31 julho 2006

O código do Opus Dei

O famoso “Código da Vinci”, uma “simples” ficção, primeiro em livro e depois em filme, arrisca-se a deixar a maior mossa da história na imagem do Opus Dei. Efectivamente, ele é muito mal tratado e acredito que em parte injustamente. No entanto, o impacto e o incómodo gerados são de certa forma proporcionais à falta de transparência da organização. Não estará simplesmente a ser vítima da sua extrema discrição?

Mais do que protestar inocência, o Opus Dei só tem uma forma de convencer que é “abrindo-se”, tornando-se visível. Explicando quem são, quantos são, como recrutam, quais os critérios de admissão, quais os seus rendimentos, qual o seu património e como está aplicado, qual a sua presença e missão na sociedade em geral e em particular no ensino superior. Esclarecer os aspectos mais polémicos como o que há de verdade sobre a auto-flagelação, se são assim tão frequentes a rupturas dos jovens admitidos com as suas famílias naturais, qual a idade mínima com que os jovens começam a ser abordados, o que se passa quando alguém quer sair, se é verdade que um membro do Opus não pode ler o “Código da Vinci”, ou outro livro qualquer, sem prévia autorização superior e tudo o mais

Só “dando a cara” aberta e sinceramente permitirão que o público em geral deixe de acreditar em histórias com monges albinos assassinos. Fechados, prestar-se-ão a todas as suposições fantasiosas.

No final seria, no mínimo, curioso que fosse um romance popular a provocar uma mudança na postura de uma organização com décadas de tenaz discrição.

29 julho 2006

Se eu tivesse a certeza

Se eu tivesse
A certeza de sonhar
Se eu te conseguisse reconhecer
Num eco fugitivo de mim

Se eu soubesse regressar
À primeira vez que falhei
Se eu pudesse recordar
Como esse sonho enterrei

Se eu avançasse sem fingir
E o esforço do tempo a inventar
Se eu te visse à minha frente
Sem o sorriso engasgar

Então eu partiria
Sim eu partiria
Cruzaria continentes
Desenhados em bolas de sabão
Arrasaria os demónios
Que nos cansam e nos contam
Que o amanhã já cá está

Então eu não saberia
Deslumbrado ignoraria
Infantilmente sonharia
E às fadas escreveria

Então tu serias
Para sempre a princesa
Que eu não ousaria acordar
Porque apesar da loucura
Não esqueceria
Quão tremendo pode ser
O último passo ultrapassar

23 julho 2006

O homem da pancada

Há um executante nos espectáculos ao vivo que, embora normalmente pouco exposto, muitas vezes cativa a minha atenção. Não é o protagonista que canta a solo, não é o virtuoso que põe as cordas da guitarra a falar, não é também o fleumático de um baixo nem sequer o alquimista dos teclados.

É o homem da pancada!

Normalmente lá para trás, bate uma coisa diferente com cada perna, idem com cada braço e que, quando se entrega, ainda lhe sobre não sei o quê para marcar outras tantas batidas com o tronco, com a cabeça, com um esgar facial e com qualquer músculo que lhe sobre. Entregando todo o corpo a um ritual hipnótico, fico com dúvidas se ele está a executar a música ou se é a música que o está a executar a ele.

22 julho 2006

Utilidades

Podemos perdoar a um homem que faça alguma coisa útil, contanto que a não admire. A única justificação para uma coisa inútil é que ela seja profundamente admirada.
Toda a arte é completamente inútil.


Oscar Wilde em "O Retrato de Dorian Gray"

20 julho 2006

Um C-130 para a fotografia?



Citando a Lusa de ontem: O Governo português enviou um C-130 para o Mediterrâneo para participar no "processo de repatriamento" dos portugueses residentes no Líbano, disse hoje o ministro dos Negócios Estrangeiros, Luís Amado. Um C-130 já "está na zona" e vai agora andar, "entre Creta e Chipre" a participar no "processo de repatriamento dos portugueses que manifestaram desejo de abandonar o Líbano", afirmou Luís Amado.

Se eu bem entendo não se consegue sair do Líbano de avião nem é fácil por via terrestre. Tem que se sair de barco e o destino mais “à mão” é a ilha de Chipre, mesmo ali em frente. Aliás, ainda me recordo que, nem sei como, quando estava em Limasol, o meu telemóvel “via” uma rede libanesa! Daí, em plena tranquilidade, só entre a Cyprus Airways e a Olympic Airlines, há cerca de 8 voos diários do aeroporto de Lanarca para Atenas. A somar obviamente aos outros destinos regulares e aos inúmeros charters turísticos.

Será menos provável que a ligação por barco chegue a Creta, bastante mais afastada, mas, neste caso, só da Olympic Airlines, existem mais de 6 voos diários de Heraclion para Atenas.

Portanto, para fazer regressar a Portugal quem está em Chipre ou Creta, deveria ser suficiente fazer umas reservas nas carreiras existentes e que operam normalmente. Que vai andar o nosso C-130 a fazer “entre Creta e Chipre”. Foi para lá só para dizer que algo se fez? Pode-me estar a escapar qualquer coisa mas, como contribuinte, gostava de conhecer o relatório final da actividade desenvolvida nesta missão.

Complemento em 21/7

Diz o jornal que o primeiro voo do C-130 chegou a Lisboa com 13 passageiros. Afinal não ficou só entre Creta e Chipre. Fica só a dúvida se não teria sido mais cómodo e mais barato que essas pessoas tivessem voado nas linhas regulares...

Foto do C130 extraída do site do EMFA

19 julho 2006

Partido do Amor Fraternal, Liberdade e Diversidade

Excerto duma notícia do DN de 18.07.2006

“Que a idade do consentimento para uma relação sexual baixe dos 16 para os 12 anos. Que a televisão possa exibir pornografia a qualquer hora. Que os jovens de 16 anos já possam exercer a prostituição. Que a nudez seja livre. Que a instituição do casamento seja abolida. As propostas do Partido do Amor Fraternal, Liberdade e Diversidade (PNVD, no original) são polémicas até mesmo na liberal Holanda. Mas, perante a oposição colocada por um grupo de cidadãos mais conservadores, o juiz HFN Hofhuis decidiu ontem que o PNVD tem tanto direito a existir como qualquer outro partido. […]

Fundado em Maio por três homens que assumem publicamente preferir ter relações com adolescentes, o PNVD defende a cidadania completa aos 12 anos, o que inclui não só ter relações sexuais como poder votar, jogar, viver sozinho ou usar drogas leves. […]

"Acreditamos que a Holanda está pronta para o nosso partido", afirma Marthijn Uittenbogaard. "E, se conseguirmos ir para a frente, queremos mostrar ao resto da Europa que é importante defender a liberdade. Neste momento não há nenhum partido verdadeiramente liberal. E faz muita falta."


Muito provavelmente a verdadeira dimensão deste partido(!?) será muito inferior à sua projecção mediática. O mesmo artigo refere que sondagens apontam para mil votos. Por isso, provavelmente, nem faria sentido ser noticiado, ou talvez sim.

Se isto é liberdade, então eu preciso de trocar de enciclopédia. Ou então, dando um passo à frente e numa atitude radicalmente liberal, eu reclamo a liberdade total para poder espetar um ferro em brasa nos militantes do PNVD, num sítio que aqui não digo, que é o que me apetece mesmo fazer. E é mesmo isso que faz falta!!

É grave que se ouça invocar a palavra liberdade neste contexto sem um pronto desmascarar e correcto enquadramento. E também é preocupante este escalada de revindicações, muitas não tão graves e absurdas como estas, em que a perspectiva egoísta e individual ignora completamente a responsabilidade e a solidariedade social. Estarei a ser conservador?

17 julho 2006

Um facto redundante

Quando duas pessoas decidem passar a viver juntas, partilhando bens, constituindo família e etc., existe evidentemente uma razão de natureza afectiva por trás dessa opção (ignoremos por agora as motivações económicas unilaterais… ).

No entanto, existem implicações sociais importantes com direitos e obrigações específicos. E, para isso, está previsto um contrato social que se chama “casamento”. Apesar de já não ter componente confessional obrigatória, nem obrigar a festança nem a vestido branco, decididamente o casamento não está na moda.

Por isso, a opção de muitos é viverem juntos sem casarem, porque o “papel” não acrescenta nada. Evidentemente que do ponto de vista afectivo não acrescentará nada mas, quanto mais não seja, quando acaba a relação por separação ou por óbito, há um monte de coisas a regular. E, como não foi feito o contrato normal, a sociedade vê-se na necessidade de criar legislação para as uniões de facto.

O que me parece é que esta legislação é potencialmente redundante porque o objectivo é exactamente o mesmo do casamento. Ou até pior, tenderá a ser assimétrica! Os “unidos de facto” exigirão todos os direitos dos “casados” e dispensarão, tanto quanto possível, as obrigações. Se, por exemplo, fiscalmente a união de facto for mais interessante, aí já não interessará pedir a “equivalência” aos casados, com base na mui constitucional igualdade de direitos.

Da mesma forma que após, salvo erro, 3 anos de separação, se pode reconhecer um divórcio de facto, eu acho que após “x” anos de união ou, por exemplo, o nascimento de filhos, se deveria “decretar” um casamento de facto! Seria muito mais simples e, a prazo, mais justo.

13 julho 2006

Sid Barret

Já antes tinha aquela auréola de “precocemente desaparecido”. Aquele que tanto prometia e pouco concretizou. Sendo, por isso, fácil fantasiar sobre o que “poderia ter sido se”… Agora, que faleceu, por maioria de razão não se poupam elogios.

Talvez tenha sido uma referência importante para os restantes membros do grupo. Se foi inspiração para “Wish You Were Here” e “Shine on You Crazy Diamond”, bem haja. São dois temas fabulosos e já inscritos na História da Música.

O que teriam sido os Pink Floyd se ele se tivesse mantido activo, não sei. O que sei é que a dimensão da obra dos Pink Floyd pós Sid Barret é demasiado grande para poder ser ainda e sempre vista à sombra do “mítico ausente”. Aliás eu gosto muito dessa obra e muito menos do pouco que ouvi dele.

Desculpem-me por isso, se, com o devido o respeito, não sinto a mínima motivação para lhe dar todo esse crédito, como parecer ser de bom tom.

Ainda sobre eu e os Pink Floyd:
Por anos e anos ....

12 julho 2006

Clero, Nobreza e Povo

A Nobreza medieval inculta, e até em parte analfabeta, apoiava-se no Clero letrado para consolidar o seu poder temporal. A Nobreza tinha a espada, o Clero os livros e o Povo era tudo o resto que deveria seguir a regra da espada de uns e a dos livros dos outros. Ao longo de vários séculos, este casamento funcionou em pleno, chegando mesmo a ter sido passado a lei escrita. A unidade da Igreja era considerada necessária para a unidade do Estado e este argumento justificou muita coisa.

Um exemplo eloquente pelo princípio e pela prática foi a Inquisição. Além da forte promiscuidade, em muitos processos, entre os argumentos espirituais e os interesses seculares, era curioso que a Inquisição não matava ninguém. Apenas julgava e, eventualmente, condenava. O “braço secular” é que se encarregava de usar a “espada”.

Evidentemente que esse tempo já passou. Apesar de todos os defeitos de quem nos governa, já não são nobres analfabetos que necessitam de quem lhes leia os livros. E, por isso, também já não legislam de acordo com as vontades da Igreja. Chama-se a isto separação entre Igreja e Estado.

O protesto público e veemente do Vaticano pela ausência do primeiro ministro espanhol da missa celebrada pelo Papa em Valência no passado fim de semana, parece um lamento de quem foi abandonado por um parceiro que não assumiu as suas obrigações. A atitude de Zapatero terá colocado mais alguma pressão nesta Espanha à beira da ebulição. No entanto, lembrou claramente que já não estamos nessa época do famoso e simplório triângulo Clero/Nobreza/Povo.

10 julho 2006

Portela



Na base, uma escultura de José Rodrigues,
nos jardins do Convento de S. Paio, em Vila Nova de Cerveira.


Portela: Cotovelo de estrada ou caminho, depressão entre cumes e montanhas, passagem estreita entre montes, desfiladeiro.

08 julho 2006

Os quatro elementos


Água, Ar

Terra, Ar

Água, Terra, Ar

e Fogo

Memória de Fragoso, Barcelos.
6 de Junho de 2006.
2800 ha de floresta ardidos no maior incêndio florestal do ano até hoje.

06 julho 2006

Aritmética cega ou mérito selectivo?

Forçar uma distribuição mais equitativa entre os dois sexos nas listas eleitorais por legislação não me parece ser o bom caminho. A base deveria ser sempre uma “cultura” de mérito independente do sexo, raça, credos e outras coisas mais. Só a escolha pelo mérito permite fazer o melhor com os mais adaptados para cada função. Se se prescinde de mulheres por serem mulheres e se estas poderiam ter um desempenho melhor do que os homens que as substituem, ficamos a perder. Também ficamos a perder se se colocam mulheres nas listas somente para a aritmética bater certo.

Existem resistências que são uma questão cultural. Será que uma imposição legal é a melhor forma de as vencer? As mentalidades mudam por decreto? Não me parece! Inclusivamente, deixa um certo perfume de condescendência do “só entrou por causa da quota”, com correspondente fragilização de quem se queria proteger.

Aliás, pelo mesmo argumento do famoso direito de “igualdade” garantido pela Constituição, esta via abre caminho para que amanhã se legisle impondo quotas para homossexuais, minorias religiosas, grupos étnicos, escalões etários, classes profissionais e sei lá onde pode acabar…! E, já agora, perdoem-me a ironia, com paridade de sexo dentro de cada grupo!!! Decididamente este não é o caminho para, num mundo competitivo, fazer o melhor com os melhores!

Já chegamos ao ponto em que nos USA, nalgumas empresas com altas preocupações com o “politicamente correcto”, uma boa forma de gerir a carreira é declarar-se, por exemplo, homossexual e apanhar a boleia da “discriminação positiva”. Na dúvida, dá-se preferência a esses para não se ser acusado de prejudicar as minorias. Sem mais comentários.

02 julho 2006

"Auto-retrato” por Albert Einstein




Daquilo que é significativo na nossa vida, mal nos damos conta, e isso não é por certo coisa que interesse aos demais. Que sabe um peixe acerca da água em que nada durante toda a sua existência?

O que é doce ou amargo chega-nos do exterior; já o que é difícil vem de dentro, como resultado no nosso próprio esforço. Durante a maior parte do tempo, faço aquilo que a minha natureza me impele a fazer, e torna-se embaraçoso ser objecto de tanto respeito e afecto por algo assim. É verdade que também cheguei a ser alvo de ódios; mas esses nunca me atingiram, pois de certo modo provinham de outro mundo, com o qual não tenho quaisquer relações.

Vivo numa solidão que é dolorosa quando se é jovem, mas agradável nos anos de maturidade.

Escrito em 1935 com 56 anos de idade.