30 março 2015

O homem ou a máquina?

No recente acidente do avião da Germanwings foi possível pressentir com alguma antecedência que iria acabar mal. Existindo tanta tecnologia disponível para monitorização e telecomando, fará sentido que se deixe ir assim um avião contra uma montanha. Deveria um sistema informático local ou remoto sobrepor-se ao piloto? Pensemos numa deriva destas a ocorrer nas proximidades de uma grande metrópole … Para lá das questões de segurança adicionais que tal possibilidade levanta, fica a questão de quem deve primar: o homem ou a máquina?

Curiosamente, o avião em que isto ocorreu, o Airbus A320, até constituiu um marco histórico neste campo. Lançado em 1988, foi pioneiro no chamado “fly by wire” em aviões comerciais. O “manche” perdeu a ligação mecânica com os lemes e passou a ser um simples manípulo (tipo joystick). A sua sofisticação até deu alguns sustos iniciais, quando erros de instrumentação e programação, levaram o computador a contrair o piloto, para “proteger” o avião. Muitos se recordarão do voo de demonstração em Mulhouse, quando um A320 entrou pela floresta dentro em vez de subir (imagem junta).

Automatismos generalizados, podem ainda ter um efeito nocivo de dessensibilização, como no voo Rio-Paris, que em 2009 se despenhou no Atlântico. Um erro num sensor de velocidade baralhou os automatismos. Durante largos minutos os pilotos perdidos não foram capazes de entender o que se passava e deixaram o avião despenhar-se no Atlântico. Se tivessem um pouco mais de sensibilidade de voo e menos o hábito de seguir cegamente o computador, teria sido extraordinariamente simples evitar a tragédia.

O homem é indispensável. A máquina incorpora as regras da experiência, mas, face ao imprevisto, o ser humano é insubstituível. Pode é o exemplar em causa nem sempre ser o ideal.

27 março 2015

Cofres cheios e palavras ocas

A ministra das finanças disse que o país tem os cofres cheios. É uma frase que pode chocar quem passa dificuldades e vê um horizonte negro para sim e para os seus. António Costa que penosamente vê a data das eleições cada vez mais longínqua, resolveu “cavalgar o sentimento”. Como começa a ser hábito não se entendeu muito bem se contestou o nível real dos cofres, ou os critérios do seu esvaziamento. Para não ficar atrás, Carlos César, também veio dar ideias peregrinas sobre a forma de os esvaziar. O que Maria Luís Albuquerque quis dizer é que temos capacidade de honrar os nossos compromissos num dado horizonte, não correndo o risco de ficar com uma “mão à frente – outra atrás” a curto prazo. No entanto, manter-se-á ainda em 2015 um défice nas contas públicas, ou seja, a dívida pública vai continuar a subir!

Se a responsabilidade da recente pré-falência do país não incumbe exclusivamente ao PS, era ele quem estava de serviço no turno em que o acidente ocorreu. António Costa não pode ignorar isso e, como candidato a primeiro-ministro responsável, não deveria embarcar nestas manipulações grosseiras de confundir garantia de tesouraria a curto prazo com disponibilidade de fundos para distribuir. Gastar hoje o que temos hoje na carteira é leviano e catastrófico, como qualquer cidadão que saiba fazer contas na vida concordará. Fazer politiquice com a imagem dos “cofres cheios” é ignorância e/ou irresponsabilidade. E lá ficaram as eleições um pouco mais longe, ainda...!

26 março 2015

German Wings GWI9525

Desceu durante 8 minutos de uma forma “suave”. Segundo os peritos pouco compatível com um modo de piloto automático, compatível com ser pilotado manualmente, mas quem faz descer um avião tranquilamente até bater numa montanha e sem responder às mensagens e avisos do controlo de tráfego?

O piloto ter-se-ia antes ausentado do cockpit e não conseguiu regressar. Estava cá fora aos murros à porta enquanto o avião descia. Poderia o co-piloto ter tido uma indisposição e não aberto a porta? Para isso há um código e dificilmente se explicaria que sem ninguém aos comandos o avião fizesse a trajectória que fez: controlada e inexplicável.

O co-piloto pode ter deliberadamente trancado a porta e conscientemente apontado o avião à montanha… para morrer?!

De recordar que o Airbus A320 é um avião relativamente pequeno, donde que provavelmente todos os passageiros assistiram horrorizados à cena: ver o avião aproximar-se do solo e o piloto aos murros à porta!!! Do ponto de vista estatístico, a probabilidade de algo idêntico voltar a acontecer a curto prazo é muito baixa.

Expressões - longe


24 março 2015

23 março 2015

Não quero ser VIP, mas…

As trapalhadas em torno da lista “VIP” das finanças ficarão, como é hábito, em fumo, fumaça, frases feitas, bocas, piadas e bicadas. Reflectindo um pouco sobre o fundo da questão: no mundo actual deixamos registo e rasto de tudo o que fazemos; se juntarmos uma certa tendência coscuvilheira de tantos e, para os mediaticamente expostos, a sede de estórias da comunicação social, podemos estar a caminho de uma sociedade irrespirável.

Não sou nem quero ser VIP, mas não gostaria que alguém no meu banco andasse a registar e a divulgar quanto e onde gasto, passo a passo; também não gostaria de ver em local público o registo das minhas passagens de via verde e das minhas chamadas telefónicas. Não por ter algo a esconder, mas pelo simples princípio de que a minha qualidade de vida passa por não ver a minha vida assim devassada.

Estas questões não se restringem, no entanto, à cusquice básica. Ninguém gostará que a sua actividade profissional seja seguida e disponibilizada aos seus concorrentes… Informação é poder. Se alguém souber mais sobre mim do que vice-versa, fico em desvantagem.

Tanta coisa de que eu não gostaria, tendo todo o direito a não gostar e para as quais as garantias parecem tão fracas. Da mesma forma como existe a figura de “pessoa politicamente exposta”, obrigando os bancos a procedimentos mais apertados, não me choca existir uma lista de pessoas mediaticamente mais expostas, eventualmente a necessitarem de mais protecção. Bastava ser claro no objectivo, no âmbito e não cair em trapalhadas… e, no fim, é bom recordar que o problema existe.

17 março 2015

Sem partilha

Duma época em que era uma luta conseguir ter dois computadores a partilharem a mesma impressora, passamos a um tempo onde o simples ligar um telemóvel ao pc pode desencadear o envio automático de fotografias, e sabe-se lá que mais, para um servidor nubloso, que nem sabemos bem o que é nem onde está.


A facilidade e a banalização da circulação da informação significa que os nossos dados estão tão resguardados como o interior de uma casa com paredes de vidro. Muitas vezes não temos a noção disso, mas o conteúdo dos nossos computadores é quase público. Basta alguém querer e ter um pouco de jeito.

Daí, aquelas teorias da conspiração duma entidade encomendar uma impressora, uns serviços secretos interceptarem a entrega, inserirem lá uma “coisa” e esta depois enviar para o quartel- general do inimigo cópia de todos os documentos impressos. Ou, noutra escala, o querido oferece à querida (ou vice-versa) um telemóvel armadilhado com um programinha que lhe envia cópia de todos os sms trocados pela cara-metade…

Dizem haver serviços sensíveis que encomendam máquinas de escrever mecânicas, das antigas, para terem a certeza absoluta que não saem cópias não autorizadas. Não tenho a certeza de ser necessário ser tão radical, mas aparentemente as máquinas mecânicas estão a vender bem (melhor do que antes). Para lá do charme da nostalgia, há outro argumento curioso. No PC escrevemos numa janela e temos outras abertas por trás, que nos enviam sinais e com as quais facilmente dividimos a nossa atenção. Na máquina mecânica há uma relação exclusiva com o papel, sem distrações. Não sei o que é mais difícil, evitar cópias não autorizadas ou conseguir atenção exclusiva, mas estou convencido que este mundo que nos solicita a atenção/distrai a toda a hora e nos desconcentra está a operar uma mudança comportamental e de alteração de aptidões preocupante. Há trabalhos onde é mesmo necessário ter concentração exclusiva e há quem já não o consiga.

16 março 2015

Uma derrota do EI

O auto designado Estado Islâmico (EI) ficou danado por lhe terem cancelado recentemente muitas das suas contas no twitter. A frustração por eles sentida, e as ameaças subsequentes, são uma revelação da incoerência oportunista destes movimentos e de uma sua fraqueza fundamental.


Por exemplo, a própria designação do “Boko Haram” da Nigéria significa que os livros (books) ocidentais são pecaminosos (haram). Daí atacarem escolas e especialmente se incluírem estudantes femininas. Se são tão radicais quanto aos malefícios do ocidente, poderiam, coerentemente, recusar meios de deslocação, de comunicação e tantas outras coisas concebidas e fabricadas em terra de pecado (às tantas, até com a participação de mulheres educadas!). Já agora, não seria pior se evitassem também as armas e apenas por humanismo não acrescento tudo o que está relacionado com os cuidados de saúde. Escrevo isto sem sobranceria porque o meu país nem sequer é um grande actor nestes teatros.

Ou seja, a luta que os islamitas fazem contra os “pecadores” não dispensa os meios que estes criaram e é óbvio que o seu radicalismo pouco criará. Muitas guerras foram ganhas com cercos, não em batalha aberta. Se o cerco físico ao EI não está a resultar e eles continuam a vender petróleo e a poderem comprar tudo o que precisam, ao menos que funcione o cerco à propaganda, intimidação, provocação e recrutamento.

14 março 2015

F1, onde, há 25 anos?

Amanhã começa o campeonato do mundo de F1, sob algumas nuvens negras. O acidento dos treinos de Alonso que não se sabe explicar; as trapalhadas contratuais na Sauber e, mais importante, as dúvidas sobre a realização do GP da Alemanha e as sérias dificuldades financeiras de muitas equipas.

Recuei 25 anos. Não para comparar Senna, Prost e Piquet com Vettel, Hamilton e Alonso, nem especular sobre o que trazem e tiram da condução as ajudas electrónicas. Fui apenas ver os locais e os continentes das provas. Temos mais provas, menos na Europa e muitas mais na Ásia. Até já se diz que para o ano o Qatar também terá a sua corrida, apesar de estar ali mesmo ao lado do Bahrein e de Abu Dhabi! Só que a fórmula 1 vive de público ao vivo e não de transmissões em canais pagos. Apenas assisti a um GP ao vivo, mas foi uma experiência inesquecível e empolgante. O dinheiro para fazer circuitos e comprar provas também conta, mas, por muito que seja, não chega. Qual o resultado de, eventualmente, trocar Monza por Dubai ou Spa por Muscat? Seria matar a modalidade e parece-me que já vamos nesse caminho…

11 março 2015

A não fotografia do ano


Ainda não são 8 horas da manhã e rolo há mais de uma hora na estrada Rabat – Beni Mellal, quase sempre sob nevoeiro, daqueles que tornam difícil qualquer ultrapassagem, por mais longas que sejam as rectas. Alguns quilómetros antes de Romani, anuncia-se uma mudança. O Sol quer romper e ainda bastante horizontal.

À minha frente ilumina-se um pano de fundo branco e brilhante. Como se se tivesse aberto uma janela a toda a altura e largura do cenário, jorrando uma luz intensa, dando um aspecto fantasmagórico ao contraluz das arvores na berma da estrada.

O mais impressionante está para vir a seguir. Um grupo de gente a trabalhar no campo, curvados, de frente para a parede de luz. Parece uma celebração. Atónito, abrando, apreciando aquela visão incrível, para desespero do “grand táxi” colado atrás de mim, já antes irritado pela minha velocidade no nevoeiro. Saboreio a imagem e penso: que fotografia fantástica isto dava…!

Rolo mais umas centenas de metros, pressionado pelo “grand táxi”, pensando se volto mesmo para trás ou não, para o registo precioso. Não voltei e ganhei o lamento de ter perdido a fotografia do ano… Fiquei com a imagem gravada e acrescentei-lhe uma mensagem: nem tudo na vida necessita de ser fisicamente registado. A beleza indiscutível dispensa registos obsessivos: basta a sua recordação na nossa memória.

09 março 2015

Microcultura ou demasiada pouca coisa?

“Que ficará da microcultura?”. Era o título de um artigo que li há uns tempos e que me ficou a ecoar … falava de microteatro, microrelatos, micropoetas e outras formas de expressão minimalistas… As frases curtas, expressivas e significativas não são uma novidade. Há uma variedade enorme e interessantíssima de aforismos com várias origens, desde os simples ditados populares até às citações de Confúcio, passando pelas “frases célebres de pessoas famosas”… muito anteriores ao tempo do twitter.

O curto e conciso pode ser uma forma muito eficaz de transmitir uma ideia, expressar uma emoção… de criar. A interrogação que fica, e o problema que coloco, é se não estaremos a evoluir para um tempo em que não teremos paciência para ouvir uma sinfonia completa, assistir a mais de 15 minutos de teatro ou ler mais do que uns “tweets”. Vivemos assediados por informação, solicitações e ruidosas banalidades, num excesso difícil de gerir. Por vezes comportamo-nos como se, face a uma mesa farta, provássemos de um prato, mas, ao ver outro ao lado, cuspíssemos o que já tínhamos na boca, para passar ao seguinte e continuar... Tocando em tudo e não saboreando a sério nada. Quantos podemos ou conseguimos passar uma hora em concentração exclusiva num livro, por exemplo, sem interrupção, sem recebermos ou procurarmos uma interacção qualquer com o exterior?

A “cultura do rápido” como complementar é interessante, como exclusiva é perigosa. Porque há mais mundo para lá dos aforismos.

06 março 2015

O carro


Numa daquelas avaliações sempre subjectivas, o automóvel é um sério candidato ao título de produto industrial socialmente mais marcante do século XX. No XXI, para já, os louros vão para o smartphone.

Reportando-me aos anos 80, a década em que comecei a trabalhar (e a poder pedir na bomba de gasolina, com autoridade: “Cheio!”), “ter carro” era um equivalente e condição de autonomia. Aparentemente nos tempos actuais o “ter carro” já não é tão significativo. A nova geração “viaja e socializa” muito sem sair do quarto. É um fenómeno que está a ser estudado pelos grandes fabricantes, tentando tornar os seus produtos mais apelativos e mais “necessários” às novas gerações.

Neste contexto as “brincadeiras” dos veículos autónomos da Google (aparentemente só pensou na funcionalidade) e da Apple (aparentemente a pensar mais no design) podem constituir uma ameaça enorme para os fabricantes tradicionais. Da mesma forma como a Nokia “morreu” com a chegada dos smartphones, pode acontecer algo idêntico por aqui?

São contextos muito diferentes, mas quando a Mercedes afirma não ter medo dessa nova concorrência, poderá estar a dizê-lo com convicção, mas revela analisar o assunto.

Agora… coisa prática… pode ser super cómodo andar numa espécie de Google car a tweetar e a likar, com a máquina a avisar-nos das lojas e serviços que nos podem interessar ali ao dobrar de cada esquina; pode ser super cool ter uma espécie de i car, mas não acredito que nenhum deles dê o prazer de conduzir do meu Uno 45s fire. Tinha apenas 45 cavalos e não avisava de mais nada senão de que o depósito estava na reserva, mas era um grande gozo conduzi-lo… ! Outros tempos, outros valores e outros prazeres.

03 março 2015

Numa origem do mal

Andava meio mundo entretido a comentar o cachecol do Sr Varoufakis e outro meio a inventar anedotas envolvendo as rodas da cadeira do Sr Schauble, que quase nem se prestou atenção às revelações do “Swissleaks”. Hoje o assunto tem menos visibilidade, já perdeu o efeito de novidade, mas vale a pena voltar ao tema.

Trata-se da revelação de uma fraude fiscal de 180 mil milhões de euros que a filial suíça do banco inglês HSBC proporcionou a 100 mil clientes. A lista divulgada reporta-se a 2006/2007, altura em que os dados foram “roubados” por um informático. Desde 2010 que ela circula reservadamente por polícias, responsáveis políticos e inspectores fiscais de vários países, sem, no entanto, suscitar muito entusiasmo ou ações concretas. Apenas agora, devido a um trabalho de investigação jornalística, vieram a público detalhes e nomes de envolvidos. Gente que fugiu aos impostos, muitos deles de países com contas públicas deficitárias e a precisarem de reduzir pensões e outras prestações socialmente sensíveis. Não deixa de ser curioso que quando se contam os tostões dos orçamentos de estado e se escrutinam as contribuições de cada país para os “resgates”, estes milhões fiscalmente tresmalhados pareçam ser um detalhe de somenos importância.

Preocupante ainda é o HSBC assumir não colocar publicidade em meios de comunicação “hostis”. No “Daily Telegraph” um jornalista de referência já se demitiu em protesto contra o facto de o jornal ter minimizado a cobertura do caso, para não perder receitas de publicidade. Não consigo entender como todos os protestos da opinião pública se concentram no senhor Schauble. Se são mesmo contra os “mercados” e o “capital malvado”, sejam coerentes e ataquem uma das principais origens do mal.