29 abril 2023

Esperança


Antes de o 25 de Abril evoluir para tema polémico, com tentativas de ser tomado como refém pela polarização aguda que nos andam a impingir, a data era consensual. O dia mesmo, foi um dia fundamentalmente de esperança, algumas dúvidas e de inquietação certamente, mas, para a larga maioria da população, foi sobretudo de confiança. Foi visto como uma oportunidade para o país evoluir para melhor, sendo esse “melhor” bastante consensual também.

Queria-se um país livre e aberto ao mundo, justo e proporcionando melhores condições de vida em todas as dimensões. Como não há omeletes sem ovos, também não há riqueza para distribuir sem ela ser criada. E aqui terá estado talvez o maior falha das últimas décadas. À imagem do passado ouro do Brasil, foram os fundos de Bruxelas que nos mantiveram à tona, mas sem, contudo, evitar três bancarrotas.

Quando ouvimos o que é notícia por estes dias, a tristeza e desilusão são enormes. Não é por este caminho que vamos sair da cepa torta; nem pela natureza do que se discute, nem pela forma. Os atores atuais estão falidos de ideias, credibilidade e capacidade de liderar.

O 25 de abril é dia de repensar em esperança, mas ativamente e criticamente. Não precisamos de nova revolução e mudança de regime. Necessitamos de mudança de lideranças. As atuais não servem.

02 abril 2023

É crime, digo eu


Recordo-me de uma época em que havia edições dos Lusíadas censuradas, nomeadamente quanto ao relato do encontro dos bravos navegadores com as Ninfas da Ilha dos Amores. De facto, passagens como a seguinte podem chocar puritanos zeladores de almas inocentes:

De uma os cabelos de ouro o vento leva

Correndo, e de outra as fraldas delicadas;

Acende-se o desejo, que se ceva

Nas alvas carnes súbito mostradas;

Uma de indústria cai, e já releva,

Com mostras mais macias que indignadas,

Que sobre ela, empecendo, também caia

Quem a seguiu pela arenosa praia.

Entendo que hoje não deve passar pela cabeça de ninguém censurar desta forma a genialidade e a beleza do grande poeta. Isso seria um crime. Não faltam, no entanto, zelotas de outras causas e pudores que já não se limitam a cancelar e a procurar limitar e proibir produções culturais e artísticas “incorretas”. Chegaram ao ponto de “corrigir” obras de outros tempos, em profundo desrespeito pelo público e pelos autores. Coloquem lá uma bolinha vermelha, preta, rosa ou outro sinal qualquer, mas deixam a obra como foi criada. Ou então, escrevam claramente na capa “Edição objeto de censura ideológica”. Caso contrário, é crime, digo eu!