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13 agosto 2025

O que é uma nação

Nos tempos atribulados que vivemos quanto a estrangeiros, migrações e nacionalidades, falta muita reflexão objetiva, racional e, aparentemente, aquela coisa que toda a gente proclama ter, que é o bom-senso.

Migrações e evoluções sociais e culturais na sequência da chegada de gente diferente, sempre houve na história da humanidade, mas, mas… quando essas mudanças são demasiado rápidas (a velocidade é relativa, certo), os “mudados” passam a sentir que aquela “casa” já não é a sua e temos um problema “legitimo”. Pessoalmente, não tenho nenhuma questão com a tez da pele das pessoas, mas tenho sim com os códigos sociais, quando eles são radicalmente diferentes das nossas referências. Já vivi em outras paragens e não gostaria que alguns comportamentos que lá são normais passem a ser norma aqui. 

A definição dos limites de uma nação é complexa. Não é apenas geográfica, embora muitas vezes as cadeias montanhosas se transformem em fronteiras naturais e uma boa parte da nossa fronteira com Espanha ser fluvial. Não é apenas pela língua, já que existem nações multilinguísticas e outras vizinhas que partilham a língua, mas que se diferenciam. Não é também religiosa, apesar de em muitos casos as nações terem sido construídas precisamente sobre a homogeneidade religiosa.

Não há uma definição simples e abrangente do que é integrar uma nação. Penso que passa muito por uma conjugação no plural de um “somos” e um “fomos”, oportunamente desvalorizando/olvidando o que nos separa/separou e recordando/promovendo o que nos pode orgulhar e unir.

Por isso, para alguém poder ser português, não basta preencher um formulário, nem tão pouco genéticas e credos deverão ser condições de exclusão. O que deve ser obrigatório sim, são as referências culturais. É partilhar o “somos” e o “fomos”. Desculpem lá a pequena provocação, mas, como exemplo, quem desconhece Camões não pode ser português.


Atualizado a 14/8 com o recorte da publicação no "Público", com a última frase omitida... falta de espaço...(ideológico?)



17 junho 2025

De coração ou raça


Ser português não significa possuir características “raciais” especificas. Somos fruto de uma miscigenação enorme e não há portugueses “de gema”, fisicamente definidos, como noutras latitudes onde existe um tipo físico tradicional e se faz a distinção face a outros “cidadãos” que não o cumprem. Aliás, geneticamente falando, somos na “maioria” muito mais parecidos com os berberes das montanhas do Norte de África do com que os nórdicos!

Isto não significa que qualquer um dos 8 bilhões de habitantes do planeta que aterrar por cá, possa imediatamente ser considerado português, já que não há filtragem racial. Ser português haverá de implicar ter um mínimo conhecimento da cultura e história do país e identificar-se com a mesma. Haverá que o sentir e não há muitos países no mundo em que esse sentimento de pertencer a uma nação seja tão antigo como ele é em Portugal.

Ainda sobre a História de Portugal e identidade, no passado 10 de junho Ramalho Eanes foi condecorado com o grande colar da ordem de Avis, uma grande honra e distinção. Na sua génese esta ordem era militar e religiosa e combateu os muçulmanos na fundação de Portugal. Ainda ninguém se lembrou de pedir para a crismarem com outro nome, mais laico, inclusivo e menos “agressivo” face a outras religiões? E todos os que receberam a Ordem de Santiago sentem-se bem ao ver o seu nome associado ao santo “mata-mouros”?

A riqueza, e histórica temos muita, passa por não banalizar, saber procurá-la e entendê-la. Viva Portugal de coração sem raça.

10 junho 2025

Luis Vaz


 Ao desconcerto do mundo


Os bons vi sempre passar
No mundo graves tormentos;
E para mais me espantar,
Os maus vi sempre nadar
Em mar de contentamentos.
Cuidando alcançar assim
O bem tão mal ordenado,
Fui mau, mas fui castigado:
Assim que só para mim
Anda o mundo concertado.

Sempre atual este Luís Vaz, para sempre vivo este Portugal

21 maio 2025

Além Tejo, Alentejo


Formulou muito bem Orlando Ribeiro, que existem dois “portugais”, um Mediterrâneo e outro Atlântico. Para quem se interessa por entender o que é este país, o seu livro é obrigatório, mesmo.

Essa fronteira, que ouvimos na meteorologia como o sistema Montejunto-Estrela, teve no verão quente de 1975 um posto fronteiriço em Rio Maior, equipado com as famosas mocas, enfim… não faltam exemplos. Curiosamente esta clivagem nunca pôs em causa a unidade identitária do país nem levantou sérias veleidades separatistas.

O resultado destas últimas eleições é mais um exemplo quase perfeito dessa divisão do país. A particularidade é que este recorte eleitoral não é inédito na forma. No passado foi igual, com diferença apenas na cor. O sul do Tejo era vermelho comunista e agora é extrema-direita (populista).

Se eu fosso sociólogo atirava-me de cabeça a tentar entender como o Alentejo revolucionário abandonou os valores comunistas, para abraçar este populismo grosseiro. Os extremos tocam-se? Sim, um pouco, mas não será assim tão simples.

Durante anos o Alentejo foi para a esquerda uma espécie de puro e último reduto da “revolução”, objeto de devoção quase religiosa. Quando Henrique Raposo escreveu sobre a região, referindo as elevadas taxas de suicídios, não houve livros queimados na praça pública, mas pouco menos, tamanha foi a indignação da esquerda.

Enfim, não sei para mais e não quero entrar no terreno da especulação pura, mas gostava muito de entender o que existe neste Portugal mediterrâneo que um dia é comunista e no seguinte, dizem os ainda comunistas, fascista. Um mistério…?

16 outubro 2024

Mudar de dono


Com 15 anos de diferença, 2 países tentam sair de uma guerra que, de uma forma ou de outra nunca conseguirão ganhar. Protagonistas, 2 generais.

Sendo o quadro institucional, reconhecimento e poder de De Gaulle na França de 1960 de nenhuma forma comparável com o de Spínola em Portugal em 1974, há alguns pontos em comum, sobretudo na forma como o processo encerrou.

Os movimentos de “libertação” exigiram e conseguiram o estatuto de interlocutores únicos, em seguida adotaram o princípio do “ganhamos, é nosso” e nos casos de haver mais do que uma força em jogo, entraram a seguir em guerra civil mais ou menos longa… Democracia, nem vê-la; pluralidade racial ou religiosa, excluídas.

Talvez que se França e Portugal tivessem tido o discernimento de entenderem os ventos da história a tempo e dirigido o processo noutra direção mais cedo, o desfecho poderia ter sido diferente, não sabemos.

O que sabemos é que, como me disseram noutra latitude e noutra língua, a independência foi “Cambiamos de manos”.

Os povos, em nome dos quais foram levantados os movimentos de “autodeterminação” não foram tidos nem achados e não tiveram a mínima palavra no pós-independência. Mudaram de dono, sendo os novos donos de outra raça ou de outra religião. No final não ficaram necessariamente a viver melhor…

07 julho 2024

A Memória dos Dias

 

Correste a dizer que o dia vinha às portas da saudade

E cobriste de mil flores as varandas da cidade

Ao cantar enrouqueceste mil canções feitas à toa

Dançaste todas as ruas embriagadas de Lisboa

Leste os clássicos do tempo como toda a novidade

E a sonhar adormeceste no prazer da liberdade

Inventando mil amigos

Esquecendo velhos perigos


Não foi ontem que Fausto nos deixou fisicamente, mas as suas canções ficarão para sempre nas nossas memórias e nos nossos dias. Vi-o 3 ou 4 vezes em concertos, o último dos quais o “Três Cantos”, mas, mais do que ver, há ouvir e continuaremos a ouvi-lo.

Bastam uns poucos primeiros compassos para identificar o cantante autor em cada canção. Se “Por este rio acima” é a obra completa, não faz esquecer a magia do “Despertar dos Alquimistas” ou a delicadeza do “Para além das cordilheiras”.

 Pela beleza das melodias, pela doçura da voz, pelo brilho das orquestrações, pela riqueza das palavras, Fausto ficará na nossa memória para todos os dias e no património cultural de Portugal para sempre.

Vêm do fundo da paz da terra os sonhadores…

02 junho 2024

Camões não merece


Comemorar 500 anos de alguém que definitivamente da lei da morte se libertou não é pouca coisa. Quando esse alguém é provavelmente o maior génio da história portuguesa e o expoente máximo da nossa arte e cultura, o desafio é grande.

Entende-se e aplaude-se que o Banco de Portugal se tenha lembrado de cunhar uma medalha comemorativa. De passagem, é de referir que, no geral, esta efeméride pouco interesse parece estar a despertar. Pode-se entender que quisessem ilustrar a mesma com uma imagem diferente da clássica, que se vê nos manuais escolares…

Agora, que tal imagem seja uma coisa disforme, que nem sequer um rosto humano é, horrível de ver, sem propósito ou significado decifráveis, a menos de eventualmente desvalorizar e ridicularizar o príncipe dos poetas, isso é coisa que não se entende de todo, nem se aceita. É absolutamente ultrajante e quem autorizou tamanha monstruosidade deveria ser confrontado com a sua irresponsabilidade. O domínio artístico é certamente subjetivo, mas há mínimos de decência e de respeito, especialmente neste contexto. Aparentemente Camões continua a não merecer o país que tão brilhantemente cantou, mas, sei lá, às tantas esta moeda ainda vai ganhar um prémio de design qualquer…

12 abril 2024

Portugal, Portugal


A reversão da alteração do símbolo oficial do país deve ter sido indiscutivelmente saudada e aplaudida por uma larguíssima maioria dos portugueses. Insinuar ou afirmar que é uma cedência à extrema-direita, significando que afinal há uns bons milhões de portugueses potencias seguidores de autoritários putativos Mussolinis ou Pinochets é, de novo, não entender nada.

A versão anterior, um esticar da bandeira do Mali, foi classificada como “inclusiva, plural e laica”. Vamos por partes. Ser inclusivo passa por excluir todas as referencia históricas? Plural? Qual era o singular do anterior? Laico, havia lá antes uma cruz? E se houvesse?

Por esta lógica, todos os países que incluem uma cruz explícita nos seus símbolos, deveriam ter vergonha e rapidamente corrigirem tal erro. Parece que alguns os produtos suíços da Swatch, Tissot e Victorinox à venda nas “arábias” trocaram a infame cruz por outra coisa e que quando o Real Madrid ali se procura promover, corta a cruzita que existe no topo do seu brasão. É este o caminho?

Incluir não é apagar e se não devemos ser louros para não irritar os morenos, se estes podem chocar os ruivos e  .. por aí fora, ficamos com um vazio brutal de identidade que, naturalmente desconforta muita gente. Explicar-lhes que isso é equivalente a ser lamentavelmente xenófobo tem por efeito o pessoal deduzir que se o lamentável não lhes parece, se calhar então são mesmo xenófobos… se é gente tão inteligente que o afirma !

Progresso é avançar num sentido de melhoria. Não é nem devia ser apanágio exclusivo de uma fação ideológica.

04 outubro 2023

Larguem os ossos


Penso que qualquer potencial notável nacional, seja pela pena, pelas armas, pelas chuteiras, pelas guitarras, pela retórica e até mesmo, quem sabe, pela influência nas redes sociais, tem interesse em deixar expresso onde pretende que os seus ossos tranquilamente repousem.

Nunca se sabe se os chamados eleitos da nação não irão um dia requisitar os seus restos para ornamentar um qualquer supostamente prestigioso depósito de sepulturas. Alguém imagina, por exemplo, Miguel Torga, satisfeito com a ideia de sair do seu S. Martinho de Anta, atravessar o Marão e ir para Lisboa, ele, para quem “a nação não morre de amores pela capital e esta paga-lhe na mesma moeda”?

Para lá desta falta de gosto e de decência de remexer em velhos jazigos, para lá da abrangência curta ou excessiva do nosso Panteão, homenagear os que “da lei da morte se libertaram”, não passa por andar em macabras bolandas com os seus restos. Passa sim por promover e divulgar a sua obra. O mais importante não é onde ficam os ossos, é o que resta da vida. Mais importante do que o material morto é o imaterial vivo.

Este folhetim atual com a transladação dos restos mortais de Eça de Queiroz dava uma excelente novela queirosiana. Haja quem a escreva com a fineza e elegância do grande mestre, independentemente do local onde os seus ossos repousarão um dia.

02 agosto 2023

O que há de novo

Depois de uma longa interrupção no blog, se não inédita pouco menos, o recomeço é sempre mais difícil. Sobretudo quando atrás está o Camões.

Nestes quase dois meses passaram-se muitas coisas e certamente teria tido tema para as duas a três publicações semanais da praxe, infelizmente sempre e sempre mais do mesmo. Nada de relevante consigo identificar e isso é um problema.

Vamos falar da (des)qualificação da nossa governação? Das caricatas conclusões da CPI da TAP, do ridículo (não) debate do estado da nação e de outros casos de irresponsabilidade e desrespeito pelo país e pela nossa inteligência, a que gostam de chamar casinhos? No fundo, nada de novo e o mais preocupante é o pouco sobressalto cívico que tudo isto provoca.

A democracia só funciona, mesmo, a qualidade do governo e consequente bem-estar de quem por cá vive com escrutínio e, fatalmente, alternância. Novos rostos, novas ideias, novas atitudes são fundamentais. Tudo coisas que faltam a este governo ressequido. Depois de vermos ministros chegarem diretamente da Camara de Lisboa, irão agora buscá-los às juntas de freguesia da capital? Ou virá alguma jovem estrela brilhante, tipo Miguel Costa Matos? Quem de decente e competente este (des)governo consegue motivar e recrutar?

Neste contexto, o PS deveria estar a ser fortemente penalizado pelo eleitorado. Mesmo que o líder do PSD não seja uma força da natureza, é necessário arejar a casa. O cheiro a podre torna-se insuportável, para quem tenha nariz, e a seguirmos por aqui vai um dia ser bem-vindo um autoritário (como em 1928, há quase 100 anos).

Parece que já não estamos no tempo em que os partidos do arco da governação não tinham (nem assumiam) diferenças fundamentais e o eleitorado flutuante forçava a alternância pelo mérito, por estar farto do inquilino de S Bento e muito pouco pela “ideologia”. Depois de 2015 inventou-se uma clubite, particularmente à esquerda, onde para evitar um governo “inimigo”, fatalmente malvado, se juntam em frente virtuosa socialistas (sociais-democratas) europeus, órfãos de Estaline, admiradores de Maduro, tolerantes de Kim Jong, e tudo o mais que for preciso.

Não é só cá. Veja-se a Espanha aqui ao lado, onde Pedro Sanchez, para reivindicar o direito a governar, se assume líder de um suposto bloco vencedor, indo muito para lá do equivalente da nossa “geringonça”. Acrescenta o Bildu, herdeiros do terrorismo da ETA, pouco arrependidos, e fundamentalistas e racistas catalães (sim, porque o racismo não é apenas o da cor da pele).

Em resumo, o que há de novo é que, pelo menos na Península, democracia já não rima com meritocracia e racionalidade. Instaurou-se uma atitude tribal onde se “é de um lado”, como se “é” do Sporting, Benfica ou FC Porto. Certo que entre os nossos irmãos sempre houve duas Espanhas, com um nível de intolerância mútua elevado e uma brutal guerra civil não há muito tempo. Por cá, a guerra civil foi há mais tempo, na afirmação do liberalismo, mas entre 1910 e 1928 também não faltou intolerância e visões “religiosas” das virtudes “ideológicas”, que demasiados excessos justificaram.

Sim, há algo de novo, face às décadas recentes, mas relativamente à Primeira República o odor é semelhante. Já terá nascido algures numa Santa Comba?

10 junho 2023

Má fortuna?


 

Erros meus, má fortuna, amor ardente
Em minha perdição se conjuraram;
Os erros e a fortuna sobejaram,
Que pera mim bastava amor somente.

Tudo passei; mas tenho tão presente
A grande dor das cousas que passaram,
Que as magoadas iras me ensinaram
A não querer já nunca ser contente.

Errei todo o discurso de meus anos;
Dei causa [a] que a Fortuna castigasse
As minhas mal fundadas esperanças.

De amor não vi senão breves enganos.
Oh! quem tanto pudesse, que fartasse
Este meu duro Génio de vinganças!

                        Luís de Camões

No Cabo de Guardafui
Vou aguardando bons ventos
Tiro a pena da mochila
E assento meus pensamentos

Às voltas com seu fadário
Um simples soldado raso
Tomai lá meu secretário
E guardai bem este meu caso

Só me deu p'ra dizer não
Em tempo de dizer sim
Também na mesma moeda
O mundo me paga a mim

Como este Cabo tão triste
Pedregoso e sem verdura
Assim minha vida existe
Marcada p'la desventura

Pergunto à musa porquê
Pergunto aos deuses nos céus
Todos me dizem que é só
Má fortuna e erros meus

Se baixo o amor à taberna
E depois o subo em soneto
Ele arde em mim com dois lumes
Um é branco e outro é preto

Assim ando estrada fora
Como um bardo vagabundo
Desisti de ver a hora
De ficar de bem com o mundo

No Cabo de Guardafui
Guardei os meus pensamentos
Ponho a mochila às costas
Pois já sopram melhores ventos

Como esse Cabo que existe
À tristeza condenado
Também a má fortuna insiste
Em andar sempre a meu lado

Pergunto à musa porquê
Pergunto a vós que me ouvis
Também achais que um poeta
Só é bom quando infeliz
Carlos Tê/Rui Veloso

26 maio 2023

Esplanadas, tuk-tuks e pastéis de nata

E inquestionável a importância do turismo na recuperação de centros históricos e na revitalização de espaços rurais. Tem sido fundamental a sua contribuição na nossa economia. Após o desastre nas contas públicas que nos trouxe a famigerada intervenção da troika, o sol, o património cultural, as paisagens e a gastronomia já cá estavam. Não foi necessário muito criar para tirar partido desse potencial.

Não podemos, no entanto, ficar parados, contentes com o contentamento de quem cá vem sentar-se em esplanadas, dar umas volinhtas em tuk-tuk e provar pasteis de nata. Não podemos porque uma boa parte do emprego associado a essa economia é de baixo valor acrescentado e não corresponde ao modelo social com o qual nos pretendemos justamente identificar e a que muitos portugueses legitimamente aspiram.

Sim, é bom existir este contributo, não vamos matar a galinha dos ovos de ouro, pessimamente estaríamos se não existisse. Só que não deveria ser motivo de enorme contentamento termos uma economia “excelente” (?!), à custa de legiões de licenciados condutores de tuk-tuks e servidores de pasteis de natas. Algo de mais sério e consistente é necessário, a sério. E não é com um Estado voraz a apropriar-se de tudo o que pode, para depois pseudo magnanimamente distribuir que lá vamos.

 

08 maio 2023

Por graça de Deus

Não é todos os dias que se pode assistir a uma coroação em direto, ainda por cima com tanta pompa e circunstância como foi esta última de Carlos III. Aliás, parece que por cá, mesmo antes de 1910, a tradição era mais uma aclamação popular, mais ou menos espontânea, e não cerimónia solene em palácio ou catedral

A abadia de Westminster não foi apenas um local para a coroação. Carlos foi coroado na abadia, pelas autoridades religiosas. Ao ouvir a parte principal da cerimónia, pareceu-me viver noutro tempo, quando o poder real era legitimado por suposta nomeação e designação divina. Efetivamente, se no reino ninguém pode estar acima do rei, não sendo de bom tom que ele se apodere a ele próprio e quando o povo ainda pouco ordena, só mesmo alguém do outro mundo pode ter ascendência para empossar um monarca.

Se numa perspetiva teórica faz sentido, na prática ficam muitas dúvidas sobre até que ponto o tal divino deu o seu consentimento e validou a escolha. Será na base do “Quem cala consente”? E também, em cada rutura ou mudança de dinastia, Deus ficou sempre do lado do vencedor, que se impôs com argumentos nem sempre muito espirituais?

Para lá destas falhas e incoerências, esta espécie de bicefalia tem algo de positivo, na medida em que não concentra todo o poder numa só estrutura. Recuando na História, por facilidade descritiva, ao tempo em que o notário da escolha divina não era cardeal ou arcebispo, mas o Papa, houve, é certo, Papas sequestrados por Reis, Reis condicionados por Papas, cisões temporárias e definitivas, mas globalmente havia poder e contrapoder. O Rei não tinha legitimidade completa sem a bênção do Papa, nem este tinha poder para impor o Rei e ditar ao Rei o que entendesse. Apesar dos desvios e abusos, talvez esteja aqui, nesta não concentração do poder numa única entidade, uma das razões do desenvolvimento bem-sucedido da Europa.

Curiosamente a nomeação divina, que dá o tema deste texto, ocorre num país (reino) em que desde o século XVI e Henrique VIII, passou a haver concentração de poderes na mesma figura, mas também onde existem instituições democráticas e estruturas representativas das mais sólidas e estáveis desde há muito tempo. Exceções? Outras razões…?

Nota: Pode-se considerar a aclamação popular portuguesa, um embrião, mesmo imperfeito, de democracia? Com todos os defeitos, é preferível ser (parte do) “povo” a empossar o soberano do que uma mitra.

17 janeiro 2023

Em volta dos rios

Os rios nascem na foz. A definição de um rio começa no ponto onde ele acaba no mar. Daí para montante há uma sucessão de entroncamentos onde se decide qual é o troço do próprio rio e qual é o afluente. Por exemplo, na Régua é muito claro que o Douro é o curso que continua a “subir” para o Pinhão e as linhas de água que chegam da direita e da esquerda são dois afluentes, o Varosa e o Corgo.

Noutras situações pode ser menos óbvio, se deve predominar o curso com mais caudal ou que se projeta mais longe. É o caso do Pisuerga nas proximidades de Vallodolid, onde segundo dizem os locais é ele que traz a água e é o Douro quem leva a fama…

A belíssima imagem acima Robert Szucs é muito interessante e demonstra claramente que mais do que um curso de água, um rio é uma bacia. Se olharmos para o ponto mais afastado do Douro (amarelo) relativamente à foz, considerando ser por ali a nascente, que percentagem da água que chega ao Porto saiu daquele local? Muito pouca…

Se olharmos para o Guadalquivir (roxo) é talvez menos óbvia a definição do tal ponto simbolicamente original da nascente do rio.

Este mapa das bacias pode também ser cruzado com o mapa dos reinos ibéricos. É curiosa a boa correspondência entre a bacia do Ebro (vermelho) e os antigos reinos de Aragão e de Navarra. Não será certamente por acaso. Relativamente a Portugal pode encontrar-se a fronteira do Minho e do Guadiana e a limitação interior do Mondego (laranja) e do Soraia (laranja claro), mas o Douro e o Tejo são duas grandes bacias parcialmente atravessadas no território.

O mapa das bacias é um mapa topográfico. É o relevo que faz os caminhos da água, mas também as maiores ou menores dificuldades nas deslocações das gentes. A capilaridade é a mesma. Os rios tanto podem gerar bacias agregadoras como limites e fronteiras. Podem unir ou dividir, formal ou informalmente. Gosto de ler rios…


02 novembro 2022

Porque falham as nações


Depois de mais de 500 páginas sobre o tema e com vastos exemplos históricos, entendi claramente a mensagem: o sucesso ou o fracasso de uma nação dependem de esta ter políticas e instituições “inclusivas” ou “extrativas”. Em português mais comum dir-se-ia haver quem governe ou quem se governe.

Nos modelos inclusivos o poder e a influencia no poder envolve uma larga maioria dos interessados, dispondo estes de meios, canais de comunicação e capacidade de reivindicação, garantindo-se que o governo alinha pelo interesse geral e que pode ser facilmente substituído quando se desviar desse objetivo.

A tentação de ficar agarrado ao poder e evitar riscos com reformas ou inovações é também uma caraterística dos “extrativos”, provocando dessa forma o definhamento económico e social.

Mesmo com uma perspetiva histórica alongada, fiquei com a impressão de me estarem a contar um filme a partir do meio. As razões de fundo, porque nalguns países se estabelece e se mantem quem governe e noutros quem se governe, não podem residir apenas nos aleatórios da história.  Porque é a “revolução gloriosa” inglesa de 1688, no fundo uma contestação e limitação do poder real absoluto teve sucesso e se consolidou, permitindo a futura revolução industrial, enquanto, por estes lados, mais tarde, a revolução liberal de 1822 e a correspondente lenta mas concreta evolução para um modelo de limitação de poderes reais, não nos fez sair da cepa torta?

A forma e a força como a população tem vontade e poder para travar trajetórias nocivas ao interesse geral, tem, acho eu, uma componente cultural. Certo que, em situações díspares de meio, entre uma fértil e generosa terra ou um árido e inclemente solo, os requisitos para a sobrevivência são diferentes e assim também serão as exigências quanto à governação. Mas, entre Portugal e a Inglaterra as diferenças não serão assim tão grandes.

Essa coisa da cultura não se mede apenas pelo número de pessoas que vão aos museus e teatros… ou também?

30 agosto 2022

Paulo de Oliveira


Corria o ano de 1989, mais coisa menos coisa, e eu, por acaso, passei na Covilhã. Para quem vivia no concelho de VN Gaia e trabalhava no de Matosinhos, era um acaso um pouco forçado passar por aqueles lados, mas o argumento do acaso foi desculpa boa para forçar uma reunião com o Sr. Paulo de Oliveira.

Ele estava prestes a decidir um investimento industrial e nós não estávamos bem colocados, donde que fui lá, “por acaso”, tentar salvar a dama. Recebeu-me com cortesia e frontalidade. Impressionou-me a sua omnipresença na empresa. Discutiu comigo detalhes do projeto, expressou a sua opinião quanto à marca dos componentes de automação, enquanto era interrompido por uma encarregada da fábrica que lhe reportava um problema algures na tinturaria e queria a sua opinião sobre a opção a tomar para a solução. Dinâmica e capacidade de decisão não lhe faltavam.

A missão teve sucesso e foi o nosso primeiro projeto na área têxtil, que tinha, com ou sem razão, o hábito de comprar equipamentos fora do país. Dizia-me que o seu carro era um BMW e não um Fiat e tinha as suas razões para isso. Eu, que por acaso até lá tinha ido de Fiat, expliquei que ele tinha razão nesse campo, pelas diferenças constatáveis, mas não era o caso entre o equipamento alemão e o nosso.

Depois dessa fase, acompanhei a evolução da empresa, de longe. Foi um lutador e um resistente. Se ainda existe indústria de lanifícios e especialmente naquele interior do país, em boa parte, se não em toda, deve-se a Paulo de Oliveira, que hoje partiu. O país é devedor a personalidades como esta.

Imagem do jornal "O Interior"

27 maio 2022

Os judeus não reconhecem a nação? (II)


Continuação de Acusar

Quando se fala em antissemitismo e perseguição aos judeus na Europa é impossível não referir a Alemanha nazi. Este “nazi” vem de nacional + socialista. Sendo óbvio que de socialista o partido de Hitler teve pouco, a associação das duas palavras é algo incoerente. Apesar do aspeto comum da prevalência do poder do Estado, o socialismo é internacionalista e Hitler nunca pretendeu ser um pai de todos os povos; a ideia era mais “Alemanha acima de tudo e todos”. 

Penso que o caráter “menos nacionalista” e até um pouco “supra nacionalista” dos judeus é uma das razões que os tornam inimigos de estimação, especialmente para poderes autoritários que buscam uma homogeneidade cultural e religiosa entre os seus súbditos. Uma das acusações recorrentes contra os judeus é precisamente a de fazerem parte de uma conspiração internacional... estando implícita a insinuação de não reconhecerem completamente as autoridades nacionais.

Há alguns séculos os judeus foram expulsos de Espanha quase em simultâneo com o processo de unificação de Castela e Aragão, pelos oportunamente designados Reis católicos. Curiosamente em Portugal, nação mais consolidada, o processo equivalente surgiu como uma imposição dos vizinhos ibéricos e não por uma necessidade sentida internamente.

Continua para Religião ópio ou ?

19 maio 2022

Quem não vai à guerra

Parece ser uma especialidade deste jardim à beira-mar plantado. Não ir à guerra, não dar nem levar, ou antes não perder, mas ganhar. Já na II Grande Guerra muito ganhamos, até mesmo a transacionar com os dois lados.

As guerras e demais disrupções trazem muita desgraça e também muitas oportunidades, sobretudo para quem tiver um sentido apurado e ético q.b. da oportunidade.

Agora, regozijarmo-nos com vantagens obtidas a partir dessas oportunidades é imoral. Certamente que o mundo não para e nas reviravoltas onde tanto que se perde, algo algures se pode ganhar, mas deveria ser um ganho envergonhado e, dentro do possível, partilhado com os que tanto perderam.

Não é líquido o que podemos efetivamente ganhar com a guerra na Ucrânia. No mínimo, convinha não perder a oportunidade de ficar calado e procurar outros motivos de regozijo, fruto do nosso mérito e iniciativa, não de os misseis caírem bem longe do nosso jardim. 

20 janeiro 2022

Pessoa e Salazar


No meu cabaz de Natal, ou no sapatinho, ou na meia… chegou este livro, acima ilustrado.

Pessoa era genial, mas não tão louco como muitos grandes criativos, que têm alguma dificuldade em conseguir uma vista equilibrada e racional sobre a política e a sociedade em geral. Este excerto já de 1925 é representativo

Tio Mussolini e Abade Lenine

Seguimos o princípio contrário ao do tio Mussolini e ao do abade Lenine. Desoprimir. Tornar os outros diferentes do que nós queremos! Ensinar cada homem a pensar pela sua cabeça e a existir com a sua existência – só com a sua existência.

É muito interessante a evolução da visão de Pessoa sobre Salazar, inicialmente como alguém que sabia o que queria em termos das desgraçadas contas públicas, que o comunica e implementa, depois como alguém que reduz o governo do país a um exercício de contabilidade e finalmente alguém que pretende secar e anular tudo o que for desalinhado com a sua visão (estreita) e objetivos.

1935

Inteligente sem flexibilidade, religioso sem espiritualidade, ascético sem misticismo, este homem é produto de uma fusão de pobrezas: alma campestre sórdida do camponês de Santa Comba, que apenas se alargou na pequenez pela educação no seminário, por todo o inumanismo  sórdido de Coimbra, pela especialização rígida e pesada do seu destino desejado de professor de finanças. É um materialista católico (e há muito assim), um ateu nato que respeita a virgem. […]

Em Salazar, há sempre materialismo, há sempre o pequeno contabilista. Não podemos sonhar porque o sonho não é remunerável.

Tudo esta evolução ocorre em apenas 7 anos e pensarmos que Salazar sobreviveu no poder ainda mais 33 anos ao poeta e filósofo é assustador. E pensarmos que o regime ainda durou mais 6 anos após a saída do seu criador…

Podemos entender que a seguir à catastrófica e anárquica primeira República, houvesse forte predisposição a aceitar quem viesse pôr ordem na casa.  Agora que isso tenha continuado tanto tempo, quando já em 1935 era claro a todos que quisessem ver ao que o homem vinha, assusta-me. Porque, obviamente, não basta diabolizar Salazar. Se o regime tanto aguentou foi por ele e não só.

Hoje, quando vemos as trapalhices em que a nossa governação se afunda, sem parecer ter capacidade de se auto regenerar…

 

03 janeiro 2022

As reparações históricas


Poucos são os crimes que jamais prescrevem. Entende-se que ao fim de algum tempo, é desnecessário, impossível ou inconveniente instaurar um processo ou aplicar uma pena. Para um acontecimento com vários séculos já decorridos pareceria obvio não ser possível nem razoável tentar ajustar contas. Vamos reclamar à França os estragos das invasões napoleónicas, vem o Brasil pedir-nos contas pelo ouro que de lá saiu (embalar e despachar Mafra em contentores daria um excelente romance!)? Pode o mundo inteiro listar todos os saques e invasões sofridas e pedir compensação a quem entender? Obviamente que não faz sentido, até porque as entidades envolvidas muitas vezes já não existem ou pelo menos serão hoje muito diferentes do que eram na altura do “crime”?

De uns tempos para cá, no entanto, passou a estar na moda a reivindicação das reparações históricas, como se para algo efetivamente isso servisse…

Dentro desse espírito, Portugal e Espanha decidiram compensar os descendentes dos judeus expulsos no século XV da Península Ibérica e nada mais do que com a nacionalidade plena. Sendo consensual que esse episódio não constitui motivo de orgulho, também é verdade que estabelecer a ligação de alguém hoje com um antepassado partido há cinco séculos e respetivo prejuízo é tudo menos óbvio.

Este gesto simpático, e por muita simpatia que possamos ter pela causa, peca infelizmente por excesso de generosidade e carência de rigor. A vergonhosa naturalização relâmpago de alguém de perfil tão duvidoso como Roman Abramovich prova que algo está mal no processo em particular. Quanto ao princípio em geral…