27 julho 2022

O suicídio da dominação


Por estes dias cumpriram-se 5 meses do início da “operação militar especial” que a Rússia desencadeou na Ucrânia e, independentemente do desfecho e dimensão final da tragédia, ficará para a história o clamoroso erro de avaliação da relação real de forças entre o agressor e o agredido.

Vamos supor que em meados de fevereiro, algum responsável russo, efetivamente responsável, tivesse dito a Putin: “No meu ponto de vista, não temos condições para desencadear e concluir com sucesso essa operação especial assim tão fulminantemente”. Esta posição corajosa teria sido certamente hostilizada pelos incompetentes seguidores incondicionais de Putin e o próprio talvez lhe aplicasse um exemplar corretivo por tamanha heresia e por colocar em causa a capacidade e excelência das forças armadas da pátria.

É assim com os autoritários. À força de imporem a sua vontade e opções e de não aceitarem diferenças, à sua órbita só subsistirão visões subordinadas à sua. Ficam sem contraponto e, a prazo, sem bases para bem discernir. De tanto anularem divergências, afogam-se numa falsa harmonia. O não aceitar contestação tem uma consequência negativa imediata para quem tenta contestar, mas o autocrata irá acabar por cair na sua própria armadilha.

Muitas destas histórias acabam em suicídio involuntário, infelizmente não sem antes muita desgraça provocarem.

22 julho 2022

E quem paga?


O Sri Lanka, antigo Ceilão, vive dias de grande tormenta. Populares invadiram o palácio presidencial e a residência do primeiro-ministro, o presidente fugiu, o poder não está na rua, mas as portas estão escancaradas e as incertezas são muitas.

Para trás fica um período de má governação, incompetente e corrupta, a quem o travão do Covid-19 no turismo deu o golpe de graça. O país não consegue refinanciar a sua dívida nem garantir o mínimo de serviços do Estado. Bancarrota, assim se chama.

Não é situação rara e o passo seguinte habitual é financiamento sob tutela, tipicamente do FMI, forçando uma grande disciplina orçamental e controlo das finanças públicas. A particularidade aqui é que uma boa parte da dívida do país ser com a China, conhecida por financiar projetos de desenvolvimento (e outros) na sua esfera de influência, sem olhar demasiado para a qualidade da governação associada.

Assim sendo, o FMI terá alguma relutância em participar no reembolso desta dívida. A China também não deve estar muito interessada em aceitar algum tipo de restruturação; seria um precedente terrível, dada a sua enorme exposição a situações potencialmente análogas. Irá nascer um “FMI Chinês”?

E, no fim, quem paga? Para já, paga o povo e especialmente os mais desfavorecidos. Nós, por cá, andamos mais preocupados com a legitimidade dos penteados…

18 julho 2022

O gosto de proibir


Neste espírito de só nos lembrarmos de S. Bárbara quando troveja, também só pensamos na floresta e nas matas quando elas ardem e aí lembramo-nos que é necessário fazer alguma coisa. Dentro dessas coisas e meios, que nunca são os suficientes, podemos lembrar-nos do belo negócio dos helicópteros Kamov, há anos inoperacionais e sem atar nem desatar.

É importante regulamentar as atividades nas áreas florestais quando o risco é elevado, mas o proibir eventos que podem ser bem enquadrados e monitorados, parece mais um fazer para dizer que se fez do que uma significativa redução de risco. Quantas ignições foram registadas em tais contextos? Vamos fechar todos os parques de campismo não urbanos?

Se um dos problemas de fundo é o abandono do interior e respetiva inatividade económica, certo que não serão os festivais de verão que os irão revitalizar estruturalmente, mas retirar de lá os palcos e trazê-los em Lisboa é simbólico qb.

Regras são necessárias, mas não precisam de ser proibições cegas. A menos que os confinamentos e outras restrições decretadas nos últimos tempos tenham desenvolvido o gosto pelo proibir. É sempre fácil proibir; se isso é construtivo, é outra questão.

13 julho 2022

Poder – a disputa e o exercício


Uma coisa é disputar o poder e defendê-lo quando ele é precário; outra coisa é exercê-lo quando na respetiva posse. Uma coisa é disputar o leme; outra coisa é navegar.

Há vários exemplos de líderes que se aplicaram com sucesso na conquista e que falharam redondamente depois. Há algum tempo, Cavaco Silva recordou a herança da sua maioria absoluta. É certo que se trata de uma figura pouco empática. Mais rapidamente se perdoa a Soares injuriar um polícia no exercício das suas funções do que a Cavaco por comer bolo-rei atabalhoadamente. Inquestionável é constatar a herança significativa na organização do país deixada por este último.

Penso que estamos atualmente a viver um momento em que, conquistado o poder e anulados os inimigos, o governo está perdido sem saber como o exercer. Que ficará para a história como legado de António Costa, de positivo? Em que aspetos o país no final da corrente legislatura estará estruturalmente melhor do que estava em 2016? Tenho dificuldade em hoje identificar e sérias dúvidas sobre o que possa ainda chegar. Espero estar enganado.

09 julho 2022

Um tiro no porta-aviões


O surreal episódio do despacho de um secretário de Estado sobre o(s) novo(s) aeroporto(s) de Lisboa, assim como a brincadeira de no final ter sido apenas um erro de comunicação e desculpem lá qualquer coisinha, não deixou de abrir, mais uma vez, a polémica e lançar indecisão sobre o assunto.

Se o Montijo não serve a prazo, realço o se, fazê-lo para o desativar uma dúzia de anos depois, como quem aluga um carro uns meses à espera do novo, é um absurdo que nem para ricos. Desenrasquem-se com Beja, Badajoz, outra coisa qualquer, mas um aeroporto é demasiado caro para ser temporário.

Considerando que esta discussão já tem 50 anos, se nessa altura se afirmasse que hoje a Portela continuaria a ser o único aeroporto da capital, tal seria considerado absolutamente impossível. E, no entanto, é. E espaço para aviões pode escassear, mas para inspetores do SEF arranja-se sempre. Será talvez difícil pedir mais dinamismo a uma instituição que está no corredor da morte há demasiado tempo.

O contexto muda e evolui. Há vários sinais que sugerem uma tendência de redução no tráfego aéreo. Os combustíveis não vão ficar mais baratos, as limitações às emissões de CO2 irão limitar as deslocações não essenciais, o turismo e respetiva pressão é algo que não vai continuar a subir exponencialmente, os confinamentos Covid criaram hábitos de reuniões não presenciais que parcialmente consolidarão. Precisamos mesmo de um novo e enorme aeroporto?

Para um investimento desta natureza é importante bem pensar antes de agir, com dados e perspetivas atuais. Voluntarismo nesta escala é irresponsabilidade.

01 julho 2022

E não se pode revogar também a TAP?

Estamos habituados desde há 50 anos a vermos um impasse na definição do futuro aeroporto de Lisboa, fazer e desfazer, decidir e reavaliar. O que não estávamos à espera era de que em 24 horas fosse possível decidir e anular uma decisão estratégica desta dimensão. Ao fim e ao cabo escolher a localização para um aeroporto não é como escolher o local para uma rotunda.

Independentemente do futuro político que o excitado ministro posso vir a ter, ou a não ter, este inacreditável episódio demonstra a absoluta falta de noção de responsabilidade de quem é suposto governar-nos… dir-se-ia: “Não as medem!”. E não as medem de todo!

Neste momento é-me difícil encontrar palavras publicamente admissíveis para qualificar esta coisa. Só me saem palavrões. Só lamento não iremos a tempo de revogar a renacionalização da TAP e esta ser uma empresa normal que, antes de pensar em plenários, tenta ganhar a vida.