28 abril 2019

Sagrado ou mais?


Começo com uma declaração de interesse: sou agnóstico de matriz cultural cristã. Não possuo a tal fé, mas nascido e criado em meio católico, não sou indiferente nem estranho aos seus valores. A tragédia do incêndio na Notre Dame de Paris faz-nos recordar isso. Até que ponto as igrejas, mosteiros e catedrais são nossos e defenidores da nossa identidade.

Recordo-me de há uns anos, na discussão sobre a preambulo da chamada Constituição Europeia, muito se polemizou com a herança e a influencia cultural cristã na História deste continente. Na altura manifestei-me contra a referência, mas, e esta é que é esta, ela existe, mesmo que não esteja escrita e evidenciada em tratados.

Não, não está certo esterilizar o significado das catedrais a simples monumentos históricos; não, também não me parece certo acantonar a sua importância a templos, que só falam aos seus crentes. Bem ou mal, para mim mais bem do que mal, há algo que se sente nestes lugares e que transcende a simples dimensão de um lugar de um culto. Talvez fosse interessante que os seus guardiões vissem este fenómeno mais como uma riqueza do que uma profanação.

Não está em causa especialmente a espetacularidade de, por exemplo, os telhados de uma catedral gótica, mas mais a beleza tranquila de uma igreja cisterciense. Estes locais falam-nos.

O incêndio também nos disse e recordou a finitude, mesmo da pedra e da madeira secular. Que fique essa lição…

25 abril 2019

Abril, falta ou chega ?

Numa dada fase da minha adolescência, não muito longe de 1974, eu não tinha muita paciência para ouvir falar de glórias passadas e concretamente do período áureo da nossa História, o dos Descobrimentos, ou Navegações, ou o que quer que lhe queiram hoje chamar.

Porquê? Porque era um exagero, na minha perspetiva, bater e rebater naquela tecla, por muito brilhante que tivesse sido. “Já fomos grandes, havemos de reencontrar as glórias passadas” (eventualmente numa manhã de nevoeiro…). Falar mais do passado do que olhar para o futuro e agir no presente não é bom remédio para nada.

Hoje, ao ver recordado e celebrado este dia de 1974, fico contaminado com o mesmo sentimento. Sim foi um grande momento, emocionante de enorme alegria e esperança, indiscutivelmente há claramente no país um antes e um depois, mas … já chega. Sem desvalorizar a data, já chega de apelar ao espírito de Abril como fármaco para tratar os males atuais.

Sabemos que, se na manhã do 25 o sentimento no país não era uníssono, mas quase, também sabemos que do 26 para a frente, quando foi preciso fazer, as divergências foram enormes e o perigo de entrar em caminhos perigosos bem real.

Quando ouço os protagonistas atuais, que diariamente nos brindam com atos desonestos, displicentes, incompetentes e a lista continuaria, subiram a um púlpito e falar bonito sobre o 25 de Abril, a minha reflexão é: e se deixasses de tretas, de maior ou menor belo efeito, e apenas, somente apenas, tivesses a humildade e a coragem de ser sério?

18 abril 2019

Que tudo corra bem…

Soma e segue. Ou falta de competência, ou de empenho, ou de discernimento, ou de escrutínio, ou… mas... cada vez mais se confirma termos à nossa frente uma máquina de Estado cuja eficácia e excelência parece confinada à mui nobre atividade de cobrar impostos, além de gerir o dia a dia. Reformas, coisas pensadas a sério… mesmo um organismo privado que ousou fazer contas e apresentar umas questões sobre a sustentabilidade do sistema de pensões, foi chutado para canto pelo ministro da tutela. Tudo está bem até a inevitabilidade ou as redes sociais obrigarem a fazer qualquer coisa.

A reação do governo à greve dos motoristas de matérias perigosas, não materiais, informem lá o Ministro que quis falar e se enganou várias vezes no nome, foi mais um exemplo de ir comprar as trancas depois de a casa estar arrombada. Está bem que não morreu ninguém, nenhuma ambulância ficou parada na estrada com um ferido grave, como também no caso do helicóptero do Inem despenhado em Valongo, não morreu mais ninguém, mas já houve tragédias a sério e a sensação e o amargo na boca têm o mesmo sabor: em cima do joelho e atrás do prejuízo.

Fica, e só como exemplo, o anedótico da forma como foram decretados os serviços mínimos para o abastecimento de combustíveis: 40% para a grande Lisboa e o grande Porto. Em primeiro lugar, como depois se corrigiu, 40% não é suficientemente específico. Seria necessário definir, de preferência estar pré-defiido, os pontos específicos e as regras de acesso, restrições e prioridades. Depois a limitação às duas grandes metrópoles diz muito sobre o conceito de “país” que vai naquelas mentes.

Que tudo corra bem, já que cada vez que algo corre mal ficamos entre a tragédia e o caricato.

11 abril 2019

E agora Argélia ?


Durante várias semanas o “povo” sai à rua na Argélia para exigir a não recandidatura do presidente vigente, coisa que atendendo ao contexto expetável dessas eleições seria mais uma recondução garantida do que mesmo uma eleição. Desde que sofreu um AVC em 2013, Bouteflika está fortemente debilitado e muito desaparecido da cena pública, levantando sérias dúvidas sobre quem efetivamente mandaria no país. De acrescentar que a Constituição estipulava um limite de dois mandatos consecutivos, entretanto oportunamente alterada, e este seria o quinto … Mesmo o quarto, face à situação clínica do senhor na altura, que praticamente já nem falava foi um abuso.

A contestação, abrangendo largas camadas sociais, várias localidades do país e curiosamente, até agora, madeira toque toque, foi extraordinariamente pacifica. Um exemplo para o que se tem passado no outro lado do Mediterrâneo, onde os coletes amarelos com muito menos capital de queixa vão quebrando e incendiando o que lhes apetece.

Por vezes, diz-se que a história se repete, com diferenças. Há cerca de trinta anos, uma forte contestação popular, fortemente reprimida, com centenas de mortos, fez abalar o regime, forçou o multipartidarismo e a realização de eleições, ganhas pelos islamitas e oportunamente anuladas pelos militares. Na altura, foram buscar um histórico não contaminado, Mohamed Boudiaf, largamente reconhecido e apoiado pela população, que arregaçou as mangas para arrumar a casa. Aguentou 4 meses, até lhe rebentar uma granada aos pés, durante uma sessão pública.

Neste momento, para já há uma diferença. O poder não está a usar a força para contrariar os protestos, como o fez brutalmente na década de 80. De novo os militares mostram querer tomar conta da situação, “recordaram” a necessidade da aplicação do artigo da Consituição que prevê a substituição interina do Presidente, se for considerado incapaz…

Haverá um novo Boudiaf, nomeado ou eleito, que sobreviva mais de 4 meses e realize a transição que desesperadamente o país necessita?

09 abril 2019

O mano também fez!

Imaginem que o Joãozinho, ao ser recriminado por ter jogado à bola de forma imprudente em local pouco apropriado e de ter partido alguns vidros, tem como resposta: o ano passado o mano fez igual e até hoje ninguém me disse que era proibido jogar ali à bola. Obviamente que o mano o ter feito, com maior ou menor frequência ou antiguidade, em nada altera a responsabilidade do Joãozinho, assim como a prudência e a razoabilidade não se decretam exaustivamente, são princípios.

Isto vem a propósito das nomeações familiares no Estado e das respostas/desculpas que vamos ouvindo. Os outros também o fizeram no passado… Não entendem que não está em causa um ajuste de contas entre partidos, mas sim responder ao país, que exige e merece decência? Acrescentam que, pelo menos até hoje, não era proibido… Venha lá uma nova lei e só daí para a frente se poderá condenar. Para lá da dificuldade em legislar clara, justa e eficazmente neste domínio, tudo o que não for decretado proibido é automaticamente permitido? Não há princípios nem ética, especialmente para quem deveria ser exemplar nesse domínio?

Mais do que o mal original, é chocante esta reação desculpabilizadora. Ou são de discernimento muito limitado ou imaginam que nós o seremos …