31 janeiro 2020

Essa coisa do colonialismo e racismo e os concursos de cuspidela


Recordo-me de, ao visitar o museu do Louvre pela primeira vez, ter tentado imaginar qual seria o estado de espírito de um egípcio ao ver ali a enorme quantidade de património trazido (roubado?) do seu país… Recordo-me também de, ao ter sabido dos riscos que correu o museu do Cairo aquando da famosa “primavera” de 2010, ter pensado… ainda bem que há tesouros culturais egípcios guardados em local seguro.

O tema do património deslocado não se resume a questões coloniais. Existe desde que na História há vencedores e vencidos e, inclusive, vendedores e compradores. Um tema passível de discussão, séria.

Um personagem como a deputada do Livre, famosa pela forma agressiva e pouco esclarecida como grita por “racismo e colonialismo” sem se preocupar demasiado em saber do que fala, veja-se a fotografia junto do quadro representativo da chegada de Vasco da Gama à India, vir lançar este tema em âmbito de discussão de orçamento de Estado é uma boa forma matar a discussão… Não sou racista, mas de tanto ouvir acusações generalizadas e cegas, começo a não ter pachorra para estes discursos, que já merecem um: “Porque não te calas?!”. Acusações mal fundamentadas, temperadas com fortes doses de injustificável e desnecessárias belicosidade e arrogância são um descrédito para a causa séria e uma bênção para o verdadeiro racismo.

O que André Ventura disse… é incorreto… mas não é sexista, nem racista. É uma resposta xenófoba a um irritante despropósito. E a discussão séria acaba antes de começar, até porque estes intervenientes, ungidos de uma suposta sapiência inatacável e inquestionável, não parecem verdadeiramente interessados em ouvir e discutir o que quer que seja… é mais “tipo” concurso de cuspidela!

29 janeiro 2020

O dinheiro não tem cheiro



Há quem diga que sim, há quem diga que não, mas poucos serão os que apuram o olfato quando as notas passam à frente do nariz… e poucos se preocuparam com o “eventual” cheiro do dinheiro de Isabel dos Santos. Agora, com escândalo declarado, vemos uma precipitação que recorda a imagem dos ratos a fugirem do navio… Veremos no futuro, caso apareçam por aí outras notas com perfume duvidoso, como estará a sensibilidade dos narizes.

Para lá do que tudo o que agora se diz e agora se sabe, para lá do ridículo deste agora ser agora, há outro ridículo, que é o carater único e excecional atribuído ao fenómeno, como se este súbito cordão sanitário desse uma boa consciência, se bem que tardia, e mais vale tarde do que nunca…

Não! O que a família dos Santos fez ao longo de décadas em Angola, não é único daquela família nem daquele país. Não faltam por esse mundo fora, belas capitais europeias incluídas, transações e negócios relevantes com notas de cheiro suspeito.

Por outro lado, e mais importante, escala e contextos diversos, compras com dinheiro derivado de governação desonesta… não faltam, mesmo com origem neste nosso querido país. Vamo-nos escandalizar com isso também…? É possível?

14 janeiro 2020

Tecnicamente não é branco



Neste mundo, cada vez mais discriminado e discriminatório, por razões que não deviam ser razões, por pessoas que supostamente defendem a igualdade ou a equidade, ou lá o que lhe quiserem chamar, mas que basicamente se declaram contra as discriminações… a lista de idiotices não para de aumentar e de nos fazer diminuir a pachorra para aturar ativismos patetas.

Nos States, where else?, terá sido referido pelas publicações Deadline e Vanity Fair que António Banderas era um dos poucos atores de cor nomeado para os Oscares. A seguir veio a contestação de que ele não era de cor… será eventualmente transparente? e a seguir a tentativa de correção segundo a qual os espanhóis, e presumo que para quem o disse os portugueses pertencerão ao mesmo grupo, tecnicamente não sendo considerados de cor, mas …. Estou muito curioso em conhecer a base “técnica” de tais afirmações.

Há uns anos tive uma conversa estúpida com alguém lá do Norte, segundo o qual eu não era bem branco, tendo eu argumentado que ele também não, puxava assim para o rosa. Nunca imaginei que tal nível pudesse um dia subir tão alto. Catalogar pessoas em função da sua tez… é racismo, mesmo se pretensamente com boas intenções.

Portanto, temos uma discussão de alto nível artístico, social e cultural sobre se António Banderas em particular e os hispânicos em geral, podem ser encaixados nas quotas da gente colorida… se polegar para cima ou polegar para baixo!

O ridículo não mata, mas estraga… bastante.

06 janeiro 2020

Quando as almas das empresas se perdem



A história trágica e caricata do Boeing 737 Max não me larga e continua a intrigar-me, mesmo depois de lhe ter dedicado algumas reflexões aqui e aqui. Como foi possível a uma empresa com os pergaminhos tecnológicos da Boeing se ter enfiado em tão grosseira asneira? Ao navegar no assunto, encontrei este interessantíssimo artigo  que me fez soar campainhas a vários níveis e acredito que também o fará a muitos meus antigos companheiros de estrada.

Em 1977, a muito saudável Boeing comprava a praticamente falida McDonnel Douglas, mas na recomposição acionista subsequente ficou a mandar a cultura da segunda. A entusiasta e bem sucedia família engenheira da Boeing foi cilindrada por frios gestores, distantes, mesmo geograficamente, cujas prioridades 1, 2 e 3 eram cortar custos a tudo custo.

A sede social foi transferida de Seattle, onde tudo tinha acontecido, para Chicago, onde qualquer coisa podia acontecer. Em vez gestores de topo nascidos e criados na casa, chegaram génios externos. Não do tipo que tanto podem gerir uma empresa tecnológica como um fabricante de refrigerantes, mas quase. Segundo o artigo acima citado, tudo isto mudou radicalmente a empresa, minou o empenho, o entusiasmo, destruiu a solidariedade e o espírito de família e, de certa forma, matou-lhe a alma.

É certo que este processo coincide com uma enorme alteração do negócio do transporte aéreo, onde, na sequência da desregulamentação, passou a ser necessário ter muito mais atenção à competitividade. Se a Boeing tivesse continuado a ser uma empresa de engenheiros entusiasmados e divertidos a inventarem aviões, poderia não ter sobrevivido. Mas se financeiros mauzinhos esquecerem que numa empresa que cria, e em maior ou menor escala são todas, é fundamental dar poder a criativos entusiasmados e divertidos com o que fazem e identificados de corpo e alma com o projeto, correrá mal.

Na ótica da maximização do valor para o acionista o genial Boeing 737 foi espremido para lá dos limites. Cortaram tanto os custos que acabaram por cortar algo de vital. Provavelmente porque é a Boeing e é nos USA, a empresa sobreviverá, mas o acidente tem escala suficiente para matar uma qualquer empresa, por muito saudável que seja. Noutras escalas e noutra paragens, quantas haverá por aí no passado e para o futuro a morrerem por terem perdido a alma? E em quantos casos, contas feitas entre a entrada e a saída, o processo não terá até “gerado valor para os acionistas”?


Imagem do voo inaugural do histórico Boeing 747

04 janeiro 2020

Não sabe o que faz ?



O general iraniano Qasem Soleimani não seria certamente uma flor que se cheirasse e a lista de crimes e atrocidades cometidos pelas estruturas por ele lideradas não é leve nem pequena. De todas as formas, ao ler a notícia da sua morte por ação deliberada da administração Trump, é impossível deixar de pensar que isso não vai resolver nada, muito pelo contrário.

O carisma e a admiração a ele devotadas no Irão eram e serão enormes. O seu desaparecimento físico pode provocar algum enfraquecimento, mas ele era “apenas“ a cabeça de uma organização sólida e consolidada, que não vai desaparecer e a galvanização gerada pela raiva suplantará largamente essa perda.

Se, segundo a administração americana, a ação visava evitar a realização de atentados que custariam a vida a milhar de americanos (?!), podem ficar seguros de que as ameaças e ataques aos interesses americanos serão a partir de agora muito maiores do que antes.

Pela sua história e forte identidade, a Pérsia não irá abdicar de joelhos, por muito sofrimento que lhe inflijam. Fico mesmo com algumas dúvidas sobre até que ponto a repulsa pelo assassinato não será mesmo condenado por uma parte da rua árabe sunita, tradicionais e figadais inimigos do Irão.

Sabemos que a paz no Médio Oriente não é um problema exclusivamente importado por influências externas, mas, esta ação que nada ajuda nem resolve, mostra que a administração Trump não sabe o que faz, ou, o sabe… e isso é ainda mais grave.