27 janeiro 2016

Exames e (des)igualdades

Vê-se por vezes circular uma imagem como a anexa em jeito de ilustração sobre as injustiças associadas aos sistemas de avaliação genéricos e generalizados. O tema deve ser contextualizado. Se a questão é “todos devem ser capazes de subir à árvore”, será injusto para o pobre elefante. Ele preferiria certamente uma outra prova, como carregar um grosso tronco, para se ficar a rir do macaco.

No entanto, se está em causa aprender a subir a uma árvore, é natural que haja no fim uma verificação de que o objetivo foi alcançado. O erro não está no exame, mas sim na presença do elefante naquela disciplina.

Uma imagem deste tipo não justifica a abolição dos exames, supostamente provocadores da tal “exclusão injusta” e inviabilizadores a escola “inclusiva e integradora”. Apenas evidencia a necessidade da diferenciação dos curricula. Há quem seja naturalmente dotado para trepar às árvores, outros para carregar os troncos. Pretender que toda a gente deve poder trepar e carregar é que cria a exclusão. Pseudo-resolver a questão, anulando a avaliação… não é grande opção.

25 janeiro 2016

Umas contas rápidas


Se é certo não ser legítimo fazerem-se leituras partidárias do resultado das Presidenciais, algum relacionamento pode ser tentado, em grandes linhas, entre o resultado das eleições de ontem e o das Legislativas de Outubro passado.

Começando pelo simples. Marisa Matias agarra e mantém o eleitorado do BE. O seu resultado é praticamente igual ao do Bloco de Outubro. Nada de especial a acrescentar.

O PC/CDU cai 4,4%, nada previsível, dada a tradicional pouca volatilidade do seu eleitorado. Para onde foram esses votos? Arrisco a dizer que para Sampaio da Nóvoa. A ser assim, dos 22.9% de SN, sobram 18,5% para todo o resto, incluindo o PS. Se somarmos o resultado de Maria de Belém, podemos dizer que a família PS terá tido 22,7%, largamente inferior aos 32,3% de Outubro. O saldo estará, portanto, em grande parte, em Marcelo R. Sousa.

São contas simples e simplistas, onde assumo que os restantes candidatos, incluindo Tino de Rans, militante do PS, tem um efeito transversal, mais ou menos equilibrado. A ser assim, algumas reflexões e questões:

A suposta esquerda que se uniu apenas para o derrube do governo de direita, não se conseguiu alinhar minimamente e, se o vencedor final era expetável, menos previsível seria talvez tanto esfrangalhamento. Os jovens turcos do PS que andam aos beijos e abraços com o BE, conseguem entender que o seu PS, aqui estimado em Sampaio de Nóvoa, é substancialmente inferior ao PS original? Vai ser curioso (ou preocupante) observar no Parlamento e na “rua” a evolução do conflito entre o BE e o PC pela efetiva liderança da verdadeira esquerda…

22 janeiro 2016

Pequena declaração


Depois de amanhã iremos votar. Sendo mais ou menos claro quem sairá vencedor no final, quase apetece dizer que seja depressa, à primeira volta, quanto mais depressa se encerrar esta coisa triste e se tenham todas as instituições a plenos poderes, melhor.

A ponta final fica marcada pela fragilidade de Maria de Belém, que à partida até parecia ter condições para encher aquele espaço central, donde, naturalmente, é mais fácil ver sair um Presidente da República.

Sobre Sampaio da Nóvoa já falei. Não entendo aquela câmara de ressonância confusa, nem as reais motivações de quem o carrega ao colo, na penumbra. Confesso que até me provoca alergias…

Henrique Neto não será certamente eleito e poderá nem obter uma votação significativa. No entanto, dentro dos supostamente capazes, é o único a quem reconheço frontalidade, honestidade intelectual e um percurso de vida e de luta coerente feito pelo próprio, sem colinhos. Ao que me parece, nem vendido nem comprável e, para mim, isso vale muito.

Terá o meu voto.

21 janeiro 2016

Ainda a justiça da Constituição

É fácil falar e embalar ditos e palavrões sobre a reposição das subvenções vitalícias a ex-titulares de cargos públicos e ser acusado do tal populismo e justicialismo básicos, contra aquilo que aparentemente será indiscutível: cumprir a constituição.

Não resisto, no entanto, a desenvolver três reflexões.

A primeira é terem sido os próprios políticos, beneficiários, a pedirem expressamente a revisão do assunto, procurando ativamente a reposição de uma regalia pedida. Numa época em que tanta gente perdeu tanta coisa, esta falta de disponibilidade para carregar solidariamente uma parte do esforço é vergonhosa.

Depois, o tal princípio constitucional da confiança está a criar uma jurisprudência curiosa. Quando comecei a trabalhar, deram-me uma expetativa quanto à minha reforma diferente da realidade atual e nem sei como será quando lá chegar. Muita gente terá assumido compromissos sem prever um “brutal aumento de impostos”. Os compromissos do Estado com os seus cidadãos não devem oscilar como um ioió, mas quando a necessidade o impõe, é justo e deveria ser possível dessacralizar esses direitos adquiridos.

Por último, os senhores deputados legisladores têm a faca e o queijo na mão para alterarem o que quer que seja, se o pretenderem. Vão tomar alguma iniciativa ou ficarão abrigados no quentinho da “justiça constitucional” vigente?

20 janeiro 2016

Quadratura do Circulo

Num documento de promoção do país apresentado aos investidores, aquando de uma operação de colocação de dívida pública, já com o novo governo em funções, eram referidas como positivas algumas medidas do executivo anterior em curso de reversão, como, por exemplo, a privatização da TAP e a redução de feriados.

O curioso e o bizarro é que a incoerência não se limita a 3 ou 4 pontos perdidos que, uma vez apagados, ficaria tudo bem. A mensagem do documento é: “investam, o país está bem, graças ao que foi feito no passado recente”. Um documento idêntico produzido pelo governo anterior não seria muito diferente (provavelmente este até é uma simples e simplista adaptação de uma edição do outro tempo).

Independentemente dos méritos e deméritos de cada opção política, como irá ser apresentado o país aos mercados nas próximas operações? Continuando a dizer “investam que estamos bem, graças ao passado”, mantendo a incoerência? Ou “desculpem o que vos dissemos no início de Janeiro, mas isto afinal está um caos devido à anterior governação e nós vamos mudar tudo”?

Nesta fase, convém recordar duas coisas. A primeira é ser mais difícil enganar e contar estórias aos “mercados” do que aos eleitores; a segunda é que se eles perderem a confiança (e tentar induzir em erro não a aumenta) e não forem a jogo, teremos de volta a “troika”, perdão, “as instituições”.

18 janeiro 2016

O que está por trás deste homem?

Às vezes embirro com algumas coisas. A promoção súbita de Sampaio da Nóvoa é uma delas. Um extrato de uma entrevista dele de 2010, que já aqui referi, diz bastante sobre o personagem:

Porque é que é melhor no contra-poder? O que é isso do contra-poder?

Se me perguntar qual é o único valor que é indiscutível, é a liberdade, e junto com a liberdade, a independência. A liberdade e a independência são por definição qualquer coisa do domínio do contra-poder. São do domínio da apreciação crítica, mais do que do exercício do poder.


Ou seja, o homem “é do contra”. Muitas vezes é importante e fundamental estar “contra”, mas faz-me impressão ser-se "contra" por princípio. Devemos ser “por” qualquer coisa; se esse “por” implica ficar “contra” algo, será uma consequência, mas não um princípio.

Vejo-o como pertencente à casta dos príncipes vermelhos, que já aqui descrevi e com a qual, que pelos motivos aí enunciados, simpatizo pouco. Ele tem a cultura dos muitos livros, mas sem sair do papel dos mesmos. Não entusiasma especialmente nem parece ter ideias próprias claras. O seu discurso soa como uma camara de ressonância confusa.

Assim, para mobilizar o leque de apoios que mobiliza e para, como independente, pretender angariar e gastar 700 mil euros na campanha, há qualquer coisa por trás… não assumida. Mania minha?

15 janeiro 2016

A “sheet” share

Na fase de privatização parcial de algumas empresas, o Estado ficou com uma “golden share” nas mesmas, uma participação qualificada que conferia um poder especial, largamente superior ao correspondente ao capital em causa. Isso foi acabando por pressão das autoridades europeias e pela própria privatização total dessas empresas.

Agora, com a TAP, parece estarmos a caminho de criar um novo conceito de participação (des)qualificada: a “sheet share”. O Estado ter uma participação maioritária na empresa, mas sem mandar nela, já que, aparentemente, os acionistas maioritários atuais não abrem mão disso. Neste cenário, a participação adicional do Estado no capital não teria mais valor do que uma folha de papel em branco. Seria a tal “sheet share”… isto para não usar palavrões.

13 janeiro 2016

Cepa torta, garantida


Apanhei esta imagem curiosa na estação do Metro de Lisboa do Aeroporto e fiquei impressionado com a força de S. Sebastião. Numa segunda leitura, e dado estar em território propício, imaginei Jerónimo de Sousa a escrever a António Costa: “Para sua segurança, não ultrapasse Santo Arménio!”

Estou chocado com o anúncio da greve geral na função pública pela reposição imediata das 35 horas, assim como estarão chocados muitos do que suam para ganhar a vida, incluindo, presumo, mesmo alguns funcionários públicos. Senhores: é isto uma prioridade da nação?

Esta suposta nova era, do fim da chamada austeridade, parece ser mais uma reposição do “estatuto” da função pública do que outra coisa. Realmente, são eles os grandes beneficiários do desapertar do cinto. Será justo ou apenas consequência da sua “forte expressão sindical”? A ser o segundo cenário, é bastante injusto. Onde ficam, por exemplo, os pensionistas, cuja melhoria das condições de vida era a prioridade e a urgência que justificou a construção desta geringonça bizarra?

Preocupa-me ainda este perfume de ligeireza, de tudo ser possível, de tudo o que foi feito é para ser desfeito/revertido/anulado, insuficientemente fundamentado e ignorando que depois da embriaguez vem a ressaca. Em resumo: a lógica de conquista e manutenção de poder, não especificamente de quem lá está agora, ignora os interesses do país a prazo. Enquanto assim for, teremos cepa torta garantida por vários anos.

11 janeiro 2016

Um grande favor à extrema-direita



Continuo sem conseguir entender como os graves acontecimentos da passagem de Ano na Alemanha, principalmente em Colónia mas não só, demoraram 4 dias a serem publicados. Pode-se argumentar que a agressão sexual é um crime que não provoca queixa imediata, mas mesmo assim... Foi necessária uma manifestação de rua contra a insegurança para a comunicação social pegar no assunto.

A seguir, as autoridades resolveram também não contar imediatamente tudo o que sabiam sobre a origem e nacionalidade dos agressores já identificados. Se é importante evitar as generalizações abusivas, estas tentativas de branqueamento ridículas têm, naturalmente, perna curta e um efeito boomerang que a extrema-direita muito agradece.

Esqueçamos o contexto específico de serem ou não sírios ou muçulmanos ou refugiados. O que se passou em Colónia é perfeitamente natural, por exemplo, no Cairo. Penso não existirem dúvidas, mesmo para os mais acérrimos defensores do multiculturalismo, de que há comportamentos não admissíveis na Europa, que devemos ser absolutamente intransigentes quanto a isso e que a solução não é as mulheres afastarem-se “mais do que um braço” de desconhecidos, tal como pateticamente sugerido pela Presidente da Câmara de Colónia.

Não sejamos ingénuos. Há um mínimo de integração cultural indispensável, por exemplo no que toca à condição feminina, mas não só. Essa mudança de práticas e mentalidades não ocorre automaticamente ao atravessar a fronteira. Fazer de conta que “não foi nada…” e evitar que a constatação da realidade ponha em causa o discurso “politicamente correto”… é um caminho muito equivocado.

07 janeiro 2016

Presidenciais em banho-maria


Estas presidenciais, apesar do número significativo de candidatos e da situação particular do país, nunca como recentemente, após as legislativas, se pesou e discutiu tanto o real poder do PR, estão mornas e não aquecem.

A chamada direita, supostamente minoritária, tem um único candidato, supostamente independente, que entende precisar de piscar um olho à esquerda e ali lançar também a sua rede. Calculista e especulador de cenários por natureza, deve ter uma espécie de calculadora virtual onde faz contas do tipo: se eu disser “a”, ganho “y” votos, “check!”. Já só me falta “z”. Que poderei dizer a seguir para conseguir esse “z”? Esquece-se um pouco de que queremos um “Senhor” PR e não um “esperto reguila”…

A chamada esquerda passa por uma crise existencial quanto à função presidencial. Se após as eleições de Outubro se fartou de dizer e gritar que Cavaco Silva não tinha mais do que aceitar e calar o que saía do “seu” parlamento, desvalorizando bastante a figura do PR, como pode agora um candidato de esquerda convictamente bater no peito e dizer: “Se eu for eleito faço e aconteço… !”? Também não se entende a sobreposição de candidaturas, especialmente entre o BE, o PCP e Sampaio da Nóvoa e custa-me bastante entender como um verdadeiro independente consegue angariar e gastar 500, 600 ou 700 mil Euros na campanha.

Face à situação precária da geringonça e da sua condução perigosa anunciada pelos timoneiros e tutores, necessitamos de um PR com muito juízo…. E quem é que ali aparenta ter mais juízo e carregar menos interesses às costas … independentemente da idade? (é uma pergunta…)

06 janeiro 2016

Já não sou seguido…!?

Na sequência das minhas reflexões e interrogações anteriores, lá fui investigar a origem do delito. Tratava-se da aplicação “maps” do iphone, que eu nem sequer escolhi nem descarreguei, vem no pacote, e que passou a comportar-se assim após uma atualização do sistema operativo.

No lado positivo desta sociedade da informação está a facilidade com que nos podemos informar e rapidamente descobri alguém a dar a receita de como desativar a brincadeira. Depois de descer uns 3 ou 4 níveis de menus, lá encontrei o local onde estavam registados os meus locais frequentes. Uma dúzia deles, onde durmo, onde trabalho, hotéis frequentes, onde almoço, mesmo a cantina afastada cerca de 200 m do gabinete estava tratada separadamente, onde faço compras…. Tudo com data e hora de entrada e de saída!

Aparentemente anulei esta “ajuda”, dado que ele já não se manifesta quando o carro arranca, mas… estará mesmo limpo? Certeza não tenho e nunca irei ter.

Nos primeiros tempos da internet, havia uma opção em que se podia navegar sem o site gravar na nossa máquina o que tínhamos lá feito, gerando os tais “cookies”. Hoje navegar com a opção de bloquear todos os “cookies” é quase impossível e, verdade seja dita, até nos obrigam a dizer que os aceitamos… Retomando as palavras de um amigo mais especialista nisto do que eu:

“O mais preocupante é que os legisladores são uns completos info-brutos. Isto faz com que as ferramentas de controlo legal sejam escassas, ou até inexistentes. Basicamente a recolha de informação é feita descontroladamente e sob uma "capa" de ajuda ao utilizador final.”

05 janeiro 2016

Alguém observa e…

De há uns tempos para cá, e sem que eu tenha feito conscientemente algo nesse sentido, cada vez que arranco no carro, uma aplicação no telemóvel tenta adivinhar para onde vou, calcula o caminho, estima o tempo da viagem e informa-me sobre as condições do trânsito.

Para isto ser possível, estarão a ser gravados algures os meus padrões de deslocação. Isto incomoda-me, por várias razões. Em primeiro lugar não me recordo de ter dado autorização expressa para isso em momento algum. Começou espontaneamente após uma atualização qualquer. Em segundo lugar, os meus padrões de deslocação não são necessariamente um segredo, mas são meus. Não que receie serem usados por ladrões para me assaltarem a casa quando estiver ausente ou aquelas histórias da aplicação “onde está o meu iphone” servir para revelar infidelidades conjugais…!

Incomoda-me “ser seguido” e essa informação ser registada. Se há sempre a alternativa de ignorar estas ajudas e sugestões, este ignorar tem os seus limites. Quando alguém sabe algo (muito) sobre nós, para lá do que a nossa consciência assume, tem uma capacidade de influência maior do que imaginamos.

Já sei que depois de consultar um produto numa loja virtual, é altamente provável receber publicidade dirigida noutras páginas, para me ajudar… Nesse caso, sorrio com ironia, ao identificar a relação causa-efeito. No entanto, há muito mais sugestões dirigidas (e que nos tentam dirigir) menos óbvias.

A minha qualidade de arbítrio depende de uma certa isenção e pluralidade da informação que me chega. Ficará comprometida quando, sem consciência disso, algo me observa … e, parte mais grave, me tenta dirigir! Esta brutal e não autorizada recolha de informação sobre onde passamos, onde almoçamos, o que lemos, etc é uma ferramenta de modulação da sociedade … não controlada.

Bombando



04 janeiro 2016

Todo o homem é meu irmão

Ainda não tinham arrefecido as iluminações da celebração da passagem de ano e o mundo ouvia a notícia da execução de 47 pessoas na Arábia Saudita, entre simples acusados de terrorismo e um alto dignatário xiita, que, aparentemente, se limitou a pedir direitos cívicos para a sua minoria. Isto é chocante, muito especialmente num país como o nosso, pioneiro na abolição da pena de morte, e atendendo até à forma pouco transparente como a justiça ali funciona. Convém recordar que supostamente a Arábia Saudita não é um país semi-pária, liderado por um ditador de opereta. É membro do G20 e com responsabilidades na ONU a nível de direitos humanos.

Este episódio vem confirmar ser o sectarismo a principal razão atual para os problemas que grassam naquela zona. Além deste sectarismo saudita sunita, é de recordar o sectarismo pró-xiita no Iraque pós queda de Saddam Hussein, que impediu a normalização do país e proporcionou a manutenção dos movimentos de protesto violento, antecessores do chamado Estado Islâmico.

Quando se fala na contestação na Europa à receção de migrantes (económicos e refugiados de guerra), estaremos também a praticar algum tipo de sectarismo? Antes de mais, convém contextualizar com algum rigor. Na Europa ninguém é preso por se manifestar em defesa de uma minoria e os vândalos que incendiaram a módica quantia de 804 automóveis na passagem de ano em França não estarão a ser acusados de terrorismo.

Se existe alguma xenofobia, a Europa sabe e defende, institucionalmente e numa grande franja da sua população, que “todo o homem é meu irmão”. Preocupante é o poder que agora cortou a cabeça a 47 pessoas ser o mesmo que financia a formação e a define as práticas religiosas de uma boa parte dos muçulmanos, inclusive na Europa. Acho isto perigoso!