29 novembro 2005

Ó subalimentados do sonho....

Acho que as próximas presidencias vão ser muito interessantes. Começando por situar a questão, o Presidente da República em Portugal não é uma figura executiva mas sim representativa e referencial. A sua acção só será verdadeiramente importante no caso de um novo Santana Looes. E espero bem que, quanto a esta possibilidade, nós e o conselho nacional do PSD, já estejamos suficientemente vacinados.

Cavaco Silva provavelmente ganhará no campeonato da credibilidade. Agora, será que conseguirá ocupar esse lugar referencial, ultrapassando o cinzentismo do cidadão sério, técnico e amorfo. Terá cultura suficiente para isso? Veremos... Porvavelmente será o fim do mito.

Mário Soares irá perder. E provavelmente, à imagem do que já vimos na infeliz candidatura à Presidência do parlamento Europeu, perderá também a face. O seu tempo já passou e vamos lá a ver quando se conhecerão finalmente os detalhes desse tempo. A sua aparente bonomínia tem tido uma correspondente bondade da comunicação social inexplicável. Estarão à espera para uma crucificação póstuma como a de F. Miterrand? De qualquer forma, é bem provável que seja o fim de outro mito.

Manuel Alegre irá ter um resultado surpreendente. Sobretudo se não entrar em registos do tipo "sobrevivente do Maio de 68" como vimos aquando da discussão da co-incineração para Souselas há uns anos. Bem ou mal, Jorge Sampaio deixou desenhado o perfil do Presidente da República Portuguesa. E Manuel Alegre é o candidato que mais próximo está desse prefil. A sua elegância da palavra e a sua marginalidade, caitvarão muitos eleitores. Um poeta pode não ser um bom Presidente mas umas palavras bem ditas podem ser devastadoras. E cito Natália Correia, também da política e da poesia, se bem que doutra bancada: "Ó subalimentados do sonho, a poesia á para comer". E, se calhar, estaremos mesmo a precisar de comer algo mais para lá do pão...

Em resumo, creio que os Portugueses irão prefeir um presidente esfinge a um presidente poeta e, sobretudo, a um presidente cheio de amigos.

24 novembro 2005

Concorde ...




No dia 24/10/2005 cumpriram-se 2 anos sobre o último voo comercial do Concorde. E eu ainda não me esqueci dele...

O Concorde largou para os céus quando tínhamos 10 anos e um mundo por descobrir. Nas suas capacidades, na sua estética pura e na sua inovação tecnológica, o Concorde era um dos símbolos desse futuro que ali estava. Mais do que imaginar se ele seria ou não o avião do futuro, era um avião futurista que existia e que encantava.

Assim, seguimos atentos o voo inaugural, deslumbrados por aquele perfil esbelto. Alguém disse em tempos que um avião para voar bem tinha que ser belo. O Concorde só podia ser um avião fabuloso de pilotar.

Mais tarde entendi que se actualmente existem aviões europeus nos céus do mundo, isso deve-se em muito ao desafio colocado pelo avião comercial supersónico. As dificuldades do projecto forçaram os europeus a uma associação onde estava a génese da Airbus. Se isso não tivesse ocorrido, provavelmente que hoje não haveria indústria aeronáutica na Europa (acho que existe muito mais “Europa” na Airbus do que na maior parte dos gabinetes de Bruxelas ....).

Hoje o Concorde é peça de museu. O avião que há 30 anos era um avião do futuro, é passado.

Não será caso único nem especialmente dramático. No entanto quando vemos agora aquelas linhas, os anos não lhe pesam. Continua a ser “do futuro”. Daquele futuro que existe na mente de quem o sonha, de quem o desafia e de quem se apaixona pelas criações belas.

E é com alguma comoção que digo: O Concorde é uma daquelas máquinas fantásticas de ficção que teve o privilégio supremo de se ter tornado realidade.


*fotografia extraída do site da Air France

22 novembro 2005

E ainda sobre mudar a justiça

Soube que o meu texto sobre a necessidade das mudanças na justiça, publicado como Carta ao Director do Jornal Público de 3/11, foi discutido numa aula de um curso de direito.

Pelos ecos que me chegaram, a mensagem do professor foi:
“É normal quando as pessoas não estão dentro dos assuntos criticarem sem conhecimento de causa”. “Só se pode falar com autoridade quando se conhece a fundo o tema” e, pelos vistos, da justiça só conhece quem está lá dentro. Conclusão: o texto deve ser ignorado.

Ora bem, eu não conheço, nem quero conhecer, como funciona a Justiça. Não apontei causas nem sugeri remédios. Não sei, nem quero saber, se o problema está no ministro da Justiça ou no porteiro do tribunal. Limitei-me a constatar como cidadão que há ineficiências graves. E que, como em tudo, o primeiro passo para mudar o que está mal, é reconhecer que está mal e que pode melhorar. Encolher os ombros e resignar, não é aceitável. Mas, ao que parece, vozes de burro não chegam ao céu….

19 novembro 2005

Prece




Senhor, livrai-nos do mal. Dizem os crentes que inventaram algo que nos possa livrar de nós.

Senhora, perdoai-me de mim. Do teu ventre inacabado em que claro me impeças de renascer.

Senhor, de ti nada espero. Em ti recuso entregar a outra vida que depois de criança deveria empenhar.

Senhora, o teu sorriso meu suplício, o teu corpo refeita forma, o teu partir pelo meu estar, relicário de enganos, de todos os sonhos recomeçar.

Por mim, menino bolorento. Reincarno a criança que não fui, a loucura que vem atrás.

Senhor, seja em quente, seja em frio, por acção ou por omissão, ela é senhora do meu fim.

A boa vida sabe melhor

Acho perfeitamente normal que os alunos não gostem das aulas de substituição. Recordo-me muito bem da ansiedade com que esperavamos pelo “segundo toque” para confirmar o “feriado” e de quão bem sabia ter um “furo” inesperado.

Que os professores não gostem parece-me já um pouco mais questionável. Provavelmente saberá melhor ficar sem nada fazer do que trabalhar com os alunos. Mas... será esse o critério determinante? Será que a função do professor é fazer o “mínimo” e a mais não é obrigado? Tema para mui larga discussão, sem dúvida ...

Agora, o que me parece absolutamente inaceitável é os professores questionarem a utilidade desse tempo. Não vale a pena recordar os problemas de insucesso escolar gravíssimos que temos e, como corolário, o facto de uma boa parte dos alunos não chegarem a dominar dois pilares básicos do ensino como a Língua Portuguesa e a Matemática. Como é possível, neste contexto, desperdiçar este tempo adicional???

Exigirá coordenação e comunicação. Envolvendo os vários professores da turma, o professor que falta, quando possível, e os professores do grupo para rever alguma matéria ou esclarecer dúvidas. Se tal não chegar, exigirá imaginação. Em qualquer caso, o que não poderá nunca faltar é a vontade.

Em resumo, a boa vida sabe bem, mas a construção de algo exige esforço, vontade e seriedade. Argumentar que as aulas de substiuição não servem para nada, pura e simplesmente não é sério.

16 novembro 2005

Contos Proibidos

Num país em que o passado dos políticos é tão escrutinado que até se descobre o escândalo de uma “sisazita” que não foi paga há uma dúzia de anos, é assustador o silêncio de ontem e de hoje sobre este livro de Rui Mateus de 1996: “Contos Proíbidos – Memórias de um PS Desconhecido”.

Obviamente que é um livro a ler com prudência. Foi escrito por alguém ressabiado, abandonado e atirado pela janela fora pelos seus companheiros de estrada.

No entanto, tem demasiadas referências factuais para poder ser rejeitado em bloco. E o que Rui Mateus escreve é arrasador para Mário Soares e para uma certa forma de ser “profissional da política”. Neste momento em que Mário Soares reaparece e se apresenta como providencial salvador da pátria, seria muito interessante que a nossa comumicação social, tão ávida de “escândalos”, como o da famosa sisa de Miguel Cadilhe, pegasse no documento, o trouxesse a público e ajudasse os portugueses a entender quem é e quem foi esta personalidade. Quais as suas motivações e o fundo das suas acções. Em resumo, que ajudassse a acabar com este mito terceiro-mundista.

15 novembro 2005

Política de prioridades para a justiça

Quando ouvi que as prioridades da justiça passariam a ser definidas pelo Governo, deu-me um sobressalto.

No plano dos princípios, não há razões para este sobressalto. A justiça, como "tudo", tem e terá sempre recursos finitos. É boa norma, antes de reclamar sempre mais recursos, garantir que se utilizam bem os que existem. Essa boa gestão inclui, naturalmente, ter prioridades. É lógico que, em democracia, seja um governo sufragado pelo voto popular a implementar a "política" em todas as vertentes.

Mas um dos problemas muito graves que temos, e bastante impune, é o financiamento ilegal dos partidos. "Quem cabritos vende e cabras não tem, dalgum lado lhes vem." Parece difícil acreditar que tudo o que os partidos recebem seja fruto de dádivas altruístas ou idealistas. Estes financiamentos obscuros chegam certamente às cúpulas e não serão só o pequeno saco azul da autarquia perdida no mapa... Qual será a prioridade dada a este crime no novo cenário proposto?

Se calhar, o fenómeno não é assim tão importante em dimensão material. No entanto, pelo que arrasta a montante e a jusante, torna-se um verdadeiro cancro do sistema democrático. Por vários aspectos. Porque distorce muitas actividades económicas e sociais, porque delapida a "coisa pública" e porque cria uma cultura de valores podres, entrave a um desenvolvimento são. Mas pior ainda. Porque transmite ao comum dos cidadãos a impressão de que os seus representantes democráticos não são pessoas de bem. E isto é muito, muito, grave.

Por isto, eu fico inquieto quanto ao cenário de serem "os governos saídos dos partidos" a definir as prioridades para a justiça. Porque não os reconheço como suficientemente isentos. Querem fazer o favor de me convencer do contrário?

11 novembro 2005

Crónica de uma fractura 2

Mais grave do que o problema actual, que já de si é bastante grave, serão as cicatrizes que ficarão quando e como acabar. Os xenófobos terão mais razões para serem xenófobos e arrogantes. Os imigrantes, todos, sentir-se-ão ainda mais desintegrados e olhados com desprezo. E posso garantir que é muito duro viver num meio racista. Obviamente isto não desculpa esta insurreição. Mas a França, agora injustamente a “ferro e fogo”, não terá responsabilidades no “ferro e fogo” que se verifica nalguns países africanos donde fugiram alguns destes imigrantes problemáticos? Pensemos só no petróleo e em tudo o que se passa à sombra dele!

Aqueles “inteligentes” que identificaram logo de início o terrorismo do Al-Qaeda com todo o Islão, e declararam estarmos no limiar de um confronto de civilizações, dirão agora que tinham razão. Fica só por esclarecer se quem chegou primeiro foi a galinha ou o ovo.

Existe claramente uma inversão de ciclo económico e social na Europa. A “vida” vai piorar... Muitos não resistirão a apontar o dedo aos diferentes. Existem condições para alimentar o crescimento galopante do populismo. Receio bem que tempos sombrios se aproximem

10 novembro 2005

Crónica de uma fractura 1

Ainda é cedo para entender tudo o que se passa em França mas algumas notas podem ser alinhadas.

O terrorismo “islâmico”. Pela lógica, a França seria um dos últimos países alvos na Europa. Em parte pela sua postura de desafio face aos EUA, a França sempre foi muito “cúmplice” dos países árabes. Khomeini regressou ao Irão num avião da Air France. A França vendeu um reactor nuclear a Saddam Hussein (Instalação que os israelitas se encarregaram de arrasar rapidamente sem se preocuparem com a autorização do conselho de segurança da ONU). Estes são apenas alguns exemplos para dizer que a França é bastante “amiga” do mundo árabe.

A questão social. Poucos países na Europa terão um sistema social tão generoso como o francês. Há cerca de 2 meses estive em Limoges. Uma pequena cidade do sudoeste, em tempos famosa pela porcelana aí produzida. O maior empregador é o hospital, o segundo a autarquia. Existia em curso um programa oficial de sensibilizar as empresas para recrutarem 1000 jovens. Se as empresas não correspondessem, seriam admitidos pelo hospital. Pano de fundo: próximas eleições presidenciais.

Nas últimas presidenciais passou à segunda volta, assustadoramente, um tal senhor Le Pen, sob um registo xenófobo e agitando a bandeira da insegurança. Nicolas Sarkozy apresenta-se como sensível a essas preocupações, raiando, por vezes, o populismo. Aliás, a política francesa tem tido como assunto prioritário qual o candidato da direita às presidenciais de 2007. Entre o “popular” Sarkozy e o “fidalgo” Villepin. Se “Sarko” cair, é a factura exposta e o caminho aberto para um Le Pen qualquer.


Continua...

08 novembro 2005

E já não sonham mais...

Eu sei bem que, rua de Belleville,
Nada é feito para mim
Mas estou numa bela cidade
Já é qualquer coisa
Tão longe dos meus antílopes
Eu caminho baixo
Caminhar numa cidade da Europa
Já é qualquer coisa

E sonho
Que Sudão, meu país, de súbito se ergue
Sonhar, já é qualquer coisa

Há um saco de plástico verde
No extremo do meu braço
No meu saco verde há ar
Já é qualquer coisa
Quando danço ao caminhar
Neste “djelaba”
Faço sorrir os transeuntes
Já é qualquer coisa

E sonho
Que Sudão, meu país, de súbito se ergue
Sonhar, já é qualquer coisa

Por querer a bela música
Sudão, meu Sudão
Por um ar democrático
Partem-te os dentes
Por querer a palavra falada
Sudão, meu Sudão
O da palavra trocada
Partem-te os dentes

Estou sentado rua de Belleville
No meio da multidão
E o tempo hemofílico
Corre

E sonho
Que Sudão, meu país, de súbito se ergue
Sonhar, já é qualquer coisa


Alain Souchon
Canção "C’est déjà ça"
Álbum "C'est déjà ça"
1993

em tradução livre...

07 novembro 2005

E vão quinze...



Com “O Jardim da Delícias”, completei a leitura de 15 livros daquele que considero um dos mais interessantes escritores portugueses da actualidade. Refiro-me a João Aguiar que, na minha opinião, tem tido uma projecção bastante inferior à merecida pela sua vasta e interessante obra.

Para quem não o conhece, não recomendo começar por este. Talvez dentro dos romances históricos “A Voz dos Deuses”, dentro da melhor ironia “Diálogo das Compensadas” ou, no fantástico, “O Homem sem Nome”.

Este “Jardim das Delícias” desiludiu-me um pouco. Espero que não seja sinónimo de fim da veia criativa, mas antes uma pequena fase menos boa.

Apesar de motivações e protagonistas diferentes, não seja de ser, no mínimo, curioso, nos dias de hoje, ver a descrição duma Europa em insurreição por inépcia e arrogância dos políticos.

05 novembro 2005

Ou mudam ou têm que ser mudados

O sorriso feliz e descontraído de Fátima Felgueiras é repugnante para os portugueses que acreditam que o seu país pode ser sério.

Talvez a diferença entre o "caso Felgueiras" e outros mais seja, apenas, a de que este conhecemo-lo melhor. Talvez haja argumentos técnicos irrepreensíveis para justificar todo este incompreensível faz e desfaz, avança e recua. Ou talvez não...

Como cidadão, não me interessam minimamente os pormenores processuais. São-me indiferentes os anúncios de novos inquéritos e investigações. Interessa-me só e unicamente que a justiça funcione. E era nisto que os intervenientes se deveriam focar, nos resultados. Numa empresa "normal", quando não há resultados, os responsáveis ou mudam ou são mudados. Não ficam tranquila e irresponsavelmente a explicar, ou mesmo a ignorar, os detalhes técnicos do desastre e a prosseguir no mesmo caminho.

A justiça portuguesa tem que mudar ou ser mudada. É uma exigência dos cidadãos sérios deste país!

03 novembro 2005

Ainda os EUA no século 21 – a caminho de quê?

Algo está em curso naquele grande país...

Depois de lutarem de todas as formas e feitios contra um regime totalitário e centralizador chamado União Soviética, estão alegremente a alimentar o crescimento e a viver à custa das poupanças de outro estado totalitário e centralizador, chamado China. Aliás, acho que um dia todo o “mundo ocidental” irá pagar uma bela factura deste novo “eldorado” industrial....

Há 90 anos Henry Ford despoletou uma revolução industrial e social quando dobrou o salário dos seus trabalhadores, permitindo que aqueles que construíam o seu modelo T, também o pudessem comprar. Hoje, a Delphi, empresa de componentes saída da esfera da GM e um dos seus principais fornecedores, pede protecção de credores, por não conseguir cumprir os seus compromissos financeiros. No plano de reestruturação em curso, prevê-se uma significativa redução de salários. Muitos trabalhadores do sector deixarão de poder comprar o automóvel com os componentes que eles produziram.

Algo está a mudar. ..

01 novembro 2005

Na ponte levadiça



Não me apertem, não me cerquem, deixem-me ao menos a ilusão por onde eu seja marginal. Em que grite, quando não deva, uma gargalhada inconveniente. Em que imagine algo insensato, intensamente a parecer real

E sobretudo com a convicção de que jamais ninguém imaginará que tal me possa acontecer, por um esgar nas vossas costas.

Deixem-me ser louco aos bocadinhos porque por inteiro é um problema.
A sanidade absoluta ninguém aguenta e procurá-la já é perigoso

Não me cerquem, não me esqueço, quão brutal é a beleza.