10 dezembro 2019

E o ambiente, pá ?



O ambiente está a passar de causa para religião e, como naquelas religiões onde muitos bons fiéis fazem trinta por uma linha durante a semana e depois se vão purificar na reza semanal, aqui também começamos a ver coisas parecidas.

Que dizer dos ativistas portugueses que se deslocam a Madrid para participar numa manifestação em defesa do ambiente? Que dizer do ator espanhol Javier Bardem que insulta o presidente da camara de Madrid por insensibilidade ambiental, quando ele próprio utiliza uma carripana (ver imagem) equipada com um motor de 5,4 litros e a gastar 17 litros aos 100? Tudo muito coerente, sem dúvida.

Agora descobriu-se que o transporte marítimo gera muito CO2. Sim e o terrestre e o aéreo também. Sim, há e haverá comércio mundial e deslocação de trabalho e de lazer… e de ativistas do ambiente, nem todos em sofisticados veleiros só ao alcance dos muito ricos. Sim, mas, como eu refletia aqui em 2006, fará sentido enviar maçãs da américa latina para a Europa por avião? Faz sentido que na minha zona de residência, fértil, não se encontre no supermercado local cebolas locais, nem sequer nacionais? Não, não faz, eu não compro e até já apresentei reclamação.

Há coisas que fazem sentido, outras não e estou certo de que não é de certeza com este nomadismo ativista e a participação em comícios excitados que a coisa lá vai. Temos muitos hábitos e comodidades que nos custará a abandonar, é certo, mas tem que ser por aí. Pela prática no dia a dia, de forma esclarecida e coerente, não por uma eventual boa consciência de ter ido a uma manif no domingo, mas pela frugalidade quotidiana.

02 dezembro 2019

NIMBY


Não costumo ser “fan” de expressões importadas, mas abro hoje uma exceção para o “Not in my back yard”, a propósito de emissões e de automóveis. A fatura EDP, com o detalhe das fontes de energia utilizadas para o meu consumo, regista 47% com origem não renovável. Imagino que se eu precisar de mais energia, para, por exemplo, carregar um veículo elétrico, será das não renováveis que ela virá, uma vez que o lado renovável já estará a dar a sua máxima contribuição.

Donde que esse veículo não será de forma nenhuma “zero emissões”. Talvez um dia quando as renováveis cobrirem 100% das necessidades e ainda sobrar, aí sim. Obviamente que onde houver uma grande densidade de tráfico, os veículos elétricos serão um excelente contributo para melhorar o ambiente naquele “yard”, ficando as emissões geradas mais longe.

Fico e continuo na ignorância no que diz respeito à comparação entre os dois caminhos para os combustíveis fosseis: entre serem utilizados diretamente num veículo convencional ou queimados em centrais, transformados em energia elétrica, esta carregar baterias e finalmente a energia chegar ao motor. E, por falar em baterias, cheira-me que ainda haverá muitas surpresas desagradáveis com os seus fins de vida. E, por falar em cheirar, cheira-me que o hidrogénio tem potencial para ser um acumulador mais limpo e com ciclos de vida mais previsíveis. E, ainda por falar em baterias, é fixe tê-las num veículo elétrico, mas a exploração do lítio… Not in my backyard!

Com tanto marketing ambiental proforma que, mantendo a exceção linguística do dia, se pode chamar “green washing”... não se ajuda o ambiente.

29 novembro 2019

Sexta-feira negra e o mar amarelo


O Mar de Aral na Ásia central, em tempos o quarto maior lago do planeta, praticamente desapareceu. Para além da redução da água, há contaminações de várias naturezas como pesticidas, fertilizantes e salinidade elevada que, associadas à redução do volume de água, atingem níveis de concentração brutais.

Para lá dos erros, desperdícios e disparates que podem ter aumentado a dimensão da catástrofe, a origem do problema tem um nome: algodão e a sua plantação intensiva.

O mesmo algodão “simpático” para os consumidores, provavelmente presente em muitas peças de roupa que serão compradas nesta 6º feira negra a preços simpáticos, em várias cores. Ou provavelmente a preferência irá para as fibras sintéticas extraídas do petróleo e que talvez um outro dia, não sendo biodegradáveis, acabarão na barriga de uma baleia… ou nos nossos intestinos.

Para lá da origem e da sustentabilidade das fibras usados no têxtil, e aqui mais não digo porque necessitaria de acrescentar uma declaração de interesse, será que não compramos roupa a mais… e o fim de vida do vestuário não está a necessitar gritantemente de ficar um pouco mais circular? Sim, claro, para um futuro menos negro.

McKinsey - Style that’s sustainable: A new fast fashion formula (2016) – Três em cada cinco peças de vestuário deixam de ser usadas ao final de um ano.

Ellen MacArthur Foundation 2018 – Menos de 1% do vestuário é reciclado – Um camião de vestuário é queimado, despejado em aterro ou no oceano, em cada segundo.




28 novembro 2019

Crónica de uma crise anunciada



A TAP é um bom exemplo de uma empresa historicamente cara para os contribuintes e tanto mais cara, quanto mais estatizada for a sua gestão. A TAP é estrategicamente necessária para o país? No tempo das companhias de bandeira, talvez. Hoje, com toda a oferta existente, se ela desaparecer não haverá drama de maior.

Em 2015 foi, mal ou bem ou assim-assim, encontrada uma saída para acabar a prazo com as faturas ao contribuinte, através da sua privatização. Aí muita gente começou a rasgar as vestes pela importância estratégica da empresa, em parte aterrorizada pela possível redução de voos diretos a partir de Lisboa, tão cómodos, especialmente se o contribuinte para isso contribuir.

Em 2016, no âmbito da maré reversiva, o Estado inverte o curso do processo, voltando a ser o maior acionista. Confesso que até hoje ainda não entendi qual foi contrapartida que motivou realmente o sócio privado a aceitar essa redução de participação e de poder.

Hoje, a TAP volta a ser notícia pelos maus resultados, não muito surpreendente dado a histórica correlação dos mesmos com a influência do Estado na empresa e, pior ainda, pela instabilidade acionista. Obviamente que se fosse apenas entre privados, lá se entenderiam com maiores ou menores estragos. Com o peso pesado do Estado no meio, vai uma aposta em como veremos uma solução CCPoC (Com Custos Para o Contribuinte)?

25 novembro 2019

Deveria ser consensual



O 25 de novembro é uma data importante na história recente do país, como muitas outras. Quem quiser ver de perto o que se passou no verão desse ano de 1975, não tem dificuldade em concluir que o caminho em curso era o da não liberdade, da não democracia, do não respeito pelos direitos humanos. Era o caminho para uma tirania, cujos exemplos e experiências, terminaram sistematicamente em várias formas de miséria.

Pela lógica seria, portanto, uma data pacífica e consensual. Não deveria servir de arma de arremesso, ou, se tal fosse tentado, o projétil nada atingiria, sendo disparado no vazio. Surpreende-me e preocupa-me que em 2019 essa data possa ser ainda polémica e que ainda haja projeteis e feridos. Sinceramente, alguém defender o que supostamente se perdeu com o 25 de novembro é muito preocupante. Pelo mais básico respeito pela liberdade e pela legitimidade democrática, deveria ser consensual.

19 novembro 2019

Ser Cultura



Talvez, para alguns, seja maior referência o “Mudam-se os tempos…”, ou o “Cantigas de Maio”, ou “Os Sobreviventes”. Para mim é o “Ser Solidário” e um concerto no Coliseu a acabar mais tarde do que o do último comboio “decente”. E a primeira vez em que vi uma ponte para um fado, decente. E, mais tarde, o reencontro nos “Três Cantos”.

Hoje, certamente, o “FMI” teria uma escuta diferente, não por simpatia pela dita cuja instituição, mas porque … ainda bem que o mês de novembro aconteceu, pela liberdade.

Mas a altura não é para essas considerações. É para recordar e homenagear uma grande figura da cultura portuguesa. E essa coisa da cultura é maior do que o resto.

23 outubro 2019

Pobres e ricos, justiça e injustiça (II)


Continuação da publicação anterior.

Sobre o aceitar ou não as desigualdades deste sistema, há duas questões a colocar. A primeira é qualitativa – o sistema precisa de ser corrigido na sua essência? e outra é qualitativa – a amplitude e a banda estão corretas?

Quanto à natureza do sistema, e com a necessária abertura de espírito relativamente ao futuro desconhecido, dentro do que se conhece e se imagina hoje, vivemos no pior sistema… com exceção de todos os outros. A falência dos modelos comunitários e igualitários, tentados de várias formas e feitios ao longo de um século, está aí para quem quiser ver. São sistemas que a prazo originam pobreza.

Mas … sim, o Estado deve proporcionar níveis mínimos de decência, dignidade e igualdade de oportunidades a todos os cidadãos. Não vejo discussão sobre a necessidade e justeza do tema…. A ressalvar que não está em causa uma esmola caridosa, mas um contrato com obrigações e direitos de ambos os lados.

Por outro lado, há a questão algo subjetiva da “justiça” na amplitude. É justo que um Diretor Geral ganhe mais do que um operário, mas essa diferença ser 300 vezes superior à média da empresa, já se torna muito questionável. Pode-se argumentar que um excelente CEO (já vale mais, só com esta sigla) é uma pérola rara, sujeita à regulação de uma relação de oferta-procura, que, se assim é paga, é porque merece: “É o preço!”? Não, há situações obescenas e não faltam salteadores de empresas perdidas.

As injustiças na circulação da riqueza não estão apenas nas disparidades dos rendimentos. Algo mais trivial como não pagar impostos e beneficiar dos serviços públicos pagos pela contribuição de outros é injusto, apesar de não existir grande consenso quando à falta de ética desta habilidade. Obviamente que se a utilização dos impostos fosse judiciosa e honesta, seria mais fácil condenar os fugitivos…

Estamos a falar de roubos, no sentido amplo da palavra, quando alguém abusivamente se apropria indevidamente de um valor material, ou priva outro de um direito.

Roubar é crime, certo, e não falta legislação a tipificar roubos. Mas há disparidades e imoralidades para as quais não é tão evidente conseguir um remédio por força de lei. E então? O que não tem remédio, remediado está?

21 outubro 2019

Pobres e ricos, justiça e injustiça (I)


Ao constatar a disparidade entre os extremamente ricos que ostentam, esbanjam e desperdiçam e os extremamente pobres que não têm pão, teto nem cuidados de saúde, não é difícil constatar a existência de um problema de justiça neste mundo. Obviamente que haverá gente mais rica do que a média por mérito próprio, por terem honestamente gerado a riqueza que possuem e alguns pobres que o são por sua responsabilidade, por não fazerem o mínimo esforço para criar e manter meios decentes de subsistência, que estariam ao seu alcance. Se isto é verdade, também é verdade que a questão não começa nem acaba num “Quem quer bolota, trepa!”.

É relativamente fácil defender uma atitude de ataque, tipo Robin dos Boques, de tirar aos ricos para dar aos pobres, numa ótica de que ladrão que rouba a ladrão tem direito a perdão e, mais do que perdão, terá mesmo obrigação. A necessidade de haver alguma (re)distribuição da riqueza é inquestionável, mas é ingénuo acreditar que tudo se resolve apenas montando e ajustando um franco sistema de vazos comunicantes… até porque o que se distribui não vem de uma nascente espontânea, onde apenas faltaria definir a respetiva repartição.

Numa perspetiva de dinâmica sustentável, que é a de um mundo vivo como o nosso, não se pode falar de riqueza e esquecer a sua criação, porque sem criação, a prazo, acabará por não haver nada para distribuir. E a criação da riqueza envolve iniciativa, riscos e rasgo e… prémio. Sem prémio não haverá criação de riqueza e das tentativas empreendidas sairão sucessos e fracassos. Algumas iniciativas terão muito sucesso, outras pouco, por vezes resultado neutro e muitas provocarão perdas em vez de ganhos.

A incerteza num processo de criação, provocará resultados forçosamente assimétricos, pelo menos na origem.

Aceitamos, portanto, que as desigualdades são uma caraterística intrínseca deste sistema e nada há a fazer? Não – tema para um próximo capítulo.

14 outubro 2019

Os privilégios dos "desprivilegiados"


A História tem mais do que passeios em jardins floridos. Não faltam crimes, abusos e barbaridades que nos interpelam e interrogam como, por exemplo, a escravatura e a segregação racial. Mas uma coisa é reconhecê-lo e lutar contra todas as discriminações reais atuais, outra coisa é o fundamentalismo agressivo e generalizado contra os “brancos”, desclassificados logo à partida pela cor da pele (e se for homem heterossexual, a coisa agudiza-se). Não faltam exemplos e os acontecimentos de 2017 na progressista (?) universidade de Evergreen, nos USA, por um professor ter questionado o princípio de não dever vir à escola num “dia da ausência”, são uma mostra assustadora e grotesca de onde isso pode chegar. Ver documentário aqui.

A facilidade com que alguém é catalogado de racista, humilhado, silenciado e outro alguém se arroga no direito de se dispensar do mínimo de obrigações de respeito pelo seu semelhante, pela justiça e pelo rigor dos fatos, é uma forma de discriminação. Uma discriminação feia, que não fica muito atrás daquela que se pretenderia combater. Em vez de um grupo invocar uma supremacia, baseado numa suposta raça, temos outro grupo arvorando uma suposta superioridade, justificada por um estatuto de “intocável-desprivilegiado”, infinitamente credor por algo que ocorreu há seculos atrás e desmedidamente suscetível relativamente a qualquer coisa que ouça e não goste.

Não sei se poderá chamar a isto uma religião, tem semelhanças, mas não proporciona tolerância, justiça e harmonia entre todos os humanos deste planeta. Um péssimo serviço à causa fundamental.

12 outubro 2019

O problema do populismo


Não faltam demonstrações de desalento e de preocupação pela entrada do “Chega” no Parlamento, um pouco como alguém se lamentar de ter encontrado um rastro de bicho de madeira em casa, potencialmente ameaçador para a saúde de toda a mobília.

O Chega e outros populistas podem efetivamente minar o regime democrático, para lá do que ele já foi minado pelos menos populistas. Se populismo é apresentar aos eleitores receitas falsificadas, todos são maus. Quanto ao extremismo, não encontro nocividade acrescida no ser de direita. Nunca entendi porque se tolera mais Staline, Mao e Fidel do que Hitler, Mussolini e Franco.

O problema da implantação e do crescimento dos populistas não está, no entanto, nas mentiras que dizem; está precisamente nas (algumas) verdades. Os partidos tradicionais demitiram-se de ser sérios. Pelo politicamente correto divorciado da realidade, pelas desonestidades de todo o tipo, pela negação das evidencias e dificuldade em assumir e corrigir as falhas… demasiadas coisas cheiram mal nos habituais inquilinos do poder.

Não é, portanto, difícil apontar meia dúzia de verdades incómodas, para as quais os eleitores estarão recetivos. É fácil, a seguir, enxertar nesse discurso uma dúzia de meias verdades e duas dúzias de mentiras descaradas.

O bicho da madeira aparece porque não se arejou suficientemente a casa. Não se tendo tido o cuidado de manter um ambiente são, não vale a pena agora chorar pelo apodrecimento adicional. Não reconhecer e não tratar a causa fundamental apenas agrava.

09 outubro 2019

Pintar a cara de …


Neste nosso mundo onde há gente morrer de fome, por falta de condições sanitários, carências nos tratamentos de saúde, onde se vivem outras privações significativas e até o futuro do planeta está ameaçado, foi notícia importante a descoberta de uma fotografia antiga de 18 anos, em que o atual primeiro ministro do Canadá, disfarçado de Aladino, aparece com a cara pintada de preto. O próprio veio apresentar as suas desculpas e a mim custa-me a entender o pecado.

Se alguém pinta a cara de negro e ao mesmo tempo, repito, ao mesmo tempo, assume um comportamento grosseiro, estúpido e/ou mal-educado, associando-o à cor da pele, sim, isso é racismo estúpido inaceitável e a condenar, mas apenas e apenas se coexistem a cor e a atitude. Se unicamente assume uma máscara/um personagem que por acaso é negro, custa-me a ver o problema.

Podem argumentar que há um código antigo que associa o pintar a cara de negro a uma atitude depreciativa e racista. Sim, mas vamos construir um futuro baseado nesses códigos caducos? Não estará na altura de assumir que pintar a cara de negro, amarelo, azul, cor de rosa, em xadrez ou às riscas, ou o cabelo de louro ou de verde é isso e apenas isso? Não será preferível ignorar e apagar essas associações, em vez de as recordar e valorizar a este ponto?

Não estará na altura de assumir que o mundo que queremos é um onde “não há cor”, não a valoriza, nem de uma forma nem de outra…? Acredito que sim.

07 outubro 2019

Perda de virgindade?


Para lá do sobe e desce, mais desce do que sobe, dos participantes tradicionais, estas eleições são talvez as primeiras em que se começam a ver sérias fissuras na hegemonia dos que por cá mandam há algumas décadas. Para já ainda não muito quantitativamente, mas, para aí se caminha.

Há a consolidação do PAN, que, beneficiando da exposição do seu singelo deputado na legislatura prévia, passa a ter o privilégio de ser eventualmente relevante na viabilização de uma solução governativa. Está bem que as questões ambientais são uma urgência e uma premência, sem proteção do ambiente não há futuro, mas daí a esta infantilidade que “tudo” passa pela proteção do ambiente e dos animais… ok, temos a ideia do SNS para cães e gatos, uma brutal discriminação relativamente aos ratos, galinhas, pombas, iguanas, pulgas e percevejos... (e sem ser exaustivo…).

Faz sentido as correntes ideológicas do “Livre” e da “Iniciativa Liberal” estarem representados e veremos se esta visibilidade acrescida irá “PANificar” a sua base para as próximas eleições.

Livramo-nos de ficar a chorar com a entrada do RIR e fica para o fim a questão do “Chega”, no que parece ser uma dramática perda de virgindade no país dos brandos costumes… Obviamente que seria apenas uma questão de tempo aqui chegarmos, porque os erros e a desonestidade dos partidos tradicionais, empurraram, empurram e empurrarão parte do eleitorado para “alternativas” diferentes. Apenas demorou mais tempo…

Curioso, curioso é ver a distribuição geográfica da percentagem do “Chega” por distrito. Existirá uma fronteira ali para os lados de Rio Maior?

23 setembro 2019

Ambiente e política, ignorância e hipocrisia



Sobre a necessidade de fazer algo urgentemente sobre a sustentabilidade do planeta, poucos terão dúvidas. Ver nota anterior aqui.

A necessária mudança de hábitos e de modos de vida, uma empreitada tão complexa e gigantesca, obriga a um estudo científico e social detalhado, gerando um plano de ações lógicas, viáveis e eficazes e a serem cumpridas com rigor. Obviamente que de pouco servem as medidas voluntariosas e avulsas do tipo “O ministro quer…”.

O que os políticos querem, no fundo, é ganhar as eleições e tomar o poder. Se, para isso, for necessário assumir que a Terra pode não ser redonda, certamente muitos não hesitarão em fazê-lo, sendo aqui as culpas partilhadas entre o político sem formação e/ou escrúpulos e o eleitor ignorante e/ou estúpido.

Isto vem a propósito do fervor de propostas “pró-ambientais” agora na aproximação das eleições e concretamente o banir a carne da alimentação humana. É fácil estar de acordo que o consumo de carne dever ser reduzido, mas entre fazer uma canja com um frango criado ao ar livre ali na porta ao lado ou consumir peixes originários de uma piscicultura intensiva localizada a uns valentes quilómetros de distância, onde está o impacto ambiental maior…? 


Convém sempre fazer as contas todas e tão ou mais importante do que a natureza do alimento é as voltas que ele dá até nos chegar. Muito mais importante ainda é a quantidade que é ingerida. Frugalidade em cada dose, em cada interruptor e em cada torneira… Assumir uma boa consciência a partir de medidas simplistas que dão belos títulos nas noticias, é ignorância e/ou hipocrisia.

21 setembro 2019

Grande Europa que falha


O grande Airbus A380, o maior avião comercial de passageiros do mundo, doze anos após ter entrado ao serviço, vai deixar de ser fabricado porque não tem encomendas. O conceito comercial não provou. São preferidos aviões mais pequenos para viagens diretas.

Nunca voei em nenhum, apenas visitei a impressionante fábrica do bicho em Toulouse, e é sempre com um certo amargo de boca e tristeza que vemos um esforço brutal como este não ter sucesso. De certa forma análoga, a Europa também já vivera a experiência de um conceito de avião revolucionário que não vingou: o fabuloso Concorde.

Falhar faz parte dos riscos e, deixem-me puxar a brasa para a sardinha deste lado do Atlântico, tem mais mérito arriscar a desenvolver e falhar, do que enxertar de forma mal-amanhada novos motores numa carcaça com mais de 50 anos de conceção, como a Boeing fez com o 737 MAX.

Em 50 anos não encontraram orçamento, nem vontade, nem coragem para refazerem a sério o seu avião mais popular e continuaram a espremer a espremer, até ultrapassar os limites? Sendo relativamente clara a sequência das opções e a ligeireza do caminho tomado (ver aqui), o que mais me interpela agora é: qual o custo que esta poupança da Boeing vai ter? Já nem falo das entregas atrasadas, redução de vendas e de encomendas anuladas. Aqueles aparelhos todos, parados durante meses, sem ainda se saber quando regressam aos céus, geram perdas brutais. Palpita-me que a Boeing irá gastar com advogados muitíssimo mais do que o que poupou com engenheiros (e aqui não há questão de brasas e sardinhas)!

06 setembro 2019

A riqueza da guerra

Para mim e para a maior parte da população europeia, a guerra é uma coisa horrível que vemos nos noticiários, revemos ficcionada em filmes, romances e séries, mas que, sobretudo, apenas imaginamos. Não sabemos o que é mesmo a guerra, o poder morrer estupidamente no segundo seguinte ou ver um próximo cair irreversivelmente ao nosso lado. Podemos tentar imaginar, mas imagino que a imaginação não é suficiente e esperemos que assim continue durante muito tempo.

Os monumentos e as apologias aos bravos que tombaram em combate são uma forma de nos tentar fazer imaginar um sentido, uma glória para algo que não tem nem pode ter glória.

A liderança militar, ou ditatorial, é eficaz. Ninguém imagina um batalhão a realizar um referendo diário para decidir o caminho a seguir. Ou, entre de dois batalhões, um avançar e outro recuar. O seguimento cego e sem contestação das ordens superiores é fundamental para ganhar batalhas. Da não objeção e castração da emancipação de cada um, virá a vitória e o consolo das cerimónias e estátuas.

Há uma economia da guerra. Aquela em que as forças se mobilizam e são dirigidas sem questões nem contestação, maximizando o resultado. A História tem histórias de impérios criados militarmente, eximiamente organizados e extremamente eficazes enquanto na fase da conquista. O problema aparece quando a conquista material deixa de ser suficiente e são necessários outros avanços. Os do conhecimento e os da iniciativa, enraizados em cultura e liberdade.

Tudo isto a propósito de guerra e do declínio da Europa atual? Sim. A ver vamos…

21 agosto 2019

Carências


A 29 de julho deste ano, a humanidade esgotou os recursos naturais disponíveis para uma utilização sustentável do planeta. É um pouco como se no dia 18 de cada mês tivéssemos gasto o vencimento mensal e a partir dessa data, passássemos a viver de emprestado até ao dia 31. Há 40 anos essa data estava no início de novembro e há 20 foi a 29 de setembro. O ano passado ocorreu 3 dias mais tarde. Ou seja, é mau e está a piorar.

No passado dia 12/8 entrarem em greve os motoristas de matérias perigosas, com especial efeito na disponibilização dos combustíveis, um dos recursos do planeta que estamos a consumir largamente acima da sua reposição. A perspetiva de o país ficar a seco foi e é assustadora. Deixando de lado a espuma dos dias, da reação mais ou menos excessivamente musculada do governo e das questões eleitoralistas associadas à “gestão da crise” … pode ser uma boa forma de pensar no que representa o tal dia 29 de julho de 2019.

Está bem que temos e procuramos substituir os combustíveis fósseis e que sustentabilidade e economia circular são algo de que cada vez mais se fala, mas se cada qual pensar na forma como encarou a penúria potencial de combustíveis, dá para concluir que estamos ainda a muitas milhas de interiorizar o que realmente representa este viver a crédito e o quem vier atrás que feche a porta… se ela ainda se aguentar nas dobradiças.

19 agosto 2019

Mínimos e máximos, veraneantes e pacientes

Acabou, ou está suspensa para já, a famosa greve dos camionistas de matérias perigosas. Terá sido das mais noticiadas e seguidas antes, durante, veremos ainda o depois, e, ao mesmo tempo, com uma secundarização enorme do que estava mesmo em causa: quais as reivindicações exatas, qual a parte “justa”, qual a parte abusiva e desproporcional, se o processo de negociação estava bloqueado ou não, etc.

O importante foi até que ponto a greve afetaria as intenções de voto no partido no poder e a vontade de ir à praia do povo em geral. É óbvio que existem uma série de serviços fundamentais a precisarem de serem garantidos, mas a fasquia foi colocada bem acima, para não perder os votos de quem queria ir à praia. Assistimos a um esforço enorme do governo para, na prática, evitar que a greve afetasse efetivamente os eleitores, perdão os cidadãos. Pode-se discutir se faz sentido ou não, se tamanha anulação do seu efeito põe em causa os fundamentos do conceito e o exercício do seu direito ou se há sectores em que não pode haver greves a sério.

Uma coisa que eu teria gostado era de ver esta determinação aplicada às greves cirúrgicas, dado que, ainda por cima no estado de saturação do SNS, adiar intervenções cirúrgicas é bastante mais grave do que o pessoal não ter combustível para ir à praia. Aparentemente haverá mais votantes veraneantes do que pacientes.

26 julho 2019

Fazer de conta


Há muitas situações em que a parecer conta e até pode ser suficiente, outras não. Basta imaginar um automóvel cujos travões apenas aparentam travar… Isto é capaz de ser a minha costela de engenheiro a dar prioridade ao ser/funcionar face ao parecer. Para mais detalhe consultar o brilhante Scott Adams e o seu Dilbert quando descreve as idiossincrasias dos engenheiros.

Por estes dias ficou a saber-se que a nossa brilhante Proteção Civil, que parece ter maior prioridade em proteger os seus boys do que a população em geral, mandou fazer e distribuir golas “anti fumo” que podem servir para alguma coisa, eventualmente para proteger os pulmões do frio no inverno, mas que a última coisa que devem fazer é estar em cenário de fogo. E foram distribuídas às populações das aldeias identificadas com alto risco de incêndio.

Lógica disto? Alguém se enganou? Não…! Colocada face ao ridículo a agência que faz de conta que protege esclareceu que efetivamente não se trata de equipamento de proteção, mas apenas de sensibilização de “boas práticas”. Aparentemente não parece ter sido essa a história contada aos felizes contemplados.

Ainda bem que a ANPC não especifica nem concebe automóveis, que teriam coisas parecidas com travões mas que não travam, volantes que não dirigem… enfim, ainda bem. Mas não é por acaso que este país anda um pouco descontrolado!

27 junho 2019

Memórias e Liberdade


Aljube, em Lisboa, uma antiga prisão de má memória. Entre outros espíritos livres aí esteve preso Miguel Torga, pelo gravíssimo crime… de ter escrito um livro! Em 2015 foi transformada em espaço de memória da resistência e liberdade. É importante ter memórias claras e entender o nascer e o porquê da liberdade e da sua falta… de forma honesta.

Infelizmente, naquele local, o revisitar da história nacional do século XX, não é séria, não ajudando assim à causa da liberdade. Começa pela sequência dos malefícios da Monarquia, das boas vontades da Primeira República, sendo o maio de 1926 obra de uns malandros que apanharam o povo distraído, ignorando a ajuda dos erros dos primeiros anos republicanos no aparecimento e implantação do Estado Novo.

Depois, e pior, é 1975. A palavra usada para caraterizar o resultado das eleições para a Constituinte é “desilusão”!

Conta ter ocorrido um confronto entre forças “avançadas” e outras que defendiam uma “democracia mais moderada”, saldado por uma “derrota”. Gostava que me explicassem em que consistia exatamente esse “avanço” e como se distinguem e classificam as democracias quanto ao seu nível de “moderação”.

Pelos verdadeiros lutadores da verdadeira liberdade, esta narrativa faciosa e sem vergonha é insultuosa. Se não queremos entender e enfrentar porque a liberdade aparece e desaparece, estarmos sempre à mercê de novos aljubes.



Ariane


Ariane é um navio.
Tem mastros, velas e bandeira à proa,
E chegou num dia branco, frio,
A este rio Tejo de Lisboa.

Carregado de Sonho, fundeou
Dentro da claridade destas grades…
Cisne de todos, que se foi, voltou
Só para os olhos de quem tem saudades…

Foram duas fragatas ver quem era
Um tal milagre assim: era um navio
Que se balança ali à minha espera
Entre as gaivotas que se dão no rio.

Mas eu é que não pude ainda por meus passos
Sair desta prisão em corpo inteiro,
E levantar âncora, e cair nos braços
De Ariane, o veleiro.

Miguel Torga
(aquando da sua passagem pelo Aljube)

26 junho 2019

O terminal neoliberal


Um destes dias, no terminal 2 do aeroporto de Lisboa, ao ver as dezenas de voos lowcost planeados e os milhares de passageiros que iriam viajar para uma cidade europeia pelo mesmo preço, ou mesmo inferior, ao de bilhete de comboio Porto-Lisboa, pensei…

Andariam por lá alguns dos que rasgaram as vestes pela importância estratégica da não privatização da TAP? É que mesmo após a pressão da concorrência, os preços da TAP são significativamente mais elevados. Do antes, da altura do monopólio das companhias públicas de bandeira, nem se fala…

Presumo que os que as vestes rasgaram pela manutenção da TAP pública seguramente repudiarão aquele terminal, onde apenas operam companhias privadas que buscam o lucro. Certamente nenhum andará por ali. Pela importância estratégica do nacional, nosso, deverão preferir pagar 5 ou 10 vezes mais para voarem na TAP. Questão de princípio, não?

Aquela malta no T2 são todos uns incorrigiveis neoliberais – deviam ter vergonha!

24 junho 2019

Coisas de Raças !?


Aparentemente foi decidido que nos próximos Censos não será incluída uma questão sobre a origem étnico racial da população. Aqueles que são contra a discriminação racista estão revoltados. Eu tenho muita dificuldade em compartimentar a humanidade em raças e julgava mesmo que no século XXI essa tentativa de divisão, sem base científica, já não deveria sequer existir. Atentemos à segmentação sugerida:

— Branco/Português branco/De origem europeia
— Negro/Português negro/Afro-descendente/De origem africana
— Asiático/Português de origem asiática/De origem asiática
— Cigano/Português cigano/Roma.

Provavelmente que alguns/muitos não teriam grande dificuldade em escolher onde colocar a cruzinha, mas… os de origem mista, de pai negro vindo de Angola e mãe branca nascida em Bragança? E os berberes do norte de África que podem ter a pele mais branca do que a maioria dos portugueses de gema? E a Ásia, onde começa – um libanês não será mais próximo da tal dita suposta raça europeia do que da chinesa? E os índios e seus descendentes? E desde quando cigano é uma raça – não será antes uma cultura/modelo social? 

Desculpem lá, mas esta coisa de querer saber quantos brancos, pretos e amarelos há por aqui, esquecendo os vermelhos e acrescentando a cultura cigana porque fica bem, parece-me caricatural, redutor e retrógrado. Tentar segmentar a humanidade em função do pantone da pele, diâmetro do crânio ou grossura do nariz é… o princípio do racismo.

05 junho 2019

E acabar de vez com o Siresp?


Quando inicialmente o Siresp foi pensado poderia fazer sentido construir uma infraestrutura dedicada para aquelas funções, com aquela tecnologia. Na altura em que foi finalmente contratado e implementado, haveria já muitas dúvidas sobre a pertinência dessa opção e passemos ao lado da atipicidade do processo do concurso, com uma única proposta recebida, e o ziguezague da adjudicação/anulação/readjudicação.

Nas tragédias de 2017 ficou patente que o sistema tinha bastantes deficiências e limitações. Que para lá das atipicidades do negócio era necessário e fundamental que funcionasse mesmo e bem. Daí para cá muito se fala em investir/gastar dinheiro para melhorar o seu desempenho e disponibilidade.

Se há 15 anos era questionável a necessidade de construir uma rede dedicada, hoje, com o enorme desenvolvimento posterior das redes móveis, dúvidas não há. Parece-me que por mais euros que lá se coloquem, nunca fica resolvido o problema da obsolescência tecnológica e dos custos crescentes que ela acarreta. Não fará mais sentido acabar de vez com uma coisa que, ainda por cima, já nasceu velha?


- Incluindo versão impressa no "Público" de hoje.

04 junho 2019

O silêncio

O silêncio de uma manhã pode não ser de morte. Depois do silêncio nasce o novo, vem a notícia. 30 anos. Depois do silêncio não pode ficar outro silêncio. Pelos silenciados definitivamente no momento, pelos silenciados continuamente no tempo e pelos silenciados na ignorância dos fatos apagados da história que lhes ensinam.

Um momento de não silêncio pelo que vale a pena noticiar, uma homenagem possível aos silenciados. Há 30 anos.

30 maio 2019

Enquanto eram parafusos…


Tempos houve em que o antigo império do meio, começou a fazer parafusos. Eram baratos, o controlo de qualidade um desafio, mas quando os senhores que sabiam bem de parafusos lá se instalaram, as coisas ficaram melhor organizadas e evoluíram. Hoje é muito mais do que parafusos e já se dispensam senhores de fora para muitas competências.

Nenhum equipamento conectado é uma ilha, havendo cada vez mais coisas que se conectam e sendo cada vez mais fácil fazê-lo. Uma “coisa conectada”, seja um telemóvel, um automóvel, um frigorifico ou uma casa, tem uma ponte e uma porta de entrada para o mundo exterior. E aqui não tenho dúvidas… garantias de inviolabilidade não há. É apenas questão de esforço e habilidade.

Sempre, e hoje ainda mais, a informação é fundamental, a informação é poder. E aqui também não tenho dúvidas … poucos ou pouquíssimos resistirão à tentação de aspirar toda a informação a que tenham acesso, caso isso lhes traga alguma vantagem. Sabemos que cada passo nosso de cada dia é aspirado por quem saber o que somos, para depois vender essa informação a quem quiser comprar, servindo tanto para nos impingir bugigangas como propaganda política.

Na atual crise EUA – China, a separação entre a Google e a Huwaei é a crónica de um divórcio anunciado. Quem viaja à China, já sabe que Google, e outros, lá não existem por questões de segurança nacional. As diferentes ambições e projetos de sociedade tornam inevitáveis o estalar desta desconfiança, que, recorde-se, é recíproca.

Assim, está em curso a construção uma nova cortina de ferro, que não sendo física, não é menos significativa. Hoje o ecossistema da internet na China é já substancialmente diferente do ocidental. A continuar por este caminho, atingindo as bases de hw e sistemas operativos, o mundo dos sistemas de informação vai mesmo partir-se em dois e anuncia-se uma batalha feroz pelo controlo de territórios, da mesma forma como durante a guerra fria, as superpotências disputavam o controlo de países terceiros.

Para lá dos estragos imediatos que a perda da concorrência e redução de escala provocarão, fica uma questão especulativa. Até que ponto o ocidente será competitivo sem poder contar com as bases de produção e o mercado na China e como esta reagirá a não poder aceder à evolução e a inovação tecnológica ocidental e respetivo mercado. Não necessariamente quem ganha, mas quem perderá menos?

16 maio 2019

Bacalhoa basta!


Há cerca de dois meses atrás, personalidades como George Clooney e Elton John apelaram ao boicote dos hotéis e outros investimentos que o bárbaro e milionário sultão do Brunei tem neste nosso mundo civilizado, na sequência da brutal legislação aprovada para vigorar naquele canto longínquo deste mundo e não me perguntem por quem os sinos dobram. Acho bem e muita gente achou bem, considerando que o fundo da questão ia para além dos empregos diretos, diretamente ameaçados.

Bom, Portugal não é o Brunei e… outras analogias mais não marcham, mas face à lata descarada do ainda comendador, parece-me obviamente lógico e oportuno apelar, como outros já o fizeram, a que mais nenhum euro e cêntimo entrem na conta daquela ….. (pessoa?)

Ok. Está bem. Ele é apenas um. Alguns dos outros que hoje se indignam com o desplante do indivíduo foram coniventes no passado. Mas, ok, por algum lado é preciso começar. O importante é começar!

PS: Parece que além da marca JP, Bacalhoa, há a Aliança e a Quinta do Carmo. Cada qual verifique como entender.

28 abril 2019

Sagrado ou mais?


Começo com uma declaração de interesse: sou agnóstico de matriz cultural cristã. Não possuo a tal fé, mas nascido e criado em meio católico, não sou indiferente nem estranho aos seus valores. A tragédia do incêndio na Notre Dame de Paris faz-nos recordar isso. Até que ponto as igrejas, mosteiros e catedrais são nossos e defenidores da nossa identidade.

Recordo-me de há uns anos, na discussão sobre a preambulo da chamada Constituição Europeia, muito se polemizou com a herança e a influencia cultural cristã na História deste continente. Na altura manifestei-me contra a referência, mas, e esta é que é esta, ela existe, mesmo que não esteja escrita e evidenciada em tratados.

Não, não está certo esterilizar o significado das catedrais a simples monumentos históricos; não, também não me parece certo acantonar a sua importância a templos, que só falam aos seus crentes. Bem ou mal, para mim mais bem do que mal, há algo que se sente nestes lugares e que transcende a simples dimensão de um lugar de um culto. Talvez fosse interessante que os seus guardiões vissem este fenómeno mais como uma riqueza do que uma profanação.

Não está em causa especialmente a espetacularidade de, por exemplo, os telhados de uma catedral gótica, mas mais a beleza tranquila de uma igreja cisterciense. Estes locais falam-nos.

O incêndio também nos disse e recordou a finitude, mesmo da pedra e da madeira secular. Que fique essa lição…

25 abril 2019

Abril, falta ou chega ?

Numa dada fase da minha adolescência, não muito longe de 1974, eu não tinha muita paciência para ouvir falar de glórias passadas e concretamente do período áureo da nossa História, o dos Descobrimentos, ou Navegações, ou o que quer que lhe queiram hoje chamar.

Porquê? Porque era um exagero, na minha perspetiva, bater e rebater naquela tecla, por muito brilhante que tivesse sido. “Já fomos grandes, havemos de reencontrar as glórias passadas” (eventualmente numa manhã de nevoeiro…). Falar mais do passado do que olhar para o futuro e agir no presente não é bom remédio para nada.

Hoje, ao ver recordado e celebrado este dia de 1974, fico contaminado com o mesmo sentimento. Sim foi um grande momento, emocionante de enorme alegria e esperança, indiscutivelmente há claramente no país um antes e um depois, mas … já chega. Sem desvalorizar a data, já chega de apelar ao espírito de Abril como fármaco para tratar os males atuais.

Sabemos que, se na manhã do 25 o sentimento no país não era uníssono, mas quase, também sabemos que do 26 para a frente, quando foi preciso fazer, as divergências foram enormes e o perigo de entrar em caminhos perigosos bem real.

Quando ouço os protagonistas atuais, que diariamente nos brindam com atos desonestos, displicentes, incompetentes e a lista continuaria, subiram a um púlpito e falar bonito sobre o 25 de Abril, a minha reflexão é: e se deixasses de tretas, de maior ou menor belo efeito, e apenas, somente apenas, tivesses a humildade e a coragem de ser sério?

18 abril 2019

Que tudo corra bem…

Soma e segue. Ou falta de competência, ou de empenho, ou de discernimento, ou de escrutínio, ou… mas... cada vez mais se confirma termos à nossa frente uma máquina de Estado cuja eficácia e excelência parece confinada à mui nobre atividade de cobrar impostos, além de gerir o dia a dia. Reformas, coisas pensadas a sério… mesmo um organismo privado que ousou fazer contas e apresentar umas questões sobre a sustentabilidade do sistema de pensões, foi chutado para canto pelo ministro da tutela. Tudo está bem até a inevitabilidade ou as redes sociais obrigarem a fazer qualquer coisa.

A reação do governo à greve dos motoristas de matérias perigosas, não materiais, informem lá o Ministro que quis falar e se enganou várias vezes no nome, foi mais um exemplo de ir comprar as trancas depois de a casa estar arrombada. Está bem que não morreu ninguém, nenhuma ambulância ficou parada na estrada com um ferido grave, como também no caso do helicóptero do Inem despenhado em Valongo, não morreu mais ninguém, mas já houve tragédias a sério e a sensação e o amargo na boca têm o mesmo sabor: em cima do joelho e atrás do prejuízo.

Fica, e só como exemplo, o anedótico da forma como foram decretados os serviços mínimos para o abastecimento de combustíveis: 40% para a grande Lisboa e o grande Porto. Em primeiro lugar, como depois se corrigiu, 40% não é suficientemente específico. Seria necessário definir, de preferência estar pré-defiido, os pontos específicos e as regras de acesso, restrições e prioridades. Depois a limitação às duas grandes metrópoles diz muito sobre o conceito de “país” que vai naquelas mentes.

Que tudo corra bem, já que cada vez que algo corre mal ficamos entre a tragédia e o caricato.

11 abril 2019

E agora Argélia ?


Durante várias semanas o “povo” sai à rua na Argélia para exigir a não recandidatura do presidente vigente, coisa que atendendo ao contexto expetável dessas eleições seria mais uma recondução garantida do que mesmo uma eleição. Desde que sofreu um AVC em 2013, Bouteflika está fortemente debilitado e muito desaparecido da cena pública, levantando sérias dúvidas sobre quem efetivamente mandaria no país. De acrescentar que a Constituição estipulava um limite de dois mandatos consecutivos, entretanto oportunamente alterada, e este seria o quinto … Mesmo o quarto, face à situação clínica do senhor na altura, que praticamente já nem falava foi um abuso.

A contestação, abrangendo largas camadas sociais, várias localidades do país e curiosamente, até agora, madeira toque toque, foi extraordinariamente pacifica. Um exemplo para o que se tem passado no outro lado do Mediterrâneo, onde os coletes amarelos com muito menos capital de queixa vão quebrando e incendiando o que lhes apetece.

Por vezes, diz-se que a história se repete, com diferenças. Há cerca de trinta anos, uma forte contestação popular, fortemente reprimida, com centenas de mortos, fez abalar o regime, forçou o multipartidarismo e a realização de eleições, ganhas pelos islamitas e oportunamente anuladas pelos militares. Na altura, foram buscar um histórico não contaminado, Mohamed Boudiaf, largamente reconhecido e apoiado pela população, que arregaçou as mangas para arrumar a casa. Aguentou 4 meses, até lhe rebentar uma granada aos pés, durante uma sessão pública.

Neste momento, para já há uma diferença. O poder não está a usar a força para contrariar os protestos, como o fez brutalmente na década de 80. De novo os militares mostram querer tomar conta da situação, “recordaram” a necessidade da aplicação do artigo da Consituição que prevê a substituição interina do Presidente, se for considerado incapaz…

Haverá um novo Boudiaf, nomeado ou eleito, que sobreviva mais de 4 meses e realize a transição que desesperadamente o país necessita?

09 abril 2019

O mano também fez!

Imaginem que o Joãozinho, ao ser recriminado por ter jogado à bola de forma imprudente em local pouco apropriado e de ter partido alguns vidros, tem como resposta: o ano passado o mano fez igual e até hoje ninguém me disse que era proibido jogar ali à bola. Obviamente que o mano o ter feito, com maior ou menor frequência ou antiguidade, em nada altera a responsabilidade do Joãozinho, assim como a prudência e a razoabilidade não se decretam exaustivamente, são princípios.

Isto vem a propósito das nomeações familiares no Estado e das respostas/desculpas que vamos ouvindo. Os outros também o fizeram no passado… Não entendem que não está em causa um ajuste de contas entre partidos, mas sim responder ao país, que exige e merece decência? Acrescentam que, pelo menos até hoje, não era proibido… Venha lá uma nova lei e só daí para a frente se poderá condenar. Para lá da dificuldade em legislar clara, justa e eficazmente neste domínio, tudo o que não for decretado proibido é automaticamente permitido? Não há princípios nem ética, especialmente para quem deveria ser exemplar nesse domínio?

Mais do que o mal original, é chocante esta reação desculpabilizadora. Ou são de discernimento muito limitado ou imaginam que nós o seremos …

25 março 2019

Quando o software faz tudo


Uma das primeiras coisas que aprendi nos primórdios dos meus tempos de programação foi que num sistema complexo há duas classes de erros. Os conhecidos que se manifestaram e os escondidos que por lá estão e continuarão até um dia se mostrarem. Nunca há certeza absoluta da ausência de “bugs”, por mais testes que se realizem. Obviamente que quanto mais testes, menor a probabilidade. Muitas vezes, o problema nem residirá na implementação da lógica básica, que pode estar certíssima, mas sim na falta de previsão de situações de exceção e de proteção contra inputs incoerentes.

Se estiver em causa um programa que conduz vidas, seja, por exemplo, num automóvel autónomo ou num avião, este princípio assusta um pouco. Se pensarmos nas funções automáticas de proteção, que são supostas evitar estragos e atuar de forma bastante autoritária…

Num voo de teste do Airbus A320, o primeiro avião comercial pilotado “by-wire”, sem ligação mecânica entre os comandos e os lemes, ele despenhou-se tranquilamente numa floresta, naturalmente contra a vontade dos pilotos. O sistema de controlo entendeu que ganhar altitude naquelas circunstâncias seria estruturalmente perigoso para o aparelho e “protegeu-o”, mandando-o ceifar pinheiros. Felizmente na fase de testes.

A recente bronca com os Boeing 737 MAX é apenas mais um problema de um bug não detetado a tempo? Dira que não…

A otimização do consumo de combustível levou à utilização de motores de grande diâmetro, incompatíveis com a posição original dos mesmos na estrutura do velho modelo. O aparelho ficou potencialmente instável, com tendência a “empinar”, podendo entrar em perda. O problema foi corrigido/protegido por… software, que, detetando essa tendência, o aponta para baixo, a fim de não perder sustentação. Tão drástica atuação baseia-se na informação de um único sensor de ângulo. No avião existem dois, mas esta função só lia um, sendo a monitorização dos mesmos e a sinalização de eventuais incoerências uma opção de compra, não incluída na configuração básica do avião. Para ajudar um pouco mais, a Boeing não publicitou essa particularidade, desconhecida dos pilotos, que, ao verem o avião a apontar para baixo sem razão aparente, não tinham nenhuma ideia do que se estava a passar, nem do que fazer para corrigir…

Para lá da ligeireza evidente deste contexto, duas questões de princípio minhas, que pouco entendo, face a estes acidentes tão estúpidos. Como não é possível em circunstâncias tão dramáticas retirar os automatismos e deixar os pilotos pilotarem, se é que ainda o sabem? Entre o automatismo achar que o aparelho está em risco de entrar em perda e os pilotos o verem a picar para o solo, quem deve prevalecer?

Como é possível que, conhecendo o avião a altitude a que está, aceite o mergulho, mesmo supostamente protegendo-o da perda, atirando-o para o chão? Vais cair, ok, mas ao menos estatelas-te a voar como deve ser, não em perda!

Na minha ignorância, parece-me que houve por aqui uns enxertos mal-amanhados e que a culpa não é só nem principalmente do software.


Foto do site da Boeing

21 março 2019

Tipo avozinho simpático


Com aquele ar mais de avozinho ancião simpático do que de lobo mau, suposto comer criancinhas ao pequeno-almoço, Jerónimo de Sousa foi incapaz de dizer aquilo que qualquer marciano aterrado neste planeta facilmente concluiria em poucas horas. Que o regime Norte Coreano não é uma democracia, sendo que existem por aí ditaduras muito mais respeitáveis e decentes do que aquele perigoso e pouco saudável regime, para os seus e para o resto do mundo.

Segundo ele, antes de admitir se a Coreia do Norte é ou não uma democracia, coloca-se a questão: “O que é a democracia? Primeiro tínhamos de discutir o que é a democracia.” Ou seja, uma questão que não se coloca é se Jerónimo de Sousa terá a mínima ideia do que é uma democracia. Aparentemente não tem.

Também diz: “Em relação ao regime norte-coreano, nós caracterizamo-lo como um país com vontade de atingir o socialismo, mas assumimos que temos diferenças e até divergências.” Ou seja, o objetivo final de King Jong Un e o seu é o mesmo, o caminho eventualmente diferente, até porque existem diferenças culturais.

“Os caminhos para a transformação social e o socialismo na nossa pátria são de certeza diferentes”. Mas o destino é o mesmo, para o Sr Jerónimo de Sousa e para quem o apoiar? É mesmo assim!?? Chiça!!

Está bem que o ancião pode não comer criancinhas ao pequeno almoço, mas, desculpem lá, este senhor é perigoso.

20 março 2019

Anacronismos gritantes

Há quem mate brutalmente (será que existem assassinatos delicados?) em nome de uma guerra santa que começou há 14 séculos. Agora, na Nova Zelândia, alguém matou invocando o outro lado dessa guerra, situando-se uns séculos mais à frente. A guerra é a mesma, mas há um pormenor relevante, o não estarmos na Idade Média e ser claro e assumido pela larga maioria que o “não matarás” é um valor, mais do que religioso, inquestionável na cultura em que vivemos.

Estaremos às portas de uma guerra de civilizações, de um reeditar das conquistas e cruzadas, como alguns gostam de evocar e de com isso excitar espíritos, com motivações diversas? Penso que não. Uma guerra envolve duas partes que falam a mesma linguagem bélica.

O crescimento da xenofobia no mundo ocidental, seja enquadrada em organizações institucionais, seja a partir de movimentos espontâneos, irá desenvolver uma atitude bélica cristã/ocidental e proporcionar a tal guerra? Sinceramente, penso que não. Os espontâneos e os clandestinos, serão sempre e apenas isso, espontâneos e clandestinos, e, por mais execráveis que sejam os movimentos organizados públicos com discursos xenófobos e racistas, não os estou a ver a financiarem a compra de armas e a criarem essa dinâmica bélica em escala que se veja.

Significa isto que não há perigo de escalada e que podemos deixar essa gente à vontade, a odiar e a criar ódios, mesmo que mais do que um processo de endoutrinamento social esteja simplesmente em causa o acesso ao poder? Obviamente que não. Nem todos os crimes são de sangue. No entanto, ingénuo ou otimista, acredito que há partes da história que não se repetem e que a sociedade atual ocidental tem indelével nos seus valores que o sangue não faz parte da linguagem nem do caminho. Não acredito numa guerra de sangue, mas há outras batalhas a travar e muito particularmente para garantir o caráter indelével destes nossos valores.

06 março 2019

À moda do Porto


No último verão passei pela Lello pela primeira vez depois de ela estar no roteiro turístico, com entrada paga e tudo. O facto de fazer parte dos locais obrigatórios a visitar na baixa da Invicta, levanta algumas reflexões.

É uma evidencia de que a cidade não tem assim tantos pontos de chamada atração turística, como talvez seria de esperar numa cidade centenária e muito fortemente identificada com a personalidade do país (desculpem lá as outras). Citando Alexandre Herculano:

“Rudeza e virtude são muitas vezes companheiras; e entre nós, degenerados netos do velho Portugal, talvez seja elle [o Porto] quem guarde ainda maior porção da desbaratada herança do antigo caracter português no que tinha de bom, e no que tinha de máu, que não passava de algumas demasias de orgulho.”

“Um carácter de honra granítica, uma tonalidade sóbria e altiva de quem emergiu na afirmação do poder à custa do trabalho desenvolto, um tratamento (...) com sabor a maresia, uma alma patente, bom coração, generoso, leal”


Porque uma simples livraria se tornou numa etapa indispensável dos locais a visitar na cidade? Não é mau ser uma livraria e não será assim tão simples, mas… Talvez por o carater do Porto não residir em palácios, que quase não existem, nem se espalhar por salas de visitas.

Não faz mal os turistas visitarem a Lello, mas não procurem a cidade por aí. A sua assinatura está por outros lados, não necessariamente em locais onde se entra por uma porta.

28 fevereiro 2019

O abuso dos fracos


Os tempos não correm de feição para a Igreja Católica, no que diz respeito aos seus problemas com pedofilia e abusos sexuais.

Tiveram o mérito de se reunirem para enfrentar e debater a questão, esperemos que não na perspetiva de mudar algo para que nada mude, longe de mim saber o que pode ou não mudar nessa instituição, mas tenho cá um palpite que enquanto o celibato continuar a ser obrigatório e essa coisa do sexo encarada como um parente próximo do pecado original, problemas acontecerão…

Quase em simultâneo, um tribunal na Austrália condena o cardeal George Pell por abusos sexuais, alguém que foi o número três na hierarquia do Vaticano e (publicamente) conservador nos costumes até dizer para lá de chega.

Isto de uma frustração associada a uma posição de poder provocar abuso não é específico deste domínio. Será inerente da natureza humana alguém em posição de força não resistir a humilhar e abusar daqueles sobre os quais tem/pretende ter domínio? Talvez, não sei. ~

De uma coisa tenho a certeza: abusar do poder para subjugar outros não é coisa de fortes. É coisa de gente muito, muito fraca.


Foto: Getty Images

25 fevereiro 2019

Não me batam


Sim, não achei graça nenhuma à imagem típica de Cristina Ferreira trajada à vianesa. Para lá dos detalhes de dobrar o lenço para a frente ou para trás, se o ouro é quadrado quando devia ser redondo, descentrado ou simétrico, há ali uma postura “urbana” a visitar o tradicional que me irrita. Como com os trajes “populares” das marchas dos santos “populares” que vejo como uma aproximação ao “povo” leviana, desrespeitosa e não consentida.

Este meu incómodo com o falar do povo não se limita a estas coisas ligeiras de gosto duvidoso. Há poesia, alguma mesmo de enorme qualidade literária, que quando entra em panegíricos idílicos de serras, searas, roupas de linho e réstias de romarias, me provocam um pouco o mesmo efeito. Desculpem lá, não me batam…

Por simples e rude que possa parecer o mundo rural e respetiva cultura tradicional, não deverá ser traduzido como um simpático postal ilustrado engraçado, nem pintado como uma macedónia de coisas basicamante castiças, nem sublimado em sinfonia de perfumes bucólicos. Ele comporta coisas pouco engraçadas, outras chocantes e os odores não são todos agradáveis. Lidar com a rudeza é tarefa bastante delicada…

Agora, aproveito, e não me batam, a todos os que se indignaram com a tal dita figura, olhem por favor, com esses mesmos olhos, para outras coisas que por aí se vêem, a saber, a exemplo, trajes masculinos e música.


Foto DR, JN

22 fevereiro 2019

A ADSE é politicamente correta ?


Passando ao lado da atual crise com a denúncia dos acordos por partes de vários operadores privados, sendo que pelo menos o ajuste retroativo de preços me parece algo sem muito sentido numa relação económica sã. Dizem os bons princípios que as discussões deverão ser feitas antes e não depois.

Numa perspetiva liberal, faz todo o sentido existir uma ADSE. Um grupo de cidadãos, neste caso funcionários públicos, cotiza-se para ter acesso a cuidados de saúde, onde bem lhe apetecer. Numa perspetiva estatizante, será um pecado. Está-se a permitir um negócio com a saúde a privados, evitando o SNS, supostamente abrangente e único.

Ambas as perspetivas podem ser discutidas, argumentos avançados e, principalmente, contas feitas, económicas e não só. O que não faz sentido é a falta de coerência de quando se trata, por exemplo, de na educação se proclamar a bondade exclusiva da escola pública e, para a saúde, já parece muito conveniente haver um mecanismo que permita escolher entre a oferta de gestão pública e a privada.

Não faz sentido um funcionário público de manhã ser contra a prestação de serviços geridos por privados num sector e à tarde ir a uma consulta numa clinica privada, onde, por acaso, até será melhor atendido do que no centro de saúde da zona.

Como não estou a ver os funcionários públicos a prescindirem da ADSE como princípio, mais décima menos décima, como quem paga e utiliza está satisfeito, dificilmente uma doutrina poderá afirmar estar errado. Certo?


PS: Prometo que a próxima publicação mudará de tom

21 fevereiro 2019

Filha de peixe


Pode Mariana Vieira da Costa ter qualidades intrínsecas que justifiquem a sua “carreira” e recente nomeação ministerial. No entanto, o facto de ser filha de um notável que por acaso também é atualmente ministro, coloca-a sob escrutínio especial.

Pode até haver ministros e outros que tais menos capazes, mas o CV da recém-nomeada é eloquente. Nunca trabalhou fora da esfera política e para-política e, obviamente, esse percurso será em grande parte devido à sua proximidade com uma elite, que assim se perpetua em consanguinidade cultural e social.

Mas há pior do que esse simples definhamento de meio fechado. Há a questão de gente como a nova ministra nunca terem vivido a vida dos que são supostos governar. Nunca tiveram que lutar por um posto de trabalho a sério como a esmagadora maioria da população. Nunca tiveram contacto com a efetiva criação de valor, porque antes de distribuir é necessário criar. Não viveram nem sofreram os riscos do empreendorismo, por mais pequeno que seja, e têm uma visão da meritocracia distorcida. É pobre e empobrecedor.

12 fevereiro 2019

Ressurreição em Viana do Castelo


Há cerca de cinco anos, José Maria Costa, Presidente da Câmara Municipal de Viana do Castelo, depositou uma coroa de flores na mesa onde ia ser assinado o contrato de subconcessão dos estaleiros da sua cidade. Segundo ele, estar-se-ia a assistir a um momento fúnebre. É forçoso reconhecer que após anos e anos de gestão pública desastrosa, das quais o Atlântida foi um exemplo muito representativo, os estaleiros estavam em estado de coma, muito mais próximos da morte do que da vida.

Por estes dias, foi lançado ao mar o décimo sexto (16º) barco construído depois desse enterro, terão sido reparados mais de 200 e há 1200 empregos. Independentemente da discussão sobre se o modelo e o processo foram os mais interessantes e conduzidos da forma mais adequada, claramente, se houve morte, os estaleiros a seguir ressuscitaram. Será que José Maria Costa ainda se recorda dessa sua vigília sofrida quando participa nos festejos atuais. Será que já não se recorda ou terá aprendido?

Sobre ressuscitar e aprender, ouço o nosso PM dizer que o Governo está a reavaliar o modelo previsto para as participações do Estado nas indústrias de defesa, que constituem um ativo estratégico. Para lá da dificuldade em ver a real importância estratégica da reduzida indústria existente … é que não aprendem, ou não querem aprender.

Falta de vergonha, pelo menos, essa ressuscita sempre.

07 fevereiro 2019

Modelo para o SNS


É evidente que existem problemas importantes no SNS. É claro que uma boa parte tem origem na falta de verbas disponibilizadas e a triste reversão das 35 horas, vendida na altura como uma coisa pacífica e sem consequências negativas, tem aí um peso significativo.

Parece-me claro que os problemas prioritários do SNS não se resolvem mudando a legislação. Poder-se-ia experimentar tentar fazer funcionar a existente, mas … a discussão teórica também serve para evitar encarar a realidade prática.

Para o utente é relativamente indiferente se o médico que o trata e os equipamentos hospitalares são pagos diretamente pelo Estado, ou se este paga a uma entidade privada que gere a atividade globalmente. O que lhe importa é ser bem tratado. Para o contribuinte também não é muito importante o modelo. O fundamental é quanto lhe custa.

Se para o utente o que conta é a qualidade do serviço e para o contribuinte o custo, a quem é que interessa então esta discussão doutrinária se o Estado paga o sistema em grandes pacotes ou em pequenas fatias…? Atendendo ao histórico da prática da gestão pública, tenho muita dificuldade em comprar a bondade dessa opção política de ter o Estado a controlar diretamente o máximo possível.

06 fevereiro 2019

Não ser Jamaica


Irrita-me um pouco a moda de por tudo e por nada sermos todos qualquer coisa. É que para sermos mesmo todos assim uma coisa, essa coisa teria que ser muito pequena ou muito grande.

Até um ministro disse “Jamaica somos todos nós”, pelo tal bairro problemático no Seixal onde os amanhãs não cantam e onde só lá falta ir o Papa e o arcanjo S. Gabriel em pessoa, já que o celestial não se deve poder apresentar. Não, senhor ministro, é uma tonteria pretendermos sermos todos Jamaica, porque julgo que quem lá está gostaria que o seu número diminuísse e não aumentasse. E também acredito que muitos portugueses que lutam afincadamente por cada fim de mês, pagando os seus impostos e as suas habitações não se sentirão muito Jamaica.

O Jamaica é uma situação excecional que nunca deveria ter acontecido e, a acontecer, nunca deveria ter tomado a dimensão e a duração que tomou. Independentemente da avaliação humanitária que ver seres humanos a viver naquelas condições obriga, a solução não vem de palmadinhas nas costas nem de sorrisos solidários, devidamente mediatizados. Também não faz sentido reduzir isto a um filme de policias contra ladrões ou, mais moda, polícias maus contra clandestinos bons.

No cortejo de figuras que por lá desfilaram, surfando a onda mediática, são todos… políticos.


Foto: Diogo Ventura / Observador