30 novembro 2022

Falta de escrutínio


 Miguel Alves já se demitiu, a respetiva cabeça já rolou na guilhotina mediática, mas obviamente o assunto não está encerrado. Ainda não sabemos para onde foram nem por onde andam os famosos 300 mil euros, há dois anos transferidos da esfera pública para singelas mãos privadas, para uma empresa de um homem só, criada na hora, sem histórico nem atividade, entregues sem garantia ou contrapartida. Onde estão? Tresmalharam-se?

Na caricata entrevista que o protagonista fez para se defender, muito na base do ou é burro, ou nos toma todos por burros, havia uma verdade. Se ele não tivesse sido nomeado Secretário de Estado, provavelmente o assunto não se teria mediatizado com a mesma amplitude. Que o diga também o recente Secretário de Estado, J. Maria Costa, que vê agora saírem noticias sobre alguns negócios feitos durante os seus largos anos à frente da Camara Municipal do Viana do Castelo.

É perfeitamente natural que a acrescida exposição e maiores responsabilidades políticas aumentem o nível de escrutínio e consequente ressonância mediática dos casos. Isso não é mau. O que é mau é todos os outros negócios e euros que se tresmalham de norte a sul, por pequenos reinos e expeditos reizinhos.

Os melhor habilitados e mais interessados em denunciar são os mais diretamente afetados, os munícipes, sendo também verdade que muitos desses reinos são algo asfixiantes na reação ao questionamento do seu poder (quase) absoluto. Mais democracia e escrutínio, precisa-se!

27 novembro 2022

Serão mesmo universais?

A polémica com o Mundial do Qatar e o (não) respeito dos direitos humanos é uma boa oportunidade para refletir sobre a respetiva universalidade. No rescaldo da II Guerra Mundial, com a vitória das democracias sobre os totalitarismos, a recém-criada Organização da Nações Unidas proclamava uma Declaração Universal dos Direitos Humanas, que pretendia ser uma referência e um guia para uma nova era, de democracia e de liberdade.

Nesse baralho havia já algumas cartas atravessadas. Entre os vencedores não estavam apenas democracias. A União Soviética e os seus satélites abster-se-iam na votação da referida carta. Dentro da ONU sempre houve membros que formalmente apoiando, ou não, na prática não praticavam. Para lá do bloco de Leste, Portugal de Salazar e a Espanha de Franco são exemplos.

Prevaleceu o pragmatismo de ser preferível integrar membros não perfeitos e assim de alguma forma os condicionar do que os deixar pairando como párias. É também verdade que, só como exemplo, se para os combustíveis fosseis restringíssemos o seu aprovisionamento aos países respeitadores… sobrariam muito poucos. De todas as formas, sempre existiu o reconhecimento de que por princípio havia direitos humanos universais.

Recentemente, com uma certa moda de valorizar diferenças culturais e minorias, associada ao crescimento de regimes autoritários, vemos alguma crítica à suposta colonização cultural ocidental e apelos à necessidade de respeitar especificidades e diferenças…

Ao menos uma coisa seria relevante: questionar livremente os cidadãos desses países sobre se se acham no direito a serem respeitados. Não será tudo, mas um bom princípio, sendo que a pressão migratória para a Europa é já uma forma de votar… com os pés. 

23 novembro 2022

Os cucos das belas causas

Uma particularidade dos cucos é a de colocarem os seus ovos em ninhos alheios, aproveitando o esforço e a dedicação de outras espécies para fazerem vingar as suas crias, expulsando inclusive do ninho os inocentes que a ele tinham direito.

Nos anos 80 fui expulso de uma marcha “pela Paz”, organizada na sequência do anúncio da instalação de misseis americanos na Europa. Aparentemente, os Pershing americanos constituíam uma ameaça à paz, mas os SS-20 soviéticos não. Dizer “Nem a leste, nem a oeste” não era coisa aceitável dentro dos objetivos dos organizadores. Hoje ainda continuamos a ver muitos “pacifistas unilaterais” e algumas posições quanto à tragédia em curso na Ucrânia estão aí, claras.

Outra boa causa atualmente parasitada por “cucos” é a do ambiente. Se é indiscutível a necessidade de mudarmos os nossos hábitos, convém recordar que a eficácia virá de uma abordagem racional e científica e não de um fervor religioso ou emocional. Sobretudo, é inquestionável serem os países ocidentais e “capitalistas” quem mais preocupação e ações concretas tem tomado neste capítulo.

Aproveitar a inquietação dos jovens quanto ao futuro e apropriar-se delas para apelar ao “fim ao capitalismo”, sobretudo quando os modelos alternativos pouco ou nada fizeram pelo dito ambiente, é manipulação desonesta, é uma subversão dos objetivos e um péssimo favor à causa. Cucos… 

20 novembro 2022

Uma vergonha mundial


A próxima suposta festa mundial do futebol, irá desenrolar-se num país que não a merece. O Qatar não respeita minimamente os direitos humanos e quem se sentar naqueles estádios deveria sentir o suor e a dor dos milhares dos quase escravos que os realizaram em condições desumanas, alguns com o preço da própria vida. Há mais tristes detalhes sobre o que se passa nesse país, facilmente acessíveis para quem quiser saber.

Lembram-se da África do Sul do tempo do apartheid e do boicote desportivo a que foi sujeita, por não respeitar os direitos humanos? Nessa altura a comunidade internacional era menos “esqueçamos isso e vamos à bola”, como muito pragmaticamente o nosso PR agora expressou?

O que vai acontecer no Qatar não é nem pode ser uma festa. O respeito pelo sofrimento e dignidade alheia deveria impedir a celebração de qualquer golo ou vitória. Sejamos coerentes e menos hipócritas e/ou básicos (para não usar outra expressão mais bruta).

18 novembro 2022

Governantes e governados


O recente livro de Carlos Costa, “O Governador”, promete tornar-se um caso sério de polémica. Em primeiro lugar, estou muito curioso por conhecer os desenvolvimentos, averiguações e testemunhos, que o anunciado/ameaçado processo de António Costa poderá desencadear.

Depois, muitos dos que clamam por contenção e respeito pelas instituições, não me parecem ser do grupo “não sabe, nem quer saber”, mas sim do grupo que “sabe e não quer que os outros saibam”. Um pouco ao estilo das famílias que guardam cuidadosamente no seu interior os episódios menos edificantes, evitando que cheguem à rua.

A diferença, neste caso, é que os outros, que supostamente não precisariam de saber, não são consumidores de revistas cor-de-rosa. São cidadãos de pleno direito e o “grupo” cioso de discrição não é uma família, nem uma “famiglia”. É a elite que nos governa e que nos deve contas pelo que fazem com a procuração que lhes passamos para governar.

Venham mais livros, sérios, com um mínimo de rigor e objetividade. Queremos conhecer a fundo o detalhe do que por cá se passa e o carater daqueles em que precisamos de confiar.

10 novembro 2022

Concretize, por favor

António Costa foi fazer um bonito à cimeira do clima no Egito. Antes de mais, gostaria de conhecer a pegada de CO2 daquele evento, com todas as deslocações associadas.

Diz brilhantemente o nosso PM que o nosso país antecipa para 2045 a meta da neutralidade energética. E que também não iremos reativar as centrais a carvão como uma cambada de burros e inconscientes estão a fazer pela Europa fora. Não, nós somos tesos e … eventualmente importamos e pagamos energia elétrica, mesmo que produzida a partir do carvão.

Eu sei que quando chegarmos a 2045 ninguém pedirá contas a A. Costa pelo eventual incumprimento e, se pediram, ele arranjará facilmente trinta e um responsáveis alheios, mas, se ele a agora o afirma e assume, que concretize. Certo que os atuais 2/3 de energia elétrica a partir de fontes renováveis são um bom ponto de partida, mas, para a chegada, como vai evoluir o consumo, devidamente acrescentado pela imposta generalização de veículos elétricos, como e onde vai ser feita a geração correspondente? Números, números concretos com datas, por favor. Senão, é apenas cuspir para o ar e não é bonito. 

09 novembro 2022

Quando eu vim para esse mundo…


Uma certa franja de idades saberá completar facilmente a frase em título acima: … eu não atinava em nada. Gabriela, a telenovela que foi “a telenovela”, tinha a beleza e a exuberância da atriz, Sónia Braga, e tinha também o calor e a beleza da voz de Gal Costa.

A sua carreira não fica por aí. Na minha modesta opinião, Gal Costa tinha uma voz e uma interpretação das mais marcantes e expressivas daquela geração de ouro da MPB. Um exemplo

Obrigado por ter passado por este mundo e por cá ficar!

02 novembro 2022

Porque falham as nações


Depois de mais de 500 páginas sobre o tema e com vastos exemplos históricos, entendi claramente a mensagem: o sucesso ou o fracasso de uma nação dependem de esta ter políticas e instituições “inclusivas” ou “extrativas”. Em português mais comum dir-se-ia haver quem governe ou quem se governe.

Nos modelos inclusivos o poder e a influencia no poder envolve uma larga maioria dos interessados, dispondo estes de meios, canais de comunicação e capacidade de reivindicação, garantindo-se que o governo alinha pelo interesse geral e que pode ser facilmente substituído quando se desviar desse objetivo.

A tentação de ficar agarrado ao poder e evitar riscos com reformas ou inovações é também uma caraterística dos “extrativos”, provocando dessa forma o definhamento económico e social.

Mesmo com uma perspetiva histórica alongada, fiquei com a impressão de me estarem a contar um filme a partir do meio. As razões de fundo, porque nalguns países se estabelece e se mantem quem governe e noutros quem se governe, não podem residir apenas nos aleatórios da história.  Porque é a “revolução gloriosa” inglesa de 1688, no fundo uma contestação e limitação do poder real absoluto teve sucesso e se consolidou, permitindo a futura revolução industrial, enquanto, por estes lados, mais tarde, a revolução liberal de 1822 e a correspondente lenta mas concreta evolução para um modelo de limitação de poderes reais, não nos fez sair da cepa torta?

A forma e a força como a população tem vontade e poder para travar trajetórias nocivas ao interesse geral, tem, acho eu, uma componente cultural. Certo que, em situações díspares de meio, entre uma fértil e generosa terra ou um árido e inclemente solo, os requisitos para a sobrevivência são diferentes e assim também serão as exigências quanto à governação. Mas, entre Portugal e a Inglaterra as diferenças não serão assim tão grandes.

Essa coisa da cultura não se mede apenas pelo número de pessoas que vão aos museus e teatros… ou também?