20 agosto 2021

Tinha que ser assim?


 A imagem das centenas de afegãos partindo no avião militar americano vai certamente ficar para a história. Este retrato tem dois tempos. Um é o da transição catastrófica que obviamente não tinha que ser assim e que demonstrou uma enorme impreparação e capacidade de previsão por parte de quem por lá andava há 20 anos, aparentemente com visão exclusiva de drone.

O outro tempo é o que agora começa e todo o sofrimento e humilhação que sofrerão daqui para a frente afegãos e afegãs, elas muito mais do que eles. Para os meninos e meninas excitados com as desventuras do imperialismo ianque, consultem a história e respeitem quem sofre.

Para a história ficará também o discurso de J. Biden de que aquela guerra não era a deles, que só lá tinham ido neutralizar uma base terrorista e, quanto a isso, missão cumprida. Todas as promessas e expetativas legitimas criadas aos afegãos e afegãs… “não é o nosso problema”. De um cinismo revoltante. Pode ser a mais pura verdade, mas a imagem dos EUA como, apesar de tudo, patrocinadores e garantes de um mundo livre e justo morreu e não foi Trump que o matou, quem diria…

Tinha que ser assim? 20 anos de banho de mundo livre, ao menos muito melhor do que o anterior, não podiam ter deixado uma marca um pouco mais perene?

O que faltou/falta para consolidar o respeito básico pelos direitos humanos neste país e noutros? Quando se vê a enorme quantidade de gente que desses países quer migrar para o “Ocidente”, o que falta para nas suas pátrias se conseguir implementar e consolidar um regime “Ocidental”. Certamente algo mais do USDs (e rublos) e drones (e tanques). A questão é toda … evolução cultural, sem preconceitos, remorsos, ignorância nem arrogância. Demora tempo, sim. Mais de 20 anos, não sei. Desistir é que não serve.



11 agosto 2021

Fim (do desenvolvimento?) dos motores de combustão


Há cerca de 4 anos, Carlos Tavares, na altura com as rédeas da PSA, Opel e Vauxhall, surpreendia meio mundo no salão de Frankfurt ao afirmar que evoluir para exclusivamente veículos elétricos, era um sinal de que “o mundo está louco” e que os políticos estavam a tomar decisões sem pensar em todas as consequências e sem equacionar toda a preparação que tal mudança exige.

Recentemente, agora acrescentadas a Fiat e a Chrysler na Stellantis (estes novis grupis têm sempre nomis assim sonantis), veio dizer que o grupo vai mergulhar a fundo nos eletrões, a DS sem motores de combustão em 2024, a Alfa em 2027, a Opel em 2028 e a Fiat a 2030. É certo que a “Europa” decretou o fim dos motores de combustão para 2035 e nestas coisas é inglório tentar ser salmão e nadar contra a corrente.

É também certo que à velocidade a que estas tecnologias evoluem, muito pode acontecer até deixarmos de ver pistões nestas marcas, mas isto parece-me um pouco pôr o carro à frente dos bois. Se na bela Europa ainda não se consegue garantir toda a mobilidade de forma elétrica, que dizer do resto do mundo onde muitas vezes o fornecimento de energia elétrica para necessidades básicas não está assegurado, nem ninguém pode prever se/quando ficará resolvido.

E é ainda certo que, para os pequenos citadinos, o elétrico carregado à noite faz todo o sentido. Mas, por curiosidade, ao consultar a página da Fiat, um grande especialista de pequenos carros dentro do grupo Stellantis, encontrei um Fiat Panda (até com um toquezinho de hibridação), desde 11 470 Eur e o mais barato do outro lado que vi foi o novo 500 Berlina Action… desde 23 800 Eur. Uma certa diferença. Quando não houver mais pistões, o Panda elétrico ou o seu sucessor vai andar porque preço? Em termos de custo total de utilização, pode-se acrescentar que o Panda atual tem um tempo de vida, custo de manutenção e desvalorização bem balizados, enquanto do outro lado, a bateria… traz algumas incógnitas…

Daqui para a frente só dá para especular, mas palpita-me que poderão eventualmente aliviar os apertos progressivos às emissões dos motores de combustão. - Se são para acabar, não nos peçam para continuar a investir em novas gerações de motores Euro X+1 !

E ainda, a Alemanha negocia com a Rússia a construção de uma novíssima conduta de gaz natural… será para “descarbonizar” a mobilidade… ou isso!

E ainda, como reagirá o nosso orçamento de Estado ao fim dos impostos sobre combustíveis? Se já na aflição atual eles não largam nem um cêntimo e preferem legislar sobre as margens … dos outros. Logo se verá, não é?

07 agosto 2021

A maldição da bazuca?


Fala-se em “maldição do petróleo” para descrever situações concretas de países que, supostamente abençoados por largos e fastos recursos naturais, acabam por comprometer o seu desenvolvimento a prazo e a criação de riqueza e conhecimento de forma sustentada, soçobrando no fácil vem/fácil vai (a ausência de dificuldades não aguça o engenho) e com todo um rol de más práticas e de irresponsabilidade, eventualmente criminais, na gestão da riqueza que chega sem esforço.

Felizmente Portugal não tem recursos naturais próprios, mas talvez desde a pimenta da India e do ouro do Brasil que criamos um pouco o hábito de gastar sem ter que nos esforçar muito em criar. A questão neste momento não é, no entanto, atirar as culpas a D. João II. A questão é que a famosa bazuca europeia, que se já pode começar a ir buscar ao banco, mesmo sem kalachnikov, é mais um dinheiro fácil que corre sérios riscos de partir de forma fácil.

Independentemente de alguma utilização racional, séria e geradora de riqueza sustentável, quase apetece dizer… deixemo-nos de viver de donativos e passemos a fazer pela vida com as nossas próprias mãos e cabeça. O histórico da procurada e falhada convergência europeia sugere que a receita não funcionou como se esperava. Fazer o mesmo, esperando resultado diferente, não é inteligente.

06 agosto 2021

Talibans e o resto


 Em 2001, os EUA entraram no Afeganistão para controlar o país que albergava os terroristas do 11/9. Hoje, 20 anos depois, deitam a toalha ao chão e retiram. Os ditos talibans, que já antes tinham dado água pelas longas barbas à URSS, avançam rapidamente, retomando o controlo de grandes partes do país, deixando em maus lençóis todos os que de uma forma ou de outra colaboram com os EUA e acreditaram numa sociedade mais aberta. Muito especial e dramaticamente as mulheres.

Por muito profundas que sejam as raízes tribais desse movimento, a sua eficácia e subsistência não depende apenas dos calhaus da montanha. Ao que parece é/foi o Paquistão, ali ao lado, que de uma forma mais ou menos assumida lhes serviu de apoio. Um bocadinho acima do mesmo lado, está a zona problemática da China, dos uigures, onde existem movimentos terroristas, ETIM e outros, que parecem gozar de algumas facilidades no Paquistão e nas zonas controladas pelos Talibans.

A China tem interesse no Paquistão, o corredor até ao Índico da sua BRI atravessa todo o país. Os terroristas uigures atacam aqui interesses chineses e estes puxam as orelhas aos paquistaneses.

Um destes dias uma comitiva taliban foi recebida oficialmente em Tianjin (foto) e um dos objetivos, teoricamente alcançado, foi de obter um compromisso da parte dos novos futuros líderes afegãos em como deixariam de apoiar os separatistas uigures. Quem conhece o terreno, o histórico e as culturas tem dúvidas de que a prática corresponda.

Entretanto, há gente no Afeganistão a voltar às trevas.

Sem querer particularizar excessivamente nos atores concretos desta realpolitik, é uma vergonha para a humanidade assistirmos a estes retrocessos brutais nos direitos humanos, caucionados por países e regimes representados nas instituições internacionais e supostamente comprometidos com os princípios básicos de respeito por esses direitos humanos. Seria mais útil e mais interessante que a opinião pública se interessasse por isto e deixasse o Vasco da Gama em paz.