30 junho 2008

Também quero um negócio assim!



Toda a gente sabe, em qualquer local do planeta, que existe uma grande diferença entre facturar e receber. E, se por vezes é difícil receber, outras vezes é mesmo missão impossível. O controlo dos créditos dos clientes e respectivos recebimentos é um processo fulcral em todas as actividades económicas, sendo óbvio que quem não o faz bem pura e simplesmente não sobrevive.

A possibilidade de, face a um vulgo calote, ir pedir uma compensação aos restantes clientes sérios, seria uma situação de sonho para qualquer tesoureiro. Que maravilha! Cada vez que um incobrável aparece a ensombrar uma lista de dívidas, pumba! É distribuí-lo pelas próximas facturas dos bons clientes! Isto é naturalmente inconcebível do ponto de vista comercial e moral.

Este absurdo parece estar em vias de se tornar realidade para a energia eléctrica. Já sabemos que se trata de um domínio sem concorrência e não tenhámos ilusões: esses buracos devidos a “má gestão” ou “simples azar”, de uma forma ou de outra, vão ser recuperados a partir do bolso das “presas”, perdão “bons clientes”. Agora, dizê-lo e assumi-lo tão abertamente é que é um enorme desplante!

À parte, e relacionado, a minha factura da água é já uma anedota. Digamos que é uma factura municipal de lixos, taxas várias e coisas e loisas, em que existe uma primeira linha largamente minoritária que se chama “consumo de água”. Não digo que essas taxas sejam injustas ou indevidas. Só gostaria que se chamassem as coisas pelo seu nome e não fosse assim tão fácil acrescentar linhas e percentagens nas contas das “presas indefesas”.

28 junho 2008

O tempo das Cerejas



O tempo é dinheiro e também aquela dimensão extra que o Einstein nos trouxe. Apetece dizer mais: o tempo é um tempo. E há alguma dificuldade em arranjar outra palavra para “tempo”.

Uma coisa que tem tempo e tempos é a Natureza e os seus ciclos. Com algumas técnicas modernas de produção e de conservação já perdemos a noção do tempo das florações e dos frutos. Quanta gente sabe colocar na boa sequência natural as laranjas, os morangos e as ameixas? Uma das vantagens de viver um meio menos desenvolvido é reencontrar esses ciclos.

Mas, apesar de tudo, e em qualquer lugar, as cerejas são resistentes. Têm o seu tempo e só esse. “O tempo das cerejas” é uma expressão bonita para título de qualquer coisa. As cerejas vêm quando as laranjas e os morangos já desapareceram e as primeiras maçãs, verdadeiras, se apresentam.

É bonito o tempo das cerejas, dos pêssegos, das ameixas, dos primeiros figos e mais ainda sabendo que é só mesmo aquele tempo (apesar de eu gostar ainda mais de... Setembro!).

23 junho 2008

Palácios




Será difícil não reconhecer que por detrás de cada palácio está algum tipo de desumanidade. O que é associado a um nível supremo de civilização e de apuro estético tem, quantas, todas (?), as vezes, na sua génese e construção um pleno de misérias e de barbaridades.

Mas, mais do que o mau dessa fase da realização, em que a sumptuosidade da construção é proporcional à injustiça e ao desequilíbrio na distribuição da riqueza, chocam-me os que em seguida parasitam os palácios. Os que saltam as barreiras de entrada e conseguem singrar nos seus corredores, nada mais fazendo do que insinuando e usufruindo... dos corredores do palácio. São a pior raça de gente que pode existir neste mundo.

Hoje não se fazem palácios, ou os que se fazem têm democraticamente uma função aberta à sociedade. Pisamos os corredores e as escadarias de palácios antigos, no passado restritos a monarcas e parasitas e … apreciamos?

E até pode ser para visitar a história de um militante anti-palácio. Não se percebe bem se por distracção, desvalorização ou provocação vem contar a sua vida na ala de um monarca, paredes-meias com o Ministério de quem ele se queixa de o ter exilado do país.

E tantas vezes o génio criador está associado a carências de coerência e de personalidade verdadeiramente atrozes. Seria bom que Saramago esclarecesse o que é para ele Portugal e esta exposição. Para vermos se saímos com uma grandeza à medida da obra ou se nos mantemos na mesquinhez das declarações ressabiadas de quem não consegue ser superior aos seus opositores.

17 junho 2008

Powered by Porsche!



E insensível aos aumentos de combustível…!

No entanto, considerando que aqui na Argélia eu atesto o depósito com o equivalente de 6 (seis) euros, o preço por quilómetro desta motorização até nem será muito competitivo...

(Foto de origem desconhecida extraída de uma secção humorística do “Le Quotidien de Oran”.)

15 junho 2008

É fácil dizer não…



Recordo-me de umas antigas reuniões de condomínio que corriam relativamente bem até aparecer um retardatário habitual que, ainda antes de ter ouvido bem o que se estava a discutir, afirmava com veemência: “Eu não estou de acordo!”, semeando de imediato e muito eficazmente a maior desordem na assembleia.

Há situações em que é difícil dizer publicamente “não”, mas felizmente não é o caso de nenhum país Europeu. Apesar de todos os “mas” e “senãos” e alguns excessos, a União Europeia é um processo histórico ímpar e admirável. No caso concreto de Portugal seria interessante que os eurocépticos fizessem um esforço intelectualmente honesto para imaginar o que seria hoje Portugal sem a Europa e sem o Euro. Estaríamos muito, muito mais pobres e atrasados.

Não gostei do processo “Giscardiano”, mas com o tempo tornou-se claro que era necessário fazer algo para arrumar a casa e o tratado de Lisboa parecia um bom compromisso. A Irlanda disse não e há quem fique contente com isso. Não terá dito não pelo conteúdo mas pelo “não”. E pronto: é fácil dizer não! E agora?

Aqueles, com responsabilidades, que rejubilaram com a notícia que tentem o mais difícil: definir e apresentar alternativas em vez de somente bater o pé no estilo menino mimado a dizer “eu não quero, eu não quero!”

13 junho 2008

120 anos



Fiz de mim o que não soube
E o que podia fazer de mim não o fiz.
O dominó que vesti era errado.
Conheceram-me logo por quem não era e não desmenti, e perdi-me.
Quando quis tirar a máscara,
Estava pegada à cara.
Quando a tirei e me vi ao espelho,
Já tinha envelhecido.
Estava bêbado, já não sabia vestir o dominó que não tinha tirado.
Deitei fora a máscara e dormi no vestiário
Como um cão tolerado pela gerência
Por ser inofensivo
E vou escrever esta história para provar que sou sublime.

(Excerto da fabulosa "Tabacaria")

Não, não se classifica entre os artistas reputados pela sensibilidade e pela expressão estética. Não. Em cima de isso tudo é um génio de uma dimensão filosófica extraordinária.
Quem não o achar, que leia a "Tabacaria" toda, saboreada em pequenos goles.

10 junho 2008

O dia do Poeta

  • A nossa festa nacional não está ligada a nenhum facto político, militar ou económico.
  • Não?
  • Não, não é dia de batalha, nem de revolução, nem de independência primeira ou restaurada, nem de constituição, nem de rei ou raínha.
  • Não?!?
  • Não, nada disso!
  • Então?!?
  • É o dia de um Poeta!!!
  • Ahhh!?!?!?
Pois é! A descrição acima está um pouco incompleta. Talvez que se Camões não tivesse escrito a epopeia nacional, o seu brilho lírico e profundo contributo para a língua e cultura portuguesas não teriam sido suficientes. Não importa muito agora. O que importa dizer é que o facto de a festa nacional ser de raiz puramente cultural é um sinal de enorme maturidade civilizacional e de uma identidade consolidada como poucas outras. Mas hoje também não é dia para comparações.

Verdes são os campos,
De cor de limão:
Assim são os olhos
Do meu coração.

Campo, que te estendes
Com verdura bela;
Ovelhas, que nela
Vosso pasto tendes,
De ervas vos mantendes
Que traz o Verão,
E eu das lembranças
Do meu coração.

Gados que pasceis
Com contentamento,
Vosso mantimento
Não no entendereis;
Isso que comeis
Não são ervas, não:
São graças dos olhos
Do meu coração.

(Luís de Camões e, para ouvir melhor, juntar o Zeca Afonso)

09 junho 2008

Protestos e mercado

Posso entender que um particular proteste contra o aumento do custo dos combustíveis. Trata-se de uma parcela importante do seu orçamento e ele não tem nenhuma forma de a compensar nas suas receitas, uma vez que as suas actualizações de vencimento não acompanham nem de perto nem de longe essa evolução.

Custa-me bastante mais a entender os protestos dos camionistas. O custo do gasóleo é uma parcela, significativa sem dúvida, da sua estrutura de custos. Como em qualquer actividade comercial, o que eles têm a fazer é repercutir esse aumento no seu preço de venda. Se já estão numa fase em que não há mais optimização nem racionalização a fazer, só lhes resta cobrar mais aos seus clientes. Nem sempre é fácil, depende do tipo dos contratos e da situação do mercado. Mas quando o mercado funciona, e este sei que funciona, ele encarrega-se de reencontrar um novo ponto de equilíbrio, sem governo pelo meio. Alguém está a ver as metalomecânicas virem para a rua protestar porque o preço de aço subiu? Ou uma papeleira bloquear uma estrada e pressionar o governo porque o custo da madeira está alto?

Colocar as populações, que necessitam e têm o direito à sua mobilidade, reféns de tal protesto não será abusivo?

07 junho 2008

As esquerdas e as ideias, ou a falta de...

Foi um acontecimento bem explorado mediaticamente terem estado Manuel Alegre e Francisco Louçã juntos na defesa das esquerdas, dos "Abris" e dos Maios etc. Eu reconheço a nobreza de muitos desses princípios e apoio sem hesitações a justiça e a solidariedade sociais. Só que essas palavras valem pouco se não houver criação e a repartição de riqueza. Solidariedade entre falidos não tira ninguém da falência. Por isso, ao governo devem ser pedidas contas sobre o não criar condições para o desenvolvimento e por não aplicar com bom critério os recursos que tem à sua disposição.

Apenas fazer belas declarações recordando Abril pode ser bonito, mas esquecer de que estivemos a gastar mais do que ganhávamos e que isso é insustentável e injusto para as próximas gerações é autismo. Discutam sim mas com ideias, com alternativas concretas e não palavrões de cassete. Construa-se e deixe-se de falar para a fotografia…

Para as próximas eleições teremos Sócrates e Ferreira Leite discutindo pormenores e histórias mas num registo realista, fatalmente próximo e evidentemente muito longe desse discurso. Em quem votarão esses órfãos desencantados? Quem seriamente poderá apresentar-se como candidato a primeiro-ministro que não afectará professores, médicos, polícias, agricultores e por aí fora, solidariamente de mãos largas, distribuindo, distribuindo? Acho que não haverá nenhum “credível” (como agora é moda dizer-se) porque, apesar de tudo, lá no fundo, no fundo, ninguém acredita no Pai Natal.

02 junho 2008

A responsabilidade dos meninos

Ser emigrante não é fácil. E ser emigrante português é particularmente difícil. Por motivos diversos que não cabe aqui analisar, raríssimos são os portugueses que se expatriam de coração leve.

Ser imigrante não é fácil. E ser imigrante na Suíça é particularmente difícil. Um imigrante português na Suíça sofre as duas coisas acumuladas. Reconhecido como trabalhador, sério, etc e tal, mas nunca “um dos nossos”, será sempre alguma coisa abaixo.

Por isto, a recepção feita pelos imigrantes à chegada da selecção foi algo que me tocou. Por um momento, eles não eram o estrangeiro pobre. Eles eram os daquela equipa que tem o “melhor do mundo”. Eles colocaram no desempenho da selecção a sua imagem. Se a selecção brilhar eles entrarão brilhantes no seu posto de trabalho, olhando de forma diferente os seus colegas da casta superior. Se perdermos com empenho e dignidade, eles serão derrotados dignos. Mas se a equipa for displicente ou, pior, indisciplinada, essa será fatalmente a etiqueta que eles colectivamente trarão na testa no dia seguinte. Em vez de se levantarem cairão para mais fundo.

Esta é uma responsabilidade enorme que aquela equipa tem. Espero que esteja bem consciente disso.