28 fevereiro 2019

O abuso dos fracos


Os tempos não correm de feição para a Igreja Católica, no que diz respeito aos seus problemas com pedofilia e abusos sexuais.

Tiveram o mérito de se reunirem para enfrentar e debater a questão, esperemos que não na perspetiva de mudar algo para que nada mude, longe de mim saber o que pode ou não mudar nessa instituição, mas tenho cá um palpite que enquanto o celibato continuar a ser obrigatório e essa coisa do sexo encarada como um parente próximo do pecado original, problemas acontecerão…

Quase em simultâneo, um tribunal na Austrália condena o cardeal George Pell por abusos sexuais, alguém que foi o número três na hierarquia do Vaticano e (publicamente) conservador nos costumes até dizer para lá de chega.

Isto de uma frustração associada a uma posição de poder provocar abuso não é específico deste domínio. Será inerente da natureza humana alguém em posição de força não resistir a humilhar e abusar daqueles sobre os quais tem/pretende ter domínio? Talvez, não sei. ~

De uma coisa tenho a certeza: abusar do poder para subjugar outros não é coisa de fortes. É coisa de gente muito, muito fraca.


Foto: Getty Images

25 fevereiro 2019

Não me batam


Sim, não achei graça nenhuma à imagem típica de Cristina Ferreira trajada à vianesa. Para lá dos detalhes de dobrar o lenço para a frente ou para trás, se o ouro é quadrado quando devia ser redondo, descentrado ou simétrico, há ali uma postura “urbana” a visitar o tradicional que me irrita. Como com os trajes “populares” das marchas dos santos “populares” que vejo como uma aproximação ao “povo” leviana, desrespeitosa e não consentida.

Este meu incómodo com o falar do povo não se limita a estas coisas ligeiras de gosto duvidoso. Há poesia, alguma mesmo de enorme qualidade literária, que quando entra em panegíricos idílicos de serras, searas, roupas de linho e réstias de romarias, me provocam um pouco o mesmo efeito. Desculpem lá, não me batam…

Por simples e rude que possa parecer o mundo rural e respetiva cultura tradicional, não deverá ser traduzido como um simpático postal ilustrado engraçado, nem pintado como uma macedónia de coisas basicamante castiças, nem sublimado em sinfonia de perfumes bucólicos. Ele comporta coisas pouco engraçadas, outras chocantes e os odores não são todos agradáveis. Lidar com a rudeza é tarefa bastante delicada…

Agora, aproveito, e não me batam, a todos os que se indignaram com a tal dita figura, olhem por favor, com esses mesmos olhos, para outras coisas que por aí se vêem, a saber, a exemplo, trajes masculinos e música.


Foto DR, JN

22 fevereiro 2019

A ADSE é politicamente correta ?


Passando ao lado da atual crise com a denúncia dos acordos por partes de vários operadores privados, sendo que pelo menos o ajuste retroativo de preços me parece algo sem muito sentido numa relação económica sã. Dizem os bons princípios que as discussões deverão ser feitas antes e não depois.

Numa perspetiva liberal, faz todo o sentido existir uma ADSE. Um grupo de cidadãos, neste caso funcionários públicos, cotiza-se para ter acesso a cuidados de saúde, onde bem lhe apetecer. Numa perspetiva estatizante, será um pecado. Está-se a permitir um negócio com a saúde a privados, evitando o SNS, supostamente abrangente e único.

Ambas as perspetivas podem ser discutidas, argumentos avançados e, principalmente, contas feitas, económicas e não só. O que não faz sentido é a falta de coerência de quando se trata, por exemplo, de na educação se proclamar a bondade exclusiva da escola pública e, para a saúde, já parece muito conveniente haver um mecanismo que permita escolher entre a oferta de gestão pública e a privada.

Não faz sentido um funcionário público de manhã ser contra a prestação de serviços geridos por privados num sector e à tarde ir a uma consulta numa clinica privada, onde, por acaso, até será melhor atendido do que no centro de saúde da zona.

Como não estou a ver os funcionários públicos a prescindirem da ADSE como princípio, mais décima menos décima, como quem paga e utiliza está satisfeito, dificilmente uma doutrina poderá afirmar estar errado. Certo?


PS: Prometo que a próxima publicação mudará de tom

21 fevereiro 2019

Filha de peixe


Pode Mariana Vieira da Costa ter qualidades intrínsecas que justifiquem a sua “carreira” e recente nomeação ministerial. No entanto, o facto de ser filha de um notável que por acaso também é atualmente ministro, coloca-a sob escrutínio especial.

Pode até haver ministros e outros que tais menos capazes, mas o CV da recém-nomeada é eloquente. Nunca trabalhou fora da esfera política e para-política e, obviamente, esse percurso será em grande parte devido à sua proximidade com uma elite, que assim se perpetua em consanguinidade cultural e social.

Mas há pior do que esse simples definhamento de meio fechado. Há a questão de gente como a nova ministra nunca terem vivido a vida dos que são supostos governar. Nunca tiveram que lutar por um posto de trabalho a sério como a esmagadora maioria da população. Nunca tiveram contacto com a efetiva criação de valor, porque antes de distribuir é necessário criar. Não viveram nem sofreram os riscos do empreendorismo, por mais pequeno que seja, e têm uma visão da meritocracia distorcida. É pobre e empobrecedor.

12 fevereiro 2019

Ressurreição em Viana do Castelo


Há cerca de cinco anos, José Maria Costa, Presidente da Câmara Municipal de Viana do Castelo, depositou uma coroa de flores na mesa onde ia ser assinado o contrato de subconcessão dos estaleiros da sua cidade. Segundo ele, estar-se-ia a assistir a um momento fúnebre. É forçoso reconhecer que após anos e anos de gestão pública desastrosa, das quais o Atlântida foi um exemplo muito representativo, os estaleiros estavam em estado de coma, muito mais próximos da morte do que da vida.

Por estes dias, foi lançado ao mar o décimo sexto (16º) barco construído depois desse enterro, terão sido reparados mais de 200 e há 1200 empregos. Independentemente da discussão sobre se o modelo e o processo foram os mais interessantes e conduzidos da forma mais adequada, claramente, se houve morte, os estaleiros a seguir ressuscitaram. Será que José Maria Costa ainda se recorda dessa sua vigília sofrida quando participa nos festejos atuais. Será que já não se recorda ou terá aprendido?

Sobre ressuscitar e aprender, ouço o nosso PM dizer que o Governo está a reavaliar o modelo previsto para as participações do Estado nas indústrias de defesa, que constituem um ativo estratégico. Para lá da dificuldade em ver a real importância estratégica da reduzida indústria existente … é que não aprendem, ou não querem aprender.

Falta de vergonha, pelo menos, essa ressuscita sempre.

07 fevereiro 2019

Modelo para o SNS


É evidente que existem problemas importantes no SNS. É claro que uma boa parte tem origem na falta de verbas disponibilizadas e a triste reversão das 35 horas, vendida na altura como uma coisa pacífica e sem consequências negativas, tem aí um peso significativo.

Parece-me claro que os problemas prioritários do SNS não se resolvem mudando a legislação. Poder-se-ia experimentar tentar fazer funcionar a existente, mas … a discussão teórica também serve para evitar encarar a realidade prática.

Para o utente é relativamente indiferente se o médico que o trata e os equipamentos hospitalares são pagos diretamente pelo Estado, ou se este paga a uma entidade privada que gere a atividade globalmente. O que lhe importa é ser bem tratado. Para o contribuinte também não é muito importante o modelo. O fundamental é quanto lhe custa.

Se para o utente o que conta é a qualidade do serviço e para o contribuinte o custo, a quem é que interessa então esta discussão doutrinária se o Estado paga o sistema em grandes pacotes ou em pequenas fatias…? Atendendo ao histórico da prática da gestão pública, tenho muita dificuldade em comprar a bondade dessa opção política de ter o Estado a controlar diretamente o máximo possível.

06 fevereiro 2019

Não ser Jamaica


Irrita-me um pouco a moda de por tudo e por nada sermos todos qualquer coisa. É que para sermos mesmo todos assim uma coisa, essa coisa teria que ser muito pequena ou muito grande.

Até um ministro disse “Jamaica somos todos nós”, pelo tal bairro problemático no Seixal onde os amanhãs não cantam e onde só lá falta ir o Papa e o arcanjo S. Gabriel em pessoa, já que o celestial não se deve poder apresentar. Não, senhor ministro, é uma tonteria pretendermos sermos todos Jamaica, porque julgo que quem lá está gostaria que o seu número diminuísse e não aumentasse. E também acredito que muitos portugueses que lutam afincadamente por cada fim de mês, pagando os seus impostos e as suas habitações não se sentirão muito Jamaica.

O Jamaica é uma situação excecional que nunca deveria ter acontecido e, a acontecer, nunca deveria ter tomado a dimensão e a duração que tomou. Independentemente da avaliação humanitária que ver seres humanos a viver naquelas condições obriga, a solução não vem de palmadinhas nas costas nem de sorrisos solidários, devidamente mediatizados. Também não faz sentido reduzir isto a um filme de policias contra ladrões ou, mais moda, polícias maus contra clandestinos bons.

No cortejo de figuras que por lá desfilaram, surfando a onda mediática, são todos… políticos.


Foto: Diogo Ventura / Observador

03 fevereiro 2019

Não, não é questão de esquerda


Há questões que não se deveriam colocar sequer. Que mérito pode ser atribuído ao regime venezuelano atual? Na perspetiva de alguns, é relevante ser antiamericano e anticapitalista? E isso é suficiente para menorizar ou ignorar a gritante miséria humana, em termos de liberdades, direitos e acesso a necessidades básicas com a saúde e alimentação? É suficiente para ignorar os presos de consciência, o Estado de não direito, a fome, os doentes sem tratamento digno e os que morrem até e apenas por uma falha de energia elétrica num hospital?

A resposta é: Não! Claro que não!!

Mas, aparentemente, não será assim tão evidente para todos. Ainda há quem tenha o descaramento de apoiar e aplaudir este regime criminoso e há também aqueles que o apoiaram e agora, discretamente, assobiam para o lado…

O que estamos a assistir é à concretização de um descalabro anunciado. Apesar disso, entre os que se recusam a constatar um desastre final claro e visível e os que não assumem a relação causa-efeito entre as opções políticas assumidas e esta desgraça, a diferença é teórica. Na prática são ambos gente perigosa.

E não me venham com tretas de direita-esquerda. O respeito pela dignidade humana está muito à frente dessas apreciações.


Imagem apanhada por aí, mas não consegui identificar a origem