27 junho 2019

Memórias e Liberdade


Aljube, em Lisboa, uma antiga prisão de má memória. Entre outros espíritos livres aí esteve preso Miguel Torga, pelo gravíssimo crime… de ter escrito um livro! Em 2015 foi transformada em espaço de memória da resistência e liberdade. É importante ter memórias claras e entender o nascer e o porquê da liberdade e da sua falta… de forma honesta.

Infelizmente, naquele local, o revisitar da história nacional do século XX, não é séria, não ajudando assim à causa da liberdade. Começa pela sequência dos malefícios da Monarquia, das boas vontades da Primeira República, sendo o maio de 1926 obra de uns malandros que apanharam o povo distraído, ignorando a ajuda dos erros dos primeiros anos republicanos no aparecimento e implantação do Estado Novo.

Depois, e pior, é 1975. A palavra usada para caraterizar o resultado das eleições para a Constituinte é “desilusão”!

Conta ter ocorrido um confronto entre forças “avançadas” e outras que defendiam uma “democracia mais moderada”, saldado por uma “derrota”. Gostava que me explicassem em que consistia exatamente esse “avanço” e como se distinguem e classificam as democracias quanto ao seu nível de “moderação”.

Pelos verdadeiros lutadores da verdadeira liberdade, esta narrativa faciosa e sem vergonha é insultuosa. Se não queremos entender e enfrentar porque a liberdade aparece e desaparece, estarmos sempre à mercê de novos aljubes.



Ariane


Ariane é um navio.
Tem mastros, velas e bandeira à proa,
E chegou num dia branco, frio,
A este rio Tejo de Lisboa.

Carregado de Sonho, fundeou
Dentro da claridade destas grades…
Cisne de todos, que se foi, voltou
Só para os olhos de quem tem saudades…

Foram duas fragatas ver quem era
Um tal milagre assim: era um navio
Que se balança ali à minha espera
Entre as gaivotas que se dão no rio.

Mas eu é que não pude ainda por meus passos
Sair desta prisão em corpo inteiro,
E levantar âncora, e cair nos braços
De Ariane, o veleiro.

Miguel Torga
(aquando da sua passagem pelo Aljube)

26 junho 2019

O terminal neoliberal


Um destes dias, no terminal 2 do aeroporto de Lisboa, ao ver as dezenas de voos lowcost planeados e os milhares de passageiros que iriam viajar para uma cidade europeia pelo mesmo preço, ou mesmo inferior, ao de bilhete de comboio Porto-Lisboa, pensei…

Andariam por lá alguns dos que rasgaram as vestes pela importância estratégica da não privatização da TAP? É que mesmo após a pressão da concorrência, os preços da TAP são significativamente mais elevados. Do antes, da altura do monopólio das companhias públicas de bandeira, nem se fala…

Presumo que os que as vestes rasgaram pela manutenção da TAP pública seguramente repudiarão aquele terminal, onde apenas operam companhias privadas que buscam o lucro. Certamente nenhum andará por ali. Pela importância estratégica do nacional, nosso, deverão preferir pagar 5 ou 10 vezes mais para voarem na TAP. Questão de princípio, não?

Aquela malta no T2 são todos uns incorrigiveis neoliberais – deviam ter vergonha!

24 junho 2019

Coisas de Raças !?


Aparentemente foi decidido que nos próximos Censos não será incluída uma questão sobre a origem étnico racial da população. Aqueles que são contra a discriminação racista estão revoltados. Eu tenho muita dificuldade em compartimentar a humanidade em raças e julgava mesmo que no século XXI essa tentativa de divisão, sem base científica, já não deveria sequer existir. Atentemos à segmentação sugerida:

— Branco/Português branco/De origem europeia
— Negro/Português negro/Afro-descendente/De origem africana
— Asiático/Português de origem asiática/De origem asiática
— Cigano/Português cigano/Roma.

Provavelmente que alguns/muitos não teriam grande dificuldade em escolher onde colocar a cruzinha, mas… os de origem mista, de pai negro vindo de Angola e mãe branca nascida em Bragança? E os berberes do norte de África que podem ter a pele mais branca do que a maioria dos portugueses de gema? E a Ásia, onde começa – um libanês não será mais próximo da tal dita suposta raça europeia do que da chinesa? E os índios e seus descendentes? E desde quando cigano é uma raça – não será antes uma cultura/modelo social? 

Desculpem lá, mas esta coisa de querer saber quantos brancos, pretos e amarelos há por aqui, esquecendo os vermelhos e acrescentando a cultura cigana porque fica bem, parece-me caricatural, redutor e retrógrado. Tentar segmentar a humanidade em função do pantone da pele, diâmetro do crânio ou grossura do nariz é… o princípio do racismo.

05 junho 2019

E acabar de vez com o Siresp?


Quando inicialmente o Siresp foi pensado poderia fazer sentido construir uma infraestrutura dedicada para aquelas funções, com aquela tecnologia. Na altura em que foi finalmente contratado e implementado, haveria já muitas dúvidas sobre a pertinência dessa opção e passemos ao lado da atipicidade do processo do concurso, com uma única proposta recebida, e o ziguezague da adjudicação/anulação/readjudicação.

Nas tragédias de 2017 ficou patente que o sistema tinha bastantes deficiências e limitações. Que para lá das atipicidades do negócio era necessário e fundamental que funcionasse mesmo e bem. Daí para cá muito se fala em investir/gastar dinheiro para melhorar o seu desempenho e disponibilidade.

Se há 15 anos era questionável a necessidade de construir uma rede dedicada, hoje, com o enorme desenvolvimento posterior das redes móveis, dúvidas não há. Parece-me que por mais euros que lá se coloquem, nunca fica resolvido o problema da obsolescência tecnológica e dos custos crescentes que ela acarreta. Não fará mais sentido acabar de vez com uma coisa que, ainda por cima, já nasceu velha?


- Incluindo versão impressa no "Público" de hoje.

04 junho 2019

O silêncio

O silêncio de uma manhã pode não ser de morte. Depois do silêncio nasce o novo, vem a notícia. 30 anos. Depois do silêncio não pode ficar outro silêncio. Pelos silenciados definitivamente no momento, pelos silenciados continuamente no tempo e pelos silenciados na ignorância dos fatos apagados da história que lhes ensinam.

Um momento de não silêncio pelo que vale a pena noticiar, uma homenagem possível aos silenciados. Há 30 anos.