29 setembro 2005

Quem tem medo da Microsoft? (3)

Actualmente estamos como se houvesse um fabricante de automóveis, por exemplo, a GM, dominante com 95% do mercado. Que, explorando esse sucesso, também passou a ser dominante na construção e exploração das estradas, nos sistemas de portagens, nas áreas de serviço e no combustível fornecido. Seria também dominante nos camiões, autocarros e motociclos. Teria participações minoritárias noutros meios de transporte alternativos.

Quem tiver um GM abastece automaticamente. Quem não tiver terá problemas porque, quando a sua marca estiver adaptada ao sistema de abastecimento definido pela GM, esta mudá-lo-á. Esta exclusão “de facto” traduzir-se-ia noutros aspectos: Quem tiver um GM passa na ViaVerde; quem não tiver fará a fila para a portagem manual porque o seu veículo não se entende bem com o sistema GM da portagem. Quem tiver um GM dialoga com os semáforos e apanha mais verdes; quem não tiver apanha mais vermelhos. E por aí fora...

Quando a GM fosse instada a revelar a fórmula do combustível, diria que se trata de propriedade intelectual protegida e acrescentaria que não garante o correcto funcionamento dos seus automóveis com combustível não GM. Diria também que não garante a segurança das estradas em que os semáforos não sejam GM.

Dá para imaginar o problema enorme que esta situação representaria. Nas tecnologias de informação estamos parecidos. O “bug do ano 2000”, cuja história aliás não está totalmente contada, demonstrou que estamos dependentes social e economicamente dos sistemas informáticos muito mais do que imaginávamos.

Mais do que um problema comercial/jurídico ou Europa versus USA, a MS é um problema estratégico macroeconómico. Mais do que penalização, creio ser necessária regulação. Exactamente, como há para outros aspectos sensíveis, como a energia. Ninguém imagina um mundo em que o petróleo seja dominado por uma única companhia, pois não?

27 setembro 2005

Quem tem medo da Microsoft? (2)

A Intel e a Microsoft (MS) avançaram de vento em popa. Alturas houve em que se trocava de PC’s porque a nova versão da MS não corria no antigo hardware da Intel e, no final, depois de pagar o novo sistema, não se entendia bem o que se tinha ganho em funcionalidade efectiva.

Com esses proveitos, a MS investe em desenvolvimento, recruta bons profissionais e compra produtos que integra. Progressivamente vai aniquilando a concorrência e esvaziando o mercado em quase todas as áreas em que entra.

De uma forma um pouco simplificada pode dizer-se que a Microsoft nunca criou nada de brilhante. Quem se lembra dos primeiros processadores de texto e folhas de cálculo, sabe que eles eram muito mais agradáveis de utilizar do que os produtos MS que os seguiram. Mais recentemente, quem usou o Lotus Notes ou o Netscape sabe o que é a sua comparação com o Outlook e o Microsoft Explorer.

Também não mostrava grandes preocupações com a qualidade dos produtos lançados no mercado. Quando os Macintosh tinham já um sistema gráfico a funcionar perfeitamente, a MS apresenta as primeiras versões do Windows com um desempenho e uma fiabilidade indignas de qualquer “software-house” de vão de escada. A quantidade de palavrões vociferados no mundo inteiro por trabalho perdido devido aos bugs da MS, dá para encher muitos infernos.

A MS dominante desperta ódios e paixões. O seu sucesso é devido à sua estratégia e ao mercado que abraça a independência do fabricante com tanta força que desvaloriza a nova dependência criada.

Recordo grandes discussões tidas com directores de informática que, quando lhes oferecíamos sistemas não MS, mas muito mais adequados e fiáveis para as aplicações críticas em causa, diziam que tinham decidido que a sua política era “tudo MS” e ponto final.


Continua...

26 setembro 2005

Quem tem medo da Microsoft? (1)

No início da década de 80, a IBM decidiu lançar um novo conceito de computador. Nessa altura os computadores “a sério” eram grandes, complicados e tribais. IBM para finanças; Digital para Indústria e automação, HP para instrumentação e mais algumas variantes regionais “de bandeira”.

A IBM pensou num computador pessoal, pequeno, que funcionaria isolado. Dedicado a uma elite que beneficiaria desse luxo um pouco à imagem dos cadeirões dos seus gabinetes. Como o alvo era limitado, não se preocupou em investir demasiado. Para os dois elementos nucleares, processador e sistema operativo, resolveu ir às compras.

Na altura havia dois fornecedores de processadores, Intel e Motorola, e a IBM escolheu o primeiro. O sistema operativo foi encomendado a uma tal Microsoft que o “arranjou” de uma forma quase anedótica. Este sistema operativo chamou-se Microsoft DOS e, mesmo para um brinquedo, era básico e muito limitado. Não podia receber mais do que uma ordem de cada vez e não sabia sequer partilhar uma impressora, muito menos dialogar com um par.

Sucedeu que o Intel e o MS DOS podiam ser comprados por terceiros e, de repente, desataram a aparecer os PC’s “parecidos com IBM/ IBM compatíveis” que funcionavam quase da mesma forma. Chamavam-se “clones” e, importados avulsos, chegavam a Portugal a um terço do preço dos IBM’s. Alguns eram tão parecidos que chegavam a ter caixas da mesma forma e com o baixo-relevo quadrado onde só faltava o símbolo da IBM.

Está-se mesmo a ver que estes “clones” começaram a invadir espaços e gabinetes não tão luxuosos. Sem querer, a IBM tinha criado um standard para o qual se desenvolveu uma múltipla oferta de equipamentos. Até aí os sistemas “tribais” punham o utilizador na dependência completa do fabricante da máquina. Esta independência foi saudada com enorme entusiasmo pelos utilizadores.

O mundo em geral e a indústria informática em particular não voltariam a ser os mesmos. É curioso comparar o que hoje é um PC com o que a IBM imaginou e pensar que, se a IBM o tivesse previsto, teria agido de forma diferente, controlando a arquitectura, e, no final, a história seria completamente diferente.


Continua...

24 setembro 2005

Ser o melhor!

Há uns tempos li uma história sobre um "caso de sucesso" numa grande organização, subordinada ao tema: É necessário ser a melhor empresa do sector, aliás, isso é uma questão de sobrevivência!

E fiquei a pensar que, se todos morrem, excepto o primeiro, ficamos com uma estrutura de monopólios, o que não parece muito eficaz. Como a empresa em questão é um ex-monopólio e ainda um quase monopólio, dá-se um desconto.Quando, desesperado, eu tinha que conduzir no centro Paris, ensinaram-me que o truque era ser sempre o mais rápido. O que vai mais depressa do que os demais pode escolher o caminho, os restantes ficam condicionados e, no limite, o mais lento fica completamente entalado. Confirmei-o plenamente na grande rotunda do Arco do Triunfo, em que, várias vezes, a prudência me fez estancar, por ficar sem espaço para avançar.

Julgo que se poderá estabelecer alguma analogia com a estratégia empresarial. No entanto, considerar que, entre vários milhões de condutores, todos têm que ser o mais rápido dará um resultado, no mínimo, caótico.

É fácil pagar a consultores para propagar tamanhas e solenes declarações de intenções. Agora, o que é exactamente "ser o melhor?" Para poder escolher o caminho e sobreviver, algo de diferente tem que ser feito. A dificuldade toda está no identificar esse quê de diferente... e fazê-lo. Pretender "ser o melhor", sem mais, é uma expressão oca.

Por outro lado, dá a impressão de que, quando já se é o melhor, está o objectivo cumprido e... resta esperar ser-se ultrapassado.

Não aprecio quem acha que faz as coisas bem feitas. Admiro muito mais quem, todos os dias, as tenta fazer melhor do que na véspera

22 setembro 2005

E o meu desapontamento crónico...

(continuação do capítulo anterior...)

Não tenho uma concepção clubista da opção política. Não tenho vontade nem expectativa de obter algum benefício directo. Tenho liberdade total para escolher. No entanto, é-me cada vez mais difícil escolher. Serei eu que estou cada vez mais exigente, ou serão as opções que são cada vez mais fracas? A minha sensação é de que estou continuamente a baixar o meu nível de exigência a cada eleição que passa. Já deixaram de contar as opções políticas e estratégicas para passar a contar a dedicação do candidato à causa pública; esta deixou de contar para passar a bastar a capacidade de liderança do candidato. Depois, passei a privilegiar a alternância, que é como quem diz “vamos mudar e logo se verá”.

Os partidos “do poder” são cada vez mais “aparelhos” para boys em carreira política, que deles se servem, em vez de servirem como instrumento de representação dos eleitores que neles votam.

A alternância significa nomeações políticas para quem está em cima e estacionamentos remunerados no aparelho, ou no diabo mais velho, para quem saiu (afinal não sabem fazer mais nada...). Além da falta de eficácia na função de base, cria uma legião de quadros sombra que dalguma forma serão pagos (Ah! As necessidades de financiamento dos partidos...!)

Alternativas: abstenção é demissão; radicalismos são opções pela negativa e não pela positiva. Votar em branco é “passar/não ir a jogo”. Pode fazer-se às vezes mas não deve ser sistemático...

Apesar de tudo, quero ser um cidadão de pleno direito, não me considero “exemplar raro” e não encontro quem me represente.... e depois, ainda por cima, me chamam, desdenhosamente, “centrão”!

20 setembro 2005

Desapontamento é o que faz mexer este país

Neste momento as pessoas estão desapontadas com o líder B e o seu partido vermelho no poder. Por isso, de acordo com a sabedoria deste tempo, votarão no líder A e no seu partido azul. Antes, tinham estado desapontadas com o líder C do partido azul, e por isso votado no líder B. O líder C tinha sido eleito porque os eleitores estavam desapontados com o líder D...

Os média, também, há muito que elegerão o desapontamento como máxima e, como os média são tão influentes, vivemos um verdadeiro boom de desapontamento.

[....] desde então temos visto o que se tornou numa lei nas eleições: Desemprego e dívida pública crescem com cada governo; em cada eleição, isto custa votos ao partido do poder.

[...] Com o líder C, desemprego, falências e dívidas eram desemprego, falências e dívidas do parido azul. O líder B conseguiu, por sua vez, tornar o desapontamento com o líder C, uma simples recordação. O desemprego, falências e dívidas do partido azul, tornaram-se, novamente, desemprego, falências e dívidas do partido vermelho, e por aí fora.

[...] o eleitor que muda o voto não é meramente seduzido a curto prazo, mas sim mais ou menos permanentemente desiludido.

Quanto tempo tardará até ficarmos desapontados com o líder A? [...]


O tema parece algo familiar, não?
Qual será? As eleições .... na Alemanha!
Traduzido livremente do International Herald Tribune de 16.09 que, por sua vez, cita Sven Hillenkamp do Die Zeit.

O resultado só não foi tão claro por défice de carácter/carisma do líder A, Angela Merkel, e excesso dos mesmos do líder B, Schroeder. Está bom de ver que o C é H. Kohl e o D é H. Schmidt.

Acho que por cá já vimos algo muito parecido, não? Como anda semelhante a democracia no mundo...

18 setembro 2005

Cabedelo do meu tempo



Atravessada na foz, uma língua de areia. Duna frágil e instável. Desafia a corrente do rio, sustendo o ímpeto das vagas. Possivelmente que, se um deles falhasse, não sobreviveria e de resistir desistiria.

Muralha frágil. Água doce, água salgada. Ilógico recorte. Mas que está.
Assim como eu estou, moído de pancada, entre a corrente do meu tempo, inexorável a desaguar, e o vaivém dos dias que me bate na cara.

O rio constante marcando a irreversibilidade do fim e o mar cíclico de ondas e marés recomeçadas.

Cabedelo do meu tempo, heroísmo angustiado de aguentar e de poder escolher para que lado me afogar.

Ou ficar por enquanto só, parado, isolado, na imensidão dos dois lados.
Entre o fim de um curso e o instintivo refazer das vagas

16 setembro 2005

Há quem se preocupe comigo!

Passou-me recentemente pelas mãos o resultado de um inquérito mundial, realizado no final de 2004 por um fórum da indústria e distribuição de bens alimentares. O organismo chama-se CIES e o inquérito abrangeu 65 países. Solicitava-se a responsáveis do sector que, de uma lista de 13 pontos, hierarquizassem os que considerassem mais importantes para o ano seguinte.

Houve um tema que, do lado dos fabricantes, saltou espectacularmente do nono lugar em 2004 para o terceiro em 2005. Bastante acima do 12º e penúltimo lugar para o recrutamento e retenção dos seus recursos humanos. Também acima do nono lugar da segurança alimentar e qualidade dos produtos. O que é então esta estrela ascendente? A preocupação com a saúde e a alimentação dos consumidores. De uma forma simplificada, não querem ser responsabilizados por criarem obesos.

Eu acho isto, o cúmulo! Não é difícil saber o que se tem que fazer em termos de alimentação para evitar a obesidade. Aprende-se nos primeiros anos da escola e não custa nada a assimilar. Quem não quiser ser obeso, não necessita da preocupação paternalista dos fabricantes de produtos alimentares. Nalguns países, USA e UK em especial, os consumidores são, e querem ser, tratados como absolutos diminuídos mentais e irresponsáveis. Veja-se por exemplo as recomendações de segurança nos manuais de utilização de alguns produtos, incluindo automóveis, com inspiração anglo-saxónica. Chega a ser insultuoso à inteligência.

Como pouca manteiga, mas, quando a como, quero-a salgada. Os ovos-moles têm que ser bem doces. Os rojões têm que ter gordura. Assusta-me imaginar que, por altruísta preocupação de terceiros com a minha saúde, passe a só encontrar manteiga insossa, ovos-moles com adoçante ou rojões magros!!!

14 setembro 2005

Pinochet novamente ou uma questão de vento

No passado dia 11 de Setembro, cumpriu-se mais um aniversário do golpe de estado que colocou Pinochet no poder no Chile. E voltam as questões recorrentes. Que justiça pode haver para o que se passou há 30 anos e com aquela dimensão? Será que a barbárie que correu a América Latina é assunto definitivamente do passado ou não?

Há quem diga que os anos Pinochet salvaram o Chile da derrocada económica. Independentemente das "asneiras" que Allende possa ter feito, ou pudesse vir a fazer, é um facto que a instabilidade de Allende e a estabilidade Pinochet foram muito mais devidas à política externa dos USA do que a qualquer política interna. Além disso, que importância tem que o indivíduo que espanca tenha os dentes lavados, peça licença antes de bater ou cheire mal e seja um malcriado que insulta? Há coisas para as quais não existe contrapeso que consiga fazer mexer o fiel da balança.

No final dos anos 90 desloquei-me com alguma frequência à Argentina que, sem ter "beneficiado" da projecção mediática que se deu a Allende e a Pinochet, não deixou de ter a sua dose de uma longa e requintada barbárie. Confesso que me emocionava profundamente encarar as fotografias nas paredes de gente real, não dos filmes, de jovens de idade ou de espírito, cujo olhar foi definitivamente fechado, muitos deles única e exclusivamente por terem tido a ousadia de sonhar e falar em mudar o mundo.

Havia um aspecto que me surpreendia no quotidiano de Buenos Aires, ainda antes da grande crise de Dezembro 2001, que era a convivência fisicamente muito próxima de uma elite a viver "como na Europa", com uma grande franja de população que mal sobrevivia. Numa altura em que estava com uns colegas numa cidade da periferia de Buenos Aires lemos nos jornais locais artigos sobre o aparecimento de alguns casos de um tal "hanta virus". Não conhecíamos a doença mas, pelo tom das notícias, parecia feia. Ao perguntar na recepção do hotel lá nos explicaram que era um vírus que aparecia nos ratos com o lixo, no lixo com os ratos, mas que não nos preocupássemos porque era um problema “só dos pobres”. Ainda perguntámos se era contagioso, como se transmitia e responderam-nos que sim e que se transmitia pelo ar. Fomo-nos deitar desejando-nos mutuamente votos de boa noite e de bom vento (e que soprasse na "boa direcção"...).

Não, não estou a insinuar que, se a elite não mudar de atitude, corre o risco de ter, de novo, os seus filhos idealistas com os ossos partidos às mãos de um sargentozinho invejoso nascido junto dos ratos. As grandes tragédias, como os acidentes aéreos, são consequência de um conjunto cumulativo de circunstâncias e os acontecimentos de há 30 anos na América Latina foram principalmente mais um dos cenários da "Guerra-fria". Hoje não há guerra-fria mas os relâmpagos saltam entre nuvens próximas com cargas demasiado diferentes. O risco será tanto maior quanto as nuvens positivas ficarem cada vez mais positivas e as negativas cada vez mais negativas.

Entretanto, nós por cá tudo bem. Estamos melhor organizados. Arranjámos uma organização geopolítica, mais uns acordos de Schengen que cá nos garantem que o vento sopra sempre na "boa direcção". Já imaginaram o que seria a Europa e África juntas no mesmo espaço geopolítico?

12 setembro 2005

O Presidente e o cão

Conto várias vezes uma história deliciosa, segundo a qual, a fábrica do futuro, completamente automatizada, só tem dois seres vivos. Um engenheiro e um cão. Para que servem? O engenheiro para intervir quando houver um problema; o cão para evitar que o engenheiro mexa nas máquinas quando não há problema. Esclareço que sou engenheiro.

Acho que num regime maduro, como em Portugal, o Presidente da República, é um pouco este engenheiro. Estar lá, atento, inspirar confiança e saber intervir, mas só quando for necessário, não antes. Há, no entanto, uma diferença. Não existe cão. O Presidente tem que se autocontrolar.

Vejamos os dois candidatos principais. Cavaco Silva é um engenheiro de projecto. Não se resignará a ficar a ver as máquinas a trabalhar. Terá uma enorme tentação de intervir, ultrapassando as suas funções. Mário Soares quererá mostrar que é o dono da fábrica. As suas intervenções serão mais para evidenciar o seu poder sobre a “sua propriedade” do que em função das necessidades reais.

Coloquemos ainda no devido lugar a importância do Presidente. Creio ser consensual que Jorge Sampaio interpretou e desempenhou bem a sua função. No entanto, não foi, nem poderia ter sido, ele a fazer aumentar o PIB. Mais uma vez, isso não depende de um Presidente providencial nem de um D. Sebastião. Depende do trabalhinho sério de todos.

Finalmente, considero que o papel de Mário Soares na história recente de Portugal não está esclarecido. O seu desempenho e as suas motivações estão mistificados. Na sua infeliz candidatura à Presidência do Parlamento Europeu já vimos algumas estaladelas no verniz. Talvez esta campanha, que ou muito me engano ou será também algo infeliz, ajude a esclarecer quem é e quem foi realmente Mário Soares. A História agradecerá.

09 setembro 2005

O Mundo está assim

1. Relatório PNUD, Setembro 2005

As políticas comerciais desiguais conduzidas pelos países ricos impedem o crescimento dos países pobres [...] os subsídios agrícolas [...] permitem-lhes manter uma posição de quase monopólio no mercado mundial de exportações agrícolas. Os países em via de desenvolvimento perdem cerca de 19,7 biliões de euros por ano devido ao proteccionismo agrícola e subsídios praticados pelos países ricos. [...] exemplo do açúcar [...]

Por trás da retórica do mercado livre e das virtudes de uniformizar as regras do jogo, esconde-se a dura realidade de que alguns agricultores dos mais pobres do mundo, vêm-se obrigados a rivalizar, não com os agricultores do Norte mas com os ministros das finanças dos países industrializados.

As barreiras comerciais às quais são confrontados os países em vias de desenvolvimento exportando para os países ricos são, em média, três vezes mais elevadas do que as aplicadas às trocas entre países ricos. Este taxação perversa e as políticas comerciais desiguais continuam a impedir que milhões de habitantes dos países mais pobres do mundo possam sair da pobreza, mantendo-se desigualdades obscenas.
2. O mundo está melhor

O estudo da ONU mostra que globalização rima com progresso apesar dos muitos problemas que subsistem
Repetir muitas vezes uma mentira não faz dela uma verdade - e insistir que o mundo está cada vez pior por causa da globalização é uma dessas mentiras que mais um relatório do PNUD, o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento, vem claramente desmentir. Ou, para sermos mais rigorosos: que a leitura dos seus quadros desmente, já que no texto os seus autores se dedicam por vezes a contrariar as evidências.

O primeiro texto é uma tradução livre de excertos do relatório original do PNUD publicado e destacado no “Le Monde”. O segundo texto é a leitura do mesmo documento de José Manuel Fernandes, publicada no jornal “Público” de 8 de Setembro último. Sim, é o mesmo assunto!

Sobre a globalização e as suas rimas, recomendo a leitura do livro “Globalização – A grande desilusão” de Joseph E. Stiglitz, que foi prémio Nobel de Economia em 2001, chefe do Conselho de Consultores Económicos de Clinton, e um dos vice-presidentes do Banco Mundial. Já foi aqui referido no Glosa Crua .

Realmente, o mundo poderia estar pior do que está, sem dúvida. Não se pode dizer que “foi tudo mal feito”. Mas, defender a bondade do modelo actual de distribuição de riqueza e de desenvolvimento humano e social, é, pura e simplesmente, inadmissível. Acho eu. E também acho que a informação no mundo poderia ser mais informativa

07 setembro 2005

Notas de navegação

Gostaria que o Glosa Crua fosse um espaço aberto e, se possível, de debate de ideias. Como tal, os eventuais comentários deverão ser enquadrados neste contexto e manter o foco no assunto em questão em cada momento.

Sugiro que os participantes se identifiquem, nem que seja com uma sigla qualquer, para se poder seguir a sua linha de intervenção. Quem quiser, pode mesmo registar-se no blogger e, assim, evitar confusões de identificação.

Num debate, as provocações são salutares se forem provocações de ideias e sempre dentro do básico e indispensável respeito mútuo. Serão respondidas quando a resposta possível traga algum valor acrescentado. As outras não são salutares e serão ignoradas. Peço aos demais que as ignorem também.

Obrigado.

06 setembro 2005

Paixão pela inovação

Quis a ironia que passasse pelas minhas mãos, um destes dias, um número antigo da “The Economist”, concretamente o de 16/22-Julho-2005.

Por acaso, deparo com uma página completa de publicidade com o título: “Portugal: uma paixão pela inovação”. O subtítulo dizia “Desde combater incêndios por satélite [...] empresas portuguesas [...] desenvolvem soluções inovadoras para problemas complexos”. Podia ao menos ter saído no Inverno. Ao menos, disfarçava melhor!

Um texto longuíssimo, de letra pequena, que poucos terão lido na íntegra, procura apontar casos concretos. No entanto, os que arranjou, na minha opinião, não convencem ninguém. Fiquei a saber que a forte penetração dos telemóveis, em Portugal, é sinónimo da nossa abertura à inovação!

Custa-me muito ser assim arrasador, mas o anúncio é absolutamente caricato e ridículo. Para anedota, não está mal. Só, talvez, um pouco cara. Aliás, o que fica é uma mensagem subliminar de “Portugal: isto é a sério ou a brincar?”.

Devo dizer que conheço casos concretos, que funcionam, de maior interesse do que os indicados no anúncio. Por exemplo, dois dos três ramos das Forças Armadas de Singapura têm toda a sua logística não militar baseada em sistemas automáticos electromecânicos e informáticos portugueses. Idem para o depósito central de todo o numerário que o Banco da China gere e faz circular em Hong-Kong.

Enquanto ficarmos todos vaidosos pelo simples facto de uma empresa portuguesa estar a trabalhar com a Agência Espacial Europeia num projecto para prevenir e combater incêndios por satélite e, ao mesmo tempo, o país arder a bom arder, estamos a ser uns grandes parolos. E parolos de alto nível, que são os piores.

Há em Portugal um problema cultural com a valorização da inovação. Não são anúncios de projectos, nem toneladas de propostas em papel que valem. O que vale é o resultado!!!

Uma coisa é investigação. Sem resultados, é desperdício puro. Outra coisa é a inovação.

Desculpem lá o tom, mas, neste tema, não consigo controlar a minha irritação.

04 setembro 2005

O 11 de Setembro da Natureza

No imediatamente após o 11 de Setembro de 2001, parecia-me que os EUA não iriam voltar a ser os mesmos. De facto, se exceptuarmos Pearl Harbour, nunca eles tinham sofrido um ataque em casa de amplitude significativa. Envolvidos em várias guerras, nunca tinham visto nenhuma no seu quintal. Pensava eu que tal demonstração de vulnerabilidade deveria mudar-lhes a percepção da sua presença do mundo e da presença do mundo em sua casa. Pensava eu...

Ao ver as notícias sobre as consequências do furacão Katrina, sinto algo idêntico. Os mesmos EUA que se recusam a cumprir Quioto e que não se preocupam demasiado com a eficiência energética, vêm uma demonstração brutal da força devastadora da natureza no seu quintal. Não foi no Bangladesh nem em nenhum outro país miserável, onde as deficientes infra-estruturas podem ser co-responsabilizadas pela dimensão do desastre. Foi mesmo ali, de forma arrasadora, perante a sua impotência total.

Li no “Le Monde” alguma especulação sobre se o aumento da frequência e a alteração das zonas habituais deste tipo de fenómenos não serão já um sinal, e um exemplo, do tipo de impacto que as alterações climatéricas em curso trarão ao mundo.

São de lamentar, evidentemente, as vítimas e os danos em geral. Questiono-me se será possível que não tenham sido em vão. Se poderão servir para fazê-los entender que a Natureza reage com brutalidade e sem controlo. Que manter a sua irresponsável “maravilhosa forma de vida” pode provocar danos sérios e incontroláveis, mesmo no seu próprio quintal. Penso eu agora...

03 setembro 2005

Descubra o que falta

Que há de comum entre estas duas construções?









Partilham o mesmo material de construção, granito, e a mesma aldeia, Pitões das Júnias. É uma aldeia que tem uma localização fabulosa e que já foi muito bonita. É claro que as novas casas não podem ser iguas às de há 50 anos... mas ... serem de pedra não é suficiente, pois não ?

E só mais outra..... e em tamanho pequeno para não assustar demasiado...


01 setembro 2005

“Diz-se...”

Por vezes não resisto à tentação de espreitar as colunas de citações dos jornais. Como eu, provavelmente muito gente. É que o “diz-se que diz-se” desperta a curiosidade: “O que é que eles andam para aí a dizer...?”.

Infelizmente, à bisbilhotice segue-se muito frequentemente a irritação. Eu e muitos mais, quero querer, estamos fartos das tiradas pomposas e enfáticas que costumam ser o conteúdo principal dessas colunas. Das sentenças bombásticas. Das provocações demagógicas. Dos famosos e brilhantes concursos de cuspidelas que consistem em ver quem consegue maldizer da forma mais contundente.

Há, ainda, as citações fora de contexto que são perigosamente pouco esclarecedoras e, muitas vezes, simplesmente fúteis.

Em resumo, num jornal procuro factos e algumas opiniões. As opiniões deverão ser honestas intelectualmente, esclarecidas, enquadradas e consequentes. Este “diz-se que diz-se” não é, na minha opinião, informação