29 novembro 2020

Sobre a saúde


 

Este texto não de destina ao destina ao Sistema Nacional de Saúde em si, nem aos seus profissionais, independentemente do que funciona bem ou mal por lá.

Este texto endereça-se à visão que alguns políticos, e não só, têm do mesmo e da saúde dos portugueses:  A saúde não deve ser um negócio, sendo inaceitável permitir a entidades privadas lucrar com a saúde.

Bem… mas se for necessário um exame complexo, uma ressonância magnética por exemplo, no hospital público de Braga esperam-se meses, na Clipóvoa privada poderá ser para o próprio dia.

Se existe um equipamento operacional e disponível, não faz sentido montar um protocolo, bem negociado, que o permita utilizar a partir do SNS, para quem necessita? É pecado contratualizar serviços a privados? Mas, uma fatia importante do custo associado, equipamento e infraestrutura, não terá, porventura, a mesma origem, privada, eventualmente comum a ambos. E quanto do orçamento do sistema de saúde público não remunera fornecedores privados?

Limitar o acesso à saúde dos portugueses por um preconceito ideológico mal fundamentado e, ao mesmo tempo, encher a boca com os méritos de um SNS público é incoerente. Não quero aproveitar para especular sobre o eventual interesse tático da situação atual, em que o cidadão lambda, não atendido no SNS, cai na necessidade da rede privada, aliviando a carga e os custos no sistema público.

Mas, podemos estar descansados, porque “tudo” está a ser feito para nada falhar na próxima vacinação Covid. Podemos estar descansados quanto à capacidade de antecipação e de preparação para algo tão novo, como para a resposta ao banal… Considerando o que falha na vacinação contra a simples gripe…


22 novembro 2020

Unamuno



Foi a este e ao Cervantes que Adolfo Correia da Rocha foi buscar o nome próprio para juntar à planta brava da montanha, Torga, e criar o seu pseudónimo literário.

Passando ao lado da polémica dos seus apoios e desapoios, posições tresmalhadas ou coerentes e se o franquismo o matou e depois solenemente enterrou, ou não… e concentrando-nos no que fica de fundamental, a obra.

Num destes dias longos de fim de semana caseiro reencontrei a "Névoa” entre os meus livros. É um daqueles em que quase com pena vemos aproximar-se o final da obra e do prazer de uma leitura que não se quer ver terminada.

Magistral. Muito bem escrito e sendo relativamente curto, tem uma profundidade e abrangência enormes. Dentro da simplicidade de muito discurso direto, são 200 páginas sem palavras complicadas. Mas que de imagem em imagem, quase linearmente, sem saltos nem surpresas de arrebatar, nos despe e mostra a simplicidade da complexa condição humana.

Bravo, senhor Miguel.

12 novembro 2020

Triste podium


O livro de António Barreto, “Salazar, Cunhal e Soares” é um interessante retrato dos três políticos que mais marcaram o século XX português. Não havendo muitas dúvidas sobre a pertinência da escolha, uma análise do perfil e da obra dos mesmos acaba por ser bastante deprimente sobre as grandezas e pequenezas (mais estas…) da nossa história recente e a herança que nos deixaram.

Para começar, a longevidade do Sr de Santa Comba. Vamos apostar que, sem o desgaste da guerra colonial, o regime não tinha caído, pelo menos naquela altura, pelo menos daquela forma tão rotunda? A esperteza oportunista em que tudo é pequenino e as lideranças se querem autoritárias, avaras e patriarcais não se institui em credo nominativo. Não há neossalazaristas que se vejam, mas o povo revê-se e aceita com alguma facilidade um líder austero e ditador, que faz e desfaz as regras como entende, controlando a distribuição de uns (poucos) rebuçaditos aos meninos. Um severo ministro das finanças é uma instituição recorrente e a respeitar.

Cunhal, paradoxal. Um partido dos que mais se proclamavam ao serviço do povo e do país, tentou anular a democracia e colocou os interesses de uma potencia estrangeira acima dos interesses nacionais como nenhum outro. A famosa coerência que tantos louvaram tem outro nome: teimosia cega e incapacidade/ desonestidade, típicas do maior cego. Certamente que se o “processo” não tivesse abortado em 1975, Cunhal teria ficado para a história numa galeria bastante diferente. Muito interessante o relato de Jorge Miranda sobre os tempos conturbados “Da Revolução à Constituição - Memórias da Assembleia Constituinte”.

Soares: a empatia e o mérito de ter lutado por um regime muito mais próximo do desejado e acarinhado pela larga maioria do povo, que se queria ver num modelo progressista, mas em meridiano mais ocidental. Este enorme espaço da esquerda moderada foi liderado por Soares, aproveitando também o trabalho de Salazar, que conseguiu colocar indeléveis dúvidas no povo sobre a natureza dos pequenos-almoços comunistas e a real harmonia dos respetivos amanhãs. Para lá deste Soares lutador pela democracia, há brigas a mais na sua vida e realizações a menos, distinguindo-se mais na disputa pelo leme e muito menos na qualidade da navegação, uma vez ao comando. Quanto ao seu lado lunar, não se fica a olhar para Soares da mesma forma após ler “Contos Proibidos – Memórias de um PS desconhecido” de Rui Mateus.

E vão três.


09 novembro 2020

70 Milhões de Parvos

 


Ao contrário dos golpes palacianos, ou de caserna, em que ocorrem descontinuidades no poder, sem que a rua participe ou saiba bem o que se passa, nas revoluções há uma ignição, eventualmente provocada por uma questão secundária, mas que vai encontrar eco numa parte significativa da população, recetiva a uma mudança de regime, e que assim se consolida.

Acho que estamos a assistir a uma revolução, não necessariamente ao longo de uma simples madrugada, nem em direção a amanhãs entusiasmantes. Está em curso uma mudança significativa de valores e de princípios valorizados pelos eleitores. Os 70 milhões que nos USA votaram num parvo, não são todos parvos, basicamente não queriam mais do mesmo. Numa versão mais suave do que já foi, o “Front Nationale” francês arrisca-se a eleger o próximo presidente do país. Isto era um cenário de pesadelo considerado absolutamente impossível não há muito tempo. E mais exemplos não faltam.

A eleição de Biden (a derrota de Trump) é algo de positivo, mas não é nem deve ser considerada um alívio porque não consolida nada. A revolução contínua e não serve de muito condenar as faíscas quando se é descuidado com a pólvora.