05 março 2024

Valores mais altos


Esqueçam se a Anita é ou não é bonita, dispensem as favas com chouriço e despeçam-se dos addio, adieu, aufwiedersehen e outros que tais.

Ponham noutra prateleira as melodias bonitinhas e algo melosas das rosas que se dão, das cabanas junto às praias e os convites a vir viver a vida.

Do alto dos seus enérgicos 82 anos, José Cid, parece mais determinado a promover e a recordar um trabalho dos anos 70, discreto, mas que é talvez uma das melhores obras musicais jamais produzidas em Portugal.

Este sábado passado apresentou em Guimarães um espetáculo absolutamente soberbo pela beleza e genialidade dos temas, assim como pela qualidade da execução. Felizmente a RTP esteve lá com uma enorme mobilização de meios e será possível ver no futuro um registo deste memorável serão.

Estou a falar do álbum de rock progressivo (sinfónico?) “10 000 Anos depois entre Vénus e Marte”. É estranho como este trabalho genial não teve um mínimo da projeção merecida. Eu próprio que não sou especialista, mas também não completamente distraído, só o descobri umas boas décadas depois da sua publicação original em 1978.

Acredito que uma boa parte das pessoas que encheram o Multiusos de Guimarães esperaria talvez outro reportório, mas pela reação no final, parecem ter gostado e ainda bem que se enchem grandes salas e se aplaude para lá do pimba … e outras simplicidades em curso.

Tem alguma lógica que nesta fase da vida José Cid se concentre neste legado, tendo também apresentando temas do seu recente álbum “Vozes do Além”, no mesmo registo. Faz sentido que partilhe e nos faça recordar as coisas que fez com um nível de esforço e de qualidade largamente acima do mediano. Obrigado !

E quem quiser ter uma ideia do trabalho original pode espreitar aqui

20 fevereiro 2024

Outro mundo


Há cerca de dois anos, o mundo ocidental alertava para a concentração de forças armadas russas junto à fronteira ucraniana. Por estes lados um exército de “idiotas úteis” desvalorizava e até ironizava, comparando até a credibilidade dessas fontes de informação sobre a Rússia com as profecias de Nossa Senhora de Fátima de há um século atrás.

Hoje vemos a barbaridade que se passa por ali e penso que só podemos lamentar não ter de imediato e radicalmente cortado todos as compras de combustíveis à Rússia, compras que permitiram financiar a destruição de um país inocente e soberano. Guerra é guerra… e mais vale passar um pouco de frio nas casas e abrandamento na indústria, do que ver os blindados e os misseis a ameaçar.

Por estes dias, soubemos da morte do corajoso Alexei Navalny, cujo “crime” foi questionar, denunciar e afrontar o regime de Putin. Infelizmente é só mais um de uma longa lista de vítimas de uma organização assassina. O regime russo atual não é comunista ortodoxo, de forma nenhuma, mas a sua assinatura é muito semelhante à do estalinismo.

Ao mesmo tempo que a Europa se inquieta, e bem, com a subida dos populismos e xenofobismos da extrema-direita, deveria ser também consensual que o nosso mundo, de liberdade e de democracia, com todos os seus defeitos e fragilidades, é felizmente incompatível com a realidade de Moscovo. O voto contra do PC e do BE no Parlamento Europeu de uma resolução de 2019 que equipara o nazismo ao estalinismo e respetivas justificações são eloquentes. Saberão eles que se forem viver para esse outro mundo, além de muitas outras coisas que lhes faltarão, correm o risco grande de acabarem como Navalny se tiverem a coragem de pensar e de expressar o seu pensamento?

06 fevereiro 2024

Refugiados para sempre?


Na recente polémica com a agência da ONU de apoio aos refugiados palestinianos, a UNRWA, tem-se realçado a importância do trabalho humanitário que ela desenvolve, mas também se pode colocar uma questão. Porque é que ela ainda existe hoje e com tamanha importância?

Refugiado é alguém que perdeu a sua casa e condições de vida onde estava estabelecido, foi forçado a deslocar-se para outro lugar, encontrando-se numa situação de fragilidade. Faz sentido beneficiar de apoio e solidariedade nesse momento, mas a lógica é que seja uma situação transitória. Ou há normalização das condições e ele retorna, ou se instala definitivamente algures. Campos de refugiados com gente em condições precárias durante décadas não fazem sentido.

Aqui, estamos a falar de refugiados na sequência da fundação de Israel em 1948! Quantos dos palestinianos atualmente com esse estatuto eram já vivos nessa altura? Dentro do mesmo processo, os judeus que abandonaram as zonas árabes, instalaram-se algures em Israel e reconstruiram as suas vidas. Algumas décadas antes, centenas de milhares de gregos ortodoxos foram obrigados a abandonar a Turquia, quando esta se constituiu, e atravessaram o mar Egeu, mas não ficaram eternamente a viver em campos de refugiados e a chorar a chave da casa perdida. Inúmeros exemplos análogos podem ser encontrados na História.

Obviamente que para quem quer eternizar os conflitos e manter a pressão, dá jeito existirem ainda e sempre “refugiados”. Ajuda a capitalizar as reivindicações e a manter a causa viva. Estes palestinianos estão de certa forma “aprisionados” e, nisto como noutros pontos, vítimas dos defensores de uma certa causa, não necessariamente a que mais lhes interessa.

28 janeiro 2024

Brincar com a justiça


Sou certamente parte de um largo número de portugueses que assistiu atónito às decisões e justificações do juiz Ivo Rosa em abril de 2021, quanto ao que fazer com o processo e julgamento de José Sócrates, especialmente pelos critérios para a contagem da prescrição, (des)valorização seletiva de testemunhas e mais outras bizarrices.

Certo que a aplicação das leis tem detalhes e procedimentos que só os iniciados no tema dominam. No entanto, o resultado terá de ser lógico e entendível pelo cidadão comum, sob o risco de passarmos para o domínio da (in)justiça.

Estes dias, soubemos que a Relação anulou e reverteu uma boa parte das decisões desse abril de 2021. Certo, ficamos com a sensação de mais justiça, mas… quase 3 anos perdidos!? Como é possível que umas simples decisões de um simples juiz, possam ter atrasado um processo desta importância por quase 3 anos. É injusto.

Já vimos que José Sócrates não quer ser julgado, mas não devia ser assim tão simples brincar com a justiça portuguesa. Discursos sobre a necessidade de mudar não faltam, mas uma coisa são discursos, outra são ações. Há mesmo vontade de mudar algo?

25 janeiro 2024

O que se pode fazer pelo país?

Na pré-campanha em curso para as próximas eleições legislativas de março, parece que todos os discursos, estratégias e propostas andam em torno do “quem dá mais?”.

Como se o eleitorado fosse uma trupe infantil e infantilizada, que irá escolher um patrono em função do valor da mesada prometida. Este estado de coisas, e a natureza das exigências que o eleitorado privilegia, faz-me recordar a frase de JF Kennedy, umas décadas atrás, “não perguntem o que o que o vosso país pode fazer por vós; perguntem o que podem fazer pelo vosso país”.

Nos tempos atuais, uma boa parte dos eleitores e nomeadamente os pensionistas, devem entender que já fizeram o que podiam pelo país e que agora o jogo será mais quanto à retribuição potencial. Também os funcionários públicos poderão assumir que, na ausência de uma real meritocracia nas suas carreiras, fazer mais ou melhor não muda nada.

No entanto, e isto é uma sugestão, pensem um pouco menos egoisticamente, pensem no país que vai ficar aí para quem cá fica. Pensem nos vossos filhos que penam em conseguir independência financeira e local próprio para viverem; pensem nos vossos netos que deixaram de ver porque optaram por uma vida mais desafogada a uns milhares de quilómetros de distância. Conseguir melhores condições para eles, não se resolve com leilões de mesadas. Consegue-se com maior criação de riqueza. Era isso que devia estar a ser discutido prioritariamente


21 janeiro 2024

Voos turbulentos


Ao que parece, a turbulência com a gestão e a tutela pública da TAP ainda não terminou. Depois de uma longa, penosa e por vezes caricata comissão parlamentar de inquérito, que supostamente tudo analisou e esclareceu, a defesa apresentada pela própria TAP ao processo que a ex CEO lhe colocou, veio trazer mais alguns fatos e argumentos curiosos…

Em primeiro lugar, ao contrário do que sempre afirmou a tutela, a senhora não seria uma grande gestora e a recuperação da empresa foi mais pelo contexto do que pelo mérito da equipa de gestão. Depois, a CEO ocupava outros cargos incompatíveis com o estatuto a que estava obrigada. Isto constitui motivo para despedimento com justa causa, mesmo tendo sido “descoberto” pela TAP, depois de a ter despedido… aqui não se pode falar de protelamento de decisões, foi agir até antes de conhecer.  Do outro lado, diz-se que essa situação teria sido previamente exposta e autorizada.

Não sei como isto vai acabar, mas uma coisa é certa. Quando o Estado Português quiser contratar um Profissional de primeira água, vai ser muito difícil convencer alguém sério e competente a trilhar caminhos que podem conduzir a estes imbróglios.

Entretanto, enquanto ouvimos loas à fantástica recuperação e rentabilidade da empresa, esta recebe mais 343 milhões de euros do Estado, para aumento do capital social. Estava previsto, aparentemente ainda haverá outro para o próximo ano, mas se as coisas estão a correr tão bem à empresa, o fluxo financeiro não deveria ser no outro sentido?!

19 janeiro 2024

O 25 de Abril no (FC)Porto


 Já tive oportunidade de dizer aí para trás que não me entusiasmo sobremaneira com as quezílias tribais do futebol, que o meu “clube” foi uma herança familiar e que minha vida apenas vi na ao vivo meia partida por eles jogada, há umas boas décadas.

Também já referi que não identifico o espírito e valores da cidade do Porto com os do FCP e, por tudo isso, não tenho muito interesse pela disputa à sucessão de Pinto da Costa.

No entanto…. No discurso de apresentação do candidato André Villas-Boas há uma frase que é má demais a ser verdade: “cortar com o ‘status quo’ existente, onde impera o medo e não se pode exprimir livremente o que se pensa sem ser ameaçado ou censurado”. Isto, a ser verdade, e aparentemente as ameaças de que tem sido alvo o simples candidato vão nesse sentido, não são coisa deste nosso mundo…

50 anos depois, a liberdade do 25 de abril vai chegar ao principal clube da liberal cidade do Porto? Mais vale tarde do que nunca…

18 janeiro 2024

Obrigado, Mr Trump


Quem já passou pelo Irão ou teve algum contacto com Persas, sabe que ali existe uma cultura com um nível muito superior ao que as notícias sobre as suas lideranças e respetivas políticas sugerem. Sabe que há uma grande parte da sua sociedade com vontade de viver em liberdade, com respeito completo pelos direitos humanos, como no mundo ocidental.

Quando foi celebrado o acordo nuclear em 2015, muitos persas e muitas persas rejubilaram pelo que podia ser uma aproximação e um prenuncio de integração do país num mundo mais livre. Posteriormente em 2018, Mr Trump decidiu abandonar esse acordo, por razões de fundo que ignoro, simpatia pelos sauditas…?

O certo é que, apesar dos defeitos e falhas do acordo, este, apesar de tudo, integrava e condicionava minimamente o país. Depois o Irão voltou a ser pária. Hoje o Irão ajuda a Rússia a massacrar a Ucrânia; hoje o Irão xiita apoia ativamente o Hamas, sunita, histórica e financeiramente patrocinado por outros atores. Os seus procuradores Hezbollah e Houthis, estão mais fortes e ativos do que nunca, com estes últimos a porem causa grandes rotas marítimas internacionais e a escalarem o conflito. Não, não há caso para agradecer ao Mr Trump, apenas desejar que este mundo avance noutra direção, mas talvez seja apenas ingenuidade minha.

15 janeiro 2024

O silêncio e o respeito


De há uns anos para cá a fase final da supertaça espanhola é disputada na Arábia Saudita, vá-se lá saber porquê…

No passado dia 10 jogou-se uma das meias-finais entre o Real Madrid e o Atlético de Madrid. Antes do início da partida estava programado um minuto de silencio, em homenagem ao grande futebolista alemão, Franz Beckenbauer, recentemente falecido.

Na prática não foi de todo um minuto de silêncio, dado que as bancadas resolveram assobiá-lo do princípio ao fim. Li, depois, tratar-se de uma questão cultural. Dizem que o silencio pelos mortos não é tradição na região. Pode não ser, mas…

Será tradição pelo menos dos convidados que estavam no relvado e, mesmo não o sendo dos “anfitriões”, o respeito pelas tradições dos outros, especialmente pelo luto alheio, é daquelas coisas que não devia ser necessário muito esforço para respeitar.

Há uns anos estive em Londres em novembro, durante as celebrações do armistício da I Grande Guerra. Com tantos milhares de pessoas na rua, assistir ao silencio absoluto daqueles dois minutos foi uma experiência impressionante. Certamente mesmo para quem não tenha vivido e sentido a guerra, para quem não tivesse o hábito de momento semelhante, não havia alternativa senão ficar imóvel e em… silêncio.

Diferenças culturais… eles compram tudo e não parecem aprender nada.

12 janeiro 2024

Quem chamou a Troika ?


 A esta distância a questão pode parecer irrelevante, mas esta polémica marca um antes e um depois na nossa vida política e (i)maturidade democrática. A polémica nasce na campanha para as legislativas de 2015, onde num debate com Passos Coelho, António Costa tenta colar ao PSD a responsabilidade pela vinda da troika para Portugal e o sofrimento experimentado por muitos portugueses nesse período.

Sabemos que os políticos gostam de criar “narrativas”, mas aquela era tão evidentemente desonesta e claramente não sustentada que parecia apenas fazer cair no ridículo quem a avançava. Tinha sido o próprio PS de A. Costa a levar o país à bancarrota, o programa fora negociado pelo PS e teria sido aplicado por quem quer que seja que estivesse no governo na altura. Quem está nas mãos de credores para as suas necessidades básicas não tem muitas alternativas, nem as pernas dos banqueiros tremem como as dos meninos de coro.

Infelizmente a mensagem pegou. Ainda hoje se associa esses tempos da troika a uma maldade da “direita” e o alívio posterior a um mérito da “esquerda”. Aquilo que poderia ter constituído um crescimento na maturidade política e cívica do país, acabou por ser um retrocesso. Em vez de ter aumentado a consciência de que o importante é permitir a criação de riqueza e o contributo e responsabilização de todos, ficamos com a imagem de que a solução é um partido virtuoso que põe o Estado a resolver de tudo, nacionalizando TAPs, Ctt, grupos de média, salvando tudo o que for mal gerido, já sem falar na animosidade contra o contributo da iniciativa privada em domínios relevantes e carenciados como a educação e a saúde.

Esta suposta virtuosidade é ainda complementada com a demonização da oposição, plena de más intenções, reais ou potenciais. Esta é a herança destes últimos anos. Andamos para trás. Precisamos de cidadãos responsáveis e responsabilizados e não infantilizados, passivamente beneficiando da generosidade de um “Estado” caridoso. A prazo empobrecemos.

31 dezembro 2023

Um Bom Espinosa Ano


 Buscando acrescentar eliv fugir um pouco aos votos clássicos…

Ouvi um destes dias uma entrevista a J Rodrigues dos Santos, de promoção do seu novo livro sobre este filósofo neerlandês de origem portuguesa. O nome sonava-me, mas a dimensão menos. Devo dizer que li 3 livros de JRS, para testar…. Lêem-se bem, são didáticos, mas falta-lhes aquela coisinha que separa um relato descritivo de um romance literário. De todas as formas, tem muito mérito por escrever, ter sucesso e pôr muita gente a folhear páginas escritas.

Resolvi, portanto, ir visitar o personagem, começando de forma um pouco mais séria e menos romanceada, através da obra acima representada. Neste momento, longe de mim a pretensão de ter absorvido o seu pensamento nalgumas centenas de páginas, lidas uma vez, e muito menos de o vir aqui tentar resumir em meia dúzia de frases, mas algumas reflexões apetece-me desenvolver.

Espinosa é extraordinariamente inteligente, corajoso e clarividente. Deduzir e avançar com as suas ideias e formulações, especialmente naquela época, foi um exercício de liberdade e de promoção da dignidade humana fantástica. Pensar sem barreiras, deduzir sem preconceitos, assumir sem condicionalismos, ser livre e criativo de espírito, sem razões a castrar as emoções e sem limitações a travar a razão… que mais se pode desejar?

29 dezembro 2023

Vem lobo, vem lobo...


Eu não queria falar disto, mas há quem o esteja a tornar tema obrigatório diário. O Chega é um partido pouco recomendável num sistema politico saudável, pela natureza de algumas propostas, pela inconsistência e irrealismo das mesmas e pela fragilidade de uma estrutura “one man show”… Se uma solução governativa para o país vier a passar por eles não são boas notícias.

Agora, na outra ponta, se é que se pode assumir alguma linearidade neste universo, partidos que têm dúvidas quanto à possibilidade de a Coreia do Norte ser uma democracia, com simpatia para regimes incompetentes e brutais como a Venezuela, condescendentes com o camarada Putin, mesmo quando ele agride brutalmente um vizinho sem um mínimo de justificação ou de humanidade, também não são gente recomendável.

Todos estes podem não ser um problema para a democracia do país no sentido restrito do conceito, mas serão um problema para o modelo de país justo e livre onde queremos viver. Estes alertas constantes do “Vem lobo, vem lobo…” são apelos a que, de um lado ou de outro, ele venha mesmo (e vejam onde anda hoje o partido socialista francês depois de Miterrand ter jogado um xadrez idêntico umas décadas atrás).

22 dezembro 2023

À espera que…


As organizações que se pretendem eficazes e competitivas têm naturalmente horror a vazios de liderança. São fatais. Quando um líder se declara ou é declarado incapaz, a substituição deve ser o mais célere possível.

O Estado não é necessariamente um exemplo de eficácia e, quanto à competitividade, o resultado da sua “gestão” costuma ser num prazo que dificulta a identificação de causa-efeito. De todas as formas, liderança é liderança e sem liderança efetiva, legitimada e plena, não há milagres.

Vem isto a propósito da data das próximas eleições legislativas, dentro de quase três meses. Disse-se na altura que era necessário dar tempo ao PS para se recompor e reconstruir após a demissão do seu líder. Apesar de isso ser um problema do partido e não do país, até já está feito. Para que servem estes longos meses até às eleições e tomada de posse de um novo governo legitimado e efetivo…?

Não sei e até receio que, mais do que discutir propostas e ideias, vamos assistir a um certo concurso de cuspidelas. Quem cospe mais longe e mais grosso.

Temos todo o tempo do mundo? Não. Tempo perdido é tempo perdido.

20 dezembro 2023

A supremacia da esquerda


A supremacia branca foi uma coisa inventada no espírito do “somos todos iguais, mas alguns são mais iguais do que outros”. A supremacia da esquerda é um conceito com alguma analogia, no sentido de que estamos em democracia, sim senhor, mas a esquerda é mais virtuosa do que a direita, nomeadamente pela sua defesa da liberdade, igualdade e solidariedade, contra uma direita autoritária e protetora dos grandes capitalistas egoístas.

Começando pela liberdade, ditaduras tanto de direita como de esquerda infelizmente não faltam na história universal e digamos até que a esquerda frequentemente convive mal com a democracia, quando os eleitores não reconhecem a suposta bondade exclusiva dos seus propósitos. Recordam-se de por cá, enquanto a direita apenas pretendia ter direito a existir e a ir a votos, a “legitimidade revolucionária” da esquerda procurava condicionar os partidos, cercava e pressionava a Constituinte e todos os discordantes eram liminarmente desclassificados como fascistas?

Sobre a solidariedade há efetivamente algumas diferenças. Convém recordar que não estamos nos tempos em que um azar na vida, pode condenar a uma vida miserável toda uma família. Hoje, neste nosso mundo, se alguém tiver um azar e partir uma perna, é tratado (com mais ou menos espera) antes de se verificar a cobertura de um seguro de saúde ou um limite de cartão de crédito. Se a empresa que alimenta uma família falir, isso não deve implicar fome e privações para todos.

Agora, o que me parece é que essa solidariedade deveria ser tendencialmente temporária e não estrutural. Numa sociedade sã, cada qual deve poder encontrar os meios de viver dignamente sem necessitar de ajuda sistemática do Estado.

Os números atuais de mais de 40% da população a necessitar de ajuda do Estado, não constituem uma realidade virtuosa, nem deveriam ser uma bandeira a empenhar orgulhosamente por ninguém. Pelo contrário, representam uma falência da capacidade de gerar riqueza e de cada qual conseguir pelos seus próprios meios uma subsistência digna. A questão de base anda um pouco à volta de se o objetivo é exterminar os ricos ou acabar com os pobres.

Para lá dos princípios, na atual prática da guerrilha política, a invocação da suposta bondade e supremacia da esquerda, como ferramenta para aceder e manter o poder, sem o mínimo interesse em resolver estruturalmente a pobreza… é pobre e simples oportunismo.

Nota: Imagem da versão publicada, reduzida, para "caber"...

15 dezembro 2023

O soco da realidade


Dizia a Reuters um destes dias que neste ano de 2023 as estratégias ousadas dos fabricantes automóveis quanto a veículos elétricos (VE) levaram um soco da realidade. Aqui

E referem dois motivos que esfriaram expectativas, adiaram investimentos, reduziram os ritmos de produção e … preços. Um é obviamente o preço. Para lá dos clientes desafogados para quem 20 K Eur a mais ou a menos é um detalhe para o gosto de andar na crista da onda tecnológica e outros, também mediamente desafogados, que aceitam e lhes serve bem um VE como segundo carro… para o comum dos mortais o preço/capacidade conta muito, atendendo aos seus recursos limitados e necessidades de mobilidade.

Apesar de algumas benesses públicas, os VE ainda são caros e não sei bem se é aumentando ainda mais essas ajudas que a questão se resolve estruturalmente. Uma coisa é certa, muito sangue vai correr, muitos construtores irão sofrer (e fechar…), esperando que não cheguemos a ver um mercado basicamente achinesado e um pouquito teslizado…

O segundo ponto são as restrições do carregamento em termos de disponibilidade e tempo de espera, para quem não consegue vencer os percursos diários com uma única carga. Há uma dimensão de liberdade na utilização de um automóvel, e de prazer, que desaparece quando se passa o tempo a olhar para a evolução do nível da bateria e rezando ao santinho mais próximo para que o próximo posto de carregamento esteja ativo e disponível quando se lá chegar.

Outro ponto que ainda não está na primeira linha, mas que, já agora, acrescento eu, também vai chegar, são os custos de reparação/substituição de baterias após acidente. Substituir uma bateria amachucada por uma pancadita qualquer custa muito dinheiro e em solo ou partilhado em seguro, as faturas lá terão que ser pagas...

Atendendo ainda a todo o ciclo de produção de baterias, que de economia linear nada tem, atendendo à problemática da produção de energia elétrica que durante muito tempo não vai evitar a utilização de combustíveis fósseis… isto do acelerar a exclusividade dos VEs está um pouco coisa de bois à frente dos mesmos (com todo o respeito que merece a raça bovina).