30 outubro 2017

Revolucionários ou revoltados, mas profissionais


A cara na capa deste livro é de Ilich Ramírez Sánchez, venezuelano apesar do primeiro nome. Ficou mais conhecido por Carlos, o Chacal, e foi o terror público número um, principalmente em França, nas décadas de 70 e de 80. Sim, nessa altura havia terrorismo, com bombas a explodir em locais públicos e, muito na moda da época, desvios de aviões e outros sequestros. Esta história ajuda a compreender o que por cá acontece e tem acontecido. Aqui vão alguns sublinhados meus, após leitura.

Não era proletário nem operário. Pelo contrário, a larga maioria dos terroristas ocidentais da altura eram da alta burguesia. Chega até a referir um caso, por excecional, de uma camarada originária de um nível social mais baixo.

Queria fazer a revolução. Na Venezuela, não deu jeito, em França também não foi possível, em Moscovo já tinha sido e… onde sobrou uma causa para lutar: Palestina. Se não houvesse Palestina, quais seriam as causas a abraçar pelos Chacais? Algum paralelismo com as mais recentes partidas para a Síria?

Começa por aspirar a ser revolucionário e depois passa a mercenário (revolucionário profissional), ou seja, organiza atentados e sequestros para quem lhe paga. No entanto, o auge da sua atividade ocorre quando França prende Magdalena Kopp, sua companheira de armas e ele usa o terrorismo… para exigir a libertação da amada.

Uma referência ao pacto Moro. Itália fechava os olhos ao transito e atividades dos terroristas (pró)palestianos pelo seu território, com a condição de estes irem fazer os estragos para outro lado. Edificante e muito próprio de um regime democrata-cristão. A coisa não acabou bem para Aldo Moro, raptado e assassinado pelas Brigadas Vermelhas, prova de que isto de tolerar terroristas pode não se saudável.

Dentro do Médio Oriente, estendido até à Argélia, que lhe estende o tapete vermelho durante o sequestro dos ministros da Opep, vemos uma enorme volatilidade nos acordos, desacordos, pactos e traições entre os vários líderes. Não ajuda muito a suposta base comum “árabe”, nem parece ser determinante existir um inimigo claro e comum, Israel. Fico a pensar que, mesmo sem Israel, dificilmente se veria (e se vê) paz e cooperação por aqueles lados, dada a falta de confiança mútua, ausência de compromissos estáveis e outras carências…

28 outubro 2017

O que foi diferente?


Existem incêndios florestais significativos em Portugal há décadas. Com mais ou menos área florestal ardida, fatalidades costumavam ser muito pontuais e prejuízos materiais para lá da vegetação eram geralmente limitados a construções isoladas. Este ano foi diferente, pelo número de vítimas e, sobretudo no dia 15/10, pela extensão e natureza dos estragos, abrangendo zonas que não se imaginava expostas.

O que houve de diferente este ano? Diria que fundamentalmente as condições climatéricas de fundo, um inverno muito seco, e uma meteorologia atípica nos dias das catástrofes. Se isto foi efetivamente diferente, por si só não justifica toda a desgraça. Deficiências que poderiam passar desapercebidas em situações menos exigentes, ficaram expostas e agravaram as consequências. Incompetência dos “boys”, planeamento burocrático (as grandes catástrofes de junho e outubro não respeitaram o calendário oficial), as falhas nas comunicações, incluindo a vergonhosa história do Siresp e a falta de profissionalização e de organização no combate aos incêndios.

Não será certamente por falta de leis. Após Pedrogão foi aprovada nova legislação, a tal do D. Dinis bis, e dois meses depois, com o relatório da comissão independente e a segunda catástrofe, novo pacote é lançado. Considerando que uma árvore precisa de décadas para ficar adulta, imaginemos quantas reformas elas verão durante o seu crescimento, caso aguentem. Há bastantes semelhanças entre este pacote de outubro e o pós-2003. Até no anunciar de novas centrais de biomassa e, já agora, onde andam as lançadas em 2006?

Vemos muitas medidas bondosas, mas esquecem uma coisa fundamental: a economia! Enquanto não houver uma perspetiva económica que viabilize a exploração das florestas, estas ficarão abandonadas a gerar biomassa. Podem somar os bombeiros, militares e aviões que quiserem: elas irão arder, será apenas uma questão de tempo.

Entretanto, uma das poucas utilizações economicamente viáveis que é a plantação do eucalipto é diabolizada, como se fundamentalmente só ardessem zonas de eucalipto e o resto, como o pinhal de Leiria, fossem simples exceções, a confirmar a regra. Para lá de outras consequências económicas, se arrancarmos os eucaliptos, reduzindo a atividade económica existente, o abandono não irá agravar? Dizem alguns que não, que vamos plantar carvalhos, são melhores e mais bonitos. São sim, mas nem toda a gente tem o carro melhor e mais bonito que gostaria de ter, pois não? É a economia...

27 outubro 2017

Essas palavras que aparecem


Tenho um hábito ou um problema. Numa sessão pública onde haja período de perguntas do público e em que participe, é quase obrigatório arranjar uma ou duas coisas para questionar. Se não o fizer é por alguma doença momentânea ou profundíssimo desinteresse ou, chamemos-lhe até, feio desdém.

Uma vez, assistia a uma conferência de um escritor, mediamente famoso, mas do qual eu desconhecia completamente a obra e comentei para quem estava comigo: “- Tenho que arranjar uma pergunta, não sei como.”. A resposta se não foi “– Não sejas maluco!”, pouco menos.

Resolvi perguntar-lhe se, quando escrevia, a definição e a dinâmica dos personagens era uma coisa bem planeada e controlada por ele, ou se havia momentos em que estes ganhavam autonomia e se emancipavam, surpreendo-o. Infelizmente havia na sala alguém com outra mania, a de acrescentar reflexões e comentários a qualquer momento, e o senhor despistou-se, ficando eu sem resposta.

Na minha modestíssima escala, estou convencido de que as histórias não nascem completas. Estou convencido que a folha em branco não é escrava de um plano pré-definido. Há coisas redemoinhando cá dentro que são atiradas para lá, com direção mais um menos definida, e depois mexem-se por elas. Nem sempre como se pensava. Por vezes surpreendem, abrindo novas vistas, outras vezes despistam-se e é-se obrigado a puxa-las para o sitio. No fim, inevitavelmente, fazer a monda, já que as palavras que brotam são sempre mais do que a boa conta.

Há um momento especial em que, a postos para o que vier, está uma página em branco à frente. Pode começar a correr e a brotar, divertindo-nos até, assim tipo “onde é que isto vai parar”; pode nada sair e não ajuda arrancar cabelos; pode sair lixo e aí fica angustiante; podemos descobrir coisas sobre nós que não imaginávamos…

Enfim, é a vida das coisas, que também são palavras.

25 outubro 2017

Respeito



Não é meu hábito fazer simples eco do que vai pelas ruas mediáticas, quando não tenho muito a complementar ou a contrapor, face ao coro geral. Abro aqui uma exceção para o tema Harvey Weinstein e outros, relativos às denúncias de assédio e de abuso sexual.


Tenho uma frase registada, da qual já perdi a origem, que diz que pecado só há um, é o de roubar, apropriar-nos de algo que não é nosso. Depois, muda aquilo que é roubado. Dentro do objeto do roubo, uma das coisas mais terríveis que se pode roubar a alguém é a dignidade.

Um pequeno parêntesis para nesta indignação generalizada não misturar os casos provocados e procurados de “promoção horizontal”, nem excluir as situações de género abusador diferente, certamente menos frequentes, mas não menos condenáveis.

Há uma coisa chamada a “lei do mais forte”, alguém poderá especular se tem raízes no processo de seleção natural, mas cuja aplicação em diversos domínios e escalas é a fonte da larga maioria dos males de que sofre o mundo. Para lá das evoluções científicas, tecnológicas e mesmo de hábitos sociais e culturais, estaremos sempre a cair para a bestialidade enquanto não resistirmos a usar a força.

Nos casos concretos em contexto profissional, em que está em causa uma carreira, uma realização pessoal, ou simplesmente a subsistência, acho-os profundamente revoltantes, pela “facilidade”, pela continuidade e pela proximidade penosamente vivida. Tudo o que possa configurar algo próximo sequer, é-me profundamente repugnante, levando mesmo a questões extremas. Considerando que as relações afetivas têm naturalmente altos e baixos e ciclos, começam e acabam, será que o risco de essa instabilidade contaminar a relação profissional é suficiente para regulamentar a ponto de banir completamente relacionamentos dentro das organizações? Não sei, podemos dizer que será questão de bom-senso, sendo que felizmente, ou infelizmente, toda a gente considera tê-lo!

23 outubro 2017

Quem te avisa…


O “aviso” reproduzido acima não me foi entregue na entrada de uma exibição de “A Guerra dos Mundos”, para dar ambiente. Apareceu-me na caixa de correio (física) e não nestes tempos recentes de picardias e tuitadas entre o Mr Trump e o Kim. Foi já em 2010 e eu fiquei extremamente intrigado com como e porquê alguém se deu ao trabalho de elaborar e produzir um aviso daqueles. Costuma-se dizer que “quem te avisa, teu amigo é”, mas eu, ingrato, ainda não preparei a mochila recomendada.

Isto de avisos e calamidades, fez-me pensar que entre a catástrofe de Pedrogão e a calamidade do 15 de outubro, não recebi, nem me lembro de ver física ou eletronicamente nenhum aviso com o que fazer em caso de incêndio próximo. Presumo que seria algo útil para as populações mais expostas. Estas apenas ouviram, à posteriori, que deveriam ser mais pró-ativos e resilientes. Sobre a forma da pró-atividade, essa fica no campo do autodidatismo, já que somos um povo sobejamente desenrascado. Se correr mal, aprendam para a próxima… caso cá fiquem para tentar de novo.

Porque é que em quatro (4) meses não foi possível emitir e divulgar um “manual” sobre o tema. Falta de lembrança, de vontade … ou de conhecimento?

21 outubro 2017

Novo cavaquinho, outra vez!


Em 1981, Júlio Pereira fez o país redescobrir o cavaquinho, para muitos apenas um instrumento de aspeto engraçado e em termos de potencial mal conhecido, dado o estado vegetativo em que aparecia nas tocatas folclóricas, dominadas pelo infestante acordeão.

Seguiu-se a viagem pela braguesa, pelo bandolim e o arriscando uma passagem pela mistura com a eletrónica no memorável “Cádoi”. Depois de várias outras viagens, o cavaquinho.pt em 2014, volta a marcar. Poucos como Júlio Pereira souberam ir buscar o tradicional, fazê-lo viajar e tratá-lo sem simplificações grosseiras nem sofisticações extravagantes. É autêntico, elaborado e com respeito pela identidade da música portuguesa genuína.

Por estes dias saiu à rua um novo marco: “Praça do Comércio”. Mais uma corrida, mais uma viagem e parabéns. Se há 36 anos atrás, Júlio Pereira nos fez redescobrir um instrumento, acho que ele agora inventou um novo, construtivamente igual, mas tratado de forma diferente e sempre cavaquinho, outra vez.

17 outubro 2017

Sobre as naus que não haverá


Se houvesse a escolher cinco locais naturais do país a proteger a “qualquer custo”, certamente que o pinhal de Leiria estaria nessa lista. Não apenas pela dimensão, pela função de estabilização do terreno numa parte daquela longa faixa litoral arenosa, que sem vegetação pareceria um deserto, mas, obviamente e também, por “a plantação de naus a haver” ser simbolicamente cadinho e berço de sonhos e aspirações.

O pinhal não estava dividido, com um canto do Manuel em Lisboa, uma tira do António no Luxemburgo e uma leira de uns herdeiros desentendidos quanto a partilhas (também não tinha eucaliptos…). Estava todinho à disposição do Estado.

Se há sítio onde podia e devia haver uma gestão e um ordenamento florestal irrepreensíveis seria ali. Avisos tinham saído de que a falta de limpeza e tratamento podiam proporcionar uma calamidade. Agora, resta-nos esperar serenamente pelas conclusões de um mui provável inquérito “post-mortem”. As notícias de que “faltava verba” para gasóleo, a ser confirmada, é assustadora, mas, realmente, não se pode ter tudo. O cumprimento do défice implica sempre prioridades. E pode-se reverter esta calamidade, senhores?

Será certamente replantado, não sendo necessário um D. Dinis bis para isso, mas a imagem acima de Hélio Medeiros do pinhal a arder, ficará na nossa memória associada à mediocridade e incompetência do desgoverno neste país, cada vez mais incapaz de sonhar com naus a haver. Tristeza.

16 outubro 2017

Continua a falhar


Há exatamente uma semana, eu questionava aqui o que é que falhou nesta época de incêndios de 2017, que “ficará para a história como um ano de recordes e já só pedimos que demore muito tempo até serem batidos”.

Infelizmente o recorde não estava fechado, nem em área ardida, nem em prejuízos materiais, nem em número de vítimas mortais. Sim, uma boa parte dos incêndios terá origem criminosa (como sempre tiveram), sim, o domingo foi um dia meteorologicamente excecional… sim, mas, entretanto, também ficamos a conhecer o relatório independente sobre a tragédia de Pedrogão.

É claro que não foi feito “todo o possível”. É impressionante como funcionou quase tudo mal. Até mesmo os políticos não entenderam que não atrapalhar, já pode ser uma ajuda. Não estamos à espera de soluções milagrosas, que o PM recorda serem impossíveis; não aceitamos que coisas desta natureza fiquem à mercê das populações isoladas, como sugeriu o secretário de Estado e quanto às férias que a ministra não teve, talvez a diferença não seja grande.

Organização, seriedade e competência, pode-se pedir? Ou isso releva já do domínio do milagroso, nos tempos que correm? E fico por aqui, dado que a seguir só conseguiria acrescentar palavrões feios.

PS1: Desde Pedrogão até hoje, alguém viu uma campanha de informação estruturada sobre o que fazer e o que não fazer em casa, no carro ou na praia quando houver um incêndio por perto? Eu não vi, mas posso ser eu que ando distraído.

PS2: Se ainda não choveu e as temperaturas continuam elevadas, à medida que o tempo passa a vegetação estará mais seca e o risco de incêndio será maior, certo? Então porque se reduzem os meios disponíveis? Somente porque mudou o nome do mês no calendário?

15 outubro 2017

Antes e depois ?


Sócrates e companhia ainda não foram julgados e condenados ou absolvidos, total ou parcialmente, mas a lista e o detalhe do divulgado torna difícil acreditar na candura e inocência do individuo e cia. Aliás, o padrão de vida demonstrado pelo ex-PM era claramente incompatível com os rendimentos visíveis e, como se diz, quem cabritos vende e cabras não tem… O simples facto de um ex-PM viver de largos empréstimos informais, vindos de uma empresa privilegiada pelo Estado quando este era governante, já chega para moralmente caraterizar a situação.

O caráter pornográfico do que lemos, ainda por cima vindo de uma “esquerda” supostamente solidária e pouco amiga do “capital”, é avassalador. Obviamente que a “direita” também terá os seus milhões tresmalhados e, muito provavelmente, se Ricardo Salgado resolver contar tudo o que sabe, poucos se salvarão.

De todas as formas, está aqui em causa algo de concreto que foi investigado e acusado. Obviamente que esta escala não se esgota ao nível individual de Sócrates. Com maior ou menor cumplicidade os restantes responsáveis políticos desse período dificilmente serão estranhos, por ação ou omissão, ao que se passou. Muita gente deve estar, como se diz, que não lhe cabe um feijão…

Ignorando quando e como o processo acaba, fica a esperança. Que, a partir de agora, tenham mais medo e menos descaramento na hora de me/nos roubarem.

PS1: Eu também achava que os anos troika teriam um efeito didático quanto ao Estado gastar, gastar e depois logo se ver, mas enganei-me.

PS2: Eu também achava que toda a gente reconhecia Santana Lopes como mais incompetente e mal preparado PM que tivemos, mas enganei-me.

14 outubro 2017

Soluções


Foram notícia esta semana as complicações com a redução da frota operacional da Soflusa e a empresa pediu aos utentes (clientes?) para viajarem à hora que serve a empresa e não os próprios. Quem costuma utilizar o Metro de Lisboa, também já está perfeitamente habituado à rotina das “perturbações na circulação”. Não vou dizer que se estas situações ocorressem com os serviços concessionados, já alguém estaria a ser vergastado em praça pública, mas… se calhar.

A solução proposta pela Soflusa não serve, dado que se, realmente, há muita malta com flexibilidade de horário formal ou informal, não é suficiente. Normalmente, o pessoal precisa de cumprir horários, minimamente.

Abraçando este espírito de que tudo se resolve facilmente, avanço uma sugestão: fazer um rodízio! Já que se reduziu o horário da função pública para as 35 horas, teoricamente sem impacto nenhum, era só mais um bocadinho. Como nas cidades poluídas e/ou excessivamente congestionados, onde há matrículas bloqueadas conforme o dia da semana; era fazer o mesmo com os funcionários públicos. Aqueles, cujo número de cartão de cidadão terminasse em 0 ou 1, não trabalhavam à segunda-feira; em 2 e 3 à terça-feira e por aí fora!

Há o risco de isto ser considerado uma forma de assédio, tal como há quem ache que a PT mandar para casa (continuando a pagar) quem não tem lá que fazer, não é correto. Enfim, o mundo não é perfeito.

12 outubro 2017

O que os espanhóis adoram


O El País publicou um artigo sobre “o autarca corrupto que os portugueses adoram” e enganou-se, não na primeira parte da frase, mas na segunda. Quem adora, ou pelo menos confia, em Isaltino são os finórios de Oeiras. Não são os portugueses na generalidade, mas o título “funciona” melhor assim! Seria interessante, e diria que jornalisticamente quase obrigatório, se também fossem referidos os casos paralelos de Valentim e Narciso, a quem os respetivos eleitores, aparentemente, não adoraram.

Dentro da imprensa internacional que consulto com regularidade estão o “El Mundo” e o “El País”, de sensibilidades diferentes, como convém. Notícias sobre Portugal, para lá das obrigatórias, como no dia depois de umas eleições, fundamentalmente só de desgraças e vergonhas. Não vou dizer que os espanhóis apenas se interessam pelo que se passa em Portugal quando é negativo ou caricato… mas quase. Pues, hermanos seremos. E que passem bem.

11 outubro 2017

A Catalunha e os donos da razão



Independentemente da contabilidade de razões e erros de parte a parte, tomar decisões com o impacto das que foram tomadas recentemente na Catalunha, com base no que se passou a 1/10 é coisa de "donos da razão". São uma espécie para quem os “errados” têm apenas o ténue direito a existir e a calar, já que serão inimigos mal-intencionados ou, no melhor dos casos, mal-esclarecidos. Mesmo que exista uma maioria de “errados”, de opinião diferente, primará a visão de que estão “errados”.

Para os donos da razão, só há um caminho possível, o deles, o “certo”. O que se pise e destrua para lá chegar, é irrelevante, face ao grande desígnio final. Democracia e respeito pelas instituições valem enquanto servirem os objetivos; se se tornarem um obstáculo, será necessário tirá-los do caminho, como se faz a qualquer coisa que se atravesse na nossa frente.

Os donos da razão tornam-se muito perigosos quando chegam ao poder. Nesta Europa, com a subida dos extremismos, os partidos tradicionais começam a sucumbir à tentação de vender uma parte da alma ao diabo. Mesmo sendo parcial, essa transação envenena espíritos e destrói a cultura democrática e de respeito pelas minorias (já sem falar das maiorias). Que impere o bom senso e se guardem os valores de tolerância e os princípios garantes da liberdade que tanto prezamos. Senão, entraremos em tempos sombrios.

09 outubro 2017

O que é que falhou?


9/10/2017, A23, 8h da manhã. Já ficou para trás a zona calcinada do incêndio de Pedrogão, encostada à margem leste desta autoestrada. Por alturas de Ferreira do Zêzere o Sol levanta-se, mas não brilha. Está filtrado por uma neblina de fumo e mostra-se laranja.

Estamos quase a meio de outubro e ainda temos incêndios a travar o Sol. Sim, serão criminosos, uma boa parte, como sempre foram; sim o ano foi excecionalmente seco, como pode constatar quem pisa caminhos florestais; sim… mas estar-se-á mesmo a fazer “todo o possível”?

Uma coisa é certa. No que diz respeito a incêndios florestais e respetivas consequências, 2017 ficará para a história como um ano de recordes e já só pedimos que demore muito tempo a serem batidos, como também achávamos que em outubro a estatística estaria já fechada.

Sim, que os 64 mortos foram devidos a um conjunto de circunstâncias excecionais, mas … quando o mar está calmo, qualquer um sabe navegar; quando as coisas se complicam é que as organizações e as competências são postas à prova e se distingue o capaz do incapaz.

Será possível haver uma avaliação séria do que realmente não correu bem, sem se desatar na gritaria e nas etiquetas do pafioso para cima e chuchialista para baixo? Tudo o que de terrível aconteceu nas nossas matas em 2017 merecia mais respeito e, no mínimo, esclarecimento. Provavelmente não acontecerá, porque o esclarecimento pode trazer responsabilização, algo que não combina muito bem com quem tem o poder (e o dever) de esclarecer.

Outra coisa é certa. Enquanto a nossa floresta continuar a ser um potencial barril de pólvora que arde por fatalidade, ao contrário do que acontece noutros países de clima idêntico, dificilmente haverá confiança para por lá se lançarem projetos de investimento e ingénuas boas intenções são manifestamente insuficientes.

07 outubro 2017

Independência para…?


Sim, o referendo não foi constitucional; sim, não era necessária tanta violência para o impedir, esta até ajudou a causa separatista; sim, assumir como válido o resultado de tal palhaçada, onde cada qual votava onde lhe apetecesse e quantas vezes quisesse, é digno de uma república das bananas… Sim, mas passando ao lado destes aspetos relevantes e indo ao fundo da questão.

O que é que a Catalunha ganha objetivamente, talvez, com a independência …? Considerando que não reduz a criação de riqueza local, deixará de a repartir com as regiões mais desfavorecidas de Espanha. Parece-me uma causa digna dos defensores de uma supremacia racial, um egoísmo a roçar a xenofobia, donde que não entendo como a extrema-esquerda apoia isto quando, em princípio, eles terão a solidariedade no seu ADN. Ganhará a pureza de fugir à corrupção que grassa em Madrid? Deixa-me rir…!

O que é a Catalunha perde com a independência? Muitíssimo. A integração em Espanha e na Europa, e, sobretudo, a confiança para o investimento numa região conduzida pelo “povo na rua”, secundarizando as normas escritas. Ou acharão eles que a suposta supremacia laboral, moral, etc e tal da nação catalã é tanta que a visão exterior não sairá afetada por estas trapalhadas? Uma pequena curiosidade, apenas ilustrativa: o excitado FC Barcelona que campeonato e troféus iria disputar? Um pequeno detalhe, enorme: o que custará a uma Catalunha isolada construir acordos comerciais com o resto do mundo, presumindo que não pretenderão viver “orgulhosamente sós”?

Pedir/exigir independência unilateralmente, porque queremos e logo se verá, sem uma avaliação e um enquadramento mínimo para a fase transitória e a seguinte, é digno de anarquistas. Alguns acham giro e excitante isto do anarquismo, mas não dá de comer a ninguém, pelo contrário, costuma trazer fome. Então, uma das regiões mais ricas de Espanha e da Europa, está a ser pilotada por anarquistas? Assim parece.

03 outubro 2017

Ufa, acabou? Não, começou!


Ufa, acabou! Acabaram os contactos “atentos” com a população, a escuta das forças vivas e dos seus anseios, as inaugurações em maratona, as jantaradas de apoio e de homenagem, o campeonato dos afetos e tudo o mais. Acabou também o desinfetar diário das bochechas de tanta beijoca lambuzada, as ameaças de tendinite da entrega das esferográficas e o aumento alucinante das contas da lavandaria, de tanta nódoa carimbada por abraços efusivos. Acabou, mas principalmente começou, porque agora: “O Prasidente, sou eu!“.

Isto passa-se numa vila ou numa cidade, no interior ou no litoral, à esquerda ou à direita. Durante os próximos 3 anos e 9 meses, o “Prasidente” vai mandar. Podem chiar, podem rosnar e barafustar tudo o que quiserem. A partir de agora, não há despesinha da autarquia sem a bênção do “Prasidente”. Isto tem que ter regras e, está claro, muito respeito. Livrem-se de faltar ao respeito a um eleito, democraticamente eleito, pelo povo.

Podem chiar, podem rosnar e barafustar tudo o que quiserem. Durante três anos e nove meses o “Prasidente” vai mandar e quem não gostar, paciência. Convém não criticar, sobretudo se tiverem umas contazitas a receber da autarquia. As esferográficas, tão abundantes na campanha, podem tornar-se raras e complicar-se a assinatura do chequezito.

Os experientes no assunto sabem bem como isto funciona. Os ressentimentos limpam-se e tudo se recupera, tudo se resolve na devida altura com umas festas, inaugurações, jantaradas, porcos no espeto, camisolas e esferográficas. Basta três meses antes das próximas eleições, não é preciso mais. Até lá, as forças vivas que sobrevivam, cada qual que faça pela sua vida. Isto passa-se numa vila ou numa cidade, no interior ou no litoral, à esquerda ou à direita.

02 outubro 2017

Grande Porto, pobre Oeiras


Rui Moreira ganhou com maioria, confirmando que a sondagem onde aparecia empatado com Pizarro era mesmo assaz enviesada. Para esta vitória ajudou a espécie de desistência do PSD, mas se pensarmos na forma despudorada como certa comunicação social passou a atacar o candidato depois do divórcio com o PS e nas maquinações da máquina deste partido, só se pode dizer que, mais uma vez, a cidade do Porto mostrou que não vai em futebóis.

Oeiras foi pragmática. Aparentemente, rendou-se ao “roubo, mas faço”. Neste caso das autarquias, este (esta falta de) princípio tem uma particularidade. Os fundos vêm do país e o beneficiário é o concelho. Rouba-se a todos e faz-se para os nossos. De realçar que Oeiras não é uma terreola perdida, tosca e atrasada, submetida ao poder de um cacique local ou onde possa funcionar uma cumplicidade tribal, muito pelo contrário! Vergonha para vocês, eleitores de Oeiras.