que funciona para o lado que interessa.

Sendo que a base do fenómeno, o meio em que ocorre, é uma realidade irreversível, como iremos ficar? Haverá um aumento de maturidade e um esmorecer dessa excitação agressiva ou passaremos definitivamente a viver num mundo mais intolerante e irrespirável? O futuro o dirá, sendo que é construído por nós todos. Poderemos sempre dar uma ajudinha… para o mal ou para o bem.

08 abril 2018

Clubes da política


Futebol – foi ou não fora de jogo? Pois… qual a cor da camisola do jogador? Se é a nossa, não foi; se é dos outros, não há a mínima dúvida!

Política – foi preso um tipo importante! Se é o presidente de uma grande construtora, já lá devia estar há mais tempo; se é um político dos nossos, esta justiça é vergonhosa!(mesmo que a construtora e o político joguem no mesmo campeonato). Pois…

Há mais criminosos que não foram condenados? Sim, então enquanto houver um ladrão à solta, é injusto prender outro? Assim, não seria fácil…

03 abril 2018

Viagens do Júlio


Quando nos seus concertos Júlio Pereira apresenta o belíssimo tema “Museu do Fado”, costuma fazer uma introdução ressalvando a fraca ou nula herança recebida por ele desse género musical. Penso que para muitos de uma franja etária onde também me incluo, o fado começa por andar muito longe. Para mim, até nem sequer era muito credível, entre um pitoresco acanhado do “ceguinho, esgraçadinho“ e um registo marialva, bafiento e bolorento. Depois, com o tempo, lá fui entendendo haver mais qualquer coisa…

Àquele que é indiscutivelmente um dos mais brilhantes músicos deste país, o fado não atacou apenas nesse tema. O excelente “Geografias” abre com “Fado Luso” e o não menos excelente (para não variar…) “Acústico” inclui um fantástico tema chamado… “Fado”, fácil de definir: não é alegre nem triste e carrega todas as cores do mundo.

Júlio Pereira fez uma longa e rica viagem desde o histórico “Cavaquinho” de 1981 e será bastante injusto ainda associar o seu trabalho principalmente a esse longínquo sucesso, por mais impressionante que este tenha sido. As suas composições viajam originalmente pelo mundo inteiro, mas bem caraterizadas e identificadas com a cultura de onde saíram. Poucos como ele o conseguiram fazê-lo assim brilhantemente, sem simplificações grosseiras, nem sofisticações estéreis. Parece-me inevitável que nessa estrada o músico se cruzasse com o fado.

Portanto, isto do fado será parte obrigatória dessa coisa do sentir português e que, mais tarde ou mais cedo, ataca os mais insuspeitos, a ponto de até pôr o Amazonas a correr em Trás-os-Montes? Não sei, porque começo e acabo por não saber onde começa e acaba o fado. Seja o que seja, goste-se ou não, apreciemos a sua música em geral e o “Praça do Comércio” em particular, recentemente galardoado com o prémio “Pedro Osório” da Sociedade Portuguesa de Autores.