29 novembro 2014

Quanto vale uma cruz?


O NBAD, um banco de Abu Dhabi, nos Emiratos Árabes Unidos, estabeleceu um protocolo com o clube de futebol Real Madrid para usar a imagem deste numa linha de cartões bancários. As imagens acima são extraídas do site do banco.

Olhando com atenção nota-se uma curiosidade. O logotipo do clube está mutilado, desapareceu a pequena cruz do topo da coroa. A monarquia espanhola passou a laica? Não, nada disso, é uma questão de sensibilidades. Cruz - cristãos, Abu Dhabi – muçulmanos! Entende-se? Entende-se mas não se compreende.

A seguir, sempre que for “politicamente” correcto iremos retirar da nossa bandeira os escudos em cruz, símbolo das cinco chagas de cristo? Recordo-me de ver na catedral de Santiago de Compostela, escondidos sob umas flores, os mouros que jazem aos pés da estátua do guerreiro, passando este, assim, de bravo mata-mouros a pacato jardineiro. Vamos também, eventualmente, ter de retirar do nosso escudo os 7 castelos, aparentemente representando conquistas aos mouros, para não ferir susceptibilidades? A que preço/com que custo… !? (Por acaso até já foram pagodes chineses, mas isso foi por outros motivos …).

Sou agnóstico (de raiz cultural cristã), não concordo com os crucifixos nas escolas e em lugares públicos, mas considero que para alterar um símbolo histórico deve existir um valor muito forte e de natureza diferente da de um cheque.

E o CR7 que vá pensando em mudar o seu nome próprio…

28 novembro 2014

Paint ball ou Dostoievsky ?

A minha última participação no Roda Pé Cultural do Centro Cultural do Alto Minho, cuja publicação agradeço.

27 novembro 2014

Uma questão de tempo

Se a prisão no aeroporto de José Sócrates era necessária, não sei. Se a sua prisão preventiva actual se justifica, também não sei. Quero dar o benefício da dúvida à justiça, contrariamente a muitos que não hesitam em afirmar publicamente em alta voz que está errado.


Quanto à intervenção de Mário Soares a pôr as mãos no fogo pela inocência de Sócrates e a etiqueta-lo como “primeiro-ministro exemplar”…. Ou está mesmo senil, ou a militância justifica a desonestidade intelectual, ou o conceito de inocente para ele é algo diferente do do comum dos mortais… Digo e repito: a real acção de Mário Soares está ainda por escrever e é uma história muita mais feia do que a maioria das pessoas pensam.

Só falta mesmo é vê-lo dia a abraçar Alberto João solidariamente, quando este for perseguido pelos fascistas, perdão pelos juízes… haja tempo e lá chegará….ou vice-versa.

25 novembro 2014

Ainda os ricos espertos

Depois do escândalo (pseudo) fiscal luxemburguês a que me referi atrás, há naturalmente muitas pressões sobre o Sr Juncker, questionando a sua legitimidade. Ele argumenta que no seu programa está precisamente combater as evasões e as fraudas fiscais na Europa. Lembrei-me do outro do filme, que após passar meia vida a falsificar notas, mudou-se para a polícia para os ajudar a apanhar falsários. Provavelmente o Sr Juncker terá um enorme conhecimento técnico para realizar esse trabalho, mas precisa de algo mais: autoridade e reconhecimento.

Enquantos os eurofóbicos fustigam o novo presidente, e com razão, os do sistema pedem para seguir em frente. Não é o escalpe dele que resolve o problema e uma queda do novo executivo provocaria um atraso de meses no plano de investimentos que a Europa tanto necessita. Esquecem-se de uma coisa: o pragmatismo não pode matar os princípios. À força de repetirem “é circular, não se passa nada”, acabarão por reduzir a nada a sua credibilidade. Depois, não se queixem nem chorem quando os “Le Pen” e afins ganharem eleições. Sobretudo, nessa altura não evoquem (falta de) princípios porque será caricato.

24 novembro 2014

Presunção de injustiça?

José Sócrates desperta paixões. Para as negativas é motivo de júbilo ele ter sido detido; para as positivas é um choque e impõe-se uma relativização/teoria da conspiração e até uma certa “presunção de injustiça”. No entanto, quem já foi passar um simples fim-de-semana a Paris, questiona-se certamente como um ex-servidor do Estado pode ter ou obter fundos para viver lá um ano inteiro como ele viveu.

As reações oficiais, responsáveis, apontam para a necessidade de separar a justiça da política e está certo, mas talvez apenas por agora … Ou Sócrates está/sai inocente, ou o problema pode chegar à política, sobretudo se se provar que a origem dos fundos em causa está dalguma forma relacionada com as suas anteriores funções de ministro e primeiro-ministro. Pior ainda será se ficar evidenciado que estes fundos tresmalhados não constituem um caso pontual mas sim sistémico.

A prudência oficial dos outros quadrantes políticos pode ter mais a ver com os vidros nos telhados do que com os “princípios”. Neste momento quero acreditar que a justiça tem fortes razões para agir como agiu e que algumas televisões terem estado no aeroporto será efeito de bufaria individual e não institucional. Não sabemos detalhes nem temos que os saber hoje, mas insinuar ou afirmar que não havia necessidade de o deter é, no mínimo, pouco fundamentado.

21 novembro 2014

DDT ou PDT?

Chamar a Ricardo Salgado “Dono Disto Tudo” era um grande exagero. Os activos geridos por ele, se bem que com algum significado, estavam muito longe de serem “isto tudo”. Aliás, entre o que o GES geria e o que tinha mesmo, ia uma diferença muito grande, graças ao efeito de alavanca das participações em cascata. Se eu tiver 51% de A, quem tem 51% de B, que tem 51% de C, eu controlo C, apesar de no fundo não possuir mais do que o equivalente a 13% seu capital (0,51 x 0,51 x 0,51).

Uma expressão melhor adequada seria PDT : “Patrão Deles Todos”. De facto, Ricardo Salgado não era dono do país. “Apenas” mandava nos seus mandatários. No fundo, era também uma espécie alavancagem. Não é preciso ser dono do país, basta mandar em quem nele manda. A coutada do GES albergava e alimentava uma boa parte dos políticos passados, actuais e mesmo futuros.

A história o dirá, mas esta falência do país e consequente intervenção da troika, para lá de tudo que já se sabe e se berra, terá tido um efeito positivo. Não há dinheiro, não há vícios. O PDT deixou de ter dinheiro para os pagar a eles todos. Durante algum tempo ainda aspirou tudo que podia da PT, bem alavancada, e escandalosamente saqueou as poupanças de muito boa gente, para quem um banco e uma família centenária de banqueiros eram um garante de seriedade. Veremos como ficará tudo no fim.

Sou optimista e quero acreditar que algo mais limpo será.

20 novembro 2014

Rio infinito?


Muitas bandas musicais, assim como outros criadores, vivem um ciclo em que, depois de atingirem um pico, se transfiguram e degradam, seja por alteração da sua composição, seja por esgotamento criativo. A partir desse momento, passam a ser “outra coisa”, mesmo mantendo o nome.

Na semana em que se celebraram os 40 anos do lançamento do “The Lamb Lies Down Broadway”, o trabalho pico dos Genesis, talvez o mais brilhante grupo de rock sinfónico dos anos 70, os Pink Floyd estão no top das vendas com o novo álbum “Endless River”. Estes tiverem o seu pico um pouco mais tarde, com o “The Wall” de 1979 e no recente trabalho estão apenas 3 dos 5 músicos originais. Um grande desafio, portanto.

Este novo álbum não é mau … nem bom. Não busca novos caminhos, pelo contrário, cheira muito forte aos Pink Floyd dos tempos áureos - recorda e sem fazer esquecer. É como um prato aquecido. Não tem o vigor e o fulgor do cozinhado fresco, mas sabe bem recordar o sabor fantástico original. Fica a questão: será que o álbum representa algo para quem não se apaixonou e empolgou com um “Comfortably Numb”, só para citar um exemplo? Provavelmente não.

Uma coisa é certa. Após ter ouvido os novos temas tive um impulso irresistível de ir buscar o “The Wall”. E outra coisa também é certa para mim: o rock sinfónico dos anos 70 tem já um lugar destacado na (minha) história da música e não estou a ver nada posterior nessa área nem de perto ao mesmo nível, nem de perto... “Hey you…. Is there anybody out there… ?”

18 novembro 2014

A estranha tranquilidade de Putin

Na recente cimeira do G20 na Austrália, Putin afirmou tranquilamente que a Rússia não iria retirar do leste da Ucrânia, simplesmente porque não estava lá. Eu não entendo a sua tranquilidade!

Então, há um movimento enorme de forças militares atravessando a fronteira entre os dois países e a Rússia não tem nada a ver com isso? Quem terá então? Há destroços de blindados russos em território ucraniano - como foram lá parar? Há soldados russos a colocarem fotografias nas redes sociais, localizados na Ucrânia - quem os enviou para lá? Há submarinos a falar russo nas costas da Suécia, mas o kremlin ignora-os.

Isto tudo a acontecer sem o conhecimento e o controlo do Sr Putin, deveria ser muito preocupante para ele. Ou há outro país na região a usar impunemente meios militares russos, ou há dissidentes a agir fora do controlo de Moscovo. Não entendo mesmo como Putin pode estar tranquilo!!

17 novembro 2014

Empresas da teia


Sim, tenho uns morangueiros nas traseiras da minha casa, mas nunca deram morangos, acho até que já morreram. Pode-se falar assim da horta, mas dificilmente se entende que alguém se refira desta forma à sua participação numa empresa. Para começar, uma participação não vem tipo oferta do detergente da roupa. Tem um valor que o próprio pagou ou alguém pagou por ele, não há participações grátis. Depois, ser sócio de uma empresa implica responsabilidades e algum risco. Por prudência básica seria previsível que os sócios acompanhassem minimamente a gestão da “sua” empresa, para não se depararem um dia com surpresas desagradáveis.

Uma empresa, mesmo sem actividade comercial, continua a ter obrigações fiscais e sociais, não se extingue por morte natural. Há uma formalidade a seguir e estranho será que os donos não estejam a par. Um sócio desconhecer o estado da sua participação, no mínimo não é muito responsável.

O escândalo de corrupção em volta dos vistos gold escandaliza por ser uma teia e uma teia criminosa a um nível muito elevado. Marques Mendes tinha um ponto de contacto com essa teia e em vez de manifestar surpresa e vontade de se afastar, acha mais importante dizer que não ganhou nada nessa empresa. A ideia que fica é tratar-se de uma teia difícil de quebrar.

16 novembro 2014

A Força da Razão


Última publicação aqui.

Colecção aqui.

Nota; Há um ponto de contacto entre uma parte da narrativa e alguns acontecimentos recentes, Ela já estava estruturada e parcialmente escrita antes de esses acontecimentos serem notícia. Tentei desligar um pouco o contexto, mas enfim.. fica assim

12 novembro 2014

Torre de Ucanha para Lisboa



Sobre o rio Varosa, em Ucanha, no concelho de Tarouca, existe uma ponte fortificada que simboliza, entre outras coisas, o tempo em que os senhores da terra podiam livremente arbitrar um valor a cobrar a quem entrasse nos seus domínios. Lembrei-me deste monumento a propósito das taxas “turísticas”, anunciadas para Lisboa.

Vamos por partes…

É um valor pequeno? O valor pedido pelos arrumadores também é pequeno, mas é irritante ter de o pagar quando não achamos justo nem devido. O objectivo é taxar todos os turistas que entram em Lisboa? E os turistas que chegam ao aeroporto de Lisboa para outros concelhos limítrofes e até outros pontos do país, pagam por igual? Quantas pessoas vão a Lisboa sem serem turistas, muitas vezes em consequência directa e indirecta de aí estar instalada a capital do país? Não será isto por si só já uma grande fonte de rendimentos para o município? Os turistas que entram por estrada ou comboio estão dispensados? Não se aplica a quem chegar ao aeroporto de Lisboa em trânsito, mas não há apenas ligações ar-ar. Será justo cobrá-lo a quem desembarca em Lisboa para seguir viagem em comboio ou em estrada e da cidade apenas ver uns escassos quilómetros?

Sobre a aplicação prática. Nalguns países, os estrangeiros à chegada são obrigados a comprarem um selo-taxa para colar no passaporte. É esse o nosso modelo? Teremos funcionários com caixas-mealheiro ao pescoço no aeroporto, controlando a residência dos viajantes? Seria relativamente simples aumentar em 1 euro as taxas de aeroporto existentes. Infelizmente até nem se notaria muito, mas como gerir a excepção dos residentes de Lisboa é que complica. Será que para um valor pequeno e alguma complexidade de aplicação iremos ter custos administrativos a absorver uma boa parte do montante recebido? Provavelmente nada de muito chocante para uma burocrática capital.

Sugestões. Para obter receita dos verdadeiros turistas, criem e vendam produtos a explorar a imagem da cidade. Eles comprarão e até ficarão contentes. Para equilibrar as contas do município dispensem metade, para começar apenas metade, de todas as pessoas que por lá andam sem nada fazer.

10 novembro 2014

Merkelite e Merkelfobia

Alguns factos: existem muitos cursos superiores em Portugal a formarem pessoas em número largamente acima ao do seu mercado de trabalho potencial; para muitas funções não se encontram quadros com a formação necessária e têm de ser as empresas a assumi-lo, de forma mais ou menos estruturada, mais ou menos eficaz; certas grandes empresas, algumas alemãs, têm centros de formação profissional com um grande sucesso quanto à colocação dos formandos no mercado de trabalho.

Tudo isto é conhecido, dito e repetido cá na terra. Que venha um estrangeiro comentá-lo, e concretamente a maléfica Sra Merkel, isso ninguém aceita, é quase um atentado à soberania nacional. Não tenho nenhuma simpatia especial pela senhora, mas não me parece que a sua intenção fosse decretar que os portugueses não deveriam passar de profissões de baixas qualificações. É óbvio que a economia não necessita apenas de “doutores e engenheiros”, como também é certo que a Alemanha, nesse e noutros campos, tem mais sucesso do que nós.

A reacção exacerbada é típica de terceiro-mundista complexado. Seria mais interessante aproveitar a oportunidade para reflectir com mais profundidade e subtileza. Encerrar o assunto na simples métrica da percentagem da população com formação superior é pouco relevante, como a prática o confirma. Quanto aos malefícios que sofremos do país da maldita senhora, eu gostaria muito, mas mesmo muito, que existisse na Europa outro país idêntico, que tivesse cá outras Autoeuropa, Bosch, Continental e só para citar algumas.

08 novembro 2014

O Olhar Certo

Passou-me à frente dos olhos uma coisa de coluna social, a propósito do novo aspecto da actriz que representou Bridget Jones. O rosto aparece gasto, sem frescura, aparentemente fruto de tentativas de rejuvenescimento mal sucedidas.

Não conheço os detalhes, nem sinto necessidade de saber o que aconteceu exactamente a Renée Zellweger, mas lembrei-me de algo que ocorre numa certa idade, talvez mais com mulheres do que com homens. Olha-se ao espelho e não se gosta do que se vê. Vem daí uma urgência de decretar uma luta feroz pela linha, contra as marcas. Se um certo cuidado é naturalmente importante e são, a luta contra o tempo está à partida sempre perdida e até pode levar à perdição.

Apetece-me dizer o seguinte: o que torna uma mulher interessante é o olhar. Esse olhar não é sensível a calorias, não melhora nos ginásios, nem piora com a idade. Muito pelo contrário. Um olhar interessante é o que está aberto e virado para o mundo, para o que se viveu e se tem por viver. Não é o olhar fixo no espelho, longe disso.

PS: E concordo com a Keira Knightley, não precisa de fazer nada, está bem assim! :)

07 novembro 2014

Ricos espertos

Tenho para mim que grande riqueza conseguida de forma fácil, com pouco esforço, tem valores que a integridade desconhece. A prosperidade do pequeno Luxemburgo é um caso assim. São ricos por esconderem e guardaram activos com discrição e segurança. Uma espécie de cofre-forte à prova de ladrões, fiscais das finanças e até mesmo polícia. Que um país isolado como o Liechtenstein o faça pode ficar-lhe mal, mas tem a sua soberania. Se alemães, ou outros, vão lá abrigar a sua fortuna, o Estado alemão que se ponha em campo.

A Europa não tem, nem parece vir a ter tão cedo, uma harmonização fiscal, mas é evidente que os cantinhos abrigados são moralmente condenáveis e há pressões justas para acabar com isso, sejam eles na Madeira ou as ilhas inglesas do canal da Mancha. O que se soube esta semana sobre o Luxemburgo é de uma gravidade incrível. O seu governo negociava com empresas, incluindo europeias, acordos fiscais secretos. Ou seja, uma empresa francesa, por exemplo, em vez de declarar o seu lucro na sua sede real e aí pagar impostos, fazia um desvio pelo vizinho para pagar simplesmente 1% ou até menos. Podem os luxemburgueses dizerem que não é ilegal, mas é imoral. É uma verdadeira sacanice e pelas costas!

Se as instituições europeias pressionam a Irlanda por publicamente acordarem apenas 10% de IRC a empresas que lá se instalam industrialmente, que dirão destes 1% secretos, para simples caixas de correio, sem nenhuma actividade económica real local? O Sr Juncker, recentemente empossado presidente da comissão europeia, tendo sido primeiro-ministro do Grão-ducado e certamente parte activa e informada nesses acordos, que moral e autoridade tem ele para liderar a Europa? Eu acho que nenhuma, mas mesmo nenhuma.

06 novembro 2014

Tinha que meter Deus?

Tim Cook, o CEO da Apple, veio corajosamente assumir em público a sua homossexualidade. Como estamos nos EUA onde há o mau hábito de invocar o divino por tudo e por nada, resolveu acrescentar isso ser um dom, dos maiores que Deus lhe tinha dado. Ora, eu acho este complemento muito infeliz. E sem sequer entrar pelo caminho de que se Deus tivesse dado um dom idêntico ao seu pai, provavelmente ele não teria nascido... mas isto é terreno que não quero pisar agora.


Ele fala como CEO de uma enorme empresa, das maiores no mundo, e certamente para chegar onde chegou terá muitos e variados méritos e dons, seguramente muito mais relevantes do que a “simples” orientação sexual. Depois, imaginemos que uma celebridade diz: “Agradeço a Deus ser heterossexual, foi um grande favor que ele me fez!”. Levantaria imediatamente um coro de protestos indignados, com meio mundo chocado e a exigir logo o escalpe moral e ético do individuo. O que Tim Cook disse foi mais ou menos isso …  

05 novembro 2014

Tristeza

Dentro dos defeitos e contra efeitos das colonizações, julgo existir uma particularidade na nossa. Como me dizia em tempos um belga conhecedor das Áfricas: Os portugueses, donde saem, deixam amigos. O relacionamento pessoal estabelecido com os locais tinha, segundo ele, um nível de proximidade, muito diferente do dos restantes europeus.

Em 1974 pouca gente em Portugal sabia bem onde ficava Timor Leste, mas a mobilização posterior contra a ocupação indonésia foi enorme e genuinamente solidária. Dentro das suas limitações Portugal ajudou a estruturar o novo país, quando este era pobre e de uma forma materialmente desinteressada.

Aparentemente Timor já sofre da maldição do petróleo. Até se pode entender que lhes seja desconfortável verem estrangeiros a investigarem e a julgarem notáveis locais. O que não se entende mesmo é a palavra expulsão e as 48 horas. Esta urgência dificilmente justificável é uma grande infelicidade / falta de jeito de quem a decreta e acaba por, indirectamente, esclarecer o fundo da questão. O povo timorense merecia melhor.

04 novembro 2014

Medo e ébola


Quando vivia na Argélia e me pediam uma avaliação do risco do país, costumava dizer: há uma actividade terrorista residual, em zonas geográficas bem determinadas. Sem estatísticas muito precisas, não provocará mais de uma dúzia de mortos por mês, quase exclusivamente membros de forças de segurança e apenas nessas zonas. Em contrapartida, na estrada morrem em média 12 pessoas todos os dias e por todo o país. Apesar de objectivamente o risco da estrada ser muitíssimo mais elevado e generalizado do que o terrorismo, este último era/é precepcionado com mais intensidade por quem lá vai. Porquê? Porque temos sempre mais medo daquilo que conhecemos mal e que julgamos não dominar.

Actualmente, passo cerca de 4 vezes por mês no aeroporto de Casablanca que tem várias ligações diárias com os países da áfrica ocidental onde o ébola anda descontrolado. Certamente corro algum risco, mas provavelmente inferior ao de escorregar na banheira e, obviamente, nem eu nem ninguém deixa de tomar banho por isso. Achamos que a “necessidade” do banho se sobrepõe ao risco associado.

Este assumir correr riscos não está apenas associado a aspectos utilitários ou necessidades básicas. O nosso quotidiano está cheio de riscos e viver plenamente passa por encará-los e saber como os enfrentar. É muito estúpido menosprezar o risco, como também é estúpido reagir desproporcionadamente. O medo irracional é uma enorme restrição à qualidade de vida. O problema está, como em tantas coisas, na ignorância. Se há tanta dificuldade em controlar a epidemia na áfrica ocidental, isso tem muito a ver com a ignorância. É muito difícil ter sucesso quando acontecem coisas como a de agosto passado, quando uma multidão atacou e “libertou” os infectados isolados num centro de quarentena em Monróvia…

Certo, mesmo certo, é que o céu não nos cairá em cima da cabeça, mas, mesmo assim, há quem tenha medo disso.