27 junho 2015

Pobre Tunísia

Das poucas vezes que estive na Tunísia, ainda no tempo de Ben Ali, ficou-me a imagem de um país extremamente policiado. No rescaldo das “primaveras árabes”, parecia ser o único país onde um regime democrático se conseguiria consolidar, ultrapassando a radicalização e a confrontação pós-revolução e evitando também (re)cair no autoritarismo militar.

Se na nova Tunísia democrática, existia um reduto de militantes islâmicos radicais nos montes Chaambi, isso parecia ser apenas isso mesmo: um reduto confinado. Com a colaboração da Argélia fechando do outro lado, seria uma questão de tempo até neutralizar os guerrilheiros. O atentado no museu do Bardo de Março deste ano foi um golpe duro – no pleno centro da capital e num dos principais locais turísticos do país. Podia-se entender ser um caso isolado, uma infelicidade que não se repetiria.

O ataque desta semana na praia de Sousse parece ser agora um golpe fatal. Efetivamente, os serviços de segurança tunisinos demonstraram serem incapazes de acompanhar e controlar estes acontecimentos. Longe estão dos tempos de Ben Ali e existe também a novidade da Líbia ali ao lado, completamente descontrolada e infestada (já se lembraram de fazer o balanço da guerra patrocinada pelo exterior que derrubou Khadafi?).

Dificilmente o turismo no país, que tem um peso enorme na sua economia, retomará deste choque, pelo menos a curto prazo. A Tunísia ficará mais pobre e os tunisinos pior. Não o merecem. Numa guerra existem soldados, generais e banqueiros. Nos jornais estamos a ver apenas os soldados…

26 junho 2015

O que falta?

40 anos após a independência das nossas ex-colónias o balanço é algo complexo. É fácil concordar que a autodeterminação desses povos era um direito que lhes assistia, assim como é fácil constatar que, nalguns casos, a luta original foi confiscada por outros interesses, como a constituição em Angola de um palco quente para a guerra fria e que não se encerrou com a independência. Pode-se atribuir uma boa parte dos problemas que persistem à fraca herança deixada pelo colonizador, mas evitando, se possível, chegar à situação do Brasil, que julga ainda sofrer dos males deixados pelo colonizador há alguns séculos.

Apesar de o caminho para a autonomia das colónias portuguesas ter sido muito diferente do de outros países africanos, não se encontram diferenças muito grandes na situação atual face a países análogos e vizinhos. África ainda tem um longo caminho a percorrer até ter uma sólida classe média, motor do desenvolvimento económico e social e pilar crítico da boa governação. Quando se lê alguma reflexão sobre o assunto, como num editorial recente da Jeune Afrique, o diagnóstico e a receita sugerida nem sequer estão claros.

Há, no entanto, um caso muito curioso: Guiné Bissau e Cabo Verde. O mesmo colonizador e, inicialmente, até um movimento de libertação comum: PAIGC. Hoje as diferenças entre esses países são abismais. Uma análise comparativa das duas evoluções seria muito interessante: o que houve em Cabo Verde que falhou na Guiné Bissau?

24 junho 2015

Julie e Melissa

Para quem esteve ou passou na Bélgica entre 1995 e 1996, estes rostos com 8 anos de idade nunca deixarão de nos ser familiares. Vimo-los por todo o lado. Foram raptadas em 24/06/1995, exatamente há 20 anos, e acabariam por morrer em março do ano seguinte, supostamente abandonadas numa cave prisão, de desidratação e desnutrição. Seguem-se, sempre aos pares, An e Eefie, também mortas. Finalmente Laetitia e Sabine são salvas no desfecho do processo.

Uma inexplicável ineficácia da polícia belga e muita confusão e perturbação com os magistrados de instrução sugerem que pode haver outro tipo de implicados, para lá de Marc Dutroux, principal autor material, e seus cúmplices próximos. Numa busca à sua casa, quando já é bem conhecido como pedófilo, os polícias, ouvem gritos das crianças mas convencem-se de que é algo no exterior. O juiz Jean-Marc Connerotte, o único que pega no assunto a sério e que salva as duas últimas crianças, vê o caso ser-lhe retirado por ter participado num jantar de solidariedade com as vítimas.

É desestimado um testemunho pormenorizado de uma antiga vítima, incriminando claramente o sinistro Michel Nihoul como suposta figura de proa duma organização pedófila. Não é chamada ao julgamento e Nihoul sai ilibado das principais acusações.

Há teorias da conspiração segundo as quais Dutroux era apenas um “caçador” alimentando uma rede de pedofilia que chegaria muito alto. Segundo outras, a vontade da polícia de apanhar na rede peixe graúdo deixa rédea solta ao raptor durante demasiado tempo.

É difícil ir muito mais longe a desenvolver especulações, mas é bastante plausível que com um bocadinho mais de eficácia da(s) polícia(s) Julie e Melissa poderiam ter sido salvas. Certo mesmo é que morreram e que sofreram muito. Pensar que gente influente pode ter participação ativa e influencia encobridora é arrepiante. Para todos os efeitos a Bélgica não encerrou o assunto.

23 junho 2015

A preto e preto


Começo por realçar que não tenho nenhuma simpatia partidária. Cada opção eleitoral minha é feita pela proposta que me parece mais séria e competente, sendo que, infelizmente, a fasquia está cada vez mais baixa. Fazem-me alergias algumas figuras da “coligação” mas, neste momento, maior alergia tenho com o catavento António Costa que promete tudo e, se for preciso, o contrário. Com tanto frenesim em tentar apanhar votos, penso que acabará por perder as eleições.

Na imagem acima pode ver-se o navio Atlântida, aquando de uma passagem recente pelo porto comercial de Viana de Castelo. O tal que foi encomendado por uma entidade pública a uma empresa pública e que sofreu o triste fado de não ter sido recebido nem pago. Os problemas dos ENVC não se esgotaram nesta encomenda falhada e encerrada com uma ligeireza assustadora para a dimensão em causa. Este é apenas excessivamente visível e deixa-me a interrogação: como é possível defender a bondade das empresas públicas e, ao mesmo, tempo ignorar/tolerar estes acontecimentos?

Durante anos e anos, vários governos de várias cores foram incapazes de implementar uma gestão minimamente eficaz e sã da empresa. Muito poucos intervenientes ficaram bem na fotografia. Atores ativos do descalabro virem agora candidamente à praça defender o passado público confunde-me. É interesse interesseiro, menos empresas públicas, menos carteira de jobs, ou mera politiquice primária? Em ambos os casos, não é sério.

21 junho 2015

Uma nova esquerda

Há uma “nova esquerda” a nascer na Europa e a crescer no natural descontentamento do eleitorado com a degradação e a corrupção associadas aos partidos tradicionais. É “contra” os mercados e contra quem manda na Europa. Se bem que a Europa e a sua governação não sejam exemplares, fico a refletir no seguinte. Se todos os países Europeus, incluindo a Alemanha, fossem como a Grécia, governados por um Syriza com mãos largas a manter um brutal custo no Estado e de mãos rotas quanto a cobrança de impostos, com défices permanentes e a solicitar ajuda aos outros… como ficaria a Europa? Falida.

Ou seja, esta abordagem de sacar aos ricos, só funciona enquanto houver ricos. Tem alguma incoerência, não terá? É uma opção “marginal” e dificilmente um partido de poder consegue exercê-lo de forma sustentada, pedindo cheques ao inimigo, quanto mais não seja por uma guerra que acabou há 70 anos. Não é certamente “..mais um sinal da mudança da orientação política que está em curso na Europa, do esgotamento das políticas de austeridade e da necessidade de termos uma outra política …” Sic António Costa, Janeiro 2015.

Na encruzilhada em que a Europa está, globalmente mais pobre e a necessitar de encontrar novos equilíbrios, a esquerda precisa de procurar novos valores e rumos que certamente não passam por uma diabolização primária de quem é solvente.

17 junho 2015

Politiquice não rima com economia

Correndo o risco de este texto poder ser algo boomerang, o processo de privatização da TAP demonstrou sermos extraordinariamente ricos em especialistas de gestão de companhias aéreas. Correram rios de tinta, e de megabytes, com opiniões e sentenças sobre os prós e contras do processo, carradas de sugestões de viabilização da empresa e sábias conclusões sobre a necessidade ou não da venda.

No fundo, ficou demonstrado o enorme problema associado a empresas públicas, muito aquém das questões de princípio sobre o papel do Estado na sociedade. É que, a todos os níveis, o que estava em causa não era a empresa, o seu negócio ou o seu serviço. O que estava em causa era politiquice, marcar pontos ao adversário.

A vida não é fácil e, de há uns tempos para cá, para as companhias aéreas muito difícil, como se constata pela situação e histórico das congéneres europeias da TAP. Sequestrar uma companhia de transportes, construção naval, telecomunicações, ou outra qualquer sujeita a concorrência, entre gestão politizada e sindicatos partidários é sentença de morte.

Daí a vontade de ver essas empresas privatizadas para acabar de vez com estas distrações caras. Sendo que privatizar a propriedade ou operação de serviços sensíveis exija uma regulamentação bem pensada… que se resolve, naturalmente, sem politiquice.

15 junho 2015

Tribos do subdesenvolvimento

“Existem grupos no seio da organização que agem de acordo com interesses próprios, mesmo que estes prejudiquem os objetivos mais amplos da organização?”

Esta pergunta integrava um inquérito, parte do estudo “Valores, Qualidade Institucional e Desenvolvimento”, promovido pela Fundação Francisco Manuel dos Santos e abrangendo EDP, ASAE, CTT, SNS/Hospital de Santa Maria (HSM), Bolsa de Lisboa e Autoridade Tributária. É um estudo estruturado. As suas conclusões não são resultado de simples entrevista de rua nem palpites de comentador “todo o terreno”.

Entre vários pontos positivos e negativos sobre cada organização, é referido que no HSM existem grupos de interesses poderosos, associados a partidos políticos e a outros “sindicatos”, mais ou menos camuflados. Esta menção que não resume nem deveria resumir o estudo, ecoou e trovejou, entre aplausos, repúdios e até ameaças.

Um português minimamente informado e consciente sabe que quintas, quintinhas, capelas e capelinhas são uma triste realidade em muitíssimas organizações e um dos maiores entraves ao desenvolvimento. Não é por o HSM ter 60 anos de vida que ganhou o direito a não ser citado. Até que ponto lojas maçónicas e organizações católicas, se bem que com matrizes antagónicas, funcionam perniciosamente (realço a forma interrogativa) como “sindicatos de interesses”?

Privilegiar a meritocracia passa por acabar com a cultura das quintinhas e o primeiro passo é identificar e caraterizar o fenómeno. Se o método usado não foi o ideal, discuta-se outro. Enterrar a cabeça na areia ou fazer de virgem ofendida não ajuda nem convence.

12 junho 2015

Os 10 milhões

Se eu tiver uma casa que vale 100 mil euros e associada a ela uma dívida ao banco de 40 mil, poderei esperar despachar as duas por cerca de 60 mil euros… Mas se, para a mesma casa, a dívida for de 200 mil, se calhar ainda tenho que pagar algo para alguém ficar com as duas, não será?

Este é o caso da TAP. O valor da empresa é largamente inferior à sua dívida e esta foi assumida, proporcionalmente, pelo comprador. São umas centenas de milhões de euros negativos que transitam do Estado para o novo dono. Daí que o valor adicional a pagar seja baixo, os tais 10 milhões.

Quando se fazem destaques e manchetes resumindo a privatização da TAP a este valor, é ignorância ou tendenciosidade. Independentemente do ponto de vista de cada um, e confesso que não entendo tanta embirração com este processo agora, quando no caso da ANA, muito mais sensível, nada se disse, informar não é manipular.

10 junho 2015

Sinto a terra que treme

Quem por desdém a ti não quer
Não merece o chão que pisa.
Sinto a terra que treme ao frio,
Por isso te aconchego.

Perdoa a todos os teus filhos,
Perdoa a quem não vê.
Portugal... por ti eu espero
E só, mas só, por ti eu sou.

Se a mãe das dores é a saudade,
Que orgulho assim tão triste,
Cantar ao sol é vento em vela
a quem nunca desiste.

Perdoa a todos os teus filhos
Perdoa a quem não vê
Portugal... por ti eu espero
E só, mas só, por ti eu sou

Trovante / Terra Firme / Sinais

Foto: Seteira no Castelo de Castelo de Vide

08 junho 2015

O dinheiro, ai o dinheiro…

O futebol a nível mundial mobiliza milhares de milhões de espetadores. É um valor gigantesco para promoção tanto de produtos e serviços como de países em busca de notoriedade. Por outro lado, muitos há que não conseguem ver circular milhões à frente do seu nariz sem caírem na tentação de aproveitar alguns para benefício próprio. Dinheiro é dinheiro e quando é mesmo muito parece tudo poder comprar, a menos que…

Deserção de patrocínios? Enquanto o futebol continuar popular como atualmente, dificilmente faltarão patrocinadores. Pode a Europa, num assomo de dignidade, boicotar os campeonatos polémicos? Seria bonito, mas mesmo no momento mais alto da recente tormenta, o Sr Platini da UEFA apelava à demissão de Blatter e, em Zurique, o presidente da federação francesa votava em… Blatter! Aparentemente a teia é tão forte que só mesmo a justiça a pode quebrar. Saudemos pois os EUA que, apesar de atores recentes nesta arena, tiveram o mérito lançar as ações judiciais que estão a abalar a FIFA.

Há ainda os milhões das contratações de jogadores e treinadores, de difícil justificação. Quando não se vislumbra uma razão plausível, o mais certo é existirem outras, camufladas, e essas razões escondidas provavelmente também terão algum interesse para a justiça. Será necessário esperar que o fenómeno chegue aos EUA para ser investigado a sério?

Eu gostaria de viver num mundo que não se resuma a “o dinheiro, ai o dinheiro … “

04 junho 2015

Sporting – gente séria?

Sou de Sporting porque o meu pai era, mas nunca vi um jogo inteiro do clube ao vivo. Uma vez assisti a metade quando praticava atletismo no Espinho e no final do treino nos deixaram ver o resto de uma partida, que lá se disputava. As suas vitórias e derrotas não contribuem muito para a minha felicidade, nem nunca me vi em discussões acaloradas sobre estes assuntos.

Tenho alguns anticorpos contra o FCP. Não gosto aquele discurso do “somos os maiores, perdemos quando somos roubados”. Um pouco de humildade e respeito pelo mérito dos outros, quando devido, nunca fica mal. Já sem falar das saladas de frutas.

Tenho alguns anticorpos contra o SLB. Muito especialmente desde que Vale e Azevedo declarou que os contratos existiam para serem rasgados e o pessoal aplaudiu entusiasmado. Também, de certa forma o SLB representa o espírito nacional, no seu pior: “Já fomos grandes! Havemos de reencontrar as glórias passadas!”. O que fazer para lá chegar é que pode ser um pormenor secundário.

Costumo dizer, meio a brincar, que o Sporting é um clube de gente séria. É de realçar que foi da sua escola que saíram a grande maioria das vedetas nacionais que pisam/pisaram os relvados mundiais. No passado recente, a opção pela contenção dos custos e a recuperação de resultados conseguida nesse contexto é um excelente exemplo do caminho que o futebol deveria tomar.

Esta notícia de hoje, da contratação de Jorge Jesus, que irá para receber uns milhões “financiados” sabe-se lá de onde... não me agrada. Sem discutir ou especular sobre o potencial de sucesso ou insucesso, preferia ver o Sporting manter o caminho anterior.

03 junho 2015

O fim da austeridade

É um assunto sério que se tem tornado objeto de politiquice: a austeridade. Alguns entendem a “opção” pela austeridade como a escolha da cor de uma camisola. Antes era azul, depois mudou-se para preto e agora era bom retornar ao azul. Como os gregos estão a comprovar penosamente, a “austeridade” não se resolve com decretos voluntariosos.

Sendo inquestionável a necessidade de equilibrar os orçamentos, o primeiro ponto é o perímetro do orçamento. Não podemos pedir a uma pequena aldeia na serra para pagar com os seus próprios recursos os serviços básicos de que necessita. Tem que existir um perímetro maior, solidário. Se deve existir uma solidariedade europeia, e convém recordar que muito já recebemos nestes quase 30 anos, também não podemos cair numa situação “à Alberto João”, em que a solidariedade é exigida, quase chantageada, sem querer prestar contas.

A abordagem séria passa por debater como vai ser a Europa, sendo óbvio que discursos “à Alberto João” arrefecem o espirito solidário dos outros países, onde também há democracia, e mais transferências inevitavelmente implicarão mais centralização e menos “soberania”. De qualquer forma, todos os orçamentos têm limites e a questão não será a necessidade de cortar, mas sim onde cortar. Qualquer cidadão minimamente informado sabe que o aparelho de Estado continua a delapidar fundos por questões estruturais e por más práticas. Infelizmente isto não parece estar na agenda. Discutir sim ou não à “austeridade” é um primarismo inconsequente e uma distração.

01 junho 2015

Um branco de carapinha?!

Um anúncio antigo e algo pitoresco de um produto para tratamento do cabelo dizia, e mostrava, que não era normal um branco ter carapinha. Recordo-me dele a propósito de algumas combinações entre situações sociais e convicções políticas. É normal os nascidos em casa abrasonada serem monárquicos e se identificarem com um sistema onde há privilégios transmitidos de forma hereditária. É normal um camponês nascido em terras férteis, mas que passa fome, defender um modelo mais comunitário da propriedade.

O que me estranha são os “príncipes vermelhos”. Nascidos em berço de ouro e usufruindo de uma série de facilidades oferecidas, advogam um mundo novo, expressando-se em grandes tiradas provocatórias e eloquentes. No fim-de-semana vão repousar e recarregar baterias à sombra das árvores seculares da casa senhorial, que, obviamente, nunca pensaram/pensarão em “comunitarizar”.

Normalmente têm formação teórica profunda em filosofia ou sociologia, ou nas duas, ou em mais algumas. Os inúmeros livros lidos e a tranquilidade das árvores seculares, dão-lhe uma segurança e uma autoestima absolutamente indestrutíveis, alardeando uma superioridade intelectual que toca a soberba. Vêm-se um par de órbitras acima do comum dos mortais que luta honesta e pragmaticamente para ver vingar a sua pequena árvore, por ele próprio plantada, e que sabe que nem tudo está nos livros.