10 outubro 2011

A praxe e o sistema


Nos meus tempos académicos a praxe era uma coisa algo tímida a renascer com alguma tensão da proscrição a que tinha sido votada nos calores dos anos 70. Recordo uma recepção ao caloiro com aulas forjadas e uns carimbos na teste e recordo os desfiles da queima. Usar traje académico não seria directamente equivalente a ser betinho, mas todos os betinhos o usavam e quem não o usava certamente não o era. Não sei comparar se a alegria era mais genuína ou menos do que agora, mais regada ou não, mas uma coisa tenho a certeza: das regras académicas a grande maioria conhecia apenas a cor dos cursos e as insígnias do ano.

Uma geração após, ao ouvir falar do “sistema” da praxe e das “tradições” académicas, fico siderado com tão pomposa e fútil complexidade. Um caloiro para ser integrado (e respeitado?) tem que aprender rapidamente e prestar vassalagem a uma organização tortuosa, complexa e, sobretudo, sem mérito subjacente, considerando que não se pode considerar meritório passar muitos anos sem concluir o curso. Se eu fosse hoje caloiro gostaria de mandar directamente àquela parte os “doutores” que me coagissem a entrar em “brincadeiras” que não aprecio. Poderia? E da mesma forma que me vejo na vida sem padrinhos, gostaria de dispensar o apadrinhamento. Da mesma forma que qualquer regra ou lei que tem que ter um objectivo que a justifique, não gostaria de obedecer a prescrições arbitrárias, gratuitas, inconsequentes e, já sem entrar por aí, tantas vezes vexantes.

O sistema da praxe e respectivo “poder” não são legítimos nem saudáveis numa sociedade em que os valores de base devem ser clareza, justiça, respeito, iniciativa e mérito. Em grande parte são até mesmo o oposto do que a universidade deve incutir.

08 outubro 2011

Combustíveis “low cost”

Tive que ler e reler porque receei não ter entendido bem o que ouvi: o governo vai criar uma rede de combustíveis “low-cost”. A ideia até pode ser simpática para a maioria das pessoas que a ouve, pela expectativa de pagar menos pelo depósito cheio, mas eu esperaria que este anúncio fosse mesmo de um Ministro da Economia na perspectiva económica e não de propaganda. Para lá de não se saber quem vai mesmo fazer, quem vai investir e operar a rede, o que não é um detalhe, fica-me a enorme dúvida de qual o fundamento económico subjacente a esse “low cost” – um processo tecnológico, logístico, administrativo novo que ainda ninguém se lembrou de implementar? Porque se a estrutura de custo não muda e não estou a ver uma “rede criada pelo executivo” a superar as multinacionais que estão no negócio há muito tempo, o preço de venda só será inferior se a margem reduzir. E aqui, das duas uma, ou a margem actual dos distribuidores é demasiado elevada e há realmente um problema de concorrência que devia ser resolvida pela autoridade correspondente, que afirma bem alto que não é o caso, ou haverá um … subsídio. E então, como é que vamos ter mesmo esses combustíveis “low cost”… ?

Nota: Ainda não há muito tempo os bancos davam todo o crédito do mundo às entidades públicas, sem a menor restrição, acreditando que era um negócio excelente e garantido. Agora que a coisa treme querem varrer esse crédito para um saco do lixo … público. A irresponsabilidade do sistema financeiro que esteve na origem da crise de 2008 e ajudou bastante a toda a confusão em que está o mundo ainda não acabou nem tem cara de abrandar.

06 outubro 2011

Ainda bem


Em plena overdose de notícias e comentários sobre a vida de Steve Jobs, não me apetece realçar o seu contributo para o quotidiano de tantos, nem entrar naquelas comparações pueris com outras figuras relevantes passadas.

Apetece-me dizer apenas “ainda bem” que é evocado com tanto destaque alguém terrível e de mau feitio, mas, mais do que tudo isso, alguém que acreditava mesmo naquilo em que acreditava e que após cada queda se levantava e recomeçava. Para todos os que entram em depressão com a mais pequena adversidade, o exemplo e tenacidade de Steve Jobs poderão ser uma boa fonte de inspiração. Para mim esse é o maior contributo que ele deixa, mais importante do que os seus “produtos”. Se tivesse desaparecido no final dos anos 80 quanto ele e a Apple atravessavam um deserto árido, apesar de ser a mesma pessoa, seria referido como alguém que fez algo de “engraçado”, o Macintosh, mas que não teve capacidade de o fazer sobreviver, seria recordado como alguém com boas ideias mas que no fundo falhou.

Por sorte ou azar morreu depois de ter acertado em cheio uma série de vezes e, de certa forma, ainda bem assim…