29 setembro 2007

A vida dos outros



Por aqui os filmes são bastante baratos. Cerca de 2,5 Eur por DVD. Palpita-me que não pagarão direitos de autor mas não tenho (muitos) problemas de consciência porque alternativas legais, não há. Também, algumas vezes, não chegam ao fim e, a maior parte das vezes, as línguas e as legendas não correspondem ao anunciado. Como o repertório disponível não está muito alinhado com as minhas preferências, quando, ao cheirar um expositor, encontro algo que me parece mais ou menos aceitável, compro sem me preocupar demasiado com o investimento. Como resultado, vai crescendo na minha sala uma fila de caixas separadas entre os já vistos e os que estão por ver.

Este fim de semana (local) agarrei num que, à partida, pouco me dizia. Já me tinham falado dele mas não retivera o nome e não o associara: A Vida dos Outros. E uma coisa boa quando é surpresa ainda sabe melhor. Numa palavra: magnífico!

O percurso do agente da Stasi, de funcionário eficaz e implacável até ao emocionante sorriso final do momento da compra do livro a ele dedicado, é um processo admirável. Não há um clique de vilão reconvertido em herói, que uma bela manhã acorda arrependido e decide “passar a ser bom”. Omnipresente está a sua opção por fazer sempre o que lhe parece mais correcto, com uma evolução gradual e inexorável desse sentido do correcto, desde umas simples dúvidas e interrogações até encobrir descaradamente as actividades de quem vigia. Esse conflito é gerido com uma serenidade extraordinariamente digna e harmoniosa. Para lá do interessante pano de fundo histórico e social, é um belíssima história magistralmente contada.

Em tempos, a propósito da barbárie nazi, Hannah Arendt causou uma grande polémica ao relativizar e ao falar da “Banalidade do mal”. Este filme é uma homenagem à perenidade e à capacidade de sobrevivência do bem, onde menos se espera.

Vale a pena comprar, mesmo custando muito mais do que 2,5 Eur.

26 setembro 2007

A causa oferecida - O puto sorridente


Israel achou que a Síria estava a avançar para onde não devia em termos de desenvolvimento nuclear e não teve contemplações. Sem ONU e sem discussões, no passado dia 6 de Setembro, realizou um raid que arrasou o local. Da mesma forma como, em 1981, também destruiu o reactor Tammuz que a França tinha vendido ao Iraque. Este episódio só vem comprovar, como se ainda fosse necessário, que o móbil da invasão do Iraque, as famosas armas de destruição maciça, não estavam lá e que isso era conhecido. Se lá existissem, seguramente se teriam encontrado forma de as neutralizar sem destruir o regime.

Para lá do atoleiro em que se tornou o Iraque, contrariando a visão dos estrategos da Casa Branca que achavam possível enxertar lá, de um dia para o outro, uma verdadeira democracia (?!) ou, talvez, instaurar uma república de bananas ao estilo latino americano, esta aventura tem um efeito negativo colateral terrível. Deu uma bandeira e uma causa “nobre” ao movimento islamita radical agressivo. É o combustível que alimenta o recrutamento dos dispostos a tudo pela sua fé atacada, na Europa, no Magreb e por aí fora.

É fácil, e relativamente inconsequente, especular sobre o que seria isto se não tivesse acontecido aquilo. Mas vale a pena colocar a questão. A causa tradicional do islamismo revolucionário, a Palestina, entrou num processo autofágico descredibilizador. Se não houvesse “Iraque”, que bandeira teriam hoje? A que quer que escolhessem, seria relativamente fraca.

O caso particular da Argélia é emblemático. Depois de uma década negra de terrorismo nos anos 90, as causas internas esmorecem e, quando se julgava que se estava a caminho de acabar com o problema, os resquícios dos movimentos terroristas, afiliam-se à Al Qaeda, entretanto tornada figura pública de primeira linha, recebendo uma lufada de ar fresco a vários níveis.

Obviamente que haveria terrorismo islâmico mesmo sem “Iraque”, como o 11 de Setembro de 2001 demonstra. No entanto, a dimensão seria muito diferente. O fervor religioso dos jovens é facilmente galvanizado e mobilizado para lutar nessa guerra. Um recente atentado suicida aqui, que causou 30 mortos, foi cometido por um jovem de 15 anos, na foto, com bom aspecto, bom comportamento e... bastante religioso. Um puto sorridente.

23 setembro 2007

Chegou a ano 2000!!!!



A notícia vem atrasada, mas não tanto como pode parecer à primeira vista. O novo milinénio foi celebrado a 12 de Setembro passado na Etiópia que, ao contrário da esmagadora maioria do mundo, ainda segue o calendário juliano.

Em entrevista que ouvi a um responsável etíope, dizia este que era importante que a Etiópia fosse notícia por algo de positivo e festivo, ao contrário do que é habitual. Acrescentou ainda que a utilização desse calendário era uma prova de identidade cultural e um factor diferenciador. É que o calendário gregoriano é uma imposição “ocidental e cristã” que eles, civilização com raízes históricas fortes, rejeitam. Bom... eu acho que nessa perspectiva o juliano não estará muito melhor, uma vez que foi uma imposição “romana e imperial”.

Tudo isto seria muito giro e apenas folclórico, não fosse o facto de um calendário não ser propriamente um elemento simbólico. Para lá da questão do alinhamento com o resto do mundo, um calendário deve estar acertado com o ciclo solar e, nesse aspecto, fundamental realce-se, o gregoriano é mais perfeito do que o juliano. Quando o que a ciência demonstra e a racionalidade aconselha é preterido em benefício da “especificidade cultural”, os resultados estão à vista.
Foto googleada da página da Globo.

20 setembro 2007

Polonices

A Europa queria instituir um dia europeu contra a pena de morte a 10 de Outubro, durante a presidência portuguesa. A abolição da pena de morte é seguramente um tema caro a Portugal, assunto em que o nosso país é orgulhosamente pioneiro. E, se existem valores europeus indiscutíveis e inquestionáveis, a abolição da pena de morte aí deveria estar inscrita, sem a mínima discussão. Queria a Europa toda, menos a Polónia. Esta, piamente do alto dos seus altares, achou que não “valia a pena” a instituição desse dia senão se não se juntasse no cabaz o aborto e a eutanásia...

O abortar esta iniciativa por uma birra que dizem ser eleitoralista, é lamentável. Assim como também é condenável este mistura abusiva de causas. Não é de forma nenhuma incoerente lutar pela abolição da pena de morte e, ao mesmo tempo, defender a eutanásia ou o aborto.

Trata-se da mesma Polónia que se mostra como um dos mais irredutíveis e intransigentes negociadores cada vez que há que tomar uma decisão. Já perdi a conta aos assuntos europeus que estiverem em compasso de espera até se “convencer a Polónia”! Inclusive, tiveram o desplante de invocarem a sua condição de vítimas do nazismo para, 50 anos depois, pedirem mais dinheiro... aos alemães. Já começamos a estar fartos destes coitadinhos. Se houvesse mais “polónias” na Europa, ou se ela tivesse aderido mais cedo, o projecto europeu estaria muitas milhas atrás do que está hoje.

Este e outros casos vêm confirmar a necessidade da Europa se reformar. Ninguém gosta de ser sócio minoritário sem poder de decisão e ver serem-lhe impostas resoluções relevantes contra a sua vontade, mas ou se acaba com estas “polonices” ou elas acabarão com a Europa.

17 setembro 2007

Setembro



Setembro é o meu mês. Gosto de Setembro e do início do Outono, muito mais do que da Primavera das flores em botão, passarinhos e de todas as outras delicadezas que despertam e secam, sacudindo bolores, à saída do Inverno.

Não temos os campos pintalgados de papoilas e infestados de pólens, mas temos o pastel das cores ocres e o cheiro forte das vinhas e das figueiras. É muito mais intenso e muito mais premente.

Se a Primavera é a esperança ingénua, o Outono é o momento dos balanços e da maturidade. Em Abril aguardamos o fruto da floração. Em Setembro os frutos estão maduros e serão colhidos ou perdidos e, oxalá, haverão de retornar. Em frente da Primavera está a simplicidade de um desenvolvimento linear; à frente do Outono está a realidade complexa do como renovar.

A Primavera solicita-me e cansa-me nos seus dias crescentes; o Outono aconselha-me. Anuncia o encerrar de um ciclo que nos confronta com a nossa finitude e com a necessidade de renascer e recomeçar.

Não há fins de tarde mais belos do que os do fim do Verão.
Não há mês mais belo do que o mês de Setembro.

13 setembro 2007

Génio



Está patente na basílica de Koekelberg, em Bruxelas, uma magnifica exposição sobre Leonardo da Vinci. É fácil não ser parco em adjectivos quando se trata de falar sobre este homem. É que, reflectindo um pouco sobre a sua dimensão, conclui-se facilmente que foi uma das mentes mais geniais de toda a história da humanidade.

Da sua biografia fica um andar daqui para ali, sendo preterido nalguns casos, como nas obras do Vaticano, em benefício de um Miguel Angelo, talvez artisticamente mais exuberante. Não se vislumbra um momento de apoteose ou de reconhecimento largo. Pelo contrário, fica a imagem de alguém que passou ao lado do seu tempo, ou que o seu tempo não identificou nem reconheceu.

Agora, à distância, o que se vê? Aqueles extraordinários caderninhos, onde se mistura arquitectura, mecânica, biologia, desenho e sei lá que mais, são um combinado e um concentrado de conhecimento, especulação e arte seguramente sem par. Não se pode dizer que se conheçam muitas das suas pinturas, mas entre essas poucas a “Mona Lisa” e a “Última ceia” são dois dos maiores símbolos da história universal da pintura. E é o mesmo homem que concebe conceitos mecânicos fundamentais que hoje estão em todo o lado com o princípio da cremalheira ou do rolamentos de esferas, e só a título de exemplo. As suas figuras andróginas são, e continuarão a ser, enigmáticas e desafiadoras. As maquetas das suas construções mecânicas que, se bem que em geral, não foram concretizadas e muitas não funcionariam sem ajustes, são um hino à imaginação humana e à capacidade de conceber coisas novas e diferentes. É fantástica a combinação rigorosa da geometria e da anatomia com a arte, da qual o homem Vitruviano, outro ícone universal, é provavelmente o expoente máximo.

Por tudo isto e pelo resto, Leonardo da Vinci é uma figura fabulosa e uma evidencia de que o génio não é compartimentado por especialidades estanques. É possível ser-se brilhante em “mais do que uma coisa....”

Nota: Foto tirada no museu do Louvre, da multidão em frente da Mona Lisa. Se é verdade que metade dela será devida ao livro de Dan Brown, também é verdade que o livro precisou da aura de Da Vinci...

11 setembro 2007

Artilharia pesada

O assunto da Praia da Luz é daqueles de que todos falam e em que facilmente se fala demais. Recentemente manifestei a minha surpresa pela reacção excessivamente fria e calculista do casal, quando confrontado com a hipótese de serem suspeitos.

Agora acrescento duas coisas:

Quando se vê alguém preparar uma defesa recorrendo aos melhores e mais caros advogados, cheira sempre a táctica de poderoso comprometido que recorre à sua grande capacidade de mobilização de meios para procurar inverter o rumo dos acontecimentos. Ingenuamente, talvez, gosto de acreditar que a verdade se consegue impor sem ser necessária grande artilharia.

Que pensarão os que contribuíram com fundos para a campanha, quando virem que parte desse dinheiro é usado para pagar dois grandes advogados, um deles especialista em extradições, que tem mesmo a “medalha” de ter conseguido defender e evitar a extradição de Pinochet para Espanha há uns anos. Gostarão? Bom... é que se não é esse dinheiro que o paga, ainda será mais nebuloso e confuso.

Segundo ponto: se fosse um casal português em circunstâncias idênticas em Inglaterra, poderia alegremente regressar assim ao seu país natal e aí se “barricar”? Penso que não. Só não é claro para mim se esta diferença é crédito ou descrédito para Portugal.

10 setembro 2007

A noite da dúvida

Amanhã haverá cá, ao fim da tarde, uma reunião no Ministério dos Assuntos Religiosos, presidida pelo próprio ministro, para observar a lua e decidir se será decretado o início do Ramadão, ou não.

Quando se consegue prever cientificamente mesmo um eclipse com larga antecedência, ter um país em suspenso, em função deste ritual de observação natural da lua, porque só assim é que será uma decisão “pura”, dá que pensar.

07 setembro 2007

O Petróleo Dourado



Em tempos resolveu chamar-se ao petróleo, ouro negro. Agora, talvez estejamos a caminho de vir a designar o trigo como petróleo dourado, um novo recurso estratégico e escasso. Para a Europa que vê os seus produtores de leite serem ameaçados com multas, caso excedam as suas quotas de produção, parecerá estranho falar em escassez de produtos agro-alimentares de base. No entanto, se olharmos para o resto do mundo, a situação é bem diferente.

Por falta de meios de produção próprios e devido às alterações climatéricas e a outras deficiências estruturais há em vários países, alguns até mesmo ricos em petróleo, sérias dificuldades em disponibilizar às suas populações com regularidade, e a preços decentes, coisas básicas como leite, cereais e batatas!

Por outro lado, o aumento do preço do petróleo negro e o apetite económico e político por fontes alternativas de energia, tem puxado pelos bio-combustíveis que, de alguma forma, são desenvolvidos em detrimento das plantações “daquilo que se come”. Veremos se as actuais tensões no mercado de trigo são meramente conjunturais ou mesmo estruturais. É que, se aumentar o custo dos combustíveis é mau, disparar o preço do pão é dramático. Os impactos sociais são muito diferentes!

Considerando que largas zonas do mundo não são e não se tornarão auto-suficiente a curto prazo e que não é nada pacífico ter uma população mal alimentada, será que não iremos ver barris de petróleo serem trocados por sacos de grãos?

As ideias de Sarkosy de a Europa aumentar a sua produção agrícola, na minha opinião, inscrevem-se direitinho neste contexto.

03 setembro 2007

Ainda e sempre, simplesmente genial

Não é muito difícil descrever o carácter complexo de intelectuais que podemos analisar e desconstruir; mas apenas um grande artista conseguiria reproduzir um indivíduo simples, sólido, ingénuo e primitivo.

Herman Hess in "A Casa da Paz"

01 setembro 2007

Telemóveis? Não obrigado!

Conheci um alemão (tinha que ser alemão...!) que, para testar e comprovar que não tinha dependências, uma vez por ano, durante um mês inteiro, não fumava, não bebia café, não comia chocolate nem tomava bebidas alcoólicas. Ignoro se a lista de abstinências continuaria por outros campos mais pessoais, mas não é relevante para este caso aqui.

Eu acho que seria engraçado haver, não um mês, mas uma semana sem telemóveis. Obviamente que numa base voluntária, como o dia europeu sem carros, nunca funcionaria. Talvez pudesse acontecer, imaginemos, se houvesse uma ameaça importante que obrigasse todas os operadores a desligarem as suas redes por motivos de segurança.

Antes de sair de casa ou do local de trabalho, será normal pensar “aonde vou”, “que vou fazer”, “que necessito de preparar” e “que devo levar”. Seria normal, mas já não o é. “Não sei que hotel tenho reservado?” – telefono a perguntar! "Não marquei o encontro?” – telefono para marcar; “Não trouxe o relatório?” – telefono a pedir o seu envio por email. Ou seja, as facilidades de comunicação tornam-nos descuidados e desorganizados. Como uns novos ricos que tendo dinheiro para gastar à fartazana, não têm e a mínima preocupação em saber sequer o preço das coisas que compram: “chega sempre para tudo!”.

Uma semana sem telemóveis? Ia ser giro, ia!!!