31 março 2022

A transição por calcular


É consensual andarmos a consumir mais recursos do que o planeta sustentavelmente disponibiliza e a energia é um dos pontos mais críticos. Precisamos de ser mais frugais.

Temos ministérios com transição energética no título e a redução da utilização dos combustíveis fósseis é uma das suas bandeiras mais vistosas. Decreta-se que veículos elétricos serão o futuro exclusivo, já em 2035. Mas não basta dizer que “se quer” aumentar a produção de energia elétrica de fonte renovável. Hoje em Portugal falta aproximadamente um terço de “renováveis”. Isto é um número concreto, são tantos kWh. Para 2035 qual será a procura de energia elétrica nessa altura, devidamente aumentada pelos novos veículos elétricos? Quantos kWh? De que fontes “renováveis” virão esses kWh? Há um plano, qual? É que mais rios para barragens e montes para eólicas, já não sobram muitos, além da polémica… ambiental com os mesmos.

Na Europa o défice atual é ainda maior, especialmente se o nuclear não for considerado “bom e limpo”. Recentemente até tinha sido decretado que o gás natural podia ser considerado “transitoriamente limpo”; depois Putin complicou as contas. Cheira-me que para as agendas políticas 2035 é noutro século e, ao dia de hoje, o fundamental é capitalizar títulos e declarações de intenções, mas o título não basta. Saber quantos kWh serão necessários e de onde virão é uma exigência básica. Se não sabem quantos kWh, podem apresentar em joules ou em calorias… Entretanto, o pessoal adere a veículos elétricos com uns frugais 300 cv ou mais, achando que esse é o caminho da salvação.

29 março 2022

Sinais do fim


Mikhail Gorbachev terá dito que o acidente de Chernobyl precipitou o fim da URSS. Efetivamente, a forma soviética como o desastre foi gerido, alimentou uma enorme contestação ao poder central, inicialmente de foro ambiental, mas que rapidamente alastrou para um desafio ao sistema em si. Foi em boa parte deste movimento que nasceram e se enraizaram as organizações independentistas, que levaram ao colapso do sistema incompetente, ineficaz e sem respeito pela saúde e direitos básicos das populações.

Vladimir Putin terá dito que o desmembramento da URSS foi a maior tragédia geopolítica do século XX. Curioso não entender nem assumir que e como o acidente em Chernobyl foi o (grande) rastilho. Que para evitar essa tragédia real, que tanta gente afetou, e a sua suposta “tragédia” provocou, uma política e prática diferentes deveriam ter sido seguidas pelos inquilinos do Kremlin.

A atual invasão da Ucrânia ficará para a história como uma grande tragédia humana e geopolítica. Não sabemos como ficará no final a Rússia, mas certamente muito diferente do que era há um ano e para pior. Daqui a umas décadas, talvez alguém diga em Moscovo – a consequência da guerra na Ucrânia foi a maior tragédia que a Rússia sofreu no século XXI…

Não é que a história se repita, igual, mas às vezes há semelhanças.

Imagem do que me parece ser um excelente livro sobre o tema, do antes, do durante e do depois. 

19 março 2022

A invasão da Rússia

Ao que parece a Rússia tem medo de ser invadida. Por isso invadiu a Ucrânia, depois de ter invadido outros no passado. Deve ser também por isso que invade tantos servidores e tenta influenciar e contaminar a vida democrática onde esta existe.

Ao vermos a extensa lista das empresas que cancelaram as suas atividades nesse país, podemos concluir que efetivamente a Rússia já foi invadida. Foi invadida por empresas, tecnologias, ideias ... e sonhos. Imaginemos como seria diferente a nossa vida sem tudo isso que, apesar de todas as imperfeições e pecados, o Ocidente democrático e livre gerou.

Agora, pensemos na eventual retaliação. Ficaríamos sem Ladas e Tupolevs… para o vodka sempre se arranjaria sucedâneo. Sim, a Rússia foi invadida… mas não foi por tanques nem por canhões.

17 março 2022

Bem-vindos ao real


Imaginemos uma empresa que, por redução de atividade e correspondentes receitas, se vê obrigada a reduzir estruturas e inevitavelmente o número de pessoas a que pode pagar. É a vida real que infelizmente muitos conhecem.

Não faltará quem clame pelos direitos dos trabalhadores, pela necessidade da proteção do emprego, acrescentando uns mimos aos patrões insensíveis e exploradores.

Por estes dias, há uma entidade chamada Bloco de Esquerda que, na sequência da redução dos votos recebidos nas últimas eleições e correspondentes receitas, se vê obrigada a encolher e a dispensar pessoas. É a vida. Bem-vindos ao real.

Atualizado em 23/03/2022 com a inserção da imagem da publicação no Público.

14 março 2022

A Efacec


Não sei bem se devia escrever e publicar isto, mas … apeteceu-me. Talvez até haja alguns leitores melhor conhecedores do contexto e que terão a gentileza de me completar ou corrigir. A ver como eu vejo…

A Efacec é um nome impossível de ignorar e de por ele algo sentir uma boa parte do país que faz coisas, muito mais particularmente se for engenheiro da FEUP (pelo menos em visita de estudo lá terá ido) ou se aí tiver passado umas décadas da sua vida profissional. Eu, como muitos outros, acumulo as duas condições.

Com raízes em duas pequenas empresas familiares do Porto, a Efacec ganha o seu nome e dimensão quando a elas se associam a CUF, capitalista industrial do regime que traz o EF de “Empresa fabril” e os belgas tecnológicos que acrescentam o ACEC. Depois do divórcio entre os dois a empresa passou a ser basicamente uma filial portuguesa dos belgas e, mesmo depois da sua partida, é uma empresa com a base do valor acrescentado em terras lusas. A internacionalização sempre foi problemática. Mesmo a pioneira fábrica de transformadores construída na China não consolidou. No ADN estava e continuou sempre a ser principalmente o parceiro local de grandes projetos e recorrendo a complementaridades tecnológicas bem escolhidas. Nem todas as áreas seriam assim, mas o “core” bastante.

Esta dificuldade de posicionamento e de diferenciação ao ir “lá para fora” não foi resolvido pelos novos donos que foram chegando, novos CEOs e respetivos séquitos. Pelo contrário…

A crise agrava-se e o descalabro começa quando os donos do momento, o grupo Mello em meados de 2000, aproveitando ventos de popa favoráveis, passam a ter maior preocupação quanto ao seu negócio com as ações da Efacec do que com o negócio da Efacec com os respetivos clientes. A publicidade nos aeroportos não era para os clientes da empresa, mas para os clientes das ações dos donos da empresa. A carteira de encomenda cresce exponencialmente e é construída precipitadamente uma nova fábrica nos USA, crónica de uma desgraça anunciada. Como o lavrador “esperto” que faz o porquinho comer tudo e mais alguma coisa, para aumentar o peso e vendê-lo ao quilo a bom preço na feira… veio a crise de 2008 e a venda atrasou. Ao atrasar a negócio, a porcaria que o porquinho tinha no estomago começou os seus nefastos efeitos.

No definhamento inevitável os donos do porquinho doente venderam-no … a Isabel dos Santos. Talvez a especificidade política em Angola permitisse a realização de alguns contratos simpáticos, mas… um, é difícil de imaginar o futuro de uma empresa tecnológica refém de tais especificidades e dois, a reviravolta política no país nem isso permitiu. Bem se podem felicitar os intervenientes.

A rampa inclinada continuava montada e os Luanda Leaks vieram demonstrar que afinal havia ali um problema com os novos donos. Quem diria, que surpresa!!

Impunha-se a mudança de dono, o processo foi demasiado lento, mas esperemos que nesta nova fase que se anuncia seja possível concretizar uma mudança estratégica, assente numa liderança galvanizadora. A empresa perdeu muito, o tempo dos negócios não é todo o tempo do mundo. Será difícil voltar a ser o que era, é certo, mas vamos ser otimistas.

13 março 2022

Falta de propriedade intelectual


Anda viva a polémica sobre uma deputada que, enquadrada no Parlamento em regime de exclusividade, teria auferido de uma remuneração pela participação num programa de televisão, incompatível com o respetivo estatuto.

Deixando de lado as excitações com este caso concreto, a cor do pecado e a admissibilidade da inocência por ignorância da lei, há algo de muito curioso aqui. Dar palpites escritos em jornal é compatível, mas verbais na televisão não. Tem lógica? Não!

Aparentemente, a remuneração pela escrita enquadra-se nas remunerações provenientes de propriedade intelectual, objeto de exceção no tal estatuto da exclusividade. Pode-se entender e aceitar que um criador com obra registada e que passe a deputado não tem porque deixar a receber os direitos respetivos, especialmente se essa criação tiver origem no passado. Agora, a remuneração por uma coluna de opinião política, feita e paga no momento, está muito longe desse contexto.

Nós exigimos aos deputados que pensem e quem pensar um mínimo não consegue justificar essa validação, se não e apenas pelo forçar de um buraco na regulamentação, oportunamente cavado em benefício próprio.

Tenham respeito pelo nosso discernimento e, por favor, dêem-se ao respeito. É melhor do que depois chorar o crescimento dos populismos.


10 março 2022

Os idiotas úteis, rudes e macios

 

Esta expressão atribuída a Lenine, sem garantias quanto à origem, era aplicada àqueles ocidentais que promoviam os regimes comunistas, úteis, fazendo vista grossa aos seus defeitos e inventando qualidades inexistentes, idiotas.

Parecem não ser uma espécie em vias de extinção. Na situação atual da invasão dramática da Ucrânia pela Rússia, continuam a existir idiotas que se recusam a condenar a barbaridade ou, um pouco mais suavemente, acrescentam uns “mas”, apontando alguma coresponsabilidade do “imperialismo ocidental”.

Alguns fatos. Quais as ações militares ofensivas realizadas pela Nato na Europa contra um país soberano? Zero. E do lado da URSS/Rússia? Hungria, Checoslováquia, Geórgia, Ucrânia Crimeia e agora Ucrânia global. Algum país foi condicionado para aderir à Nato ou ameaçado caso a abandonasse? Não. Quiseram aderir livremente por receio do vizinho russo e Putin acaba confirmar a pertinência dessa preocupação.

Há seis meses atrás qual era a dinâmica da Nato – ativa, ameaçadora? Não. Falava-se mesmo em “morte cerebral”, tão letárgico era o seu animo. De há uns anos para cá que os EUA reduziram o seu interesse pela Europa. O seu grande adversário já não é a Rússia e passou a ser a China. O teatro principal na disputa pela influência planetária deixou estas paragens e mudou-se para o Pacífico. Ter-se-á Putin sentido menorizado, despromovido de divisão e arranjou esta desgraça toda só para mostrar que o mundo tem que contar com ele e voltar a ver uma Rússia na primeira linha…? “Make Russia great again!?

Se assim foi, falhará o objetivo. A Rússia vai sair desta barbaridade ainda mais irrelevante e diminuída. A única grandeza que lhe restará será o seu arsenal nuclear… e, quanto a isto, só nos restar “esperar que os russos também amem os seus filhos”.


07 março 2022

Venha mais um copo


O preço do litro dos combustíveis soma o custo do produto derivado do valor do barril de petróleo mais uma pipa de massa de impostos. O preço do petróleo sobe e desce, a parte da pipa de impostos é mais sobe e sobe, como se pode constatar da evolução histórica dos três indicadores.

Agora que o barril de petróleo está em máximos, o governo acha que deve aliviar o preço do litro. A forma mais limpa, fácil e transparente seria ajustar no valor da pipa… mas não. Eles mantêm-na e oferecem-nos um caneco. Ao fim e ao cabo a malta gosta sempre de receber prendas, mesmo que impliquem alguma complicação administrativa. Dizer que o governo dá, também dá títulos simpáticos, mesmo que esteja apenas a devolver, e de forma complicada, uma parte do que recolhe.

Enfim, brindemos ao caneco-voucher e vejam mais um copo!

03 março 2022

Por quem os sinos dobram


Este excerto de um poema de John Donne deu o título a um dos mais famosos romances de Ernest Hemingway. Diz ele que quando os sinos dobram, é por nós todos.

Vermos uma grande potência, autocrática, rica em recursos energéticos, que tanta falta fazem ao nosso conforto, invocar supostos perigos e ameaças para arrasar um vizinho incómodo e…? Falamos de Rússia e Ucrânia em 2022? Sim, mas não só. Podíamos também estar a falar, por exemplo, de Arábia Saudita e Iémen em 2015. Ucrânia é Europa e as dores próximas são sempre mais intensas, mas no domínio dos princípios, e a vida e dignidade humanas devem ser sempre questão de princípios, a diferença não é assim tão grande.

Felizmente, na desgraça, o heroísmo do povo ucraniano fez a Europa sair da sua zona de conforto e assumir o risco de ter problemas com o aquecimento central das casas, em nome do direito à liberdade e dignidade de quem se vê obrigado a dormir fora de casa ou, pior, a fechar os olhos para sempre.

Que esta consciência de que na Ucrânia os sinos dobram também por nós possa ser uma trágica mas oportuna mudança nas sensibilidades. Como cantava Jacques Brel – “Todas as crianças são como a tua”. E mais sinos a dobrar por aí não faltam!