21 dezembro 2018

Falta de cor


Quis o azar ou a sorte que eu precisasse mesmo de ir à capital no ameaçador dia dos coletes amarelos, tradução literal de “gilets jaunes”. Na dúvida e por não poder falhar, acrescentei uma hora ao tempo previsto de viagem.

O primeiro contacto com a (não) realidade foi nas portagens de Alverca. Aí estavam umas (4?) viaturas da GNR, mais outras tantas da televisão, prontas para os diretos… e de amarelo ninguém. Se paro, enfio um colete e vou para lá mandar umas bocas, apareço nas televisões todas, sem dúvida. Não o fiz e perdi os meus três minutos de fama, que seriam tão, tão fáceis de obter. De facto, demasiado fáceis.

Esta caricata mobilização é em parte a imagem do que somos e do que não somos. A vitalidade (e a violência) com que os "gilets jaunes" saíram à rua em França durante semanas consecutivas fez muitos acreditarem que poderíamos fazer por cá uma coisa parecida, à la francesa.

Acreditaram as forças de segurança que mobilizaram muito para lá do necessário, antes assim do que ao contrário, mas o desvio foi enorme, e acreditaram excitados uma boa parte do pessoal que tem acesso a microfone público. Uau ! Vamos ter coletes amarelos e fazer vergar o governo…

Obviamente que não nos faltaram razões e motivos para manifestar o “ras le bol” com a trupe que nos governa e mesmo com a que se candidata a nos querer governar. Como é óbvio não é importando uma forma ou uma cor que a coisa funciona… muito menos às três pancadas, como aqui andaram à toa os organizadores, as forças de segurança e os altifalantes.

Assim seremos…? Um pouco infantis?

20 dezembro 2018

E porque não se calam?


Já referi aqui atrás a bacoca autossatisfação do Secretário de Estado sobre a conformidade legal da ação da proteção civil, na operação de socorro ao helicóptero do Inem acidentado, cujos destroços e vítimas esperaram 6 horas para serem encontrados. Para não ficar atrás, o Ministro da Defesa aproveitou e veio dizer que a intervenção da sua Força Aérea tinha sido impecável. Depois soubemos que a prontidão de 15 minutos do seu helicóptero afinal passou para uma hora, porque o mesmo estava avariado e foi preciso ir buscar o de reserva. Não teve consequências porque o acidente tinha já feito todos os estragos possíveis e a meteorologia nem sequer permitiu a intervenção da Força Aérea. No entanto, chamar a isto “impecável” …

Quem já deve ter aprendido a não fazer declarações simpáticas a quente é o Presidente da República, depois de em Pedrogão ter afirmado num primeiro tempo que tinha sido feito todo o possível. A propósito, o senhor de Tondela, o da fotografia simbólica com o PR, morreu sem recuperar o perdido, eventualmente prometido na altura. Falta de amigos na autarquia, eventualmente.

Entretanto, no Parlamento fala-se de proibir provérbios com animais, coisa importante e de uma nova lei de base para a saúde. E porque não se, em vez de pensarem em novas leis, tentassem fazer funcionar as que existem e se em vez de inventarem novas necessidades, assegurassem a disponibilidade das básicas?

18 dezembro 2018

Onde vivemos?


O local onde o helicóptero do INEM se despenhou no passado sábado fica a cerca de 20 km do centro da cidade do Porto, em linha reta. Foram necessárias mais de 6 horas após a sua queda até serem encontrados os destroços. Isto numa altura em que estamos cercados por GPS, smartphones, redes tantos G e, atendendo à importância de um meio de socorro daquela natureza, mesmo o famoso Siresp.

O que já se conhece evidencia que durante muito tempo, ninguém soube bem o que aconteceu/acontecia e como reagir. Parece óbvio ao comum dos mortais, mesmo não especialista nestes temas, que estas situações têm que ser objeto de procedimentos previamente definidos e com intervenientes cabalmente informados. Não é no momento que alguém vai refletir e pensar: o que é que eu faço agora? No sábado passado, entre montes de siglas e acrónimos, houve uma sequência de comunicações e de faltas das mesmas que, se não foram algo erráticas, parecem.

Ah… está tudo bem. O Secretário de Estado veio logo a seguir afirmar que a operação de socorro tinha decorrido de acordo com todos os normativos legais. Se assim foi e essa lei permite deixar, nos dias de hoje, quatro vítimas abandonadas durante 6 horas a 20 km da segunda cidade do país… É certo que neste caso particular a sorte deles não foi influenciada por essa demora, mas… onde vivemos?


Foto Lusa/Octávio Passos

16 dezembro 2018

Contra os peditórios




Acabo de saber que na próxima vez que pagar a conta numa farmácia, serei convidado a deixar os trocos para financiar as pessoas com dificuldades em suportar o custo dos medicamentes a cargo do utente. Infelizmente existirão muitas pessoas nessa situação e é mais do que justo e humano não perderem acesso aos seus tratamentos.

No entanto, será muito a contragosto que eventualmente deixarei lá os meus trocos. No meu país de hoje, o acesso à saúde, entre outros direitos, não deve depender de um peditório, seja ele num balcão de farmácia, na porta da igreja ou na fila do semáforo.

Numa sociedade moderna e organizada a solidariedade não deve passar por estes canais. É o Estado que a partir de impostos e outras contribuições a deve garantir. E esses eu pago-os todos. Para lá do princípio, estes fundos solidários têm ainda um problema prático que é o rigor e a justiça na sua utilização. Veja-se o caso das reconstruções após os incêndios de Pedrogão.

Obviamente que há prioridades. Enquanto formos governados por quem se preocupa basicamente em comprar votos, onde os principais beneficiados com o “fim da austeridade” são quem mais protesta a pedir mais, em que a fina flor da paróquia, incluindo a senhora que dá a cara na promoção deste peditório, apoiou indecentemente a reeleição de Tomás Correia no Montepio e em que um ex PM sulfuroso continua a bem viver à custa de uma certa caridade… realmente não dá para tudo e é necessário apelar aos bons sentimentos da população, promovendo peditórios.

Não, eu já dei!

12 dezembro 2018

Algo de novo?

Expressões como “aquele tempo era único” ou “hoje vivemos tempos singulares” normalmente traduzem alguma preguiça em procurar semelhanças e paralelismos entre o hoje e o ontem, vistos seja de trás para a frente, seja da frente para trás. Os tempos atuais nunca são, em geral, assim tão singulares. No entanto, fica sempre bem falar em transição…

Temos, por exemplo, a famosa transição energética, que até ficou agarrada a nome de Ministério. E quando se tenta justificar o absurdo de uma taxa de IVA razoável na energia elétrica ser apenas possível para potencias instaladas ridículas… fica bem, pensam eles, dizer que é um incentivo à melhoria da eficiência energética. Em França, quando Emmanuel Macron resolveu aumentar o imposto sobre os combustíveis e justificá-lo como um apoio à transição energética deu no que deu, não apenas por isso, mas foi um bom rastilho.

Temos os nossos caros deputados versão 5.0, para as quais a presença no hemiciclo já passou para o domínio do virtual. Uma transição significativa para a desmaterialização da governação.

Temos a transição de competências técnicas, como a definição do plano nacional de vacinação, para o parlamento, dominado por especialistas, excelentes na capacidade de fazer de conta que estão ou que sabem o que dizem ou que pensam no que fazem e exímios em declarar competências e CV’s para lá dos que a realidade da dura vida político-partidária permite. Fico à espera de ver os deputados definirem e votarem o número de pilares das próximas pontes rodoviárias. A transição para fazerem, desfazerem e refazerem programas de ensino, já foi realizada há bastante tempo e isso parece-me ser potencialmente pior do que o número de pilares nas pontes.

Temos ainda, por esta Europa fora e não só, a transição de votos para partidos de ideologia pouco democrática, basicamente porque o povo é estúpido e imprevisível, já que do lado dos políticos dos partidos tradicionais não houve transição nenhuma. Eles continuam com a falta de seriedade, competência e de frontalidade a que já estamos habituados há muito. Pela lógica, aqui não deveria haver nada de novo… mas há.

21 novembro 2018

Fácil…?



Em julho de 2015 visitei as pedreiras de Borba, no âmbito de um programa específico organizado por uma pequena empresa promotora de turismo cultural.

Foi muito interessante, formativo… e impressionante. Estar ali junto aqueles cortes abismais foi uma experiência inesquecível. Agora, o que não podia e ainda hoje me custa a acreditar, é que tamanhos precipícios não fossem objeto de monitorização cuidada, a ponte de poder fazer ruir uma estrada e causar mortos, mesmo sem ser na ocorrência de um fenómeno natural extremo.

Somos uns otimistas! E alguém será irresponsável, eventualmente.

13 novembro 2018

Touradas, falta muito?

Por estes dias, andou a grande paróquia muito entretida com palpites, acusações, leves insultos, inflamadas injúrias, descarados disparates e outros entretenimentos sobre o tema das touradas. Tudo começou por ter sido decidido um tratamento fiscal menos simpático para o tal espetáculo e a Ministra afirmar de que essa decisão não era uma questão de gosto, mas sim de civilização.

Podemos discutir sobre se é função de uma Ministra, mesmo sendo da cultura, definir o que é ou não aceitável na nossa civilização. Podemos até discordar de ela assumir isoladamente essa definição. Mas também devemos, já agora, aproveitar a oportunidade para seriamente avaliar se esse espetáculo se enquadra nos nossos padrões civilizacionais atuais.

Ainda antes de discutir o futuro, atente-se no presente: Decreto-Lei n 260/2012 – Artigo 68 – 1 — Constituem contraordenações puníveis pelo diretor-geral de Alimentação e Veterinária com coima cujo montante mínimo é de € 25 e o máximo de € 3740: e) O maneio e treino dos animais com brutalidade, nomeadamente as pancadas e os pontapés.

Portanto, dar um pontapé num animal é uma contraordenação punível com coima; espetar-lhes uns ferritos no lombo, já pode estar bem, desde que seja coisa apreciada por gente fina. Ter um macaco a fazer macacadas num circo é um espetáculo inaceitável, proibido recentemente, lidar um touro numa arena até deveria merecer um tratamento fiscal positivamente diferenciado.

Tenham vergonha… a tourada não é coisa desta civilização e é indesculpável e injustificável mantê-la. Falta muito para acabar de vez?

30 outubro 2018

Khashoggi e o resto


Há um sítio argelino de “falsas notícias” muito interessante, o www.el-manchar.com, sendo que, naturalmente, para entender muitas delas é necessário conhecer o contexto do país. Sobre o desaparecimento do jornalista saudita no consulado do seu país em Istambul produziram uma série de provocações primorosamente oportunas e irónicas. Cito alguns exemplos.

“Daesh denúncia um crime bárbaro e acusa a Arábia Saudita de ser a vergonha do terrorismo internacional”

“Morte de Khashoggi: A Arábia Saudita apresenta as suas desculpas e promete a partir de agora apenas matar iemenitas”

“Said Bouteflika: Graças a Deus, Mohamed Tamalt não tinha amigalhaços no Washington Post” O primeiro citado é o todo-poderoso irmão do Presidente da República e o segundo um blogger que morreu na sequência de maltratos numa prisão argelina.

E certamente salutar esta indignação mundial com a sorte de Khashoggi e fazer chegar a quem de direito (torto) a mensagem que não vale tudo. A obstinação da Turquia em encostar o príncipe saudita às cordas não é, obviamente, motivada por questões de princípio. É aproveitar o acontecimento para marcar posição e procurar alterar a relação de forças no xadrez do poder regional.

A indignação, sendo positiva, não chega. É pouco se não for acrescentada a situação de tantos outros crimes por “delito de opinião” de quem não tem amigos nos jornais ocidentais ou nalguma confraria influente. É pouco para parar a desgraça que dura há mais de três anos no Iémen, já suficientemente pobre mesmo sem guerra. Como militarmente não está a ser um sucesso, apesar de todo os milhões gastos em equipamento comprado ao ocidente, a tática da coligação liderada pelos sauditas passou a ser atacar as infraestruturas, mercados, barcos de pesca, cortar a alimentação e vencer pela fome. De recordar que alguma vista grossa face ao crime de Istambul é pragmaticamente justificada pela manutenção dos contratos de fornecimento de armas em curso.

Estima-se existirem no Iémen 400 000 crianças sofrendo de subnutrição severa (como na foto acima da AFP), três em cada quatro pessoas necessitam de ajuda alimentar, mas tudo estará “relativamente” bem, desde que morram apenas iemenitas sem amigos influentes.

10 outubro 2018

Trumpalhou, né?


Parece mais do que certo que o grande país, nosso irmão, irá Trumpalhar. Obviamente que a culpa não é individualmente do personagem Bolsonaro, por muito detestável que possa ser a sua personalidade e os seus princípios. A culpa direta é claramente dos milhões de brasileiros que nele votaram e que muito provavelmente o confirmarão na segunda volta.

Se o crescimento dos populismos é geralmente o resultado de uma saturação e descrença relativamente às propostas mais tradicionais e consensuais, esta evolução no Brasil não deixa nenhuma dúvida a esse respeito. Como pôde o PT não se distanciar dos escândalos de corrupção e tentar posicionar-se em busca de uma limpeza, pelo menos no discurso? Talvez não pudesse mesmo visceralmente de todo fazê-lo, mas entre corruptos consagrados e condenados e um polémico autoritário não serão de estranhar os milhões de votos neste último e a sua provável eleição.

Resultou muito patético, além de obviamente ineficaz, ver gente que da parte da tarde apela ao repúdio de Bolsonaro, cheia de boas intenções, é certo, quando da parte da manhã defende Lula da Silva e o seu sistema, considerando-o um “preso político”.

Portanto, trumpalhou, sim, mas por mais detestável que ele seja, a culpa não é do Bolsonaro, obviamente.

08 outubro 2018

E se fosso pelo outro lado?


O Presidente da Camara de Lisboa lembrou-se de reduzir o preço dos passes sociais à custa dos impostos de todo o país. Como era descaramento a mais, acrescentou-se o Porto à ideia e parece que a coisa vai mesmo passar para o próximo orçamento de Estado. Estou a tentar imaginar o entusiasmo de um transmontano a pedir faturas oficiais com IVA, para assim financiar a mobilidade dos habitantes das grandes metrópoles do litoral.

Ficou por discutir o que poderia ser uma alternativa mais interessante e sustentável: reduzir o custo para os utilizadores a partir da redução e otimização dos custos operacionais. Como se consegue? Com uma gestão competente e séria. Os “gestores” nomeados pelos políticos têm essas qualidades? Pois… não sei.

Um contrato de concessão pode perfeitamente enquadrar as exigências de um serviço público como uma gestão profissional e eficiente… desde que seja bem feito. Para redigir e colocar em vigor um bom contrato é necessário competência e seriedade. Evidentemente que discutir estas questões nesta perspetiva não está na agenda. Os tempos são mais para “papas e bolos”.

03 outubro 2018

Os evangelhos, os sagrados e os satânicos

Cumpriram-se por estes dias trinta anos sobre a data da publicação de um dos livros mais polémicos das últimas décadas. Não, não estou a falar de “O Evangelho Segundo Jesus Cristo” cá do burgo, um pouco mais recente e que apenas provocou a não atribuição de um prémio literário e o exílio voluntário do seu autor. Também não foi censurado nem, tanto quanto me recordo, queimado. O livro em causa, incomparavelmente menos provocador, li os dois, deu origem a sentenças de morte, algumas executadas.

Vamos deixar de lado o facto de a larga maioria dos que falam (ou agem) excitadamente contra livros, filmes e o que quer que seja declarado satânico, não os conhece, não os leram e nem sabem bem o que está mesmo em causa. Apenas alguém terá ditado sentença e o povo acata.

Hoje, a publicação de um livro “religiosamente provocador”, que provoque pela narrativa heterodoxa, sem apelo direto ou indireto ao ódio ou à violência, seria mais tolerada? Infelizmente, penso que não. Curiosa e infelizmente alguma dessa intolerância é justificada e defendida por insignes figuras de uma sociedade, a nossa, que deve o seu sucesso aos seus valores de tolerância, liberdade e respeito pelas diferenças. Há aqui um passo perigoso: quando a abertura é utilizada para fechar, quando o respeito pelos outros é utilizado e manipulado para proteger projetos hegemónicos e intolerantes.

Sem prejuízo do tal respeito, insignes e menos insignes deveriam firmemente refutar e intransigentemente condenar as intolerâncias e as violências contra simples heterodoxias, por mais escandalosas que possam parecer. Caso contrário, serão os alicerces da nossa sociedade que se questionam e abalam. E se ela não é perfeita, não conheço outra melhor. É importante não regredirmos.

02 outubro 2018

Um banco em segunda mão

Quando se vende um bem como, por exemplo, um automóvel usado, é habitual seguir-se o princípio de ele ser vendido no estado em que está, analisar-se previamente tudo o que houver para analisar, ficando fora de questão eventuais compensações, ajustes ou acertos futuros. Exceção, e legalmente suportada, poderá existir quando existe algo intencionalmente escondido. O princípio salutar é que a partir de altura em que já não sou eu quem o conduz e mantém, também não quero ser responsabilizado por eventuais avarias.

O processo de venda da Novobanco parece ser um caso pouco saudável do género: o banco agora é vosso, vocês passam a geri-lo, mas se alguma coisa correr mal, suposta herança do período anterior, mandem-nos a conta que nós pagamos. Este “nós” acaba por não ser bem o “nós” que assina. É o fundo de resolução e no fundo o contribuinte que evidentemente não tem mais opção do que pagar o que lhe mandam.

Leio que o NB anuncia precisar de mais 726 milhões, sendo que a conta ainda não está fechada. Parece-me ser uma história do tipo: olha, naquele automóvel que me vendeste há uns meses, a embraiagem foi à vida. Vou substitui-la por uma nova e mando-te a conta.

Não será tão simples avaliar o balanço de um banco como a saúde do motor de um automóvel, mas todos sabemos que a embraiagem pode ir à vida mais depressa ou mais devagar conforme o tipo de condução.

25 setembro 2018

Andamos para trás?


O senhor reproduzido nesta fotografia, créditos abaixo, é considerado pelos especialistas ter possuído uma das mais fantásticas vozes de sempre. Pela sua imagem e prática foi assumidamente homossexual, com as minhas desculpas para a eventualidade desta expressão não ser atualmente a mais politicamente correta.

Na avaliação e discussão do valor de Freddy Mercury como artista, sinceramente, não me lembro de ver recorrentemente apontada, pela positiva ou pela negativa, a sua homossexualidade. Nos tempos atuais, supostamente mais modernos, isso já não seria possível. Uma crítica seria imediatamente classificada como homofóbica pelos guardiões das minorias, mesmo daquelas que dispensam esse tipo de guardas, e um elogio obviamente imputado ao lóbi dos gays.

Dificilmente será possível vermos hoje uma discussão natural e objetiva sobre os méritos e deméritos de um Fredy Mercury sem uma contaminação inevitável das, chamemos-lhe, suas preferências sexuais. À força de tanta pressão pela “modernidade” e pelo politicamente correto e na sequência das reações que todos fundamentalismos e radicalismos provocam, acabamos por viver muito mais condicionados por preconceitos do que no passado.  

Foto: Redferns, Bob King


22 setembro 2018

Quando não basta ser

A não recondução de Joana Marques Vidal como PGR pode ter muita lógica e muitas justificações. A apresentada pela PR da “homenagem à vitalidade da democracia” é algo patética.

Sem questão de fundo formal a impedir a recondução e sem nenhuma razão objetiva decorrente do desempenho de Joana Marques Vidal, esta decisão do governo foi tomada porque lhes apeteceu.

Pode até estar tudo muito certo e o desempenho da nova PGR continuar na linha da atual, mas no momento em que escaldam tantos processos com gente importante e muito próxima dos atuais inquilinos do poder, este apetite pela mudança parece muito, muito mau.

14 setembro 2018

(Im)Possible restrictions

Eram 3h18 da madrugada quando caiu um sms da companhia aérea nacional, escrito “in English”, avisando-me que devido a “possible restrictions at Lisbon Airport” eu tinha interesse em me despachar, se não queria perder o voo da manhã. É o que se chama começar bem o dia.

É habitual as coisas complicarem-se nos aeroportos no período de férias. Há mais voos, mais gente e uma parte dessa gente menos habituada a circular por aqueles canais. Será também lógico que um aeroporto sature por aquilo que não se incrementa com facilidade, nomeadamente pistas e portas de embarque.

Nessa famosa manhã, em que tomei as recomendadas precauções, o controlo de passaporte tinha as linhas automáticas fechadas e, quando passei, apenas um guichet estava aberto. Quem se apresentou esperando um tempo de passagem “normal” bem stressou… ou seja, as “restrictions” não tinham a ver com coisas físicas, espaço até nem falta naquela zona, mas com o número de inspetores do SEF em serviço. Do outro lado, para quem chegava, a fila de espera era coisa de terceiro mundo.

Se isto faz parte de algum programa para reduzir o número de turistas que nos visitam, está bem, estão no bom caminho. Que seja usado para justificar a saturação do aeroporto, é que já é outra conversa.

12 setembro 2018

O fulano quer


Sei de experiência própria que muito dificilmente há sucesso numa realização feita a partir de ideias avulsas, nascidas em frente ao espelho durante a higiene da manhã. Especialmente se houver dimensão e complexidade é necessário definir e planear um conjunto de ações coordenadas e coerentes e implementá-las com disciplina e organização.

Assim, irritam-me profundamente os títulos, mais frequentes agora com o aproximar das eleições, de “fulano quer…”, sendo o fulano um fulano do poder ou da oposição e irrelevante o quadrante político onde se insere. Já vivi num país onde era possível um ministro visitar uma obra em curso e ali, a quente, dar instruções e decretar alterações. Poupo-me caraterizar o absurdo que tal representa. Não estamos nesse nível, felizmente, mas este concurso de “ideias” tresmalhadas e pontuais que os fulanos se lembram de querer não me é nada querida.

09 setembro 2018

Sigam o líder

Em 2013 a Sony lançou uma coisa nova e revolucionária, uma família de máquinas a sério, de sensor “full frame”, sem espelho: as famosas A7, declinadas em três versões e hoje na terceira geração.

Os Canikon, que já tinham dada pouca importância ao “sem espelho” para sensor intermédio APS-C (a Nikon ignorando-o mesmo de todo), continuaram a promover as vantagens do espelhinho, uma peça móvel, que ocupa espaço, que coloca problemas de calibração de focagem, mas que permite ver o cenário ao vivo, como muito gente não dispensa.

Respeitando gostos e opiniões, com os visores eletrónicos atuais e ultrapassadas algumas questões tecnológicas iniciais, preferir hoje o visor ótico, muito menos flexível e informativo, pela “sensação” de ver, para mim é como defender arrancar o motor de um automóvel com manivela em vez de motor de arranque, porque assim se sente melhor quando ele pega…

Estes dias, com um intervalo apenas de duas semanas, os Canikon apresentaram finalmente as suas famílias “espelholess”, apenas 5 anos depois do líder. Obviamente que as famílias anteriores, com manivela, não desaparecem, até porque é aí que eles têm o seu mercado consolidado e também ainda não se sabe quanto vale mesmo na prática o desempenho das recém-nascidas.

Após tantos a menosprezar e a ignorar a inovação finalmente reconheceram e assumiram que os automóveis já não usam manivela.

05 setembro 2018

Não era futebol


A degradação e o descuido que levaram ao brutal e devastador incêndio que destrui uma boa parte do Museu Nacional no Rio de Janeiro não foi consequência do governo dos últimos dois anos, como alguns tribalistas se apressaram a dizer.

É uma história de longos anos. Consequência de cortes/austeridade e desinvestimento, certamente, mas também de desinteresse geral. Não haver água disponível para combater as chamas quando era necessária será mesmo e apenas questão de orçamento?

Sobre orçamento e cortes, convém recordar que este país organizou um campeonato do mundo de futebol há quatro anos, com tudo o que de enorme investimento perdido estes eventos implicam.

Portanto, se estivesse em causa o futebol e não 200 anos de história e de memória do país e até património único da humanidade, talvez o edifício tivesse tido mais atenção. Apenas por lá ?


Foto: Globo.com

04 setembro 2018

Passos passados

Este era um bom texto para o aniversário do blogue, mas como maio ainda vem hoje e as efemérides são como o Natal, quando um homem quiser, e eu gosto de ter a liberdade de invocar o que me apetece quando me apetece, sai hoje.

O sítio onde estamos é fruto do caminho que fizemos. Cada passo dado, certeiro ou desajustado, foi uma parte desse percurso. Podem ser de louvar ou de lamentar, mas nunca de apagar ou esquecer. Especialmente os passos dados públicos e publicados, porque até por definição, o que é colocado a público não pode ser revertido.

Ao longo de uma dúzia e meia de anos de publicação, acontece-me por vezes cair numa coisa antiga e achá-la atual e bem-feita ou fraca, equivocada e imperfeita. Vejo hoje fotos publicadas há uma dúzia de anos que estão mesmo a precisar de um toquezinho aqui ou acolá… ou de um caixote do lixo. Mas deixo-os estar, por fazerem parte do meu caminho, porque apagá-las ou alterá-las seria apagar ou “retificar” o que eu fui. Dramático? Não, mas importante.

Daí a necessidade de bem refletir antes de tornar algo público. Por definição, não é reversível.

02 setembro 2018

Ai Portugal

As denúncias dos desvios e abusos na utilização das verbas disponibilizadas para as reconstruções de Pedrogão Grande não devem ser tribalizadas. É pouco relevante a cor política dos intervenientes. Creio que, infelizmente, a “chico espertice” do vale tudo para deitar a mão ao que está ali a mão, seja simples dinheiro público de todos nós, seja uma coleta solidária em favor de quem foi vítima de uma desgraça, não tem cor dominante. É caraterística de uma falta de princípios e de vergonha, transversal na horizontal e na vertical. Podem até dizer os beirãos: se os excelentíssimos senhores deputados aldrabam a sua declaração de residência para receberem mais umas massas, porque não o posso fazer eu também para ver o meu palheiro transformado em casa?

Efetivamente, a doença é a mesma e o pior que podemos fazer é relativizá-la pela família política dos protagonistas. Enquanto assim fizermos, continuaremos bons a “discutir futebol”, mas não é por aí que sairemos da cepa torta.

28 agosto 2018

Prerrogativas

Em plena crise de disponibilidade e fiabilidade do transporte ferroviário, leio que o operador deu prioridade a um comboio fretado pelo partido do governo, atrasando outros serviços, os do povo.

Certamente que, na imensidão dos problemas que enfrentam diariamente os utilizadores daquele meio de transporte, os distúrbios provocados por aquele “deixem passar quem é mais importante” foram uma pequena gota de água. No entanto, dizem muito da (má) forma como os governantes em geral deste país se situam relativamente aos serviços públicos do mesmo.

Gostaria muito que na outra grande embrulhada em curso neste nosso jardim que é a degradação do nosso Serviço Nacional de Saúde, bastante mais grave pelo que está em causa, gostaria que ministros e restantes apoderados o utilizassem mesmo como um cidadão lambda, já que o direito à saúde é indiscutivelmente universal. Gostaria que quem de direito e de poder se apresentasse nas urgências do hospital mais próximo, tentasse marcar uma consulta ou uma cirurgia. Gostaria que sentisse na pele e na saúde, na dor e na ansiedade o que sente o vulgar cidadão “não prioritário”, para quem eles também governam e a quem devem respeito e outras obrigações.

Obviamente que isso nunca sucederá. Da mesma forma que o seu comboio tem a prerrogativa de passar à frente dos demais, nunca eles sentirão esses problemas, que não são os deles. Enquanto isso não sentirem, não governam, governam-se.

23 agosto 2018

Deem palco aos charlatões


O Websumit tem uma enorme cobertura mediática. Desconheço quantos frutos concretos trará, mas palpita-me serem bastante inferiores ao seu impacto nos média. Enfim, cada qual faz como quer e gasta o seu tempo e dinheiro como entender, a menos que haja por lá dinheiro público/meu. De todas as formas, face a todo o mau emprego que fazem com os meus impostos, não será também tema para eu me preocupar em demasia.

Como não sei bem para que serve a tal conferência, não consigo avaliar se um personagem político como Marine le Pen tem lá enquadramento. No entanto, parece-me claro que não ganhamos nada em ostracizar quem teve 34% nas últimas eleições presidenciais de um dos maiores países europeus.

As suas ideias são perigosas e demagógicas? Sim, mas não é por lhe tirar o microfone que ela não as divulga. Acho mesmo que, pelo contrário, deve dar-se palco aos charlatões para os confrontar e desmascarar. A postura paternalista de que o “povo” sofre de menoridade intelectual, é de fraco discernimento e, por isso, devem existir uns tutores ideológicos que os protejam de influências nefastas é o primeiro passo para uma coisa muito feia.

Assim, deem palco a Le Pen, Maduro, Lula, Orbin e a todos os órfãos de Estaline. Desde que seja um palco livre e inteligente, não manipulado, temos todos a ganhar… menos os charlatões.

09 agosto 2018

Insensível ou pior

Terei sido um dos muitos que ficou de boca aberta quando o nosso PM, no contexto de uma análise ao incêndio de Monchique, utilizou a palavra “sucesso”. É um pouco como, face aos destroços de um acidente aéreo, dizer aos familiares das vítimas que as melhorias na segurança aérea são um caso de sucesso.

Por um lado, há a questão objetiva de se faz sentido falar agora em sucesso. O que sabemos é que o clima tem sido muito favorável, mas bastaram uns dias de calor para vermos já um enorme incêndio descontrolado. Seria prudente esperar pelo final do verão, antes de tirar conclusões.

Depois, há o contexto. Na situação catastrófica e dramática que se vive por aqueles lados, e drama não é apenas a perda de vidas humanas, usar a palavra sucesso é de uma enorme insensibilidade ou pior.

Ainda, sobre o que está a acontecer, para lá das imagens da facilidade de apagar velinhas de aniversário, dos grandes planos dos desesperos e da inflação no número de especialistas que nesta altura brotam, gostava de ver informação objetiva. Onde começou, onde se atacou, por onde circulam os meios, onde se reacendeu, por onde evoluiu, tudo isto documentado com números concretos. Ou seja, ter informação objetiva sobre o que se está mesmo a passar. Não sendo assim, ficamos reduzidos aos shows: o dos media e das suas entrevistas emotivas no meio da fumarada e o das comunicações oficiais sempre iguais, proporcionando especulações, muitas dúvidas e fáceis manipulações.

Se, quando se estiver já na fase da cinza, se concluir terem existido falhas graves na coordenação, haja sensibilidade para tirar conclusões e assumir responsabilidades.

07 agosto 2018

Bulas académicas


“Segundo relatou o próprio “X”, quando rebentou o escândalo, teria acordado pessoalmente com o responsável do curso umas condições vantajosas para obter o diploma. Não precisava de ir às aulas. Não precisaria de apresentar tese final. Teria equivalência inicial a 18 das 22 cadeiras do curso, correspondente a mais de 80% de toda a matéria e 2/3 dos créditos exigidos. As restantes 4 seriam aprovadas apresentando uns trabalhos que somaram apenas 95 folhas no total.”

Quem será este “X”? Um Relvas ou algum jotinha que se desenrascou para ter um canudo expresso? Não. Trata-se de Pablo Casado, recentemente eleito líder do PP espanhol. Não começa com o pé direito… “Contigo cresce Espanha”, está escrito no púlpito.

O relato do contexto deste percurso académico no Instituto de Direito Público da Universidade Rey Juan Carlos inclui outras anedotas deliciosas, como gente que teve direito a diploma, desconhecendo até estar inscrito no curso.

Pode-se traficar saber, esforço e mérito por estes arranjinhos, remunerados em numerário ou em espécie, a pronto ou a prazo? Pelo princípio, obviamente que não. Descredibiliza e desautoriza quem devia ter um comportamento eticamente exemplar.

Se numa empresa normal alguém for contratado apresentando habilitações falsificadas, o mais certo é ir para a rua no dia seguinte a isso ser descoberto. Os políticos são, de certa forma, contratados por nós e, como tal, passíveis de escrutínio e merecedores de intolerância face à falta de seriedade. Lá como cá, à esquerda, à direita … e vice-versa.


Fotografia EFE

06 agosto 2018

Tecnologias de proteção


A nossa Proteção Civil, a quem convinha fazer algo de excelente para limpar um pouco a imagem da vergonha do ano passado, resolveu ser moderna. Decidiu enviar SMSs a avisar quando há risco de incêndio, a dar um número de contacto e a pedir para as pessoas ficarem atentas. Dá uns títulos engraçados e quantificados como convém: Proteção Civil envia 7 milhões de SMS… grande trabalho, sim senhor. Convém apenas melhorar um pouco as 12 horas que o processo demora.

Sábado passado, seis jovens ameaçados por um incêndio na zona de Estremoz ligaram para o 112 e, na impossibilidade de explicarem onde estavam exatamente, ficaram a saber que não era possível enviarem a sua localização GPS para nenhum recetor. Ou seja, a Google certamente saberia onde eles estavam, mas para a Proteção Civil isso era impossível. Ficaram os seis feridos e dois com gravidade.

É mais fácil despejar SMSs de pertinência discutível do que poder receber a localização GPS de quem liga para o 112? Aparentemente seria, mas não foi o caso, dado que o primeiro SMS saiu com o número errado. Lapsos ...

03 agosto 2018

Eu e a política

Em conversa recente com alguém sobre os textos que por aqui vou publicando, alguns também na imprensa, surgiu a expressão de “intervenção política”. Fiquei a refletir se realmente o que faço há 17 anos, expressar publicamente a minha opinião e visão, muito frequentemente crítica, sobre a atividade política do país, se pode chamar “intervenção política”.

Dentro duma definição ampla da palavra, sim, será intervenção política. No entanto, prefiro a expressão intervenção cívica, dado que a minha motivação fundamental não é a promoção de uma “política”, muito menos de qualquer forma de politiquice ou de partidarite, mas sim, como cidadão, pedir contas a quem as tem que dar. Naturalmente que quando está no poder o A, irá ser provável achar que estou a defender a política do B… e vice-versa. É a vida de quem não se identifica num mundo de gregos e troianos.

O que ganho com isto? Certamente a antipatia de adeptos clubísticos e militantes, para quem os erros, as incompetências e incoerências são coisa relevante apenas em casa alheia. Prejuízo objetivo não o noto. No entanto, apesar de vivermos num país relativamente livre, acredito existirem funções e contextos onde o respeitinho é muito bonito e este exercício público de cidadania seja incompatível com uma vida minimamente tranquila e justa. Será uma razão para, livremente, eu continuar.

31 julho 2018

E agora, Bloco?

Considero o Bloco de Esquerda um projeto político atípico e um pouco difícil de caraterizar ideologicamente. Tem origens heterogéneas e, mais do que isso, com uma grande carga de anacronismo nos alicerces herdados. Se na década de 70 um jovem urbano se podia facilmente reclamar de trotskista, maoista, maxista-leninista e por aí fora, estes fundamentos, hoje, para um partido que se aproxima do poder, estão naturalmente falidos. Já ninguém, ou quase ninguém, se reclama “trotskista”, certo? Ou, pelo menos, ninguém sabe o que isso poderia ser como prática, mesmo prática.

O BE é claramente contra uma séria de coisas e difusamente a favor de umas ideias. Temos as causas “fraturantes”, e como esta palavra soa bem naquele contexto, mas o exercício do poder não se pode limitar ao “quebrar”.

Diz-se correntemente que em política só estão puros os virgens. Ou seja, só não fez asneiras, quem nunca teve oportunidade de as fazer. Com todo o perigo destas visões generalizadoras, é certo que um partido “do contra” corre grandes riscos quando se aproxima do exercício do poder.

O caso de Ricardo Robles marcará um antes e um depois, penso. Primeiro, na perspetiva individual do comportamento de alguém que tem algum relevo na organização. Ele pode não ter feito nada de ilegal, dando já de barato a promiscuidade entre as suas funções na Câmara e o investimento imobiliário, mas comportou-se como um padre que de manhã, do alto do seu altar, prega a moralidade e condena impiedosamente os pecadores… e à noite participa em orgias.

Depois, pior, é absolutamente deplorável a defesa que a cúpula do partido fez, porque aí deixou de ser um caso individual e passou a ser o partido, institucionalmente, a caucionar uma hipocrisia descarada. Para quem faz bilhete de identidade da defesa intransigente dos (seus) princípios, não vai ser fácil recuperar desta ferida.

29 julho 2018

A propriedade e a partilha

O Huguinho nasceu em família favorecida e juntou uma enorme coleção de automóveis miniatura. O Sr. Padre disse-lhe que ele devia partilhar alguns com os meninos cujos pais tinham menos posses. O Huguinho aceitou o conselho e foi oferecendo algumas miniaturas, enfim, as mais estragadas e as de que gostava menos, aos colegas mais desfavorecidos. O Huguinho tornou-se muito solidário.

O Zezinho não nasceu nem rico, nem perto, mas empenhou-se muito em estudar, aprender e trabalhou seriamente. Hoje tem uma vida desafogada, paga os seus impostos e cumpre todas as obrigações sociais. O Huguinho continua a achar que se deve sempre dividir a propriedade com quem tem menos, mas o Zezinho não concorda completamente, muito especialmente quando está em causa o que se conseguiu por mérito e esforço próprio. O Huguinho continua a ver a riqueza como algo que herdou e vai herdando, culpabilizando-se por ser um favorecido. O Zezinho não sente culpa nenhuma por ter o que tem.

Um destes dias o Huguinho vai participar nuns trabalhos políticos que incluem temas como “A propriedade é o roubo: debate sobre a socialização dos meios de produção”. Ao Zezinho isto parece um grande disparate, mas existir no mesmo programa um outro painel - “Direito à boémia: necessidade da vida noturna para produção e radicalização cultural”, ajuda a entender melhor o contexto.

Obviamente que o universo não se resume a Huguinhos e Zezinhos, mas que há muitos Huguinhos por aí, há…. (e só enfia o barrete quem quiser)

25 julho 2018

O tamanho conta?


Quando se fala em categorias de máquinas fotográficas, para lá das simpatias clubísticas pela marca do coração, para lá de mais ou menos versatilidade, transportabilidade e sofisticação tecnológica, existe um parâmetro fundamental para a qualidade do resultado final, que é o tamanho do sensor.

Simplificadamente, há os de 35mm, do tamanho da antiga película, usado por profissionais e amadores endinheirados (se excluirmos uma invenção da Sony que puxou o nível de entrada mais para baixo), os mais populares APS-C, do nome de um antigo filme, linearmente cerca de 1,5 mais pequenos do que os anteriores, e os “minorcas”, fração de polegada, das compactas, superzooms e telemóveis. Estes últimos não têm tamanho standard, mas linearmente são cerca de 4 vezes ainda mais pequenos do que os APS-C. Para resoluções próximas é óbvio que o sensor minorca será construído com elementos mais pequenos e que isso tem um preço na qualidade da imagem. Ou seja, o tamanho conta.

No entanto, os telemóveis começam a tirar fotografias “agradáveis” de ver, especialmente se forem visualizadas num pequeno écran…. de telemóvel. Recentemente li um artigo (até num sítio sério) que questionava o tal dogma de “o tamanho conta”. A parafernália de softwares de otimização, realce, correções e o diabo ao pixel, fazem os sensores minorcas parecerem gente grande. Tenho que concordar que o meu telemóvel me apresenta muitas vezes imagens bastante crocantes, muito para lá da minha expetativa.

Uma das caraterísticas que se perde com os sensores pequenos é a possibilidade de desfocagem do fundo e o destaque do elemento principal nos retratos. Mais uma vez, há software para “resolver”. Devo dizer que acho bastante artificiais algumas imagens assim tratadas, apresentando um “bokeh liquido”… questão de gosto e não gosto.

Softwares, softwares… imagens à parte.

21 julho 2018

Habitats e migrações

Sim, existe um animal chamado ser humano, a mesma espécie em vários continentes e latitudes; sim, teoricamente tem direitos universalmente reconhecidos, independentemente da raça, credo, género, etc; sim, ele pode viajar e migrar pelo planeta; sim, mas… também possui uma dimensão cultural e social que não é igual em todo o mundo, nem pode ser ignorada.

Com maior ou menor dependência, com maior ou menor facilidade de adaptação, todos temos um habitat sócio – cultural específico onde estamos integrados. Cada qual e cada um, imagine-se deslocado para as estepes da Ásia Interior e pense se seria feliz a viver aí para o resto da sua vida. Não somos todos iguais, não reagiríamos todos da mesma forma, mas uma larga maioria, certamente, não se sentiria “em casa”.

Migrações. Há que distinguir o contexto temporário, sequência de uma guerra ou catástrofe natural, da situação definitiva. Por muita compaixão que tenhamos por quem vive mal, e devemos tê-la e mobilizarmo-nos para melhorar a vida de todos os seres humanos, um ser humano não pode ser encarado como um infeliz animal abandonado, do qual temos pena e que trazemos para casa. E não pode sê-lo por várias razões. A primeira é existir uma enorme probabilidade de ele não se sentir feliz num habitat, eventualmente materialmente melhor e mais seguro, mas diferente do seu original. Os problemas que se vivem nas “comunidades” por essa Europa fora, têm muito a ver com isto, apesar de todos os esforços de integração realizados. Não pode ser feito em grande escala, porque isso equivale a retirar recursos aos seus locais de origem e empobrece-los adicionalmente. E também porque uma chegada massiva altera o habitat destino, tornando-o estranho para todos, os que chegam e os que lá estavam. Não confundir com xenofobia.

Os nossos habitats evoluem, mas, uma vez mais de forma variável conforme cada qual e cada um, essa mudança tem uma velocidade limite aceitável e integrável. Se for demasiada rápida, será vista como uma rutura de referência. Isto não é xenofobismo.

A missão e obrigação de melhorar sustentavelmente a sorte dos mais desfavorecidos deste planeta não passa por trazê-los todos para nossa casa.

20 julho 2018

Figuras tristes

Vinte e dois deputados desta nação, e invocando expressamente esse estatuto, escreveram ao Supremo Tribunal Federal do Brasil apelando à libertação de Lula da Silva. Para começar, do ponto de vista formal e institucional, não faz nenhum sentido deputados enviarem recados destes a magistrados. Com o Atlântico pelo meio, pior ainda.

Segundo estes nossos representantes eleitos, “Lula de Silva é hoje reconhecido mundialmente como um preso político” (!?). Isto é um enorme insulto ao sistema judicial brasileiro, ignorando oportunisticamente que neste processo foram julgados e condenados figurões de diversos quadrantes políticos e de grandes grupos económicos.

É irónico recordarem o contributo de Lula para retirar da pobreza milhões de brasileiros. Independentemente do mérito que possa ter ido nessa realidade, num país decente isto é absolutamente irrelevante para o processo judicial, a menos que se queira valorizar o “Roubou, mas fez!”.

Consultei recentemente uma publicação da “Transparency International” com uma ordenação da corrupção percecionada no setor público, em 180 países do mundo. Como em todos os exercícios deste tipo, serão certamente discutíveis os critérios de avaliação e a ponderação. No entanto, é claríssimo existir uma correlação muito forte entre corrupção e subdesenvolvimento. Ou seja, nos países em que o setor público mais rouba é onde as populações pior vivem.

Na teoria toda a gente está de acordo e condena a corrupção. No entanto, na prática, quando o problema atinge a “tribo”, muito facilmente se assobia para o lado ou pior, como neste caso e noutros cá do burgo, tenta-se branquear responsabilidades, conjeturando histórias da carochinha. Meus senhores, enquanto continuarmos a colocar o filtro da simpatia à frente destes factos, a corrupção não irá diminuir e continuaremos subdesenvolvidos. Alguém tem dúvidas??

01 julho 2018

Sobre a verdade dos outros


Faço parte daqueles que entendem que a prática passada e atual da instituição igreja católica é muito frequentemente, e infelizmente, afastada dos princípios do cristianismo de Cristo. A promiscuidade com o poder, as perseguições aos “infiéis”, a fortuna ostentada, a beatice mesquinha e a limitação do espírito crítico são exemplos de coisas que não lhes ficam/ficaram bem.

Recentemente li estes dois livros sobre um personagem fascinante: Pierre Claverie, na sua última função bispo de Orão, na Argélia. Um deles é uma coletânea de textos seus, o outro uma biografia. A dimensão espiritual e a riqueza humana do seu discurso são notáveis.

Nascido na “bolha colonial” e ignorando “o outro” nunca disso se esqueceu, assumiu-o e tudo fez para o corrigir. Foi “pied noir”, nome dado aos franceses nascidos na colónia e regressados à metrópole depois da independência. Também foi “pied rouge”, os europeus que se instalaram na Argélia independente para colaborarem na construção do novo país. Aprendeu árabe e manifestou uma vontade e um empenho permanente em entender e respeitar o Islão: “Preciso da verdade dos outros”, dizia ele.

Cruzam-se aqui a ação e os princípios da igreja católica pós concílio Vaticano II, sendo forçoso reconhecer que se todas tivessem feito caminho semelhante, hoje não haveria tantas tensões religiosas na bacia mediterrânea. Podem torcer o nariz e o que mais quiserem, mas racional e objetivamente… essa é que é essa.

Pierre Claverie era um adepto do diálogo e da aproximação entre religiões, mas sabia “existir um abismo que nos separa”, que não se atravessava com grandes especulações teóricas, nem com ingenuidades superficiais. Só posso concordar. É inútil e pueril discutir se o meu Moisés é mais completo do que o teu ou se um profeta teve mais revelações do que o outro. O diálogo e a real aproximação só podem acontecer entre pessoas e é muito mais fácil quanto mais humano for o relacionamento. Daí a sua enorme paixão pelo contacto com todo o tipo de gente.

Na década de 90, durante a época do terrorismo, quando um francês religioso católico era visto como um estrangeiro não isento e, para muitos, pouco desejado, os seus textos, para lá de extremamente ricos de conteúdo, eram de uma objetividade, frontalidade e honestidade irrepreensíveis.

Morreu em 1 de agosto de 1996, despedaçado por uma bomba quando entrava em casa. Alguém achou que ele não merecia viver.

30 junho 2018

Ajudando o populismo

Quando se fala em migrantes e na crise associada é fundamental fazer a análise em distintos níveis. No imediato, se estão vidas em risco no mar, é desumano deixá-los morrer à fome ou naufragar. Sobre este ponto não há/não deveria haver dúvidas. Ponto final.

Uma outra dimensão é admitir estruturalmente que a Europa tem obrigação de acolher todos aqueles que para cá queiram vir. Ignorando considerações interesseiras sobre a “necessidade” de importar matéria humana, como quem importa petróleo ou óleo de soja, a resposta é não e por três razões simples.

1 – Não é justo esvaziar o terceiro mundo de uma parte significativa dos seus recursos humanos, sob pena de comprometer ainda mais o seu desenvolvimento.

2- Muitos desses migrantes terão dificuldade em se integrarem num meio diferente do seu e serão infelizes longe de “casa”. Prefeririam viver dignamente aí.

3. A Europa não tem capacidade de integração ilimitada.

A postura de querer recolher “todos”, como quem leva para casa um gatinho encontrado perdido na rua, é infantil! Estas e outras boas intenções servem para potenciar o tráfego, alimentar as máfias associadas e amplificar expetativas nos países de origem.

Uma boa parte da população europeia, que consegue ver para lá desse irrealismo ingénuo, a escolher entre os que dizem “venham todos” e os populistas que dizem “nem mais um”, face a essas duas únicas opções… escolhe o populismo.

A solução não passa por derrubar os muros, passa por não haver necessidade deles.

29 junho 2018

Jogos sem fronteiras


Cantava Peter Gabriel que os “Jogos sem Fronteiras” eram uma guerra sem lágrimas. De facto, nas competições onde há uma bandeira nacional à frente das equipas gera-se uma motivação especial, que se for sucedâneo de guerra, enfim, tanto melhor. Quantas pessoas não ligam nada ou muito pouco ao futebol e se tornam incondicionais e entusiastas adeptos da seleção, quando está em causa a bandeira?

Penso que este Mundial na Rússia, teve uma importância fundamental para o povo iraniano. Sem conhecer a fundo a contexto, mas … sinto que a campanha da sua equipa nacional marcou fundo.

Ao falar em Irão, é necessário separar a elite dirigente que vemos na televisão das outras pessoas que aí vivem, claramente do nosso mundo e a querer viver como no nosso tempo, no nosso mundo. Apesar do divórcio existente entre elas e os seus dirigentes, não existe, naturalmente, divórcio entre elas e o seu país, ainda por cima um país com a personalidade e a história da Pérsia.

Pela (re)pressão interna e pelas sanções externas, a vida não é fácil e existe um sentimento de fragilidade e uma busca de dignidade que podem atingir um nível dramático. Começou por a Nike se recusar a fornecer sapatilhas, estupidamente invocando um estúpido embargo. Uma campanha humilhante iria doer muito.

Assim não foi e terem estado até ao último segundo do último jogo a tentarem e a acreditarem na qualificação foi uma catarse coletiva, um exorcizar de complexos e medos, que certamente ficará na memória do país. Os jogadores deixaram tudo o que tinham e o que não tinham naquele relvado. Os(As) iranianos(as) sentiram-se parte de pleno direito da primeira divisão das nações do planeta. … e melhores tempos chegarão.

PS: Na imagem, a laranja é Portugal, como em muitas línguas do Médio Oriente, mas, ok, não nos vamos zangar … :)

26 junho 2018

Local de sabedoria


Quiseram a sorte e o azar de uma desprogramação de última hora que eu pudesse visitar longamente a basílica de Santa Sofia em Istambul. Na prática não foi bem visitar, foi tentar vivê-la.

Já lá tinha passado há uns anos, mas apenas entrando num pé e saindo no outro. Agora foi diferente. Atravessei-a lentamente, explorando todos os cantos e esquinas acessíveis, com a sensação e a emoção de estar a pisar um lugar histórico único. Em mais de quatorze séculos por ali passaram imperadores romanos, papas, patriarcas ortodoxos, sultões e califas. Num local ímpar da bacia deste mar nosso a quem batizaram de centro da Terra. Ali, no promontório do “Serralho”, condensam-se e cruzam-se tantos caminhos, guerras, impérios, riquezas, artes, saberes e desgraças, que é impossível não sentir um peso enorme nos ombros, por maior que seja a leveza com que se procura colocar os pés naquelas pedras desgastadas pelos séculos.

A basílica é maciça, maciça no aspeto exterior, maciça no espaço interior e na sua história de sobrevivência. Os quatro minaretes que em tempos a mesquitizaram, fazem uma espécie de cerco, circunscrevendo-lhe o espaço e, se é certo que ela não cresce para lá daquele perímetro, em nada perde de dimensão e pujança. Gostaria apenas que lhe retirassem os escudos verdes arabizantes descaracterizadores, da mesma forma como apreciaria que a antiga mesquita de Córdova fosse libertada dos adicionais cristãos lá colocados.

As figuras, temporariamente escondidas durante os séculos em que foi local de culto do Islão, resistiram mais ou menos e vamos vendo-as assim, enquanto pudermos, já que não faltam tentações e intenções de fazer o edifício retomar essas funções.

Sofia significa sabedoria, certo…? Oxalá!

21 junho 2018

Impreciso


Imagem imprecisa. Depois de voltas e reviravoltas, eis-me de novo visitante regular das margens do Marmara. Um momento preciso, num intervalo estreito. Entre o fim do Ramadão, celebração secular, cujo cumprimento estrito pode levantar algumas questões de interpretação no mundo atual, e as próximas eleições, dentro de dias, as primeiras num novo modelo, com desfecho inesperado.

Haverá continuação do modelo recente, bem-visto pragmaticamente por alguns, ao menos sabe-se o que é, insustentável para outros, pelos fundamentos do sistema social ou pela questionabilidade económica? Haverá mudança e sabe-se lá para quê? Seguir-se-á um impasse?

Mantenho a foto, imprecisa do mar de Marmara, ao fundo as suas ilhas, refúgio histórico das minorias. Destaco a imprecisa pequena chama, numa mesa de esplanada de um terraço, no lado asiático da cidade. Istambul asiático, cada vez mais pujante e cosmopolita e em oposição ao “outro lado”, o europeu, mais estático e conservador. Irónico?

Perto de concluir um século sobre a sua (re)fundação, o país está suspenso e inquieto. Uma coisa, no entanto, sente-se e marca: a enorme vitalidade e energia encerradas nas suas vontades. A ver vamos. Boa sorte turcos e turcas de boa vontade.

18 junho 2018

Essa coisa do árabe


Por um lado, a utilização da palavra “árabe” é frequentemente imprecisa e, por outro lado, a evocação da “presença árabe” na Ibéria é muito fantasiada.

Arábia é a península entre o mar vermelho e o golfo pérsico. Tendo o Islão e o seu profeta aí nascido e a religião daí se expandido, generalizou-se uma equivalência forçada entre muçulmano e árabe. Os povos conquistados e colonizados sofreram uma enorme influência, mas isso não significou assimilação completa com anulação de especificidades e culturas, havendo também, evidentemente, diferenciações nas evoluções posteriores. Por esse princípio nós, e muitos mais, seriamos hoje simplesmente “romanos”.

A generalização é ajudada pelo facto de que para um muçulmano ser “árabe” é partilhar a etnia do seu profeta principal. Esta tendência é reforçada ainda pelo conceito da nação global e única, seja a histórica Umma (comunidade de todos os crentes), sejam os mais recentes projetos pan-arabizantes como o de Nasser, a partir do Egito. Por falar neste país, como explicar que um egípcio se assuma principalmente como “árabe”, quando a cultura e a história do seu país dão vinte a zero à das tribos nómadas vizinhas? O mesmo se pode dizer dos naturais do Mashrek (Levante) berço da civilização e até da escrita e do Magreb (Poente) muito mais próximos culturalmente da Europa do Sul do que dos nómadas do Hejaz (interior da tal península).

Do lado de cá, até os mais preocupados com o “outro”, apelando ao respeito pela sua identidade e cultura, não hesitam em correr toda a gente com a etiqueta de “árabe”, desde Casablanca até Damasco. Errado, muito errado. Uma generalização pouco esclarecida e desrespeitadora da diversidade cultural existente.

Sobre a presença na Ibéria dos “árabes”, cruzam-se dois romantismos. Há o dos invasores, usurpadores, que entraram por aqui à má-fila, sem terem direito para tal, obrigando a malta séria a refugiar-se num sótão, lá nas Astúrias, para depois heroicamente repor a normalidade.

O outro romantismo é o da nostalgia da herança perdida. Como se com a conquista dos castelos, todo o conhecimento que chegou e se criou naquele tempo tivesse sido embalado e viajado para fora da península, perdendo-se irremediavelmente essa herança exótica. A sério…?!

Duas visões grosseiramente simplificadas. Não foi assim tão simples, nem tão compartimentado, nem tão rápido. Tarik atravessou o estreito em 711 e a reconquista definitiva das principais cidades ocorreu nos 1240s, excluindo Granada que aguentou mais dois séculos. Fazendo as contas, são cerca de 530 anos. Recuando esse intervalo de tempo a partir de hoje, Vasco da Gama ainda não teria chegado à Índia. Esses séculos não foram sequer um período homogéneo, mas uma sequência de vários distintos: dependência dos Omíadas de Damasco, califado autónomo, taifas, califado Almorávida, de novo taifas e, por fim, o califado Almóada.

E se se falasse e estudasse isto, colocando no devido lugar a Arábia e os seus camelos?

13 junho 2018

Sim e não


13 de novembro de 2015. Na sala de espetáculos parisiense “Bataclan”, 90 pessoas são covarde e brutalmente assassinadas.

Outubro de 2018. Para a mesma sala estão programados dois espetáculos do rapper Médine, que usa a palavra jihad e que não se poupa a usar símbolos associados à mesma. Numa das suas letras, explicitamente contra a laicidade, diz “crucifiquemos os laicos como no Calvário”.

Sim, que grande país de liberdade é este em que, aparentemente, é possível e legal isto acontecer.

Não, isto acontecer é imoral e escandaloso, especialmente naquela sala.

Pode ser que a coisa do “crucificar os laicos” seja um sentido figurado, como quando alguns excitados dizem “morte aos capitalistas”, não estando propriamente a pedir a morte física dos mesmos (pelo menos a maioria…).

Não, a laicidade não pode ser posta em causa ou relativizada no nosso mundo, que prezamos. A negação da mesma, a não separação das instituições é um Estado teocrático, inaceitável, independentemente do deus em funções e dos seus putativos delegados.

Já agora, aqueles anjinhos assumidos ou dissimulados que candidamente defendem o rapper, na perspetiva da “liberdade de expressão”, manterão coerentemente a mesma posição para o caso de um outro usar uma figura de estilo do tipo: “Decapitemos os muçulmanos em Meca” ?

NÃO.

12 junho 2018

Depois do Maio


Cinquenta anos depois do Maio 1968, vivemos o Maio de 2018. Eu já era nascido no tempo do primeiro, mas não o suficiente para ter uma memória e um sentimento direto. Fica-me a ideia de que ficou na história mais pelo simbolismo do que pelos factos e pelo fundo.

Desculpem-me a dissonância, mas não consigo ver a necessidade de fazer voar paralelepípedos pela cidade para, entre outros, reivindicar o direito de os rapazes poderem entrar nas residências universitárias femininas. Dos testemunhos da época, também me parece que o famoso “É proibido proibir” seria uma forma formalmente simplificada do “Nós proibimos que nos proíbam”, fazendo o “nós” e o “nos” aqui acrescentados uma diferença grande.

França tem uma grande tradição e especialidade em romantizar (perdoem-me os romancistas) as suas revoluções. Mesmo a outra, a grande, a de 1789, por trás de uns princípios genericamente bonitos e meritórios teve uma prática miserável, para não dizer criminosa, detalhe habitualmente ignorado no boca cheia da “Liberdade, Igualdade e Fraternidade”.

50 anos depois do 68, voltaram a existir distúrbios nas universidades francesas. Ao que parece por o governo tentar impor curricula específicos para acesso aos cursos. Numa equivalência local, alguém que fez o 12º ano em humanísticas, pode exigir a liberdade de entrar num curso de engenharia, mas certamente que não lhe será fácil avançar se ignora toda a matemática do secundário. Havendo taxas de abandono elevadas e recursos cada vez mais limitados…

A fotografia acima (Gonzalo Fuentes, Reuters), um simples exemplo e há mais no mesmo registo, é do estado em que ficou uma das faculdades em Paris após a sua ocupação dos defensores da “liberdade” contra a “seletividade”. Pelos vistos já não há paralelos para retirar da calçada (talvez já não haja mesmo de todo calçadas) e não se pode romanticamente abrir a cabeça aos polícias, mas não consigo entender nem aceitar esta ligeireza e desrespeito pelos bens públicos de um local que eles pretendiam simbolicamente proteger. Apetece dizer que com defensores assim, dispensam-se atacantes. Sobre as razões para a ignição destes rastilhos em meio estudantil, isso é tema para outra conversa.

11 junho 2018

Mamã, sou ministro!!



Já vivi num país onde os veículos oficiais prioritários eram mato no meio da selva da circulação local.

Com maior ou menor escolta, não havia dia em que, e por várias vezes, não tivéssemos que ceder a passagem a pessoas importantes. Até proporcionava um desporto curioso: surfar na aspiração da onda gerada. Passados os prioritários, o pessoal atirava-se para o vazio deixado, tentando assim ultrapassar uma meia dúzia de carros ainda parados. Nunca iam muito longe na onda, porque o espaço era bastante concorrido e rapidamente se viam expulsos do túnel, obrigados a dar a vez a outros competidores.

Uma vez apanhei um grande susto. O meu percurso matinal habitual passava em frente a uma “Residência da Presidência”. Para quem possa conhecer, entre Sidi Fredj e Staoueli (La Bridja) a oeste de Argel. Aconteceu então que do portão da tal residência sai à minha frente um carro preto, seguido do mercedolas. Mantive-me no meu percurso e na minha velocidade quando descubro o segundo carro preto, que deveria fechar a escolta e se tinha atrasado, a fazer sinais de luz e uns senhores lá dentro em gestos frenéticos, pedindo-me (?) para eu sair da frente, coisa que prontamente fiz: “Por quem sois !!!”. Esses carros pretos levam senhores de óculos escuros pouco sorridentes e os dois de trás, por norma, sentados de lado, voltados para o exterior do veículo.

Bom, estas invocações vêm-me a propósito de um sentimento. Acho que cada vez há mais “veículos oficiais prioritários” a passarem por mim na A1. É um sentimento, apenas.

Para os escoltados, questiono quem será assim tão importante e potencialmente em perigo que necessite de batedores na A1? Excluo as equipas de futebol, facilmente identificáveis, que jogam num campeonato de outra desgraça. Para os simples apressados, que ligam o pirilampo e sai da frente, enfim… antes de ser gente importante, toda a gente é cidadão e deve, por norma, cumprir normas iguais para todos. Isso não deveria incluir usar a prerrogativa de “importante” para viajar sistematicamente em excesso de velocidade. Tudo isto é um sentimento.

09 junho 2018

O dia do dia


Tanto quanto sei, e não sabendo eu tudo, hoje não é dia da mãe, nem do pai, nem de filhos, irmãos, primos, independentemente do grau, nem de genros, sogras, nem do Espírito Santo.

Tão pouco de Buda, nem de Alá, Ganesha, Yemanjá, Jeová, Nossa Senhora, nem de Abrão, nem de Ali, nem de Páscoa, nem Natal, nem Achoura, nem de Aid, nem de uma batalha qualquer.

Também não será dia de independência, nem restauração, revolução, reversão, massacre, martirização, nem dos pastéis de nata.

Passamos ao lado do bacalhau à Gomes de Sá, do pudim abade de Priscos, da posta mirandesa, de migas ou açordas, da cerveja artesanal e da batata frita ou por fritar.

Ignorados os pinheiros, carvalhos, medronheiros, oliveiras, sobreiros e as palmeiras sobreviventes ao escaravelho vermelho.

Não contem com protagonismo em homenagens ou barragens a vespa asiática, o lince da serra da Malcata, os touros torturados nas touradas, as raposas esfoladas nem os peixes afogados em mares de plásticos.

Com esta aridez de causas ou motivações para enfrentar o dia, que fazer então, que se pode publicamente declarar? Pode não ser fácil e é de recordar que o não fácil é muitas vezes sinónimo de meritório.

Tentar que um simples dia do dia, seja melhor do que o dia de ontem?

30 maio 2018

Trumpalhar


Mais do que os “princípios” e o estilo provocatório, Donald Trump está a demonstrar uma enorme impreparação e quem o aconselha ou não sabe ou não consegue corrigir.

Irão – Ao denunciar o acordo assinado por Obama, não irá conseguir nada de bom. Sendo “nada” uma palavra traiçoeira, não se percebe muito bem onde ele quer chegar e em beneficio de quem. Sendo inquestionável que para o mundo, o Médio Oriente e o povo iraniano em particular a normalização das relações internacionais do país é fundamental e positivo, que quer mesmo Trump? Aplicar sanções adicionais e assim conseguir amolecer o regime, forçando a negociações mais favoráveis, como, acreditava ele, com a Coreia do Norte? Depois de tantos anos de sanções à antiga Pérsia, é possível ainda acreditar que esse caminho terá sucesso? Sobre a Coreia do Norte, falamos já a seguir.

Coreia do Norte - Entendendo muito pouco de diplomacias e afins, acredito que quando alguém da dimensão do Presidente dos EUA anuncia e assume ir participar numa cimeira, há algumas regras. Em primeiro lugar, alguma proporcionalidade: por muito que um beligerante presidente de um microestado insulte e ameace os EUA, não terá naturalmente direito a “cimeira privada”. Depois, imagino que as agendas e as conclusões das cimeiras sensíveis, são preparadas e acordadas previamente, eventualmente antes de serem anunciadas sequer. Assumir publicamente a participação numa reunião dessas com tudo ou quase tudo em aberto, parece-me ser de uma infantilidade atroz e expondo potencialmente o senhor e o país que ele representa a uma enorme humilhação.

Em conclusão. Quanto ao Irão não sabe para onde vai, quanto à Coreia do Norte, não sabia onde estava.

29 maio 2018

Não perfeito, mas indispensável

Sim, muito do que se passa atualmente no Médio Oriente e vizinhanças é ainda efeito da queda do império Otomano e da extinção do último Califado. Sim, para entender o mundo de hoje é importante conhecer este declínio e desfecho. Sim, é um tema complexo que não se esgota em dois chavões nem num simples ponto de vista.

A obra de Bernard Lewis “What Went Wrong”, não sendo perfeita, é um excelente contributo para esta questão. Alguns apontarão umas passagens imprecisas ou fatos mal interpretados, outros invocarão a ausência de referência a algumas questões relevantes. Não será perfeita, não há livros sagrados neste campeonato, mas é, na minha modesta opinião, obrigatória.


B. Lewis faleceu no passado dia 19 de maio.

Lapsos e retificações


Sobre a importância relativa do lapso e o valor fundamental da retificação, uma teoria que os nossos governantes têm defendido recentemente.

1)
- Sr Guarda, é certo que, por lapso, passei no radar em excesso de velocidade, mas retifiquei logo a seguir!

2)
 - Sr Dr Juiz, devido a um lapso durante o jantar, o balão acusou, mas três horas depois já estava completamente retificado!

27 maio 2018

Feijões ambientalmente desastrosos


Sem grandes precisões da ciência económica, que não domino, uma moeda é um valor intermédio entre uma coisa que fiz ou entreguei e outra que posso obter. Terá um universo onde é reconhecida e aceite. Os feijões e as notas do monopólio têm valor apenas dentro do contexto de um jogo. Um dólar será reconhecido e aceite praticamente em todo o mundo, uma moeda não convertível pouco valerá fora do seu país emissor. Nalguns recantos, mesmo na Europa, inventaram-se moedas complementares/comunitárias que são relativamente bem aceites para pequenas transações.

Criar uma nova moeda não será difícil per si, o desafio é vê-la reconhecida num universo que se veja e isso vai depender muito da forma como é emitida e controlada.

Estou a chegar a essa coisa das “criptomoedas” e à mais famosa, o bitcoin, que me levanta algumas reflexões. A primeira, do ponto de vista tecnológico, é a robustez que a sua gestão tem demonstrado. Neste mundo onde nada parece estar a salvo das piratarias informáticas, tanto quanto se sabe e ouve a sua base tem-se mostrado bastante sólida.

 A segunda reflexão é na vertente sociológica. Como há tanta gente a reconhece-la, a acreditar e a investir nela é um mistério para mim. Simples espírito de jogo? Facilidades para pirataria fiscal e financeira?

A terceira, e aqui a coisa é mesmo grave, é a sua dimensão energética e consequentemente ecológica. A emissão de novos bitcoins (mineração??) é um processo competitivo entre computadores. O consumo energético anual de todas as máquinas que lutam pelos novos bitcoins é da escala de um país inteiro como a República Checa!!(fonte ttps://digiconomist.net/bitcoin-energy-consumption ). Este número é cerca de 1,5 vezes superior ao consumo total de energia em Portugal, tendo dobrado desde janeiro de 2018 até agora.

Falta ainda somar o consumo energético associado às restantes moedas análogas. Num tempo em que se contam para tudo, por muito e por pouco, as toneladas de CO2 emitidas, os impactos ambientais de tudo e mais alguma coisa… isto é uma BARBARIDADE!