No meu cabaz de Natal, ou no sapatinho, ou na meia… chegou
este livro, acima ilustrado.
Pessoa era genial, mas não tão louco como muitos grandes
criativos, que têm alguma dificuldade em conseguir uma vista equilibrada e
racional sobre a política e a sociedade em geral. Este excerto já de 1925 é representativo
Tio Mussolini e Abade Lenine
Seguimos o princípio contrário ao do tio Mussolini e ao do
abade Lenine. Desoprimir. Tornar os outros diferentes do que nós queremos!
Ensinar cada homem a pensar pela sua cabeça e a existir com a sua existência –
só com a sua existência.
É muito interessante a evolução da visão de Pessoa sobre
Salazar, inicialmente como alguém que sabia o que queria em termos das
desgraçadas contas públicas, que o comunica e implementa, depois como alguém
que reduz o governo do país a um exercício de contabilidade e finalmente alguém
que pretende secar e anular tudo o que for desalinhado com a sua visão
(estreita) e objetivos.
1935
Inteligente sem flexibilidade, religioso sem
espiritualidade, ascético sem misticismo, este homem é produto de uma fusão de
pobrezas: alma campestre sórdida do camponês de Santa Comba, que apenas se
alargou na pequenez pela educação no seminário, por todo o inumanismo sórdido de Coimbra, pela especialização
rígida e pesada do seu destino desejado de professor de finanças. É um
materialista católico (e há muito assim), um ateu nato que respeita a virgem.
[…]
Em Salazar, há sempre materialismo, há sempre o pequeno
contabilista. Não podemos sonhar porque o sonho não é remunerável.
Tudo esta evolução ocorre em apenas 7 anos e pensarmos que
Salazar sobreviveu no poder ainda mais 33 anos ao poeta e filósofo é
assustador. E pensarmos que o regime ainda durou mais 6 anos após a saída do seu
criador…
Podemos entender que a seguir à catastrófica e anárquica
primeira República, houvesse forte predisposição a aceitar quem viesse pôr
ordem na casa. Agora que isso tenha
continuado tanto tempo, quando já em 1935 era claro a todos que quisessem ver
ao que o homem vinha, assusta-me. Porque, obviamente, não basta diabolizar
Salazar. Se o regime tanto aguentou foi por ele e não só.
Hoje, quando vemos as trapalhices em que a nossa governação
se afunda, sem parecer ter capacidade de se auto regenerar…