31 outubro 2023

Algures neste mundo


Algures no Médio Oriente, para dominar uma sublevação e um movimento terrorista, uma cidade é fortemente bombardeada, causando a morte de milhares de civis inocentes. Falamos de Gaza em 2023? Sim, mas não só. Poderíamos estar também a falar de Alepo, arrasada por bombardeamentos russos em 2016. A bandeira dos aviões era diferente, mas as bombas e as vítimas nem tanto.

O que foi muito diferente foi a reação e as manifestações de apoio e repúdio por este mundo fora, como se as bombas russas, para muitos, fossem toleráveis face ao mal em causa e as israelitas não. Esta flagrante diferença de critérios ajuda a explicar em parte porque este conflito não acaba e a causa palestiniana é para muitos bastante conveniente. Temos de um lado os ocidentais antiocidentais, para os quais o sistema económico e social de Nova Iorque, Londres, Roma, Lisboa ou Telavive é maléfico e, por oposição de princípio, apoiam o inimigo do inimigo. Se bem que, no fundo, não me pareçam muito motivados a irem mesmo viver para os outros sistemas alternativos de Moscovo, Teerão, Pequim ou Pyongyang.

Do outro lado estão os verdadeiramente defensores desses regimes alternativos, que odeiam (e invejam?) o ocidente e os seus valores. Estes são mais perigosos e consequentes. Não desvalorizando as desgraças em curso naquela zona do planeta, convém não misturar as causas e confundir as leituras. O primeiro passo para encontrar soluções é ler corretamente o enunciado.

27 outubro 2023

Estado palestiniano, onde se perdeu?


Dentro das reivindicações atuais de apoio ao povo palestiniano, está naturalmente a criação de um Estado autónomo. Convém descartar desde já aquela rimazinha do “From the river to the sea, Palestine will be free” porque, como é óbvio, o Estado de Israel não vai desaparecer dali, por muito que seja a vontade e atitude beligerante dos radicais.

Neste discurso aponta-se Israel (e o colonialismo, já agora) como o responsável da não existência de estado palestiniano, mas se calhar não é bem assim. Durante largos séculos aquela zona esteve integrada no Império Otomano, não sei se se pode chamar colonização, mas pelo menos não era a “maléfica”. No séc XX, entre as duas guerras, o território foi administrado pela Inglaterra, algumas décadas, mas nunca foi Estado.

Após a II Guerra a ONU decretou uma partilha entre árabes e judeus e… estes desataram imperial e arrogantemente a apropriarem-se do que não deviam? Não, ao contrário. Os palestinianos, ajudados pelos seus vizinhos egípcios, jordanos, sírios, libaneses não aceitaram o estado judeu e declaram-lhe guerra. Face à desproporção de recursos e população, parecia que os judeus acabariam mesmo atirados ao mar… mas não, Israel ganhou e ganhou algum território.

No final desta guerra os judeus instalaram-se na parte israelita da palestina e consolidaram o seu Estado. Ocorreu algo equivalente do lado árabe? Criaram e consolidaram um Estado na parte da Palestina que continuou árabe? Não. Os seus amigos jordanos ocuparam a Cisjordânia e os egípcios a faixa de Gaza, mantendo os palestinianos como uma espécie de refugiados na sua “terra”. Porquê? Para manter a pressão sobre Israel? Não sei. O que é certo é que durante duas décadas, até 1967, foram os países árabes que impediram a criação de um Estado Palestiniano e aquela parte do mundo teria sido muito diferente se a famosa solução dos dois Estados se tivesse consolidado naquele momento… !

Mais tarde, haverá outra nova tentativa de destruir Israel, em 1967. Israel ganhou, ocupou mais território e mais complicado ficou.

21 outubro 2023

Contas no ambiente


É inquestionável que estamos a viver acima das possibilidades do planeta e algo tem que ser feito para garantir a sobrevivência e sustentabilidade do mesmo. É necessário mudar!

Essa mudança tem que ser racional, sustentada cientificamente e obviamente não religiosa. Há mudanças tecnológicas, mudanças de políticas e, sobretudo, mudanças de hábitos. Enquanto pensarmos que basta passar a uma tecnologia mais limpa e exigir legislação, não chega. Enquanto as tentativas de mudança forem pintadas com cores sectárias e radicais, não serão consensuais. Enquanto as exigências forem ingénuas e incoerentes não serão tomadas como sérias. Enquanto a frugalidade e a racionalidade na utilização de recurso não forem a prioridade de todos e da cada um, não há legislação que valha.

Dentro dos equívocos neste processo, está o proposto agravamento do IUC para os automóveis antigos. Em primeiro lugar, muitos desses proprietários não estão disponíveis para comprar um belo e reluzente novo elétrico por algumas dezenas de milhares de euros e não é este castigo que os vai motivar. Depois, certo que um carro com mais 15 anos polui mais ao km, mas a contas não acabam aí. Para o tipo de utilização típico destes “clássicos”, de dar umas voltinhas, o impacto é bem menor do fazer largas centenas de kms de lazer a 140 (e+) km/h mesmo num carro novinho em folha.

E ainda, manter o mesmo veículo durante 20 anos, contra trocar por novo a cada 4 anos… é também menos desperdício de recursos, não será?

19 outubro 2023

Holodomor


Nestes tempos de bárbara agressão da Rússia à Ucrânia, refere-se por vezes o precedente da grande fome dos anos 30, imposta pela URSS stalinista, e que resultou na morte terrível de “alguns” milhões de ucranianos.

Do que me foi dado ver e ler, parece-me que este processo não foi uma repressão política, mas “simplesmente” o resultado da soma da falência do modelo de produção coletivo com a desumanidade criminosa do sistema stalinista. Começando por aqui, todos sabemos, se quisermos saber, que para Staline, matar gente era absolutamente irrelevante, face aos seus desígnios e caprichos. Hitler matou judeus porque os achava malignos, ao menos tinha um mínimo de “justificação” *; Staline matou provavelmente mais, compatriotas seus, por um sim por um não e às vezes mesmo por nada de concreto. Foi de uma barbaridade e desprezo pela vida humana sem paralelo.

Quanto ao outro fator, o da coletivização, nos amanhãs comunistas não havia propriedade privada. Todos aqueles que possuíam e cultivavam terras foram perseguidos, forçados à coletivização ou deportados. Como resultado previsível, isto não funcionou e a produção de cereais caiu a pique. Consequência muito “lógica” foi decretado ser obrigatório produzir e o pouco que a desorganização conseguia gerar era confiscado, não deixando de todo o mínimo necessário para a subsistência dos camponeses. Cada grão escondido era confiscado. Isto foi aplicado a todos as zonas agrícolas da URSS, incluindo a Ucrânia.

Este livro, acima representado, conta vários testemunhos horríveis e bárbaros de gente sem amanhã, morrendo e vendo morrer os seus de forma terrível e desesperada, vítimas de um sistema falido. O espantoso é que um século depois e sem um único caso de sucesso a registar, ainda haja quem continue a achar que o sistema na teoria está correto e o problema está apenas na implementação prática! Mudem de religião, por favor…

* nota posterior em 20/10

Para que não fiquem dúvidas possíveis de interpretação. Hitler e os nazis cometerem crimes hediondos sem justificação, objeto de julgamento no pós-guerra e cujos propósitos são ainda criminalizáveis hoje em dia. No entanto, na sua cabeça havia uma lógica e um objetivo, daí a palavra “justificação”. Para eles os judeus não eram alemães “de gema”.

Os crimes Stalinistas, se bem que alguns contra opositores ao regime e daí com alguma “lógica”, muitos foram arbitrários e gratuitos. É o caso de todos estes milhões de camponeses, seus compatriotas, condenados à morte apenas porque lhes impuseram um sistema ineficiente.

No final, um ou milhões de mortos inocentes, serão sempre mortos inocentes, mas enquanto Hitler chacina judeus por os considerar indesejáveis, Stalin impõe um regime de terror cuja autoridade passa por matar o seu próprio povo como e quando lhe apetece sem sequer precisar de “justificar”.


18 outubro 2023

Por favor


Os mesmos que acharam que os EUA “estavam a pedir” o 11/9, também entendem que Israel “proporcionou” o 6/10. Sejamos honestos, não há santos neste campeonato, mas também não há nada que justifique nem uma coisa nem outra. Ou, a haver, não é justificação racional e civilizada. Ou são os ódios incrustados aos judeus que desde 1948 acham muito bem atirá-los todos ao mar, ou são doentes, cegados primariamente contra tudo que é ocidental e americano e que, do conforto das suas esplanadas e poltronas, teorizam “revoluções” que felizmente não lhes tocam, nem afetam o seu bem-estar, que não prezam, mas apreciam.

As imagens que nos chegaram agora de Israel e que ficarão não são do palestiniano desesperado que apenas tem as pedras da rua para tentar incomodar o soldado israelita fortemente armado.  São de famílias calma e pacificamente instaladas que são chacinadas e são de jovens divertindo-se num festival de música, como em qualquer outro lugar semelhante deste nosso mundo, para quem a vida acabou estupidamente ali.

Duas sugestões. Face à penúria de bens essenciais que afeta o território de Gaza, os seus “responsáveis” podiam trocar a compra dos rockets por alimentos e medicamentos de que a sua população tanto necessita. Os financiadores do Hamas, provocadores indiretos, mas fortemente responsáveis por estas atrocidades, podiam mostrar solidariedade para lá da financeira (a tal que vai para os rockets). Abram os seus países para receberem uma boa parte dos palestinianos desesperados. Seria bonito...

E como o armamento não nasce espontaneamente em Gaza, seria também oportuno escrutinar estes circuitos e quem os alimenta.

14 outubro 2023

Suponhamos


Inquestionavelmente a Ucrânia tem inúmeras razões contra a Rússia, mesmo bastante mais do que os palestinianos contra Israel. Suponhamos que um comando ucraniano entra na Rússia, chacina aldeias inteiras e centenas de jovens despreocupados que assistem a um concerto musical. Barbaridade, sem dúvida.

Quantos políticos e comentadores ocidentais irão dizer, sim, não está bem, mas, enfim, a Rússia estava a pedi-las…! Em quantas cidades haverá manifestações de regozijo e de apoio à Ucrânia pela “justiça” feita? Claro que nem um, nem uma. Diferenças culturais que precisamos de exportar e, pelo menos, não importar. Neocolonialismo, alguém disse? Tenham juízo e respeito pelos valores e dignidade humanas.

11 outubro 2023

Atirar o Hamas ao mar ?


No rescaldo da II Guerra e com a memória fresca das atrocidades sofridas pelos judeus na Europa, foi decido dar-lhes uma pátria. Curiosamente, Angola até já tinha sido equacionada anteriormente para esse objetivo, no início do século XX.

Historicamente a Palestina era o seu berço. David, Salomão, Herodes, só para referir alguns nomes históricos ali tinham reinado e deixado o seu legado. A região, durante longo tempo integrada no império Otomano, ficara sob administração britânica depois do desmembramento daquele, no final da I Guerra, e consequente partilha do Médio Oriente.

Em 1947 a ONU decidiu a divisão da Palestina entre judeus que chegavam e árabes que já lá estavam. Obviamente que implicava um rearranjo, questionável, mas nada de enorme nem brutal comparado com o que se viu, por exemplo, na Polónia que se deslocou uns bons kms para oeste no final da II Guerra ou com outros pós-guerras.

O que se passou a seguir foi que os árabes, palestinos e dos países vizinhos, não aceitaram de todo a instalação de Israel e declararam-lhes guerra com o objetivo de “atirar os judeus ao mar”. Estes conseguiram resistir, ganharam essa guerra e ainda infligiriam uma humilhante derrota em 6 dias, em 1967. Como é das “leis e das práticas”, quem ganha a guerra, ganha e Israel foi ganhando território, Sinai, Montes Golan e Cisjordânia. Após a guerra do Yom Kippur de 1973, também ganha por Israel, mas de forma mais honrada para os árabes, veio a paz com o Egito, a grande potencia regional e líder do movimento árabe.

Saltando detalhes, as relações com os países vizinhos normalizaram-se e mesmo com a OLP/Fatah iniciou-se um diálogo, … mas nasceu um confronto entre palestinianos. A partir de 2007 há uma divisão clara entre a Cisjordânia governada pela Fatah e a faixa de Gaza controlada pelo Hamas, dois mundos muito diferentes.

As barbaridades realizadas no passado dia 6/10, foram feitas pelo Hamas e o curioso é que a Cisjordânia, mesmo tendo mais capital de queixa contra Israel pelos polémicos colonatos, não aderiu. Se esta população se tivesse levantado em massa, em solidariedade, teria sido muito, muito complicado.

Agora Israel quer atirar o Hamas ao mar e face às barbaridades feitas eles não merecem a mínima compreensão ou tolerância (só mesmo doentes cegados pelo ódio anti-ocidental/anti-americano podem evocar um rasto de justificação). O problema é que física e mentalmente uma boa parte dos 2 milhões dos habitantes de Gaza estão fundidos com esse movimento. Não é possível atirá-los todos ao mar…

Duas sugestões:

  1. Face à penúria de bens essenciais que afeta o território, os seus “responsáveis” podiam trocar a compra dos rockets por alimentos e medicamentos de que a sua população tanto necessita.

  2. Os financiadores do Hamas, provocadores indiretos, mas fortemente responsáveis por estas atrocidades, mostrarem solidariedade para lá da financeira (a tal que vai para os rockets). Abram os seus países para receberem uma boa parte dos palestinianos desesperados. Seria bonito...

10 outubro 2023

Abrão


No limite leste da velha cidade de Jerusalém está o Monte de Templo. Terá sido ali que Salomão construiu o seu templo, referencia fundamental do judaísmo. Também aí se encontra a rocha onde Abrão esteve prestes a sacrificar o seu filho a Deus, substituído à última hora pelo carneiro.

Sendo o cristianismo e o judaísmo ambos alicerçados no judaísmo, embora dando origem a construções muito diferentes, o local foi sempre necessariamente referenciado pelas três religiões. A escassos metros daí Cristo iniciou a sua via dolorosa e um pouco mais à frente está o Gólgota onde foi crucificado. Antes da fuga de Maomé para Medina, a “Meca” do Islão era Jerusalém e era nessa direção os muçulmanos rezavam. Diz o Corão que um dia Maomé foi teletransportado para o rochedo e daí subiu ao céu. Deste episódio nasce a importância adicional do monte para os muçulmanos, com a posterior construção da mesquita de Al Aqsa e a Cúpula do Rochedo, cujo dourado é visível em tantas imagens da cidade.

Hoje, em Jerusalém, qualquer um pode tocar as pedras do Muro das Lamentações, parede ocidental do antigo templo, no limite do monte, o local mais importante do judaísmo. Qualquer um pode tocar a pedra onde o corpo morto de Jesus foi supostamente depositado, no Santo Sepulcro. A Pedra Fundamental de Abrão não. Está reservada a muçulmanos. Mesmo a circulação de judeus por ali, na também chamada esplanada das mesquitas, é considerada provocatória, necessitando de proteção musculada e dando potencialmente origem a incidentes violentos. Uma das justificações para as recentes ações terroristas do Hamas foi esta “dessacralização” de Al Aqsa. A pedra de Abrão não poderia estar acessível a todas as religiões de Abrão?

Jerusalém, especialmente a velha cidade, é um local único no mundo de significado e inspirador de reflexão. Num futuro e num mundo saudável deveria ser um local aberto e não sequestrado por fundamentalismos de qualquer natureza.





08 outubro 2023

Israel


Há cerca de 3 semanas almoçávamos com um amigo israelita num belo cenário,  frente ao Mediterrâneo, em Tel-Avi. Após um périplo por Israel, incluindo a bíblica Galileia, o exótico Mar Morto e o umbigo deste nosso mundo, que se chama Jerusalém, Tel Aviv não era uma cidade especialmente interessante em registo histórico e monumental, mas de uma pujança e vitalidade admirável.

Dizia ele que, no entanto, de um momento para o outro, algo podia estourar. Desde alguns anos que as novas construções obrigavam a um abrigo “blindado” em cada apartamento. Gaza ficava apenas a cerca de 70 km. Efetivamente, as crises podem ser úteis para os políticos de ambos os lados.

Estourou este sábado, de uma forma diferente das previsões. Ninguém imaginava o Hamas sair assim, e com este sucesso imediato, para território israelita. Para lá da surpresa pela incapacidade de previsão e antecipação dos serviços de informação, surpreende-me como um território tão pequeno e vigiado, pode reunir meios para uma ação deste calibre. Donde vieram os fundos? Não há muito tempo, dizia-se ser do Qatar, aquele país que procura um lugar na primeira fila da plateia mundial, pagando o que for necessário, como um campeonato do mundo de futebol? Ainda será, ou basta o Irão ?

Independentemente dos excessos e abusos que o estado de Israel tem realizado, especialmente nos colonatos, nada justifica este tipo de ações do Hamas (e as manifestações de regozijo pelas mesmas que vemos na Europa, são para tomar a sério). Não é o Hamas em Gaza apenas quem está a fazer isto…

04 outubro 2023

Larguem os ossos


Penso que qualquer potencial notável nacional, seja pela pena, pelas armas, pelas chuteiras, pelas guitarras, pela retórica e até mesmo, quem sabe, pela influência nas redes sociais, tem interesse em deixar expresso onde pretende que os seus ossos tranquilamente repousem.

Nunca se sabe se os chamados eleitos da nação não irão um dia requisitar os seus restos para ornamentar um qualquer supostamente prestigioso depósito de sepulturas. Alguém imagina, por exemplo, Miguel Torga, satisfeito com a ideia de sair do seu S. Martinho de Anta, atravessar o Marão e ir para Lisboa, ele, para quem “a nação não morre de amores pela capital e esta paga-lhe na mesma moeda”?

Para lá desta falta de gosto e de decência de remexer em velhos jazigos, para lá da abrangência curta ou excessiva do nosso Panteão, homenagear os que “da lei da morte se libertaram”, não passa por andar em macabras bolandas com os seus restos. Passa sim por promover e divulgar a sua obra. O mais importante não é onde ficam os ossos, é o que resta da vida. Mais importante do que o material morto é o imaterial vivo.

Este folhetim atual com a transladação dos restos mortais de Eça de Queiroz dava uma excelente novela queirosiana. Haja quem a escreva com a fineza e elegância do grande mestre, independentemente do local onde os seus ossos repousarão um dia.