30 novembro 2015

Exames e legislações

A minha “fornada escolar” estreou o chamado “curso unificado”. Antes havia o ciclo preparatório, seguido do liceu ou das escolas comerciais e industriais. Nos calores revolucionários foi decidido que não devia haver burgueses para o liceu e proletários para as escolas técnicas e unificou-se tudo. Basicamente, ficou tudo “liceu”.

Assim, eu frequentei o primeiro 7º ano, o primeiro 8º e por aí fora até ao 12º. Com algumas coisas curiosas. Por exemplo, no 7º ano, não havia História nem Geografia, substituídas por uma coisa muito mais importante chamada “Ciências Sociais”. A seguir, no 8º, demos a História e Geografia dos dois anos. Recordo-me bem de começar o 9º sem saber se haveria ou não exames e em que moldes. Algures a meio do ano, lá foi decretado o exame e obrigatório, sem dispensa!

Lembrei-me disto a propósito da recente aprovação na Assembleia da República de uma lei que anula os exames previstos para o 4º ano. Se não arrisco aqui comentar ou opinar sobre os prós e contras do tal exame, uma coisa parece-me clara. Isto não devia ser objeto de um voto avulso. Acho óbvio e inquestionável que o programa do ensino deve ter uma coerência e um horizonte temporal de estabilidade, que não se compadece com estas investidas legislativas pontuais. Está bem que o Parlamento tem o poder de legislar, está certo que vontade não lhe falta, mas deveria funcionar a um nível mais estratégico e não cair nesta micro legislação que esvazia e acaba por desresponsabilizar quem realmente deve implementar uma política coerente, concretamente o governo.

A seguir, irão legislar sobre a frequência dos transportes públicos de Lisboa? Ou sobre as horas das intervenções cirúrgicas nos hospitais? Ou sobre a pressão da água para a rega dos jardins públicos? Ou sobre a forma de arquivar os processos nos tribunais…?

25 novembro 2015

25 de Novembro



Há quem considere o 25 de Novembro de 1975 um golpe da direita contra os valores de Abril e etc. No entanto, para mim e para muitos, os valores de Abril não são os da legitimidade revolucionária das ruas em ebulição.


Vejamos a palavra do povo, que se manifestou logo a seguir nas presidenciais de 1976. O líder do 25 de Novembro, Ramalho Eanes, é eleito à primeira volta com 61% dos votos. Se somarmos o outro “pró 25 de Novembro”, Pinheiro de Azevedo, ficamos com quase 76%. Três em cada quatro eleitores legitimaram o 25 de Novembro. Não me parece que 76% sejam “direita retrógrada”, mas, e se fossem, ignora-se o facto e suspende-se a democracia? Em nome de quê?

20 novembro 2015

Olhar para os americanos

França adota medidas de segurança reforçadas nos comboios – “Vamos colocar um americano em cada carruagem!”.

Esta imagem foi publicada num jornal argelino, após a tentativa de atentado num TGV em França, em 21 de agosto passado, onde o terrorista foi neutralizado por três americanos e um inglês sexagenário. Para lá desta suposta diferença de atitude do lado dos americanos, há um aspeto mais objetivo e significativo que tem a ver com elaboração e adoção de legislação para lidar com esta ameaça e particularmente o registo centralizado dos passageiros aéreos. Os Estados Unidos realizaram-no e exigiram da Europa os dados pessoais de quem para lá vai. Como é habitual, a Europa protestou mas lá teve que aceder.

Do lado Europeu, a criação de um registo comum, o PNR, “Passanger Name Record”, avança, mas muito travado pelo Parlamento Europeu. A celeridade é tal que em julho deste ano, a comissão respetiva do PE aprovou um projeto da Comissão Europeia, inicialmente apresentado em 2011. Os novos atentados voltam a trazer o assunto para o topo da agenda. Qual a frequência necessária para garantir que o PNR se conclui e que haverá coordenação e circulação de informação franca entre os vários países europeus: um atentado cada dois meses?

Curiosamente, do lado das vozes críticas, o bizarro novo líder do Partido Trabalhista Britânico, o Sr Corbyn, conseguiu dizer, e ainda a quente, não concordar muito com as instruções dadas à polícia de atirar a matar contra os terroristas. Neste caso, aparentemente, a chave não estará na frequência, mas sim na proximidade. Dirá o mesmo se acontecer algo no seu quintal?

Se a Europa não necessita de colocar um americano determinado em cada esquina, não lhe faria mal inspirar-se da capacidade de tomar e implementar decisões rapidamente, em vez de ficar eternamente a discutir subtilezas, enquanto o polvo maligno cresce e vai chacinando inocentes.

19 novembro 2015

Empresas, donos e histórias

Passou há pouco tempo na RTP2 uma série sobre a família Krupp, fundadora da empresa alemã com o mesmo nome, um dos maiores impérios industriais do século XX. A ação decorre fundamentalmente nos palácios da família, em torno dos seus conflitos, dramas e estoicidades, sem abordar as dificílimas condições de trabalho nas fábricas e referindo apenas muito ao de leve os registos esclavagistas e criminosos da fase do III Reich.

Manter uma dinastia viva e pujante não é tarefa fácil e uma boa parte do enredo estava construído precisamente em torno da forma(ta)ção muito exigente e tensa do herdeiro designado.

No final, há um acontecimento assinalável. A propriedade da empresa é transferida da família para uma fundação, um processo que merece alguma reflexão. Se tudo nasce, cresce e morre ou se transforma, a transformação de um grande património familiar numa fundação (falamos, obviamente, de fundações a sério) é admirável em significado e em potencial. Para lá do prescindir da propriedade de um bem, está em causa abandonar o objetivo básico de criar riqueza para si e colocar o património numa instituição sem fins lucrativos, incorporando uma função social relevante. Isto possibilita um campo de intervenção infinitamente mais amplo e potencialmente gerador de outras riquezas, noutros campos, que uma lógica de gestão de acionista/investidor dificilmente permitiria.

Voltando à série e aos Krupp, há uma conclusão muito clara. Uma empresa de corpo inteiro é uma entidade viva, gerida, liderada e sentida, não um simples título que voa de mão em mão, conforme o vento. Há donos das empresas que as vêm como algo criado, construído e com um valor para lá do contabilístico; há outros, para quem elas são apenas um ativo transacionável, que pode entrar ou sair a qualquer momento dos seus livros, conforme a oportunidade.

As primeiras fazem a história, as segundas vagueiam de estória em estória.

18 novembro 2015

Atentado no “Stade de France”


Na passada sexta-feira, 3 bombistas, supostos suicidas, fizeram-se explodir junto ao “Stade de France”, provocando apenas um morto, para lá deles próprios. Alguma coisa deve ter corrido diferente do previsto.

Olhemos para as horas, apenas. Às 21h horas começou o jogo, às 21h20 o primeiro rebenta-se e dez minutos mais tarde os outros dois. Se o primeiro estivesse no interior do estádio às 21h20, tudo faria muito sentido. Os outros dois apanhariam, em segunda vaga, os espectadores na saída. Só que, por um motivo qualquer, o primeiro não conseguiu entrar.

Sendo assim, porque explodiram os outros dois, sem provocarem uma única vítima? Vou especular: explodiram porque não eram mesmo, mesmo, suicidas. Ou por programação ou por controlo remoto, eles iriam sempre explodir às 21h30, independentemente de onde estivessem. Especulação pura, mas plausível.

17 novembro 2015

Hipocrisia e culpa?

Como não é fácil encontrar algum tipo de atenuantes ou pseudo-justificações para o que aconteceu em Paris no passado dia 13, os habituais “contrários/do contra”, lá tiveram que vir dizer qualquer coisa contra a solidariedade manifestada cá na Europa, pelo que aconteceu na Europa.

Porque no dia anterior ocorreu algo idêntico no Líbano, com pouco destaque, quase que ignoramos as situações recorrentes na Nigéria, etc… esta solidariedade tem algo errado… Sinto-me à vontade para contestar, até porque não são poucas as vezes que tenho recordado por aqui as enormes tragédias pouco mediatizadas. De facto, nenhum homem é uma ilha e, continuando com a imagem de John Donne, os sinos quando dobram é por todos nós.

No entanto, é óbvio e inevitável sentirmos muito mais a morte de um familiar do que a de alguém desconhecido do outro lado da planeta. Em Beirute raros já lá estiveram e poucos terão uma ideia de onde fica exatamente. Por Paris, muitos já lá passaram e não falta quem aí tenha amigos e família. O choque é certamente maior. Que esse choque não faça esquecer os outros dramas do mundo, é uma coisa; que se invoque a esse propósito “hipocrisia”, condenando e até culpabilizando uma reação solidária genuína é que… valha-nos a razão!

14 novembro 2015

Se eu hoje estivesse em Paris


Se eu hoje estivesse em Paris, teria ido jantar a uma esplanada. Em seguida iria ouvir música ao vivo, ou numa sala formal, ou num pequeno bar da “cité bergere”, como o Limonaire, onde no fim circula o chapéu e cada qual paga o que entender.


Faria isso em homenagem aos mortos de ontem. Para deixar claro aos energúmenos que os assassinaram que eles não podem nem irão mudar a nossa forma de viver. Essa seria a maior derrota.

Ao mesmo tempo, gostaria que secassem aquela gente, que realmente os isolassem, que os interesses geostratégicos no Médio Oriente deixassem de permitir qualquer contemporização com isto. Gostaria que não fosse tão fácil ir da Turquia para a Síria e voltar. Gostaria de ter a certeza de que o dinheiro que pagou esta aventura assassina não é o mesmo que paga as grandes encomendas à indústria militar francesa. Não sei se é, mas gostava de ter a certeza.

Também gostaria de ver uma mão firme e implacável contra todos os lugares reais e virtuais onde se apela ao ódio, onde se cultiva o radicalismo e se criam estes alucinados.

Se eu estivesse hoje em Paris, estaria, de uma certa forma, a celebrar.

13 novembro 2015

Convergência

As imagens ao lado são o registo oficial do momento histórico da formalização da convergência da esquerda. Para lá das especulações e reflexões sobre o fundo e o futuro desta novidade, que muitos rios de tinta fizeram e farão correr, confirma-se não parecer ser possível ter os líderes dos vários partidos sentados lado a lado à mesma mesa, anunciando a sua convergência.

Convergiram para a esquina de uma mesa e assinaram documentos bilaterais, de pé, alguns deles sem sequer arrumarem as cadeiras. Jerónimo de Sousa está todo torcido, incomodado pela carteira vazia e a senhora dos verdes vai ao ponto de assinar debruçada com o peito pousado sobre as costas da dita. Aparentemente Catarina Martins conseguiu ultrapassar o obstáculo de uma forma mais elegante.

O que é que isto importa? Pouco. Uma pessoa importante que conheci dizia várias vezes que nunca assinava nada de pé “entre duas portas”. A assinatura é um comprometimento que exige um mínimo de concentração, atenção e postura.

Repito que não será pela interferência da cadeira vazia que isto vai correr melhor ou pior, mas o ambiente de improviso e de ligeireza que transpira deste suposto momento histórico, não me parece bom augúrio.

11 novembro 2015

Ai Portugal


Digo e repito: não tenho simpatia nem afeto e muito menos interesse associado a qualquer partido político. Tenho alergia a inúmeros políticos, de todos os quadrantes. No entanto, governar o meu país e construir aquele que será o dos meus filhos, é demasiado sério para ficarmos entretidos e satisfeitos a atirar pedras e a fazer piadas brejeiras sobre quem nos governa. Usem esse registo para quando falarem dos treinadores de futebol. Pode não ser elegante, mas os efeitos são limitados.

Há 4 anos o Estado estava a escassos passos de não ter dinheiro para pagar salários e reformas. A culpa não foi todo do PS, mas ele estava ao leme. O primeiro-ministro da altura apareceu entretanto com largas manadas de cabritos, sem se lhe conhecerem as cabras. O acordo com quem na altura nos emprestou o dinheiro, que desesperadamente necessitávamos, foi negociado e acordado em primeira linha com o próprio PS. A fatura veio depois, para quem a merecia e para quem não a merecia.

Acreditei eu que tal etapa constituiria uma vacina e uma aprendizagem. Infelizmente, o PS de hoje destrui essa oportunidade. Este discurso do “vamos acabar com a austeridade”, como se esta tivesse sido uma opção da direita à qual eles foram alheios, não é sério. Reverter nacionalizações e concessões para permitir continuar a haver uma greve todos os meses, choca quem sua o seu trabalho.

Digo e repito: a minha preocupação principal não é eu trabalhar mais 4 ou 5 anos ou perder 10 ou 20% da minha reforma. A minha preocupação principal é o país que irão encontrar os meus filhos e a restante geração dos 20 anos. O seu futuro depende pouco da reposição das pensões, dos salários da função pública e muito menos das greves nos transportes. Depende de haver gente empreendedora, que acredita no país e que nele investe. É com profunda tristeza que vejo alguns esfregando as mãos de contentamento, porque os empresários “agora vão vê-las!”. Nem todos serão gente boa, é certo, mas com este clima, é muito provável que os meus filhos e muitos outros fiquem a ver navios…!

10 novembro 2015

Males que vêm por bem

Ou, dito doutra forma: há bens que chegam por acaso. Quis o azar que há uns dias atrás, ao fazer as malas um pouco à pressa, deixei para trás o material de leitura… Bom, o aeroporto de Lisboa até tem uma loja da Fnac…

Na dita loja, o material exposto em destaque, basicamente da categoria das “novidades”, não entusiasmava muito. A escolha era entre títulos bombásticos em capas de cores fortes e títulos pindéricos sobre capas pirosas…

Felizmente, lá ao fundo, estava uma estante com edições de bolso e uma coleção muito mais afastada da chamada espuma dos dias… Recordou-me os tempos em que eu ia juntando os trocos para os trocar por edições baratas de capa mole. Hoje eles ainda lá estão vivos na estante, apesar de não muito vistosos e com o papel já muito amarelado.

A escolha recaiu sobre um autor até agora virgem para mim: Machado de Assis e o seu “Dom Casmurro”. A sua função “biblo” na estante não será grande coisa, mas também não foi caro. No fundamental, ufa…! Que bela surpresa e que excelente história tão bem escrita. Uma das coisas boas deste mundo é haver sempre algo extraordinariamente bom, pronto a nos surpreender (desde que não nos baralhemos com o aspeto das capas).

05 novembro 2015

“O que a noite nos fez em muitos anos“

A passadeira mediática é bastante estreita. Não comporta um único tema de cada vez, mas pouco menos. Esse tema pode ser um cataclismo algures, um escândalo qualquer ou simplesmente um ministro visto com as meias rotas. O certo é que, num dado momento, há um tema quente em destaque, sobre o qual muito se fala e comenta, até ser substituído pelo seguinte. Há quem fale na espuma dos dias, mas, reconheçamos, muitas vezes é mais uma lama revolta que nos turva a visão e distrai, impedindo-nos de apreciar outros valores mais perenes.


E, por vezes, há uma morte, em geral não planeada, que brevemente faz subir à ribalta uma pessoa e uma obra meritosa, até aí obscurecida por essa lama dos dias. Recentemente, foi o caso de Fonseca e Costa, que me fez recordar o filme “Sem sombra de pecado” e o argumento do mesmo de David Mourão Ferreira.

Há muitos anos, ao cheirar livros numa livraria, abri uma antologia poética dele e fui atingido por uma frase: "Olhar de frente o Sol. Assim se aprendem as letras iniciais da Solidão”. Não o larguei mais e trouxe-o para casa, para me deliciar com aquela escrita tão bonita. “Desejei-te pinheiro à beira-mar, para fixar o teu perfil exacto”.

Talvez muitos o tenham apreciado, sem saber, cantado, mas respirar lentamente a sua obra escrita em papel é um exercício de elevação, como “ ... por vezes fingimos que lembramos, e por vezes lembramos que por vezes, ao tomarmos o gosto aos oceanos, só o sarro das noites, não dos meses , lá no fundo dos copos encontramos”.

04 novembro 2015

Esta quarta via…

Entre a saída da cena mediática de Varoufakis e a entrada fulgurante de A. Costa, poucos deram atenção à chegada do Sr. Corbyn à liderança do Partido Trabalhista Britânico, apesar de este anunciar a intenção de taxar pesadamente os bancos, renacionalizar os caminhos-de-ferro, sair da NATO e outras excentricidades. De realçar que isto não ocorre num país mediterrânico de calores e fulgores.

Quem alimenta e acredita mesmo nesta esquerda neomarxista, uma espécie de “quarta via”, que mais parece um baralhar e tornar a dar uma das antigas, já expirada? Estarão as classes trabalhadoras a pedir um ataque cerrado ao capital e renacionalizações? Não me parece. Uma boa parte sabe que o capital é necessário para criar riqueza e emprego e terão até mais aversão a políticos corruptos e incompetentes do que a patrões.

Afincadamente e assumidamente neste registo, vejo aqueles teóricos, que, do alto das suas torres de marfim, especulam sobre as dinâmicas sociais, sem nunca terem pisado as pedras da calçada. Pretendem tudo entender e assumem uma missão superior de mostrar o caminho ao povo, mas sem este chegar muito perto, pode cheirar mal…

Algum apoio de base irão busca-lo aos desiludidos, indignados, chocados com a falta de perspetivas e as enormes injustiças no mundo. É perfeitamente legítima e justificada essa vontade, pedindo-se novos políticos, mais do que novas políticas. No entanto, não é necessário, nem eficaz que os novos políticos (ou os antigos recauchutados) se queiram diferenciar pela radicalização. Faz-me lembrar aqueles que, quando são sabem bem o que fazer, desatam à patada. Este discurso não passa, pois, de uma perigosa deriva populista. A metamorfose do Syriza já veio provar os limites dessa suposta quarta via. As patadas deixam marcas e pobres daqueles que as acham virtuosas.

02 novembro 2015

E aos costumes disse nada

Em memória de José Fonseca e Costa, evoco o filme “Sem sombra de pecado”, que tive a oportunidade de ver na altura do lançamento em sala. Um belo filme que nem parecia cinema português, pelo menos dentro dos padrões da altura. Imaginem que até se ouvia e entendia perfeitamente o que os atores diziam, contrariamente à “tradição”, que tornava quase necessário utilizar legendas.

Um bom filme que se via agradavelmente, numa altura em que um filme português ser bom equivalia a ser denso, a mais não poder. Se o povo não achasse chato, era comercial e não prestava.

Este filme, “comercial”, tecnicamente cuidado e bem feito, tinha um enredo em cima de um belo conto de David Mourão Ferreira, que não escrevia nada mal: “E aos costumes disse nada”. O elenco incluía Mário Viegas, sobre quem nem vale a pena procurar muitas palavras para o adjetivar: brilhante e genial.

Na altura, não tinha visto o “Kilas”, anterior, eventualmente mais representativo. Para mim, foi com este e com José Fonseca Costa que entendi ser possível fazer cinema de qualidade em Portugal, sem aquele peso elitista e a poder ser visto e apreciado por um público alargado.


Nota adicional em 4/11/2015. Após este texto ter saído no Público de 3/11/2015, recebi uma mensagem do amigo Fernando Rodrigues, assinalando-me a injustiça de não ter mencionado também Vitória Abril, que tem uma interpretação magnífica. Ele tem toda a razão e aqui fica a referência que faltava.

01 novembro 2015

Arcozelo à lupa

O processo começa em 1985, quando no âmbito do FACA se realizou e expôs um levantamento fotográfico da freguesia. Findo o evento, as fotografias foram colocadas dentro de um grande e sólido saco plástico e aí hibernaram.

Reencontradas mais tarde, pediam o desafio de comparar o Arcozelo de 1985 com o de hoje. O primeiro objetivo era repassar os mesmos locais, 30 anos depois. A leitura das fotos de 85, nessa perspetiva, levantou algumas questões. Para locais que mudaram de função, manter o local ou a função; para quem já não está, recordar a obra ou procurar novos saberes?

O passo seguinte foi ler as fotos e agrega-las por temas. O mar, a terra (agricultura), a fé, os ambientes, o emprego, as coletividades, as infraestruturas e os saberes. A partir daqui, tornou-se mais fácil definir a nova leitura desses temas.

A freguesia foi dividida em 14 zonas e, durante 41 horas, palmilhei ruas, esquinas, becos e campos. Todo o tipo de caminhos e até mesmo onde não os havia. Fui registando o planeado e acrescentando o que me ia falando, durante essas andanças. Ou porque estava igual ao que a minha memória sempre recordara, ou pela precaridade pressentida, ou, claramente, pela transformação, por vezes brutal, constatada. Outros olhares certamente destacariam outras coisas, diferentes.

A fase dos exteriores está concluída. Do que está feito falta analisar, classificar, retocar e repetir o que for necessário. O capítulo dos “saberes” ainda tem um bom bocado para andar...