31 dezembro 2023

Um Bom Espinosa Ano


 Buscando acrescentar eliv fugir um pouco aos votos clássicos…

Ouvi um destes dias uma entrevista a J Rodrigues dos Santos, de promoção do seu novo livro sobre este filósofo neerlandês de origem portuguesa. O nome sonava-me, mas a dimensão menos. Devo dizer que li 3 livros de JRS, para testar…. Lêem-se bem, são didáticos, mas falta-lhes aquela coisinha que separa um relato descritivo de um romance literário. De todas as formas, tem muito mérito por escrever, ter sucesso e pôr muita gente a folhear páginas escritas.

Resolvi, portanto, ir visitar o personagem, começando de forma um pouco mais séria e menos romanceada, através da obra acima representada. Neste momento, longe de mim a pretensão de ter absorvido o seu pensamento nalgumas centenas de páginas, lidas uma vez, e muito menos de o vir aqui tentar resumir em meia dúzia de frases, mas algumas reflexões apetece-me desenvolver.

Espinosa é extraordinariamente inteligente, corajoso e clarividente. Deduzir e avançar com as suas ideias e formulações, especialmente naquela época, foi um exercício de liberdade e de promoção da dignidade humana fantástica. Pensar sem barreiras, deduzir sem preconceitos, assumir sem condicionalismos, ser livre e criativo de espírito, sem razões a castrar as emoções e sem limitações a travar a razão… que mais se pode desejar?

29 dezembro 2023

Vem lobo, vem lobo...


Eu não queria falar disto, mas há quem o esteja a tornar tema obrigatório diário. O Chega é um partido pouco recomendável num sistema politico saudável, pela natureza de algumas propostas, pela inconsistência e irrealismo das mesmas e pela fragilidade de uma estrutura “one man show”… Se uma solução governativa para o país vier a passar por eles não são boas notícias.

Agora, na outra ponta, se é que se pode assumir alguma linearidade neste universo, partidos que têm dúvidas quanto à possibilidade de a Coreia do Norte ser uma democracia, com simpatia para regimes incompetentes e brutais como a Venezuela, condescendentes com o camarada Putin, mesmo quando ele agride brutalmente um vizinho sem um mínimo de justificação ou de humanidade, também não são gente recomendável.

Todos estes podem não ser um problema para a democracia do país no sentido restrito do conceito, mas serão um problema para o modelo de país justo e livre onde queremos viver. Estes alertas constantes do “Vem lobo, vem lobo…” são apelos a que, de um lado ou de outro, ele venha mesmo (e vejam onde anda hoje o partido socialista francês depois de Miterrand ter jogado um xadrez idêntico umas décadas atrás).

22 dezembro 2023

À espera que…


As organizações que se pretendem eficazes e competitivas têm naturalmente horror a vazios de liderança. São fatais. Quando um líder se declara ou é declarado incapaz, a substituição deve ser o mais célere possível.

O Estado não é necessariamente um exemplo de eficácia e, quanto à competitividade, o resultado da sua “gestão” costuma ser num prazo que dificulta a identificação de causa-efeito. De todas as formas, liderança é liderança e sem liderança efetiva, legitimada e plena, não há milagres.

Vem isto a propósito da data das próximas eleições legislativas, dentro de quase três meses. Disse-se na altura que era necessário dar tempo ao PS para se recompor e reconstruir após a demissão do seu líder. Apesar de isso ser um problema do partido e não do país, até já está feito. Para que servem estes longos meses até às eleições e tomada de posse de um novo governo legitimado e efetivo…?

Não sei e até receio que, mais do que discutir propostas e ideias, vamos assistir a um certo concurso de cuspidelas. Quem cospe mais longe e mais grosso.

Temos todo o tempo do mundo? Não. Tempo perdido é tempo perdido.

20 dezembro 2023

A supremacia da esquerda


A supremacia branca foi uma coisa inventada no espírito do “somos todos iguais, mas alguns são mais iguais do que outros”. A supremacia da esquerda é um conceito com alguma analogia, no sentido de que estamos em democracia, sim senhor, mas a esquerda é mais virtuosa do que a direita, nomeadamente pela sua defesa da liberdade, igualdade e solidariedade, contra uma direita autoritária e protetora dos grandes capitalistas egoístas.

Começando pela liberdade, ditaduras tanto de direita como de esquerda infelizmente não faltam na história universal e digamos até que a esquerda frequentemente convive mal com a democracia, quando os eleitores não reconhecem a suposta bondade exclusiva dos seus propósitos. Recordam-se de por cá, enquanto a direita apenas pretendia ter direito a existir e a ir a votos, a “legitimidade revolucionária” da esquerda procurava condicionar os partidos, cercava e pressionava a Constituinte e todos os discordantes eram liminarmente desclassificados como fascistas?

Sobre a solidariedade há efetivamente algumas diferenças. Convém recordar que não estamos nos tempos em que um azar na vida, pode condenar a uma vida miserável toda uma família. Hoje, neste nosso mundo, se alguém tiver um azar e partir uma perna, é tratado (com mais ou menos espera) antes de se verificar a cobertura de um seguro de saúde ou um limite de cartão de crédito. Se a empresa que alimenta uma família falir, isso não deve implicar fome e privações para todos.

Agora, o que me parece é que essa solidariedade deveria ser tendencialmente temporária e não estrutural. Numa sociedade sã, cada qual deve poder encontrar os meios de viver dignamente sem necessitar de ajuda sistemática do Estado.

Os números atuais de mais de 40% da população a necessitar de ajuda do Estado, não constituem uma realidade virtuosa, nem deveriam ser uma bandeira a empenhar orgulhosamente por ninguém. Pelo contrário, representam uma falência da capacidade de gerar riqueza e de cada qual conseguir pelos seus próprios meios uma subsistência digna. A questão de base anda um pouco à volta de se o objetivo é exterminar os ricos ou acabar com os pobres.

Para lá dos princípios, na atual prática da guerrilha política, a invocação da suposta bondade e supremacia da esquerda, como ferramenta para aceder e manter o poder, sem o mínimo interesse em resolver estruturalmente a pobreza… é pobre e simples oportunismo.

Nota: Imagem da versão publicada, reduzida, para "caber"...

15 dezembro 2023

O soco da realidade


Dizia a Reuters um destes dias que neste ano de 2023 as estratégias ousadas dos fabricantes automóveis quanto a veículos elétricos (VE) levaram um soco da realidade. Aqui

E referem dois motivos que esfriaram expectativas, adiaram investimentos, reduziram os ritmos de produção e … preços. Um é obviamente o preço. Para lá dos clientes desafogados para quem 20 K Eur a mais ou a menos é um detalhe para o gosto de andar na crista da onda tecnológica e outros, também mediamente desafogados, que aceitam e lhes serve bem um VE como segundo carro… para o comum dos mortais o preço/capacidade conta muito, atendendo aos seus recursos limitados e necessidades de mobilidade.

Apesar de algumas benesses públicas, os VE ainda são caros e não sei bem se é aumentando ainda mais essas ajudas que a questão se resolve estruturalmente. Uma coisa é certa, muito sangue vai correr, muitos construtores irão sofrer (e fechar…), esperando que não cheguemos a ver um mercado basicamente achinesado e um pouquito teslizado…

O segundo ponto são as restrições do carregamento em termos de disponibilidade e tempo de espera, para quem não consegue vencer os percursos diários com uma única carga. Há uma dimensão de liberdade na utilização de um automóvel, e de prazer, que desaparece quando se passa o tempo a olhar para a evolução do nível da bateria e rezando ao santinho mais próximo para que o próximo posto de carregamento esteja ativo e disponível quando se lá chegar.

Outro ponto que ainda não está na primeira linha, mas que, já agora, acrescento eu, também vai chegar, são os custos de reparação/substituição de baterias após acidente. Substituir uma bateria amachucada por uma pancadita qualquer custa muito dinheiro e em solo ou partilhado em seguro, as faturas lá terão que ser pagas...

Atendendo ainda a todo o ciclo de produção de baterias, que de economia linear nada tem, atendendo à problemática da produção de energia elétrica que durante muito tempo não vai evitar a utilização de combustíveis fósseis… isto do acelerar a exclusividade dos VEs está um pouco coisa de bois à frente dos mesmos (com todo o respeito que merece a raça bovina).

14 dezembro 2023

Sobre o futuro

Daqui a meia dúzia de meses quem se vai lembrar desta história das gémeas luso-brasileiras? Quem ainda se lembra das trapalhadas de há uns meses no Ministério das Infraestruturas? Daqui a um ano quem se lembrará do caso de Alexandra Reis e do expedito despedimento de Christine Ourmières (para lá daqueles que considerem ser sócios ou assalariados do Estado Português)? Todos estes casos e casinhos de desgoverno, e respetiva cultura subjacente, contribuem certamente para o marcar passo em que nos enterramos, mas talvez não devessem ser o mais importante tema da atualidade.

Durante vários anos, para não dizer para toda a vida, os jovens cuja educação se degrada suportarão um passivo para si e para o país. A recente avaliação PISA veio demonstrar como estamos assustadoramente a andar para trás. Obviamente que se fosse para a frente, o mérito seria todo do Governo; como é para trás o Ministro não sabe e palpita-me que não vai chegar a querer saber. Não vale a pena olhar para tudo o que aconteceu no passado recente e tentar tirar conclusões? Especular sobre redução das exigências, abolição de exames, facilitismo de toda a ordem, falta de meios durante os longos confinamentos, longas greves e falta de docentes, sobre isso podemos especular. Mas, sobre o futuro do país, numa das suas componentes mais fundamentais, a coisa não deveria ficar pelas especulações.

08 dezembro 2023

Há livros diferentes

Há autores para os quais um ou dois livros lidos implicam a vontade de outros dois e de tudo o que deles apareça. Por vezes o que aparece, já depois dos títulos sonantes terem sido digeridos, não é necessariamente a primeira água, mas tem que ser bebido.

John Steinbeck é um desses autores para mim. Mais “A Leste do Paraíso”, e outros humanamente mais densos, do que “As Vinhas da Ira”, mas se me aparecer à frente um título desconhecido, lá ma rendo a este autor sem Deus conhecido.

Recentemente apareceu-me este “Um Dia Diferente” e lá foi comigo até à caixa. Confesso que não tinha expetativas muito elevadas, mas enganei-me. Lá estava de novo aquela densidade e simples complexidade de personagens, tão distantes e tão próximos. Há muito tempo que não dava por mim ansioso a ler e saborear, expectante sobre onde tudo aquilo ia terminar. Como acabaria a história daquela trupe tão marginal, tão tresmalhada e tão humana.

Não digo aqui como acabou, mas ainda bem que graças a um Deus qualquer que existe quem consegue ver e contar o mundo como Steinbeck.

 

07 dezembro 2023

As perspetivas da cunha


Andou mal o Presidente da República neste processo das gémeas luso-brasileiras. Para lá dos detalhes que ainda não sabemos, nomeadamente qual o nível de pressão que ele e/ou a sua equipa colocaram na comunicação da solicitação ao governo, ele esteve especialmente mal com a sua “amnésia” inicial.

Face ao pedido, o governo tinha duas opções: ignorar/recusar ou dar seguimento favorável. Se ignorou, significa que todo o processo teve uma evolução normal, como para qualquer cidadão lambda deste país. Não parece, de todo, ter sido o caso. Se resolveu atender ao pedido, recordando o paralelo com a solicitação para a TAP antecipar um voo, com o simples objetivo de agradar ao PR, aí há outra perspetiva para a cunha, que é a de quem a aceitou. A ter havido favorecimento efetivo, não foi a presidência quem deu as ordens ao hospital.

Em todos os contextos e escalas, se restringirmos o direito a condenar a quem nunca deu uma “palavrinha” a alguém para desbloquear e avançar rapidamente com algo na administração pública, ficam poucos para atirar a primeira pedra.

Estes poderes e privilégios não devem existir no país onde queremos viver e o PR e o Governo têm responsabilidades acrescidas. A relação entre dois órgãos de poder, especialmente a este nível, não pode incluir destas transações. Por muito “tradicional” que seja este “desporto nacional”, pelo princípio e pela escala, o caso precisa de ser esclarecido de A a Z.

06 dezembro 2023

Por outros dias

Por estes dias celebrou-se um aniversário da morte de Francisco Sá Carneiro. Pondo de lado a vergonhosa incapacidade das instituições em investigarem e apurarem a causa direta e a fundamental do atentado (ver aqui), pode ser um momento de reflexão sobre o legado e personalidade de uma figura ímpar e determinante numa fase critica da história do país. O livro acima representado é uma interessante e instrutiva visita à sua vida e àqueles tempos.

Na altura era atacado como potencial fascista, quando o seu combate era o de retirar a tutela dos militares sobre os partidos, extinguir o Conselho da Revolução, rever a Constituição, e o aí decretado “caminho para o socialismo", e permitir a reversão das nacionalizações brutais de 1975. Visto a esta distância, estava errado? Certamente muito mais anti ditatorial do que aqueles que disso o acusavam.

No ponto de vista pessoal a integridade e frontalidade como assumiu a sua vida pessoal e amorosa são ainda hoje motivo de admiração. O grande progressista Mário Soares não hesitou em lhe dar uma canelada quanto à sua incapacidade de “governar a sua família”. Posteriormente, como primeiro-ministro, recusou-se a fazer passar uma alteração legislativa que lhe resolveria o problema do seu divórcio pendente, para não ser simultaneamente decisor e beneficiário.

Não convém olhar para Sá Carneiro como um imaculado herói cuja morte prematura santifica. No entanto há no seu desprendimento, sinceridade, irreverencia e clareza de princípios um exemplo que é importante realçar sempre e especialmente nos tempos que correm. Recomendo o livro.

 

01 dezembro 2023

Ao eleitor o que é do eleitor


Correm preocupações e alarmes quanto ao resultado das últimas sondagens, onde o Chega tem um crescimento espetacular. Não é necessariamente uma boa notícia, mas a democracia tem destas coisas. É o eleitor que decide.

Depois de tantos anos com ouvidos moucos aos designados casos e casinhos e pretendendo que formalmente está tudo bem até eventual condenação e transito em julgado, que esperavam? Que os eleitores aceitassem a bondade dessa formal inocência?

Obviamente que o Chega não tem um projeto sério e consistente, mas ele cresce no lixo que outros criaram. Se o querem combater e contestar, vão aos fundamentos e à incoerência das suas ideias e propostas. Argumentar angelicamente de que “eles são muito diferentes de nós”, não é herbicida, é adubo!