31 maio 2016

O preço dos bolinhos

Imaginem entrar num centro comercial onde todos os comerciantes sabem o histórico das vossas compras, as lojas onde entraram, os produtos em que tocaram, os livros que folhearam, as roupas que experimentaram e tudo, tudo, tudo...

Por um lado, tem algo de útil. Permite a cada vendedor ajustar a sua oferta às preferências do cliente. Mas será que gostaríamos de ser assim um livro aberto? E se essa informação tiver sido recolhida pelo pessoal do sistema de vigilância, que depois a vendou às lojas?

É mais ou menos isto que ocorre com a nossa navegação na internet. A maioria (todos?) os sites que visitamos deixam no nosso PC um registo – o cookie. Dá jeito, por exemplo, para não precisarmos de reintroduzir os nossos dados de todas as vezes que lá voltamos. Mas os bolinhos também registam por onde andamos e depois reportam-no ao seu mestre. Não é por acaso que após consultarmos informação sobre um dado produto, nos aparece de seguida publicidade a esse mesmo produto noutras páginas, não relacionadas.

Recentemente o Facebook anunciou que vai passar a “seguir” mesmo quem não tenha conta na rede social. Sempre no espírito altruísta de nos “ajudar a termos uma melhor experiência””. Lá clicamos pois naquele irritante botãozinho onde “aceitamos os bolinhos” e alguém irá poder faturar um pouco mais aos seus anunciantes. Não há bolinhos grátis e a informação sobre a nossa vida e opções é cada vez mais uma mercadoria transacionável, mesmo sem o sabermos.

29 maio 2016

Por aqui, por favor…


Se as contas não me falham terão sido nove as vezes em que ouvimos uma instrução destas, para mudarmos de local, à frente, atrás ou no meio dos atores que iam percorrendo vários locais no interior e no exterior do Museu Nacional da Imprensa no Porto.

Apesar de uma quebra aqui e acolá de ritmo e de uma pequena falta de “afinação” aqui e acolá no elenco, apesar de a inspiração no romance “O Idiota” de Dostoivesky ser algo longínqua e não me trazer muito ao espírito o espírito do enorme escritor russo, apesar disto, foram duas horas e meia de uma experiência excelente e diferente.


A proximidade dos atores, o estar dentro do cenário cria uma atmosfera que muito pouco tem a ver com a tradicional da plateia de um lado e o palco elevado do outro. Mesmo quando nesse contexto clássico os atores atravessam pontualmente a plateia, não deixa de ser apenas uma espécie de invasão, uma breve incursão no espaço do público, mantendo-se os dois espaços dissociados.

Ali não era assim. O espaço, por vezes íntimo, por vezes desconfortável, era mesmo único e partilhado. Eu gostei bastante e recomendo vivamente!

PS: Continua em cena até 5/6.

27 maio 2016

Um mau enredo


M. nunca conhecera o pai. Este abandonara a família cedo e também cedo a sua mãe caíra em demência. Fora educado com grande esforço por uma irmã mais velha. A namorada, com estudos e tudo, era de boas famílias e nunca aceitariam um casamento de sogro incógnito. M. lançou-se na busca do pai, descobriu-o no outro extremo do país, e este aceitou perfilha-lho, mesmo sem nunca se terem encontrado.

M. arranjara trabalho e tudo se encaminhava para começar uma nova vida e uma nova família. Dois dias depois de entrar em funções, recebeu a notícia de que o pai está muito doente, lá do outro lado do país, e lançou-se à estrada, no veículo da empresa, Pretendia vê-lo pela primeira e pela última vez, após uma viagem de noite inteira. Sensivelmente a meio do percurso uma árvore de grande porte interrompeu a viagem e a vida de M. Simultaneamente a sua irmã-mãe deu à luz uma criança a quem chamará M.

Parece um mau argumento para uma novela de 3ª classe, não é?

Pois parece, mas pelo menos uma boa parte não é ficção. Fui eu quem assinou o contrato de trabalho e lhe desejou boa sorte ao entrar em funções. Dois dias depois da sua morte, fui visitar a família. No átrio de entrada do prédio estava a urna que tinha transportado o corpo ao cemitério. Lá em cima no apartamento, a namorada de boas famílias, uma mãe demente, uma irmã lutadora e uma criança de dois dias chamada M.

(Foto furtiva da zona onde ocorreu o acidente.)

26 maio 2016

Nomadismo laboral


Um destes dias, em Kenitra, Marrocos, depois de concluída a reunião do início da manhã e comprado o bilhete do comboio para Tanger das 11h25, sentei-me numa esplanada ao lado da estação. Abri o computador, liguei-me à internet, respondi às mensagens pendentes, fiz o relatório da reunião da manhã, acompanhei a evolução de umas encomendas e até fiz um desvio pessoal pelo banco.

Entretanto, o transito passava na rua à minha frente, dois engraxadores vieram oferecer os seus serviços e eu continuei, pouco menos do que imperturbável a bater nas teclas. Curiosamente, era o meu 6º local de trabalho improvisado em 24 horas e já sem contar as consultas apressadas ao telemóvel, com um olho a ler e outro a espreitar o próximo obstáculo do caminho. No início da manhã anterior tinha aberto praça na sala de espera de Campanhã, a seguir no comboio Porto – Lisboa, depois num cantinho estratégico do aeroporto de Lisboa que tem uma tomada elétrica ao lado, depois no comboio Casablanca – Kenitra e finalmente no hotel. Desses 6 locais, 5 eram públicos.

Numa reflexão, ao assistir ao à vontade com que abri o PC e me instalei na esplanada, questionei-me. Se estivesse a fazer isto no meu local de trabalho fixo, trabalharia de forma muito diferente? Tirando um certo stress de controlar o relógio para não perder o comboio, a resposta, curiosamente, é: não. Não seria muito diferente. Sem chegar ao ponto de dizer que ficaria perturbado com a tranquilidade, embora, no futuro, quem sabe…

PS. E logo a seguir voltei a montar tenda no comboio Kenitra – Tanger.
E o monitor está escurecido para poupar a bateria...

25 maio 2016

Será que o bloqueio está no local certo?


França está a ferro e fogo com a contestação social à nova lei laboral. Uma das ações mais visíveis e com maior impacto é o bloqueio às refinarias e consequente escassez de combustível nos postos de abastecimento. Para lá da questão se este tipo de “cercos e ferrolhos” se enquadram numa greve, parece-me que eles estão a bloquear os locais errados.

Estando em causa questões e direitos laborais, eles deveriam bloquear antes os portos por onde chegam produtos fabricados em países onde não há direito à greve, onde não existe proteção social dos trabalhadores, sem condições mínimas de higiene e de segurança nos locais de trabalho, etc, etc … As fábricas europeias e o emprego associado estão a regredir pela transferência de produções para esses países, naquilo que se costuma chamar "dumping" social. 


Protestar contra perda de direitos de trabalho individuais quando as empresas perdem mercado para países onde quase não há direitos, é um pouco suicidário, na minha opinião.

Às tantas, aqueles coletes vermelhos vistosos até terão até sido produzidos num local com um custo de trabalho bem inferior ao francês…


Foto do "Le Monde"

24 maio 2016

E se não se berrasse apenas ?


Declaração inicial: sempre frequentei o ensino público, os meus filhos também, pelo menos a nível de escolaridade obrigatória. No meu tempo, o “privado”, a este nível, até era considerado como uma espécie de snobismo inconsequente. Não me recordo de na faculdade ter visto génios melhor preparados vindos do “privado”. Entretanto os tempos mudaram e até há algumas dúvidas sobre se as médias fantásticas que se vêm nalgumas escolas privadas são mesmo fruto da excelência do seu ensino.

Se, e insisto neste se inicial, numa dada zona não existe cobertura escolar suficiente, tendo o Estado obrigação de a providenciar, há dois caminhos. Ou constrói a escola e gere e paga diretamente o corpo docente e auxiliar e demais despesas de funcionamento, ou paga a uma entidade privada algo fixo por aluno e estes assumem a gestão e todos os custos envolvidos. Em ambos os casos o financiamento é público, a sua forma de implementação é que muda.

Sobre estas duas opções possíveis, não vejo nenhum impedimento fundamental de princípio. Para ficar tudo bem seria necessário validar alguns pontos concretos e objetivos:

- O valor pago aos privados é justo e equilibrado? O lucro permitido é ajustado ao risco envolvido? Como compara com o custo total equivalente em gestão pública direta?

Como as escolas não se fazem e desfazem ao semestre, estas opções deviam ter um horizonte temporal estável e predefinido, certamente um problema, dado que em Portugal estabilidade rima pouco com ensino. Evidentemente que não faz sentido que o Estado apele aos privados para cobrir as suas carências e a seguir decida construir escolas ao lado (se bem que construir e reconstruir escolas também seja um negócio per si).

Faz sentido existir alguma diversidade de oferta de ensino e até mesmo alguma concorrência (com todos a sensibilidade necessária para abordar este tema sensível e complexo neste contexto). Se há exemplos em que a delegação do investimento e da gestão do Estado nos privados é uma desgraça (até eventualmente caso de polícia), como as PPP rodoviárias, nem todos são assim.

Sobre a questão do princípio do “tudo público”, quantos funcionários públicos estão dispostos a abdicarem da ADSE, uma delegação do sistema de saúde em privados, para ficarem apenas com o SNS?

Este assunto não se resume a um pretenso “direito à escolha” nem a um “vamos acabar com a mama”. Infelizmente estamos num tempo de iluminados em que a moda não é analisar e avaliar, mas sim… berrar! É pena…

23 maio 2016

A Uber atenta ao nível


Leio que a aplicação Uber tem acesso ao nível de carga da bateria do nosso telemóvel. Até já “descobriram” que quando a bateria está curta o utilizador está disponível para pagar mais pela viagem. Dizem não estar previsto utilizarem essa informação para as suas tarifas dinâmicas, onde é suposto adaptarem os preços ao nível da procura.

Essa flexibilidade de mercado já provocou uma certa polémica há uns tempos, quando num cenário de toma de reféns em Sidney, em Dezembro de 2014, a procura que o pânico gerou fez disparar os preços.

Eles dizem não preverem utilizar essa informação para dinamizar a tarifa, mas porque raio andam eles a cuscar no que não queremos?!

Tudo o que sabem sobre nós, que ignoramos, irá acabar por nos sair caro… é um palpite meu.

20 maio 2016

A vaquinha que não voa


A imagem da “vaca voadora” usada na apresentação do Simplex 2016 para ilustrar o impossível alcançável, é um bom exemplo da estratégia de comunicação política, não necessariamente exclusiva dos atuais inquilinos do poder.

De facto, aquilo não era uma vaca, nem perto, nem voava. Se ao menos tivessem agarrado o boneco a um drone ainda teríamos meia verdade. Nem isso. Limitava-se a bater ridiculamente umas asinhas, suspensa por um fio.

A forma como o PM e sr Ministra olhavam para a gracinha foi, no mínimo, caricato. Se, realmente, aquela imagem é representativa do espírito das reformas fantásticas e ambiciosas anunciadas, apetece dizer que, seguindo o paralelo, podem parecer fantásticas e ambiciosas para os distraídos, mas não o serão. Nunca voarão porque o que era suposto provocar o voo, não passa de qualquer coisa a estrebuchar inconsequentemente.

Naquele sítio e naquele contexto, a brincadeira acabou por se tornar uma imagem fortíssima do “faz de conta” com que os nossos caros políticos connosco comunicam… e brincam.


Foto da "Visão"

19 maio 2016

Tempos diferentes


Hoje de manhã, ao entrar na VCI, ouço uma vibração tipo besouro... Desconfio de uma carripana suspeita à minha frente. Ultrapassei-a e a coisa continua, sempre. Queres ver que sou que tenho algum plástico solto aí a vibrar?

Nada disso. Uma centena de metros à minha frente iam dois minorcas daqueles carros de rally de agora, Citroenezitos concretamente, de cujo escape saia o tal som de besourito. Isto já não há roncos como antigamente!

18 maio 2016

Para onde vamos?

Discordar de uma ideia, contestar um ponto de vista, criticar uma decisão tem/deve ter uma base racional, podendo originar uma discussão construtiva, por mais antagónicos que sejam os pontos de partida. Outra coisa será classificar os “outros” de corja, talibans e sei lá que outras formas mais de deseducação e de insulto.

As redes sociais e as caixas de comentários nas notícias on-line permitem inúmeros fóruns de grande alcance e com registos indeléveis, sendo importante ter sempre presente a diferença entre pronunciar um desabafo entre três amigos e registá-lo publicamente. Para evitar o pingue-pongue das agressões verbais e tristes desrespeitos, exige-se contenção e elevação (leia-se também educação), exigência tanto mais elevada, quanto maior a responsabilidade pública e política de cada individuo.

A infelicidade nos tempos que correm é que esse vírus, do gatilho ligeiro, contamina desde o simples cidadão até senhores deputados (e passo ao lado dos snipers “profissionais”, que parecem popular o meio), alastrando a uma velocidade surpreendente (viral?).

A frequência da utilização de expressões conclusivas do tipo “está tudo dito” é sintomática da recusa do diálogo e do contraditório. Dispara-se e espera-se que com eficácia suficiente para abater definitivamente o adversário. Se não for o caso e ele ainda estrebuchar, carrega-se nova bazuca! Eu sei que é impossível eliminar estas posturas, apenas peço aos senhores com responsabilidades acrescidas para tentarem dar o bom exemplo.

16 maio 2016

Espírito comunitário

Comunidade: conjunto de pessoas identificadas com um determinado território, partilhando uma herança cultural e histórica, com regras sociais alinhadas?

Agregar vontades, partilhar valores e unir esforços é, à partida, positivo e construtivo. A identificação de um individuo com uma/sua comunidade é um motivo de satisfação e orgulho e a rejeição será, frequentemente, causa de uma enorme frustração. No entanto, não faltam guerras e outras desgraçadas alicerçadas precisamente em confrontos comunitários, muitas vezes com a clivagem num dos elementos mais marcantes da respetiva identidade: a religião.

Se recuarmos alguns séculos e pensarmos em pequenas tribos nómadas ou povoações isoladas, sujeitas a muitas ameaças naturais e humanas, a coesão interna e a partilha de valores com aliados seriam fundamentais para a sua sobrevivência. O antagonismo agressivo entre diferentes comunidades era uma constante.

Na atualidade, qual o sentido de falarmos em comunidades, de retalharmos a humanidade? Um das mais dramáticas crises comunitárias recentes na Europa foi a perseguição e exterminação de judeus durante a II Guerra Mundial. Esquecendo os líderes e as suas máquinas de guerra impessoais, tivemos gente que na véspera era vizinha (partilhava a mesma comunidade?) denunciar os “outros” e arruinar-lhes a vida. Também tivemos gente como Aristides Sousa Mendes, que arriscaram e se expuseram para salvar gente que não conheciam sequer, de outra comunidade religiosa, porque havia e há um nível comunitário superior: a humanidade.

Podemos ter a comunidade de bairro, quando se trata, por exemplo, de apoiar um clube de futebol. No entanto, no nível mais elevado, onde está a vida e a dignidade humana, a comunidade é uma e apenas uma. Haja clarividência e grandeza para subir de nível, de cada vez que a necessidade o imponha, porque, citando Jacques Brel
:

Filhos de César ou filhos de nada
Todas as crianças são como as vossas
O mesmo sorriso, as mesmas lágrimas
Os mesmos sustos, os mesmos suspiros
Filho de César ou filho de nada

Todas as crianças são como a tua

12 maio 2016

Quem não tem mais que fazer


Dizem que deita a casa abaixo e torna a erguer, não sendo certamente o ideal do ponto de vista da utilização racional de recursos. Se as várias transições governativas tiveram sempre um pouco desse molho, mais ou menos disfarçado ou justificado, no governo atual isso apresenta-se como uma imagem de marca assumida: as reversões.

O anterior governo negociou um novo contrato de concessão do Metro do Porto, passando por cima da formalidade do concurso público, no que foi, justamente, muito criticado. O novo governo resolveu reverter a nova concessão, abortando a entrada em vigor do novo contrato. Quando se pensava que o Metro do Porto iria assumir diretamente a operação, vimos a reversão da reversão. O governo prolongou por dois anos o contrato de concessão em curso. No mínimo estranho.

O anterior governo subscreveu contratos de associação com colégios particulares para 3 anos. Este governo altera. Independentemente do fundo da questão, nenhum investimento sobrevive a horizontes de 6 meses. Montar e desmontar uma operação destas não é como ligar e desligar um interruptor.

O país está falido a vários níveis. Precisamos de investimento e especialmente de origem externa. Um critério básico e fundamental é a estabilidade. Ninguém arrisca num contexto onde as regras de jogo não são minimamente estáveis durante o horizonte temporal do projeto. Podemos deixar de brincar a meninos embirrentos e irresponsáveis (para não dizer interesseiros e facciosos)?

08 maio 2016

Uma novidade


No (excelente) programa “Visita Guiada” que foi para o ar na RTP2 na passada semana, o tema foi o barroco da igreja da Misericórdia de Viana do Castelo. No final do programa foi explorada a eventual relação entre aquele barroco específico Vianense os trajes tradicionais da região.

As fotos foram minhas, escolhidas da página do Grupo Etnográfico de Areosa. Um momento alto da minha atividade fotográfica e penso que dificilmente superável!

03 maio 2016

Veremos se…


Leio as notícias acerca das investigações policiais sobre a subconcessão do Estaleiros Navais de Viana do Castelo e a venda do Atlântida. Neste momento, pode invocar-se a presunção de inocência ou o não há fumo sem fogo. Esperando para ver, com a esperança de um dia se chegar a ver tudo, apetece-me avançar umas reflexões.

Se, se realmente há fogo por trás deste fumo, só se poderá concluir não existirem limites para o despudor do poder político. Depois de tantos anos de gestão ruinosa, de todos os quadrantes, depois do escândalo sem medida e sem culpados do Atlântida, estas operações finais, a subconcessão e a venda do navio, estariam, naturalmente, sob um escrutínio muito apertado.

Se, se nestas circunstâncias, foi possível ousar realizar dois concursos públicos “traficados”, prejudicando ainda mais o interesse público, efetivamente não haverá limites. Fica a tentação de dizer que a solução é acabar com todas as empresas públicas, em geral sorvedouros de recursos e fontes inesgotáveis de mãos práticas, mas não é tão simples assim. Independentemente de haver limites razoáveis para o âmbito da propriedade estatal, que não me parece incluir estaleiros, inevitavelmente há e haverá fundos importantes a gerir pelo poder político. Não podemos defender uma solução simplista do género, retirar a louça cara do alcance dos meninos para estes não a partirem.

Os meninos, todos, têm que ser responsabilizados, embora quanto menos acesso tiverem a louça frágil, melhor…

PS: Este texto está feito em cima de muitos “se”s, um mau princípio. Veremos se o futuro confirma ou não a sua pertinência.

02 maio 2016

Les Toros - Jacques Brel


Não é um daquela dúzia de grandes clássicos do grande Jacques Brel. Faz parte das 3 ou 4 dúzias de temas brilhantes que se vão descobrindo à medida que se ouve com atenção a obra completa. Como tantos, genial. Dispensa comentários.

Os touros aborrecem-se ao domingo
Quando é preciso correr por nós.
Um pouco de areia, sol e tábuas
Um pouco de sangue para fazer um pouco de lama
É o momento em que os merceeiros se julgam Don Juan
É o momento em que as inglesas se julgam Montherlant.

Ah! Quem nos dirá em que pensa
Um touro que gira e dança
E de repente se apercebe que está nu?
Ah! Quem nos dirá com que sonha
Um touro cujo olhar se levanta
E descobre os chifres dos cornudos?

Os touros aborrecem-se ao domingo
Quando é preciso sofrer por nós.
Mas eis os picadores e a multidão vinga-se
Eis os toureiros e a multidão ajoelha.
É o momento em que os merceeiros se julgam Garcia Lorca.
É o momento em que as inglesas se julgam a Carmencita.

Os touros aborrecem-se ao domingo
Quando é preciso morrer por nós
Mas a espada vai cair e a multidão verga-se
Mas a espada caiu e a multidão levanta-se.
É o momento de triunfo em que os merceeiros se julgam Nero.
É o momento de triunfo em que as inglesas se julgam Wellington.

Ah! E ao cair no chão
Sonharão os touros com um inferno
Onde arderão homens e toureiros defuntos?
Ah! Ou então no último suspiro
Não nos perdoarão eles
Pensando em Cartago, Waterloo e Verdun?
Verdun!