31 maio 2009

Roda que roda….


Há algo de irónico no recente assalto à grande assembleia do jogo da roda de Gaia. Apetece dizer: “É bem feito!”. Mas será?

Eu tenho um grande espanto em como há tanta gente que acredita haver tanta gente que acredita. Entrego um monte de dinheiro vivo nesse circuito, acreditando que hei-de arranjar dois delfins que também acreditam, que farão igual contribuição e por aí fora, sendo apenas uma questão de tempo até eu chegar ao topo da “roda,” que não pára. Ao fim e ao cabo até parece bastante mais claro e transparente do que a D. Branca ou o Madoff, todos eles sustentados pelo princípio de que a roda não pára.

Não, decididamente a minha forma de ver o mundo, de criar ou ganhar algo não passa por sacar uma dúzia de patos e convencê-los do que só precisam de arranjar os seus patos respectivos e está tudo bem. O mundo é dos espertos e nunca se hão-de esgotar os patos!

Não, decididamente não!
(E até gostava de conhecer a lista dos participantes na referida reunião...)

29 maio 2009

Tanto e tão pouco


Entre 1521 e 1523, aproximadamente 250 anos antes de Cook, Cristóvão de Mendonça percorreu a quase totalidade da costa Australiana e cartografou-a com rigor, conforme mapa acima documenta. Ficou em segredo, tal como o Brasil também esteve antes do tratado de Tordesilhas. Não houve necessidade, interesse ou oportunidade e nunca foi publicitado. Também não foi assumido. Apesar de todas as evidências, os australianos e o “mundo” continuam a preferir o Capitão Cook como descobridor. Afinal, sempre é de estirpe mais nobre do que os toscos anões mediterrânicos, mas isso é tema para outra reflexão.

A reflexão actual é pensar que Bartolomeu Dias tinha dobrado o Cabo das Tormentas em 1487-88, 35 anos antes! E, nesse período em que uma simples ida à Índia podia durar mais do que um ano, 35 anos é pouco tempo. A própria expedição de Mendonça saiu de Lisboa em Abril de 1519 e chegou a Goa apenas em Junho de 1520. Neste contexto 35 anos é mesmo muito pouco tempo para Moçambique, Mombaça, Ormuz, Goa e Malaca, para explorar e consolidar o domínio no Índico e numa parte do Pacífico. Poderíamos ainda somar mais para Oriente Macau e o Japão mas aí a presença é principalmente comercial.

Há um conjunto de elementos científicos determinantes para estes feitos, independentemente da sua origem, como as técnicas de navegação, os navios e o armamento. Mas não é suficiente. Sem organização, planificação sistemática e, sobretudo, liderança de qualidade não há tecnologia que resista. E é aí que reside o meu espanto. Que bicho nos mordeu para em meio século termos ficado donos efectivos e eficazes de meio mundo, bicho esse que nunca mais voltou a dar sinais de vida?

Não se pode conduzir a olhar para o retrovisor e mais importante do que realçar glórias passadas é desenhar e construir o futuro. Agora, merecia bem a pena entender qual foi a dinâmica que gerou e permitiu o protagonismo de figuras como D. João II, Vasco da Gama, Afonso de Albuquerque e como tão rapidamente se extinguiu. Foi apenas a série de azares que levou ao descalabro de D. Sebastião e o traumatismo dos Filipes? Foi a riqueza que minou o engenho? Mas, a ser assim, já não tivemos pobreza suficiente para o despertar de novo? Que raio de bicho mau nos mordeu para vivermos num país em que em cada boca, em cada esquina, em cada coluna de jornal e em cada comentário na televisão vemos apenas “velhos do Restelo”, diligentemente diagnosticando e identificando os desméritos de cada iniciativa?
No rescaldo da leitura de “Para além de Capricórnio” de Peter Trickett.

26 maio 2009

Nacionalize-se!

Disse H. Chavez com toda a força um destes dias, como se o “Estado” e os seus servidores fossem o garante de que a riqueza (ainda) criada por essas empresas ficaria no “povo”. Vai ter um fim triste esta história, está-se mesmo a ver…

O nosso primeiro também decretou: “Nacionalize-se a Cosec!”. Para lá da trapalhada de os donos não estarem informados e de acordo conforme anunciado, pensemos no significado. A Cosec faz seguros de crédito. Se eu vender algo ao Zé das Estepes no Tartaristão, se ele estiver coberto por seguro e não pagar a factura, o seguro compensa-me.

Mas, um seguro não é uma árvore das patacas que se abana quando houver um acidente para nos indemnizar. O seguro é uma partilha de riscos. De uma forma simplificada, se em cada 1000 casas, há uma que é roubada por ano, cada qual pagará 1/1000, não é muito, e o desgraçado que for roubado recebe a colecta, ficando menos desgraçado.

Obviamente que se eu pedir um seguro automóvel “todos os riscos” para atravessar um teatro de guerra, a seguradora poder-se-á recusar ou debitar-me um prémio que paga logo o carro. Ou seja, se a probabilidade de vir a pedir uma indemnização é muita alta, deixa de fazer sentido a partilha probabilística do risco. Se o atrás referido Zé das Estepes for um caloteiro que está há 6 meses sem pagar as suas contas, é lógico que eu não vou conseguir um seguro de crédito para essa venda, dado que há uma elevadíssima probabilidade de dar “acidente”.

O que é aconteceu aos seguros de crédito com a “crise”? As seguradoras, exagerando ou não, defenderam-se e classificaram muita gente como “Zé das Estepes”.

A Cosec é líder em Portugal mas não é monopolista. Há outras alternativas. Nenhuma empresa é obrigada a vender com seguro. Pode assumir o risco ela mesma ou procurar formas alternativas de assegurar a cobrança como cartas de crédito, remessas documentárias, etc. O que não faz sentido é “forçar” a que a seguradora me faça o tal seguro automóvel a preço normal quando eu vou atravessar uma zona de guerra.

Como é que então uma seguradora nacionalizada poderia ajudar às exportações? Sendo mais tolerante, menos restritiva? Sim… mas se o seguro deixa de ser a tal partilha de riscos e as indemnizações pagas ficam superiores aos prémios recebidos, alguém terá que pagar a diferença certo? Se for público, pagará… o outro Zé!

23 maio 2009

A perigosa profissão de alfaiate

José Tomás é um bom alfaiate. Francisco Camps um notável do Partido Popular, presidente da Comunidade Valenciana e vaidoso. Francisco Correa um homem de negócios.
E, ainda, há um tal de juiz Baltasar Garzón que dispensa apresentações.

Tomás fez vários fatos, e bem feitos, para o exigente Camps e outros notáveis do PP. Camps não os pagava. Aparentemente Camps tinha contas abertas com Correa que o faziam credor. O pagamento de uma média de 30 000 euros cada seis meses destas prendas a Camps e a outros era feito por empresas ligadas a Correa, frequentemente com maços de notas de 500 Euros, as famosas que o comum dos cidadãos nunca viu mas que têm uma utilização recorde em Espanha. As facturas naturalmente não referiam fatos para Camps.

E Baltazar Garçon lança a Operação Gürtel para investigar uma tramóia de negócios particulares em torno do PP de Madrid e de Valência. São teias complicadas e o importante é encontrar uma ponta por onde pegar. E a ponta que apareceu foi a do alfaiate. Foi convocado e contou ao juiz tudo que sabia e com detalhes. Enquanto prestava declarações, Camps, extremamente nervoso, tentou ligar-lhe inúmeras vezes, sem sucesso, para saber e condicionar o que ele iria depor.

No dia seguinte ao da audiência Tomás foi despedido. Atribuíram-lhe a responsabilidade das facturas “falsas”. Correa está em prisão preventiva. Camps é acossado no parlamento valenciano e declara-se vítima.

O curioso é que considerando o que está em jogo, meia dúzia de fatos mesmo a 2000 Euros cada um, não são nada. Mas são a ponta do iceberg a que todos se agarram com motivações diferentes: uns para expor, outros para anular. E, assim, um alfaiate torna-se figura de primeiro plano em tamanho enredo. E, como muitos almoços, há prendas que também não são nada grátis.

Imagens do El País

16 maio 2009

Quando chega a faca e o garfo

Afinal, ao contrário do que eu pensava, parece que o fundamento para as polémicas recomendações do Cardeal Patriarca não está no deslumbramento cego da flor da idade. Parece ser mais um problema de meia-idade. As semelhanças com uma realidade serão pura coincidência, ou não, mas imaginemos a Mariazinha cabeleireira solteirona de Aldeia Nova de Baixo e a Zeza esteticista divorciada de Vila Franca de Cima, ambas nos quarenta e muito. Conheceram o Fouad e o Sofiane na net, arranjam dos dois lados uns trocos para irem de férias à Tunísia e a coisa pega. Poderiam ficar elas sabiamente pela memória das férias bem passadas mas não: querem casar! O Fouad e o Sofiane nem sabem onde vivem a Mariazinha e a Zeza mas… pertence à zona “Schengen”! Comparado com o batel clandestino que naufraga ou é interceptado na costa espanhola é um autêntico “jackpot” e vale bem alguns sacrifícios. Daqui para a frente fica um argumento para novela trágico-cómica.

Em regresso recente de Argel via Paris vi um casal desses no avião ao meu lado. Às vezes de mãos dadas e, mais raro, trocando uns beijinhos muito ligeiros e discretos. Ele nos 30’s com umas magnificas sapateiras/chuteiras brancas com as 3 riscas pretas da Adidas e um fato de treino preto, luzidio, com as famosas riscas também, agora em branco. Tudo a combinar! Ela assaz mais idosa, pesada, loura, mais loura nas pontas do que na raiz, com grandes anéis e pulseiras e uma maquilhagem que já não aderia (impunha-se em conflito a uma pele que não a aceitava).

Se já parecia pouco equilibrado, a refeição acabou com as dúvidas. A partir do momento em que lhe puseram o tabuleiro à frente, o rapaz ligou o motor dos maxilares e não mais os parou até o tabuleiro ficar limpo. O que variava era a quantidade de comida na boca, medida pelo volume da bochecha. O triangulo de queijo numa mão e o pão na outra, abocanhados alternadamente, com trincas maiores para o segundo, naturalmente. Uma espetadela do garfo no pacote de manteiga e metade do mesmo desce pela goela abaixo. O frango deve saber melhor quando é esfiado com as duas mãos e as lascas enfiadas na boca em movimentos rápidos com indicador e polegar em pinça.

Pois é, o guardanapo, a faca e o garfo são um teste infalível e muito, muito representativo.

11 maio 2009

O K.

O K. é o “manager” do restaurante italiano do Sheraton de Alger. Sempre impecavelmente aprumado e correcto, de tez clara e rosto comprido poderia ser português, judeu ou cabil.

Após uma ausência prolongada, tenho direito a uma recepção tipo regresso de filho pródigo. Um comentário sobre a baixa frequentação do restaurante traz à cena a famosa crise mundial. O Karim acha que a quebra do preço do petróleo foi uma manobra concertada para reduzir os proveitos dos países produtores. Tento explicar que não. Daí passa para a taxa de inflação na Argélia bastante baixa para quem “importa tudo”. Explico que o resto do mundo até está a entrar em deflação e passamos a falar em geral, e mal, da Argélia. Assunto sensível. Como em muitas outras paragens, os locais não poupam adjectivos para se auto-flagelarem, mas são extremamente susceptíveis quanto a avaliações negativas exteriores. Ele parece encaixar bem as notas que vou deixando e acha que tudo, mas mesmo tudo, é uma questão de cultura. Partimos para uma longa conversa que nunca o distrai da necessidade de manter o meu copo no nível correcto. Chama o inglês para marcar o seu cosmopolitismo. Acha que não está o “right people no right place” mas eu contradigo-o de novo: se fosse apenas isso bastava rodar o “people”: o problema é a estrutura e os conteúdos dos “places” ser deficiente: não resolve nada instalar óptimos pneus num automóvel que apenas tenha três rodas. Não tenho pachorra para falar em duas línguas à mesma pessoa e peço-lhe a conta em flamengo – acho que fui mauzinho. Acaba por, meio envergonhado, meio orgulhoso, confessar que tem um curso de gestão hoteleira, um curso de informática e um curso de economia e está a ali a dirigir pessoas para as mesas

No final lá confirmo que é cabil e lanço provocador que a Argélia só evoluirá a sério quando Tizi Ouzou for a sua capital. Ele acha isso impossível mas tem a certeza de que é e sempre foi a capital cultural. É onde há uma identidade bem definida e ancorada.

Apesar de alguma contenção, o meu jantar terá representado cerca de 3 dias do vencimento dele. Tem uma namorada mas não consegue ganhar para uma casa e um carro. A bússola aponta para o Canadá onde, aí sim, existe e funciona o elevador social que premeia o mérito e o esforço.

08 maio 2009

Notas corridas de uma ausência

1. Primeiro de Maio. Que podia ter sido diferente pelas circunstâncias actuais e que foi, mas não pelo que devia. Revindicações de aumentos salariais importantes! As empresas em lay-off devem aplaudir com ambas as mãos… e pés. Agressão/interpretação violenta de Vital Moreira : Carvalho da Silva numa primeira reacção diz que lamenta mas entende; Jerónimo de Sousa não viu, não comenta. Quando será que esta gente começa a entender e a ver? E não se entende que desculpar/desresponsabilizar arruaceiros é o primeiro passo para o abismo?

2. Depois, temos a valsa dos pedidos de desculpa. O pedido de desculpa quando justificado deve ser genuíno e imediato. Quando se prolongam exigências de desculpas é porque estão a falar em planetas diferentes de ética e valores.

3. Uma reportagem sobre os túneis de Gaza. Os contrabandistas donos dos túneis são os que mais beneficiam com o embargo da faixa. Seguramente até nem se importariam de enviar uns rockets de vez em quando para o território Israelita, de forma a ser mantido o embargo e a não perderem o negócio. Negócio é negócio e cada qual faz o marketing que pode, conforme os valores.

4. Que valor terá morrer com 22 anos em Coimbra de “doença prolongada” fulminante no momento, mais minuto menos minuto, em que arranca a serenata e a semana da queima das fitas?

5. E que valor terá esta queima das fitas actual, para lá da cerveja entornada para dentro das gargantas e por cima das cabeças? Esforço de decoração mínima mesmo por quem devia apresentar “créditos”, como um curso de arquitectura. Não questionam, nem desafiam o “mundo à frente”, que bem o merecia. O mundo é uma brincadeira barata. Até que altura?

6. A propósito de questionar, por pura coincidência, pouco vejo de televisão e muito menos a TVI, vi a reportagem desta sobre o processo do centro de valorização de resíduos da Cova da Beira. Mesmo descontando o tempero adicional que o acerto de contas em curso entre a estação e o primeiro-ministro actual implica, é mau. Se isto é verdade e se esta país funciona assim, sem exclusividade para este caso particular, há um problema de … valores.

7. Alexandre Litvinenko – muito sofisticadamente assassinado por uma substância radioactiva rara. Livro de Alex Goldfarb e Marina Litvinenko (viúva). Esta Rússia tinha mesmo que dar grandes romancistas com tanta “grandiosidade” e “brutalidade” e “ingenuidade” e sei lá que mais. E Putin, vindo da rua, onde manda o mais forte, com todos os músculos que tem, parece mandar na Rússia com todas as armas de que dispõe, e que ainda são muitas, tendo por valor... a força.

E, em conclusão, é necessário muito mas mesmo muito esforço para manter um mínimo de valores neste mundo e não cair na bestialidade. A não esquecer, porque a tendência natural é no sentido que não interessa.