30 dezembro 2013

Eu e a música tradicional portuguesa - A culpa

Existe claramente, na minha opinião, um responsável principal pelo empobrecimento da música tradicional, pelo menos nas Terras de Santa Maria, que são as minhas, e que se chama acordeão. Quando os grupos folclóricos são criados, nos anos 50 ou 60, mais década, menos década, o acordeão existe na música tradicional, mas é um recém-chegado. Na época de referência a que se reportam os grupos, início do século XX, não existia. A sua inclusão é um anacronismo que infelizmente não foi expurgado.

Podia ter um efeito subtil, apenas visível ao perto por especialista, como usar uma camisa de fibra sintética em vez de linho, mas não. Poderia ter um efeito apenas visual, como usar uma viola clássica amarelinha em vez de uma popular de madeira clara, e com sonoridade idêntica, mas não. O som é diferente de todos os outros.

Poderia ser um som novo mas complementar, como se, por exemplo, se acrescentasse uma guitarra de fado numa tocata e ela por lá se misturasse, mas não. A natureza é completamente diferente e não se integra. As cordas têm uma sonoridade saltitante e sincopada, o acordeão é redondo e contínuo. Tem, ainda, uma potência tal que se sobrepõe a tudo e reduz os instrumentos de corda “antigos” a um estatuto secundário e apagado.

Quando Júlio Pereira lança o álbum “Cavaquinho”, abre-se a boca toda para trás de espanto: como é possível que um instrumento assim existisse e não se conhecesse daquela forma? Sim, ele andava nos grupos folclóricos, mas muitas vezes em função pouco mais do que meramente figurativa.

E, ainda, o acordeão poderia ser tocado de uma forma equilibrada, dando espaço aos demais participantes, e, por exemplo, recuando quando alguém começa a cantar, deixando o protagonismo às vozes, que é quem o deve ter nesses momentos, mas não. Por norma, ele arranca a pleno fole, faz tudo, tudo, do princípio ao fim e quem quiser que venha atrás …

Continuação do anterior "Alguns sinais"
Continua para "Da teroria à prática"

28 dezembro 2013

Eu e a música tradicional portuguesa - Alguns sinais

Estamos nos 70, poucos anos após o 25 de Abril, o povo é quem mais ordena, povo para aqui, povo para ali e o popular ganha muita popularidade. Aparece então gente de outros meios, e com outros meios, a tocar música tradicional, indo buscá-la à fonte, directa ou indirectamente. Tradicional em segunda mão, como dizia com humor Michel Giacometti, um nome fundamental das recolhas, de quem nunca é demais realçar o quanto lhe devemos.

E o que se ouve destes novos intervenientes surpreende. Destaco um nome especial (para mim): A Brigada Vitor Jara. Assumem claramente que tocam música tradicional, com novos arranjos, sempre com instrumentos tradicionais, mas sem os restringir à sua zona geográfica original. Mais uma vez não se pode identificar directamente a música tradicional com aquilo, mas a beleza, força e diversidade dos temas, pressagiam que lá por trás andaria uma riqueza escondida.

Outra grande referência no final da década de 70 são os Almanaque e o seu álbum “Descantes e Cantaréus”, em que assumem que é mesmo, mesmo, tradicional, igual à recolha original. O disco viaja por todo o país, mas tem um significado especial para mim, pela proximidade, a “Tirana”, que tem uma beleza e uma força incríveis. O que se passava então com os grupos folclóricos e a sua estridência que nada tinham a ver com isto e quase parecem oriundos de um mundo completamente diferente?

Existe no início dos 80 um grupo que é uma “aberração folclórica” à luz dos cânones habituais: não dançam e não têm acordeão! Mas como tocam e como cantam! Recomendo o “Senhor da Pedra”, de “ir ao céu e tornar a vir…”. É o “Grupo de Cantares de Manhouce” e a senhora solista (cantadeira), nada estridente, ficará depois conhecida, atravessando outros palcos: Isabel Silvestre.

A Tirana está aqui
E o Sr da Pedra está aqui

Continuação do anterior "Antes"
Continua para "A culpa"

27 dezembro 2013

Eu e a música tradicional portuguesa - O Antes

A minha relação com a música tradicional portuguesa começa por não existir. Situando-me na segunda metade da década de 70, música portuguesa para mim era Sérgio Godinho, José Afonso, Adriano, José Mário Branco, Fausto, Trovante, Banda do Casaco e por esses lados fora…


Música tradicional era tipicamente uma senhora a cantar num registo muito alto, acompanhando um acordeão muito forte e com um tilintar de ferrinhos estridente. Estridente seria a palavra principal a aplicar. Da mesma forma como não tínhamos petróleo nem carvão de qualidade, também não teríamos música tradicional rica. A respeitar, é certo, mas pobre.

Por outro lado, nos tempos do Estado Novo, o folclore foi objecto de alguma manipulação não inocente nem decente. O “regime” da altura não se interessava muito sobre o fundo do povo e pouco valorizava a sua cultura tradicional, mas usava o “folclore” como montra de propaganda, reduzido aos estereótipos do Vira Minhoto, Corridinho do Algarve, Fandango Ribatejano, Bailinho da Madeira, Pauliteiros de Miranda, num espectáculo bonitinho e superficial …. Daí o nome ser usado nalguns meios para adjectivar qualquer coisa com mais de 3 cores e sem muita substância.

Alguns dos nomes acima citados fizeram algumas incursões pelo campo do tradicional, sendo talvez de destacar (para mim) o Zeca Afonso, o Adriano e a Banda do Casaco, mas esses trabalhos eram interpretados (pelo menos por mim na altura) como um ir buscar inspiração e não como representativos da qualidade e da riqueza do tradicional original.

Continua para "Alguns Sinais"

26 dezembro 2013

Descobri um tesouro

Há umas semanas atrás fui ver um espectáculo ao vivo do Carlos do Carmo… e não gostei muito. É uma história longa. Na infância eu detestava-o e/porque sucedia ele passar horas largas a fio, como protagonista único do leitor de cartuchos do carro do meu pai. Quando mais tarde o passei a apreciar, conhecia tudo de cor. Agora, quando o ouço cantar/dizer “Duas lágrimas de orvalho…” com um timbre algo oscilante, a fugir entre o cantar e o declamar, não deixo de recordar perfeitamente a forma cristalina e forte como aquilo saía nos cartuchos do meu pai… e a sensação de perda é enorme.

Lá no meio do espectáculo referiu os Açores, cantou “O Sol preguntou à Lua…” e soou-me muito pastoso, sem garra. Lembrei-me de que conhecia isso diferente, para muito melhor, pelo grande, de corpo e alma, Adriano Correia de Oliveira. Fui a correr ouvir para “desenjoar”!

Ao explorar um pouco mais a obra de Adriano descobri que esse tal “Sol…” além de fazer parte do álbum “Cantaremos”, que possuo, também estava integrado numa compilação/gravação que ele fez pouco antes de morrer, chamada “Cantigas Portuguesas”. Andei às voltas. Não é fácil encontrar hoje em dia produções de qualidade com alguma idade e acabei por comprar uma caixa com a obra completa, mesmo implicando alguma redundância com os 3 álbuns que eu já tinha. E, lá estavam as “Cantigas Portuguesas”, em que o Adriano, mais conhecido pelos fados e trovas, canta num registo popular extraordinário, belo e forte da Charamba dos Açores ao Vira do Minho! Aquele senhor cantava mesmo muito bem!

E isto deu-me vontade de contar a minha história com a música tradicional portuguesa. Vale o que vale, virá a seguir!

PS: E sobre Adriano, algo mais está aqui

22 dezembro 2013

Estado de Direito

É indiscutível que deve existir uma lei básica e quem fiscalize o seu cumprimento de forma rigorosa. Apesar de discordar de muito que tem sido feito em termos de governo e desgoverno recente, estes últimos acórdãos do TC sobre as alterações ao estatuto da função pública parecem-me injustos e fruto de uma interpretação do texto constitucional algo criativa e muito discriminatória. O famoso princípio da confiança aparentemente decorre do artigo 2 que textualmente é o seguinte: “A República Portuguesa é um Estado de direito democrático, baseado na soberania popular, no pluralismo de expressão e organização política democráticas, no respeito e na garantia de efectivação dos direitos e liberdades fundamentais e na separação e interdependência de poderes, visando a realização da democracia económica, social e cultural e o aprofundamento da democracia participativa.” 

Daqui chegar aonde o TC chega, pelo caminho de que “o principio da protecção da confiança, basilar no Estado de Direito democrático, implica um mínimo de certeza nos direitos das pessoas e nas expectativas jurídicas que lhe são criadas, não admitindo as afectações arbitrárias ou desproporcionalmente gravosas com as quais, o cidadão comum, minimamente avisado, não pode razoavelmente contar”, é algo que me custa a entender. 

Se eu resolvo comprar uma casa e a seguir o Estado me sobe o IMI e me aumenta o IRS, de forma a eu já não a conseguir pagar, não está também em causa uma quebra desse princípio de confiança? Aonde acaba esta interpretação de que o respeito pelo “Estado de Direito” fica comprometido em cada mexida significativa nos bolsos dos cidadãos? E, nesta perspectiva, são apenas os funcionários públicos ou pensionistas do Estado que vivem num Estado de Direito? Onde fica a “confiança” no Estado de um cidadão que vai ter uma carga fiscal adicional como consequência directa disto? Na minha opinião, fica em causa, e gravemente, o artigo 13 da Constituição, tão ou mais importante do que o anterior, com uma leitura muito mais simples e clara, e que é o princípio da igualdade.

09 dezembro 2013

Ímpetos de decreto

Em França acaba de votar-se uma lei em que, à semelhança do que se passa na Suécia, irá penalizar os clientes das prostitutas. A argumentação de defesa passou bastante pela defesa da dignidade da mulher, do combate ao tráfego dos seres humanos e por aí fora…

Ora bem, deixando de lado o filosofar se é um decreto que extingue na prática a chamada mais velha profissão do mundo, foi muito interessante um artigo publicado no Monde sobre a prostituição … no masculino. O artigo está aqui e é curioso como com ele se desmonta completamente a argumentação que defende a lei. Não se trata de mulheres, mas sim de homens e não há nenhum tráfico nem escravidão. Fazem-no porque querem e porque acham simpático o valor que recebem. Não acham que “vendem” o corpo porque no final até ficam com ele inteiro. Ou seja, o argumento de base da legislação não se aplica de todo a este caso, como não se aplicará a outros, mesmo no feminino.

Se ninguém pensa em proibir a apanha de morangos devido às condições de recrutamento e de trabalho de alguns desgraçados que por lá são apanhados, será que proibir a prostituição é a forma de acabar o outro tráfico? Tenho sérias dúvidas, assim como tenho uma solene irritação com estas posturas feministas redutoras. A dignidade a defender é a do ser humano e no fundo, não na rama.

02 dezembro 2013

ENVC - O fim do faz de conta

Tenho uma teoria segundo a qual as empresas e as entidades económicas em geral se dividem em dois grupos Há aquelas para as quais no final da linha está um consumidor e as outras em que está um contribuinte. Para lá de várias diferenças de valores e cultura, há um ponto claro: ao produzir por 120 algo que apenas se consegue vender por 100, as primeiras têm que mudar ou morrem, as segundas esperam que o contribuinte, directa ou indirectamente, as compensem.

Os estaleiros navais de Viana de Castelo (ENVC) são claramente uma empresa do segundo grupo. Basta olhar para os resultados dos últimos anos: o que gastaram versus o que produziram para evidenciar o descalabro. Mesmo uma boa parte do que produziram foi contratado em condições não concorrenciais, e já sem sequer referir a famosa história do navio para os Açores rejeitado pelo comprador e estranhamente sem responsabilização nenhuma.

Face à esta gestão pública calamitosa, a manutenção da actividade passava por reivindicar, e em devido tempo, uma privatização da empresa, com regras e responsabilidades claras. Se os 600 trabalhadores não se pagam e se a contribuição do contribuinte fechou, só havia duas saídas: mudar ou fechar. Os trabalhadores e todos os que lutaram pela manutenção da situação existente estiveram a defender o insustentável que, naturalmente, mais tarde ou mais cedo iria estourar. O facto de o processo de concessão implicar o despedimento prévio de todos os trabalhadores dos ENVC traz-me uma surpresa e um espanto. A surpresa é que o regulamento do concurso não tenha incluído nenhuma cláusula de retoma do quadro do pessoal existente, mesmo que parcial; o espanto é que só se descubra isso agora: foi escondido pelo governo ou não foi analisado no devido tempo pelos que agora se manifestam surpreendidos? Apenas mais um episódio fora de tempo neste processo pleno de desencontros com a realidade.

Já agora, o custo das rescisões não deve ser comparado com a renda da concessão, mas sim com o valor que o contribuinte lá teria que continuar a colocar ao manter-se este “faz de conta”

25 novembro 2013

Anarquistas, carbonários e Stravoguines

Não, não estamos bem. Temos uma terrível falta de liderança, de competência e de seriedade por parte de quem nos governa. Por acaso, no passado até vivemos algo idêntico, sem troika mas com FMI, e se é certo que com muito mais carisma, quanto a competência e seriedade… venha o Diabo e escolha! Dizem-nos então esses antigos protagonistas que estamos a entrar numa ditadura, que a violência é inevitável e que uma revolução está aí ao virar da esquina. Presumo que a larga maioria dos portugueses tem inteligência suficiente para encolher os ombros a tamanho desplante fruto de senilidade ou duma tentativa de ajuste de contas pouco digno.

Acreditar que uma solução posso passar pela bastonada é falta de discernimento e/ou de seriedade e, principalmente, brincar com coisas muito sérias e perigosas! Eu sei que os ideais e acções dos anarquistas carbonários e afins do fim do século XIX podem parecer muito românticos e excitantes vistos à distância. Só que nas revoluções há gente que morre, inocentes que são prejudicados e oportunistas que emergem. Do que precisamos é de liderança e não certamente de uma liderança que se imponha à bastonada!

Gosto muito de Dostoivesky e acho muito interessante a figura de Stravoguine, mas passando à realidade fico-me pelo pragmatismo do Fernando Pessoa: “Num gesto largo, transbordante, dei-lhe tudo quanto tinha (Excepto, naturalmente, o que estava na algibeira onde trago mais dinheiro: Não sou parvo nem romancista russo, aplicado, e romantismo, sim, mas devagar...)”.

Vindo da direita ou da esquerda, com maior ou menor carisma e cultura dos intervenientes, ficou provado que realmente há vida para lá de muitos anos de défice: chama-se troika!

30 outubro 2013

Prece a um santinho digital

Tu que conheces e podes controlar algo dos insondáveis desígnios dos teus representantes na Terra, que fazem e desfazem programas e aplicações, que nós temos que usar e sofrer, peço-te uma coisa, apenas uma e apenas uma vez para exemplo. Que exista uma, pelo menos uma, daquelas actualizações que nós temos que fazer em que, simultaneamente:

- não seja obrigatória – se preferirmos a versão anterior, que a possamos continuar a utilizar simplesmente e sem problemas

- tenha uma melhoria significativa das funcionalidades e do desempenho e não simplesmente uma mudança estética, mudando as coisas de sítio, para nos entretermos a descobrir de novo, ou inundando-nos com fotografias dos interlocutores e outras funções sociais

- que utilize menos recursos do que a anterior – gaste menos espaço e não degrade a velocidade de utilização da nossa máquina.

Eu sei que estou a pedir muito. Especialmente a última condição parece-me ser absolutamente inalcançável, mas, pronto, fica o pedido feito, em jeito de desabafo.

PS: Na ressaca da instalação do Office 2010. Quanto ao Windows 8, é uma coisa na qual nem quero pensar… !

28 outubro 2013

Que raio de “cracia”!

Chegou-me a mensagem de um contacto antigo. Participava num concurso, sério, onde estava em causa mérito e desempenho dos participantes. Não era uma coisa do bebé mais bonito, nem do maior português de todos os tempos. O prémio em disputa seria atribuído a partir de votação numa rede social famosa. Assim, ele informava e convidava os seus amigos e contactos a participarem.

Como considero não ter a mínima competência para o julgamento em causa e como discordo profundamente deste tipo de “democracia digital ad-hoc” não votei, sentindo alguma deslealdade para com a pessoa em causa, que me merece todo o respeito e consideração. Aparentemente é habitual e moda fazerem-se as coisas desta forma, mas não deveria ser assim. Uma avaliação séria deve ser feita a partir de um universo de avaliação competente, baseado em critérios objectivos e nunca dependente da capacidade de mobilização digital de cada um.

São votações que valem o que valem… já colocaram Salazar num belo pedestal e levaram os “Homens da Luta” à Eurovisão. No entanto, estas são anedotas muito visíveis e facilmente denunciáveis. Mais grave é haver outros casos menos mediáticos, em que se está a julgar trabalho, competência e desempenho, e que ficam à mercê de uma qualquer fábrica de “likes”, informal ou até mesmo formal, como já existem, onde se encomendam e pagam cliques ao milhar.

Se o valor reconhecido tende a ser função da dimensão do “universo de amizades” e da facilidade com que se mobilizam cliques imediatistas, por simpatia ou por outro argumento paralelo qualquer, estamos a criar um sistema de valores muito pouco justo. E quando a justiça falha para algo tão fundamental como o reconhecimento do mérito, o prejuízo é enorme.

26 outubro 2013

Medir sim, mas o quê?

Aqui atrás, eu falava da problemática e das implicações de ter ou não ter um GPS. Ainda não o comprei e não sei se comprarei. No entanto, como agora tenho um iCoiso, coloquei lá uma coisa que regista os percursos que faço. Já não é mau. Fico a saber as distâncias, as velocidades e os desníveis. Não a uso como guia mas apenas como gravador. De vez em quando, na dúvida, lá tiro o coiso do saco para saber mais ou menos onde estou, com maior ou menor precisão conforme a cobertura no local e a representação dos caminhos que percorro nos mapas básicos que lá estão.

No entanto há uma diferença. Embora não esteja a olhar para ele, sei que aquela coisa está lá atrás no saco a medir continuamente os minutos e os segundos. Cada vez que paro para entrar ou sair água, colocar ou tirar uma camisola não me esqueço disso. Suspendo a contagem do tempo do coiso, ou não? A paragem é feita com algum stress, que antes não existia.

Isto faz-me lembrar da questão de medir até onde e o quê. Há um princípio básico de que não se consegue gerir o que não se consegue medir e é difícil não concordar. A questão está antes em medir o quê e estou cá com um palpite que esta facilidade em medir o imediato, por vezes nos afasta do fundamental. Que também se poderá medir mas não é com/como uma coisa qualquer. Assunto a seguir…

23 outubro 2013

Uma grande incorrecção moral

Ficará certamente para a história o eufemismo de Rui Machete. Ao chamar “incorrecção factual” a uma afirmação que falta à verdade, esta não deixa de ser uma mentira. Cavaco Silva resolveu também dizer que nada tinha tido com o BPN, para lá do depósito de algumas, parcas, poupanças. Ora bem, todos sabemos que teve acções da dona do BPN, que as comprou e revendeu à própria, com um lucro absolutamente injustificado e sem substancia económica que o sustentasse. Uma “esmola” enorme da qual ele, reputado economista, aparentemente, não desconfiou minimamente. Da forma como foram transaccionadas, aquilo não eram acções reflectindo melhor ou pior um valor económico subjacente, eram uns simples vales nos quais o Sr. Oliveira e Costa colocava um valor ao seu livre arbítrio.

Essa prenda oferecida simpaticamente pela SLN/BPN, é uma parcela, pequena em valor mas enorme em significado, do enorme buraco que andamos todos a pagar horrivelmente. Cavaco Silva não demonstra sequer a humildade e o discernimento de assumir: “Aceitei, mas reconheço que algo estava errado no processo!”. Se quisesse ter alguma grandeza, até podia, de alguma forma devolver, esse lucro. Mas não, está tudo correcto e formalmente irrepreensível. E eu fico arrepiado de pensar que se amanhã houver um novo BPN, tudo isto pode acontecer de novo porque não houve nada de errado. Isto é assustador e mau demais para ser verdade!

21 outubro 2013

Uma desgraça,,, !

A minha conta principal de correio electrónico é da Yahoo. Provavelmente muitos torcem o nariz: “Que é isso?!?”. Pois… Não tenho registo do meu registo, mas pelo menos desde 1999 que lá estou, donde que, contas redondas, uma quinzena de anos. E com letra mais grossa, menos grossa, mais ou menos facilidade de criar e manter pastas as pastas, ele não mudou assim tanto. Pelo menos numa coisa importante: a individualidade das mensagens – uma mensagem enviada ou recebida é um registo individual com o respectivo cabeçalho e perfeitamente isolada.

Para minha desgraça, mudou para uma forma mais moderna, em que, suponho, o objectivo é facilitar o acesso à informação. Tem aquela coisa de juntar as mensagens em conversas, de forma mais ou menos empastelada, e em que aparecem uns “eus”, Zés e Antónios, agregados às três pancadas. Hoje queria enviar uma carta para o Público. Habitualmente pego na mensagem anterior idêntica, faço “resposta a todos”, limpo o que tenho a limpar, anexo o texto e lá vai. Desta vez ao abrir o que pensava ser uma simples mensagem, nasce-me uma “conversa” com 90 entradas, lá com os “eus e os outros” a granel… Vá lá que ao longo dos anos mudei qualquer coisa, senão daria mais de 300! Ao tentar criar a nova mensagem, fiquei literalmente sem saber em que sitio dos 90 estava a escrever e se estavam a ir todos agarrados, ou não.... Só depois de 3 rascunhos é que consegui, achei eu, concluir o processo… Quase! Do Público responderam-me a dizer que o texto supostamente em anexo não tinha chegado apesar de nos meus enviados ele estar lá! Enfim… conversas desalinhadas…

Sinceramente, pode ser retrógrado da minha parte mas esta mania das máquinas acharem que adivinham o que nós queremos e nos conduzirem/formatarem irrita-me sobremaneira. Nota para quem entender: eu comecei a minha actividade profissional a colocar programas em hexadecimal em eprom’s virgens, ou seja a controlar tudo!

E se o correio da Yahoo quer ficar igual ao Gmail, quem fica a ganhar é este!

14 outubro 2013

Do que se foram lembrar…

A ideia que o Governo teve de arredondar para cima a famosa contribuição audiovisual para o pessoal dar uma ajuda suplementar à RTP, sem passar pelo orçamento de Estado, nem foi má de todo. Veio-nos recordar que essa taxa ainda existe. Do eventual desalinhamento entre pagadores e utilizadores nem vale a pena falar. O importante será falar sobre o princípio. Eu não me importo de contribuir para um canal próximo da actual RTP2, independentemente do enquadramento dessa contribuição. Agora, a RTP1 actual, não a distingo dos outros canais puramente comerciais. Recordo um estudo de mercado recente que recomendava à RTP ter menos informação e mais entretenimento, ao que esta concordou, tendo manifestado a intenção de passar a ter uma “grelha mais divertida”. Aproveito para sugerir um programa, divertido e basta-me sugerir com o título: “Famosos em cuecas!”. Sucesso garantido e como nem cobro direitos, acredito ser possível poupar os impostos dos contribuintes nessa produção e sem ser necessário criar uma outra taxa no gás ou nos telemóveis.

Um detalhe muito curioso é a dita taxa, que não corresponde a um produto ou serviço de consumo, ser objecto de IVA. Eu não sou fiscalista, mas cheira-me, e muito forte, que é abusivo aplicar este imposto a esta taxa. Eu sei que se não fosse por aqui, sacariam de outra forma e, se calhar, em termos líquidos, o resultado final seria o mesmo. No entanto, é importante que os conceitos e os princípios não sejam manipulados tão descaradamente. E, já agora, espero bem que esta minha reflexão não dê ideias de aplicar o dito cujo IVA a outras taxas e impostos, porque, aí sim, daria para RTP’s e muito mais!

08 outubro 2013

Imigração, misérias e responsabilidades

A recente tragédia nas costas de Lampedusa, foi isso mesmo: uma tragédia. Daí a pretender que estes acontecimentos deveriam fazer a Europa repensar a sua política de imigração, é estabelecer uma relação causa-efeito que me ultrapassa. A larga maioria dos africanos que tentam entrar ilegalmente na Europa, não são refugiados em busca de liberdade. São imigrantes económicos que desistiram dos seus países. E, como é evidente, a Europa não consegue evitar que, algures no norte de África, 500 pessoas se atirem para dentro uma embarcação precária, nem pode abrir as portas sistematicamente a esses 500, 5 mil ou 5 milhões.

Repito e insisto: o que se passou em Lampedusa foi uma tragédia que impressiona pela concentração, por ter ocorrido num acontecimento único. Muitos outros 400 já faleceram e de infelizmente muitos outros se seguirão. Outros milhares morreram e morrerão nos seus países de origem. Isto é um problema da humanidade, não é de hoje nem de ontem e não tem solução feita à pressão sob a emoção da visão dos cadáveres alinhados.

Dizer ou argumentar que neste naufrágio há uma falha da Europa é uma postura típica de uma certa Europa paternalista, mas é preciso ser claro: a responsabilidade básica por esta tragédia é dos traficantes que embarcam os africanos nestas condições, ajudados pela ignorância/ingenuidade de quem assim é enganado.

Em complemento, há também responsabilidades claras dos (des)governos nos países de origem, que potencia o fenómeno, Ainda, e do ponto de vista geo-político, podemos dizer que a Europa se calhar não fez tudo o que podia para os estabilizar, mas não está sozinha nesse campo. Junte-se, pelo menos, os EUA, a Rússia, o Brasil e a China. Colocar o custo destas tragédias na conta da política de imigração europeia, é que não faz sentido nenhum e é escamotear as reais causas e desresponsabilizar os verdadeiros culpados.

05 outubro 2013

Convicções irrevogáveis

No séc XII desenvolveu-se no sudoeste de França um movimento cristão autónomo – os cátaros, palavra derivada do grego, significando “puros”. Recusavam a obediência a Roma, alguns dos seus princípios e, principalmente, muitas das suas práticas. Naturalmente, por um certo prisma, foram classificados de “hereges”. Chegaram a ter um nível elevado de desenvolvimento, organização e abrangência, o que muito irritou o bispo de Roma da altura. À questão espiritual juntaram-se ambições materiais e conflitos territoriais da época e resultou na organização de uma cruzada, exactamente no mesmo estilo das feitas aos sarracenos, com os correspondentes e brutais saques e massacres. Ficou célebre a resposta do Abade Arnaud Amaury quanto na tomada de Beziers o questionaram sobre como distinguir os hereges dos bons fieis: “Matem-nos a todos, Deus saberá reconhecer os seus…!”

A cruzada foi longa e as forças eram maiores do outro lado. À medida que a pressão subia os cátaros foram-se refugiando nos castelos da região, verdadeiros ninhos de águia. O último foi Montsegur. Da base da colina ao topo são 150 m de desnível íngreme. Após um cerco de 10 meses, o castelo foi finalmente tomado. Aos sobreviventes do assalto final foi proposto renegarem a sua fé. Mais de 200 recusaram-se e foram queimados ali mesmo.

Outros tempos, outro contexto social, cultural, outra escala de valores e não é fácil fazer leituras daqui para lá. No entanto, assumindo a diferença nos tempos e o facto de que também já nem sequer haver fogueiras, quantos estão dispostos nos dias de hoje, mesmo depois de irremediavelmente derrotados, a prescindirem de algo valioso, para manter um caminho e uma convicção até ao fim, nem que isso represente perder o pouco que lhes resta? E, no entanto, a grandeza da dimensão humana está precisamente nisso!

03 outubro 2013

Este bloco... !

Ao PSD também não lhe correram bem as eleições autárquicas. A direcção do BE exige que o PSD tire as devidas ilações da sua derrota e que se demita do governo! Ora bem, o mesmo BE perdeu a única câmara que tinha e não conseguiu sequer eleger um vereador em Lisboa.

Se o BE acha que uma derrota nas autárquicas é razão para o governo se demitir, então parece lógico que o seu próprio descalabro deveria ter alguma consequência interna, não é Sr Semedo? Para um partido que se considera tão puro, rigoroso e sem mancha de pecado, este “olha para o que eu digo, não olhes para o que eu faço”, não cai nada bem…!

02 outubro 2013

O meu iCoiso

Conforme já disse aí atrás, agora tenho um ICoiso. Depois da actualização, quando olho para ele, parece-me um campo de alfaces. Tenho aplicações, uma boa parte delas do capítulo informativo, mas que me solicitam os óculos mais do que eu gostaria e nem sempre os tenho á mão. A Siri é uma querida. Chamo e ela responde prontamente, questionando o que pode fazer por mim. Falo-lhe em francês porque ela não entendia bem o meu sotaque inglês. Agora ela entende perfeitamente o que eu digo mas nem sempre a acção subsequente faz sentido… pois…

E depois, cada vez que carrego, actualizo ou inicio algo, vem a pergunta fatal: se quero partilhar. Eu sei que se diz e se ensina que é importante saber partilhar e, portanto, será feio eu não querer “partilhar”. Só que, o partilhar que eu entendia é algo de concreto e objectivo. Aqui não sei muito bem o que eles querem dizer com isso: partilhar exactamente o quê e com quem?! Aliás parece-me que a palavra mais adequada não será bem “partilhar” mas sim “cuscar”. Donde que a questão é antes: quer ser “cuscado”? E eu respondo naturalmente: Não!!

30 setembro 2013

Fuga dos partidos

Como é habitual, em maior ou menor escala, o poder foi “castigado” e a oposição reclama uma leitura política nacional e exige mudança. É assim em todas as autárquicas e, se nestas esse castigo está bem presente, a leitura dos resultados pode e deve ser muito mais rica. Refiro-me obviamente ao sucesso dos imprevisíveis independentes. A sua origem não é toda idêntica. Há políticos de carreira em ruptura com o aparelho central e há particularmente o caso do Porto, que é uma novidade absoluta nesta escala: um movimento de cidadãos organiza-se para tomar o destino da cidade nas suas mãos. Certamente uma especificidade fruto da personalidade muito particular da cidade. Independentemente da motivação das candidaturas independentes, o seu sucesso tem uma leitura clara. As populações rejeitaram os candidatos dos partidos e não vêm o futuro da sua terra nas mãos dos “Marcantónios” e à mercê das suas tácticas.

É mais um sinal de descrédito nos aparelhos partidários, nos seus modos de funcionamento e valores. A sua preocupação prioritária em gerir o poder no seu interior, deixa-os cada vez mais afastados e estranhos às populações. Se nas autárquicas é relativamente fácil aos cidadãos organizarem-se e criarem alternativas com sucesso, será muito difícil acontecer a nível nacional, numas legislativas, o mesmo que aconteceu no Porto. Isso, no entanto, não deveria ser motivo de descanso para os partidos e é muito mau atribuírem a culpa da sua derrota à simples existência de independentes.

28 setembro 2013

Solidariedade e moralidade

Começo por esclarecer que não sofro de nenhuma alergia generalizada a funcionários públicos. Algumas das suas funções são essenciais à sociedade e muitos são excelentes profissionais. Agora, o que me choca nestes tempos recentes é o seu estatuto de “casta” diferente e devidamente confirmado pelos tribunais competentes. Por um lado, o Tribunal Constitucional entende que como cidadãos não podem ser tratados de forma diferente de todos os outros, depois descobre que afinal não podem ser despedidos… Formalmente pode estar correcto, mas moralmente não está. Temos agora as providências cautelares para bloquear o aumento do horário de trabalho. Se está em causa uma alteração contratual, e se afinal estes contratos são iguaizinhos aos outros, entende-se que não possa ser decidida unilateralmente. No entanto, nós não estamos num período normal! Já sem falar naqueles que simplesmente ficaram desempregados, quantos nestes últimos meses tiveram um aumento da carga de trabalho, obrigando a horas adicionais não remuneradas; quantos tiveram duma forma ou de outra uma redução de remuneração, quantos entrarem em situação de precariedade acrescida? No momento em que escrevo isto tenho presente um caso de um amigo que após estar desempregado foi contratado sem prazo e com período experimental de 8 meses. Pouco tempo antes do fim desses 8 meses, o contrato foi rescindido pela entidade patronal para lhe ser proposto outro, a prazo, e com redução de vencimento.

Algumas destas alterações e reduções que tantos sofreram são fruto da necessidade desesperada de sobrevivência das empresas, outras serão oportunismo abusivo das entidades patronais, no entanto o que fica é que, escudados numa legislação simpática e em tribunais amigáveis, há uma grande maioria dos funcionários públicos que não está a participar de forma proporcional no esforço de ajustamento em curso. A viabilidade económica de uma empresa ou de um país não se decreta em acórdão, alcança-se por esforço solidário. A sensação de não equidade na repartição dos esforços é um veneno que mata…

25 setembro 2013

E eu pensei que tinha visto tudo

De há uns tempos para cá tornou-se moda, para não dizer praga, colocarem-se aloquetes (ou para quem preferir cadeados) nos gradeamentos das pontes como símbolo da união, da paixão, etc e tal…

Em Argel há uma ponte na zona de Telemly chamada ponte dos suicídios, de tal forma que lá se colocou uma grade para dificultar a tarefa. Ora bem, há cerca de duas semanas, três jornalistas lançaram o desafio de mudar a imagem da ponte para ponte do amor e convidaram os apaixonados da cidade a lá irem colocar o cadeado da sua paixão. A ideia é bem recebida e a as autoridades locais até decidem mandar pintar a tal grade.

Isto estaria bem se não se contasse com uns tais de fundamentalistas, salafistas que, “naturalmente”, consideraram que andar por aí em público a falar e a recordar o amor é uma heresia e um sortilégio. Vai daí, lá vão eles rebentar com aquilo, em nome da pureza e da recusa das influencias ocidentais nefastas.

Mas os apaixonados não desistem. Regressam na semana seguinte e deparam-se com a polícia que lhes pede uma “autorização administrativa” para lá fecharem o cadeado…

E eu pensei que já tinha visto de tudo!


Foto roubada

22 setembro 2013

E vão três !

Num curto espaço de tempo ocorreram dois factos relevantes, pelo menos para mim. A Microsoft comprou a divisão de telemóveis da Nokia por “tuta e meia”, relativamente à valorização passada desta, e eu, relutantemente, tive o meu primeiro iCoiso.

Sobre o descalabro da grande referência da modelar Finlândia, uma das únicas marcas europeias de tecnologia de grande consumo, pode dizer-se que sofreu de fartura mal digerida. Quando para muitos, esta era a “sua” marca inquestionável de telemóvel, eles não viram chegar os “dual-sim” que atiraram muitos dos seus fiéis para os braços da Samsung, mesmo a contragosto. A investida da Apple, abrindo o mercado para cima, também lhes passou ao lado. Possivelmente os seus últimos gestores “nasceram” ricos e que não tiveram iniciativa nem visão suficientes para enfrentar com sucesso o desafio de existir – um problema muito frequente.

Quanto à Apple, confesso que até tenho alguma simpatia pelo seu histórico de teimosia e coragem, e que após quase desaparecer, acabou por proporcionar um sucesso estrondoso. No entanto, este novo iCoiso faz-me torcer um pouco o nariz – parece querer mandar em mim mais do que eu gostaria Porque não recebe um cartão normal, porquê o cabo é específico e não USB standard? Felizmente não precisei de apresentar numero de cartão de crédito para o activar como já vi no passado, mas o estar fechado sobre um “ecosistema” próprio, por muito excelente que esta seja, enfim… e, talvez um dia descubra que o fechado “facetime” é superior ao aberto “skype”. Para já, ainda não descobri. Ainda por cima, poucos dias depois de o ter já tinha actualizações de sistema e de aplicações “obrigatórias” a fazerem-me nervoso miudinho.

Da Microsoft tenho uma herança de anti-corpos. Tiveram um enorme sentido de oportunidade, aproveitaram bem, mas nunca foram uma empresa de inovação nem de despertar o mínimo entusiasmo. Limitaram-se a espremer os seus clientes cativos sem grandes contemplações. Lembram-se que quando faziam novas versões de aplicações, cujo principal efeito parecia ser obrigar a comprar uma máquina nova…?

Hoje a Micrsoft, em queda, desdobra-se em esforços, nem sempre conseguidos, de fazer coisas bem-feitas. Será que vou passar a ter mais simpatia por eles, do que pela Apple? Será que tenho uma propensão doentia para ficar do lado dos mais fracos? Não, acho que não, é apenas uma questão de lidar mal com arrogância e muitas vezes é necessário passar pela mó de baixo para mudar de atitude. Infelizmente, demasiadas vezes, é esse o caso…

04 setembro 2013

Incêndios e descontrolo

Recordo-me de há uns anos largos atrás um importante incêndio florestal ter ocorrido em Maio e o ministro da tutela se ter desculpado pelo facto de este ter vindo antes da época oficial. Atendendo ao que se passa este ano, fico com uma certeza muito firme de que a época de incêndios se inicia na realidade quando a comunicação social pega assunto e começa a passar imagens sugestivas. Aí a coisa multiplica-se de forma assombrosa. Julgo que vale a pena reflectir e regulamentar algum tipo de restrições à divulgação das imagens dos fogos.

Sobre os bombeiros mortos, este ano, há algo de estranho. Os casos fatais anteriores de que me recordo são passados com “grupos” de bombeiros apanhados de surpresa. Esta situação actual de serem individualmente vitimados é nova, estranha e merecia alguma reflexão. O que há/houve de novo este ano para tal ocorrer? A formação que receberam foi a adequada? Há uma diferença entre voluntariado e voluntarismo. A complexidade do combate aos fogos florestais justifica certamente um alto grau de profissionalismo e, também, se existe uma instituição encarregada e paga para defender o país, este é provavelmente um campo que justifica a sua intervenção.

A afirmação de um responsável do sector, aparentemente suportada nas tais imagens da televisão, de que para evitar mortes é melhor deixar arder, é também muito estranha. Em primeiro lugar, é óbvio que em certas situações é necessário deixar arder uma parte para confinar o incêndio, sem que isso configure abandonar o fogo. Mas, se os bombeiros se expuseram onde não deviam, a culpa é do Ministro? Em segundo lugar, traduz uma lógica de valores no mínimo incompatível com a floresta. Uma boa floresta perdida pode ter muito mais valor e ser muito mais difícil de repor do que uma casa.

Com o devido respeito pelo esforço de quem lá está e os pêsames pelos perdidos, há aqui coisas que não estão bem e que não estão a ser devidamente analisadas. E, se não for pedir muito, que se pense no assunto antes da próxima época mediática de fogos.

02 setembro 2013

Venha mais uma guerra?

O Presidente dos EUA decidiu intervir militarmente na Síria, na sequência da constatação da utilização de armas químicas pelo regime. Se não há dúvidas sobre terem sido realmente usadas, a respectiva responsabilidade pode não ser tão clara e não são certamente as certezas oficiais dos funcionários de Obama que me convencem. Por trás dos rebeldes está, entre outros, o Al-Qaeda. Imaginar que eles próprios possam ter recorrido a essas armas contras os “seus”, para obterem o efeito que se perspectiva não é nada de improvável, atendendo ao histórico e aos valores de tal organização.

Agora, se até for verdade que a responsabilidade foi do regime, qual a base legal para a tal intervenção? Não pode ser obviamente uma decisão do presidente dos EUA, eventualmente validada pelas suas câmaras de representantes. E não pode ser porque isso dará argumentos a qualquer país para intervir em qualquer sítio, bastando-lhe uma decisão interna. É certo que os EUA não são um país qualquer, mas isso só lhes traz responsabilidades acrescidas. Se a Síria ultrapassou uma linha vermelha em direito internacional, a resposta teria que vir por direito internacional e não por iniciativa de um justiceiro solitário…

Finalmente há a questão de para que serve e o que mudará com essa intervenção. Enviam-se uns mísseis, fazem-se uns estragos, assusta-se os maus da fita e depois…? Radicalizam-se os ódios ao Ocidente, eventualmente cai um regime para um novo Iraque ou uma nova Líbia… consegue-se imaginar um balanço final positivo?

05 agosto 2013

Ter ou não ter GPS: Eis a questão!

Em tempos idos, ao palmilhar caminhos, mais concretamente para os lados do Gerês Oriental, havia um colega do grupo que tinha uma mania terrível. Qualquer caminho que aparecesse, à direita ou à esquerda, largo ou estreito, com cara de uso ou nem por isso, ele sugeria: “E se fossemos por aqui?”. A resposta era invariavelmente a mesma, ou uma de várias: “Esse caminho não tem cara de ir dar a lado nenhum, vai-nos desviar do nosso objectivo, fazer-nos perder tempo, qual o interesse de ir por aí à toa?” Ele, invariavelmente, respondia: “É capaz de ir dar a um sítio giro!”

Recordo-me disso quando agora, ao circular de bicicleta pelo monte, em cada encruzilhada me questiono: “E se eu fosse por ali?” E tento “cheirar”, procurar adivinhar qual a dinâmica e o destino daquele caminho, pensando: “Se tivesse um GPS, seria mais fácil”. Poderia com mais segurança tentar novos caminhos, minimizando o risco de chegar a um local sem saída no fundo de um vale e que exigisse muita energia adicional para de lá sair. E é que com a bicicleta a energia disponível tem limites!

Assim, até já seleccionei o modelo que me parece mais adequado, e vou seguindo nos sites de compra o respectivo preço para ver quando me aparece com um bom desconto para o agarrar. Ainda não encomendei, e por três razões: em primeiro lugar ainda não me apareceu a tal proposta tentadora, em segundo lugar porque os tempos que correm e que aí vêm sugerem contenção máxima… e falta uma razão.

Uma coisa é andar de cabeça erguida, tentando adivinhar, cheirando, estudando o mapa antes e depois e ir descobrindo e interiorizando o espaço explorado. Outra coisa é descarregar tudo, mapas e caminhos, para a maquineta e olhar para o seu visor, apenas. Afinal o G. tinha alguma razão quando insistia no desafio de  “E se fossemos por aqui… ?”. Se na altura houvesse GPS era mais fácil responder-lhe, mas não era a mesma coisa!

04 agosto 2013

O que o Povo quer

Quando há vários processos simultâneos com algumas semelhanças, é tentador fazer comparações e procurar paralelos e divergências nas causas e nas formas. O que pode haver de comum entre alguns movimentos de contestação em curso actualmente, como as primaveras árabes, a contestação na Turquia ou até no Brasil? A utilização de redes sociais é um ponto comum, é certo, como também o será serem usadas ruas e praças para os protestos, sendo que nada daí se conclui de muito relevante. Recordar ainda que Taksim em Istambul e Tahrir no Cairo começam ambas por “Ta” é … disparate.

No caso das chamadas primaveras árabes há certamente um contexto sociocultural com bastantes semelhanças nos vários países e, sobretudo, houve uma Al-Jazira, canal de televisão do Qatar, que ajudou a difundir e a propagar as contestações. Curiosamente no amigo Bahrain, ali mesmo ao lado, a ajuda foi outra. A Arábia Saudita foi apoiar militarmente o regime instalado, objecto de contestação popular. Se excluirmos estas e outras causas externas do xadrez geopolítico mundial que como, por exemplo, na Síria transformaram um movimento inicial genuíno de contestação num “simples” confronto sunita/shiita, penso que o traço comum nestas e em muitas outras revoluções passadas e futuras é simplesmente a população querer viver melhor. E este “melhor” declina-se em diferentes dimensões conforme os valores de cada um.

Para uns o melhor é haver mais liberdade, mais justiça, mais oportunidades, igualdade de acesso às mesmas, mais valorização do mérito e outras coisas desse género. No entanto, para muitos e muitos o “melhor” é simplesmente materialmente melhor como terem casa, carro e férias. Terem tudo aquilo que vêm nas imagens do mundo que lhes chegam lhes pela televisão e pela internet e a que eles acham terem direito.

Haverá países em que colocar uma parte da população a viver melhor é relativamente fácil. Basta actuar na válvula repartidora dos rendimentos dos recursos naturais que jorrem, como naturalmente a do petróleo, quando este existe. Noutros casos, essa mudança só se consegue com maior criação de riqueza e esta nascerá a partir do contributo esforçado de muitos (de preferência todos), criadas que estejam as condições para tal. Aqui pode surgir um ponto comum e fatal. Num país em que o sistema de valores não é são, em que a distribuição da riqueza, pouca ou muita, não obedece a critérios justos, pode instalar-se um entendimento generalizado de que não vale a pena contribuir mais porque a retribuição nunca dependerá da contribuição.

O facto de a população querer viver melhor e entender que isso se alcança apenas com a redistribuição dos recursos existentes, poucos ou muitos, não importando se justa ou injusta, o fundamental é estar-se individualmente do lado dos beneficiários, dá muito mau resultado.

Infelizmente este risco não é exclusivo do Magrebe, Médio-Oriente ou América Latina. Aqui mesmo, o grande desafio é manter na maioria da população a convicção de que a retribuição é função da contribuição e não de outras coisas mais, diversas, mas sempre injustas. Só com essa fé e consequente empenho se constrói um futuro melhor. E essa é uma das funções básicas de um Governo.

30 julho 2013

Níveis de segurança

Não parece haver dúvidas de que o acidente ferroviário na Galiza se deveu a excesso de velocidade na curva. Parece que o maquinista assumiu logo no momento que estava a circular muito acima do que devia. Os motivos para esse facto serão analisados e podem ser desatenção, indisposição ou outra coisa qualquer, mas escala à parte não deixa de ser equivalente a um condutor de autocarro que passou um sinal vermelho e provocou um grave acidente. Por aí deve ficar a investigação e daí sairão as conclusões.

Eu não entendo nada de comboios e posso estar a dizer um grande disparate, mas arrisco. Temos uma larga recta feita a 200 km/h e no final dela uma curva que deve ser abordada a 80 km/h. O maquinista saberia certamente disso, presumo que haveria instruções e sinalizações para o informar e avisar, mas… Para o que está em causa, faz sentido que essa operação depende exclusivamente da acção do maquinista e ser tratado de igual forma como o semáforo para o autocarro? Não era mais do que justificado haver algum tipo de segurança activa que antes da curva controlasse a velocidade do comboio e o travasse independentemente da distracção ou loucura do maquinista?

Aparentemente na zona de alta velocidade existe um sistema de seguimento e controlo da velocidade do comboio. Na zona do acidente em que ele estava na via antiga e convencional, o controlo é feito apenas por baliza pontuais, e a primeira baliza estava depois da curva…!

Certamente que não deve haver responsabilização criminal para quem não se lembrou de pôr uma baliza antes da curva, mas que isso traduz uma enorme ligeireza na abordagem à segurança, é inquestionável.

25 julho 2013

Detroit, forças e fraquezas

Detroit, a capital histórica da indústria automóvel dos USA, aquela que para muitos é ainda “a Indústria”, a cidade onde foi concebido e produzido o famoso Ford T (foto da fábrica aqui), onde nasceu o conceito do automóvel tal como o conhecemos hoje, declarou-se incapaz de cumprir as suas obrigações financeiras. Por outras palavras, entrou em falência. Dizia-se em tempos que o era bom para a General Motors era bom para os USA e vice-versa. Detroit foi e é a sede da GM, assim como da Ford e da Chrysler, os 3 grandes. Significa esta quebra da cidade emblemática que a GM não está bem? A GM esteve muito mal há poucos anos, mas numa daquelas reviravoltas que infelizmente nem todo o mundo consegue realizar, recuperou e está relativamente bem. Continuam-se a fabricar automóveis nos USA mas deixaram de ser feitos em Detroit e daí este esvaziar da cidade. A indústria automóvel fugiu daquela zona e a causa tem um nome principal: UAW – United Automobile Workers – o poderosíssimo e temível sindicato da indústria automóvel. Aliás, não a totalidade mas uma boa parte dos problemas dos fabricantes históricos há 5 anos, deveu-se precisamente ao facto de a sua base industrial instalada naquela zona não ser competitiva e suportar encargos enormes, herdados dos variados direitos adquiridos pela UAW para os seus afiliados ao longo do tempo. Daí que esta zona fortemente sindicalizada foi considerada como uma peste a evitar para novos investimentos e o que lá existia ficou definhando.

Se claramente a forte tradição sindical é causa relevante, a respectiva interpretação pode variar: para uns a inflexibilidade e a intransigência dos sindicatos mataram a cidade, para outros o “dumping social” praticado noutros estados nunca deveria ser permitido. É fácil discutir longamente sobre o assunto, como é fácil constatar que a consequência é clara e está consumada.

Passando aqui para este lado do Atlântico e pensando em dois exemplos de locais históricos da indústria automóvel. Em França fecha fábrica após fábrica e a percentagem de automóveis franceses fabricados no país de origem vai diminuindo inexoravelmente. Há uma grande discussão sobre o tema mas os números são claros: os locais em França são menos competitivos. Na Alemanha onde o automóvel está no ADN do país e onde também haveria todas as condições potenciais para se assistir a uma deslocalização irreversível, encontraram-se soluções e a indústria está e lá deverá continuar. O caso alemão de diálogo pragmático e construtivo é um excelente exemplo que deveria ser interpretado e transposto para todos os locais “ricos” (ou que agem como se o fossem), no sentido de evitar “Detroits” em série. Curiosamente, ou não, na Alemanha até há sindicatos fortes, provando que o problema não está em existirem sindicatos. Tudo depende da cultura, como sempre!

19 julho 2013

Coisa de Ramadão

Entre o nascer e o pôr-do-sol, no caso concreto actual de Argel, das 3h43 da manhã às 20h09 da noite, além de outras restrições, não se come nem bebe. Portanto o pequeno-almoço está completamente fora do horário permitido. Aliás, para um muçulmano desrespeitar o Ramadão não é bem crime mas pode dar tribunal.

Nos hotéis internacionais há naturalmente pequeno-almoço para os estrangeiros, mas como eu sou poupadinho, vou para um mais barato, menos internacional e em que não há. Quando cá estou no Ramadão tenho que exigir um pequeno-almoço, só para mim, e que sai sempre algo improvisado.

Desta vez no primeiro dia correu bem: croissants, compotas, queques recheados, sumo de laranja, ovo cozido e café ! Impec! No segundo dia desapareceram os croissants e as compotas. No terceiro dia foi a razia: apenas tinha queques e café! Com um pouco de reclamação lá consegui um sumo. Felizmente era o último dia, até porque a quantidade do que sobrava também diminuía de dia para dia!

16 julho 2013

Insuportável cheiro a urina

Todos sabem que é característico dos canídeos levantar uma das patas de trás e deixar cair umas gotas de urina aqui e acolá para marcar o seu território. Não é por necessidade de urinar, é apenas questão de deixar uma marca que sinalize a sua passagem e existência aos seus pares. Como muito muitos, creio eu, decidi não acompanhar em detalhe esta chamada crise política actual. Que haja divergências e tensões é normal e correctamente gerido até pode ser salutar. Agora que isso seja tratado na praça pública da forma como foi é indecoroso e muito irresponsável.

Com tanta confusão, faz e desfaz, diz e desdiz, avanço e recuo, considero tarefa inglória e inutilmente desgastante seguir o assunto passo a passo. Espero pelo desenlace final, para ver como ficaremos e na altura farei o balanço. Até lá, o que me incomoda realmente é este insuportável cheiro a urina, que torna o país muito pouco saudável!

14 julho 2013

A História não se repete

Era uma vez um país em que após décadas de regime fechado a pressão popular o obriga a abrir-se e que realiza eleições abertas, multi-partidárias. As eleições são ganhas por islamitas mas os militares impedem-nos de governar. Será o Egipto de hoje? Pode ser, mas eu estava a pensar na Argélia de 1992 e onde o resultado dessa exclusão foi uma década negra com cerca de 200 000 mortes. Para lá da guerrilha tradicional e atentados cegos em zonas urbanas como mercados e transportes públicos, houve listas de gente das letras e das ciências eliminados um a um, houve aldeias inteiras isoladas e os seus habitantes degolados e um sem número de outras atrocidades. Irá o Egipto cair num caminho idêntico? Esperemos que não, até porque o contexto é diferente. Na Argélia a segunda volta das eleições legislativas foi suspensa pelos militares e os islamitas nunca chegaram a governar, tendo saltado para a clandestinidade com toda a força e “legitimidade”. No Egipto eles fizeram a experiência do governo e parece haver uma parte importante da população que apoia a recente acção do exército.  

Num país árabe que se abre ao multi-partidarismo, é previsível serem os islamitas a ganharem as primeiras eleições – eles conseguem apresentar uma proposta concreta e diferente com a qual uma grande parte da população se identifica: “a nossa religião, os nossos valores”. No entanto, para muitos, o objectivo principal não é a democracia em si, mas simplesmente viverem melhor. Se o novo governo não conseguir responder a esse anseio com brevidade, rapidamente se desencanta. Terá ainda que procurar um compromisso dificilmente praticável entre a facção islâmica mais conservadora para quem a Sharia pode e deve servir de Constituição e uma parte da sociedade, mais moderna, que até participou na revolução buscando um país mais moderno, e que se assusta enormemente com alguns (des)propósitos como, por exemplo, no que diz respeito à condição feminina.

O primeiro-ministro turco, islamista, Recep Erdogan, disse uma vez, distraído ou não, que a democracia é como um comboio que se apanha e donde se sai quando se chega ao destino pretendido. Morsi no Egipto estaria a tentar por em prática o mesmo princípio. Como se ironizava na Argélia na altura, democracia seria um homem, um voto… uma vez! Sendo o Egipto um país fulcral no mundo árabe pelo seu peso demográfico e localização, o que lá acontecer é de extraordinária importância para meio mundo.

Numa grande encruzilhada está também a Tunísia, que apesar de uma dimensão muito inferior ao Egipto tem um peso não negligenciável. Foi lá que tudo começou em Janeiro 2011. Esta semana iniciou-se o Ramadão. São 30 dias em que entre o nascer e o pôr-do-sol, para lá de outras restrições, não se come e não se bebe. Em 1964, há quase 50 anos, Bourgibga, o líder forte e pai da Tunísia moderna, na altura pouco democrática, bebeu um sumo de laranja em directo na Televisão, em pleno dia durante o Ramadão, argumentando que o jejum podia ser quebrado em caso de guerra e que na Tunísia estava em curso uma batalha pelo desenvolvimento. Por muito menos há hoje gente levada a tribunal, acusada do crime de muito largo espectro de “atentado ao sagrado”.

Presumir como muitos o fizeram há dois anos, que bastava registar partidos, organizar eleições e contar votos para ter um país firme no caminho do desenvolvimento é obviamente uma enorme ingenuidade. Esperemos, e se possível ajudemos, que corra bem. Por meio mundo, que é também o nosso, e muito especialmente pelos seus homens e mulheres, muito principalmente estas, que merecem viver em dignidade com paz, respeito e com oportunidades.

09 julho 2013

Onde chega a pobreza

Eu sei que os tempos não são de fausto, como também é verdade que a pobreza de espírito é das piores. Começaram a aparecer alguns cartazes para as eleições autárquicas que me surpreenderam pela riqueza da sua mensagem e respectiva originalidade. Uma pequena amostra segue. Os candidatos que ainda não tenham decido sobre o respectivo lema podem naturalmente inspirar-se … pobremente!

  • A “terra” não pode parar
  • Dedicados à “terra”
  • Dar vida à “terra”
  • Unir a “terra”
  • A “terra” é a minha casa
  • Futuro de confiança
  • A “terra” sempre
  • A “terra” pode mais
  • Confiança no futuro
  • Melhor “terra”
  • Juntos pela nossa terra
  • Por um futuro melhor
  • Todos somos “terreiros”
  • Juntos pela “terra”
  • Mais e melhor para a nossa terra
  • Liderar a “terra”
  • “Fulano” sabe
  • Para a “terra” vencer
  • Mais perto de si
  • Vencer 2013
  • Mudar a “terra”
  • A “terra” primeiro
  • Fazer bem
  • Fazer crescer
  • Nós gostamos da "terra"
  • Por todos

07 julho 2013

O problema não está nas finanças

Enquanto pensarmos que o problema está na figura do ministro das finanças e que os destinos do país estão nas suas mãos, enquanto os restantes ministros acharam que ele é/deve ser/não deve ser o homem bom ou mau que os deixa ou não gastar o que querem, estamos equivocados.

A salvação do país está na sua governação em que há vários ministros, cada qual com os seus pelouros, alinhados numa política coerente e dirigidos por um primeiro-ministro que inspira e lidera. O ministro das finanças é apenas mais um, com uma função muito específica e relevante, mas presumir que quem assina os cheques tem todo o poder é subverter o sistema.

Um governo com um primeiro-ministro para discursos, um super-ministro das finanças e os restantes membros mansa ou revoltadamente subordinados é um governo de menoridades, em que os seus membros não governam, mas são sim governados pelo tal super-ministro. Assim não vamos/nunca iremos lá e o problema não está na cara de um ministro.

03 julho 2013

Voos e sobrevoos

Vamos lá a ver. Nem sou Américas nem anti-américas. Não acho que a maior parte dos prisioneiros de Guantanamo, incorrectamente detidos, sejam uns coitadinhos vítimas de injustiça, nem acho que Snowden seja um perigoso bandido, apesar de ter infringido a lei do seu país.

Agora, que para transportar os prisioneiros para Guantanamo as nossas bases dos Açores tenham sido usadas “no problem” e que o avião presidencial da Bolívia não possa ter aterrado em Lisboa por pretensamente transportar Snowden... há aqui qualquer coisa que não bate certo!

19 junho 2013

É a guerra, estúpido !

Um assunto bélico de grande actualidade é a utilização dos zângãos ,“drones”, os aviões telecomandados e com a polémica dividida em dois eixos. Por um lado, os seus tripulantes não estão presencialmente em cenário de guerra, mas sim em segurança e à distância, voltando ao lar, doce lar, no final do turno, depois de terem disparado e morto gente; por outro lado, qual a legitimidade de se poder matar assim de forma tão selectiva.

Relativamente ao primeiro ponto, também já ouvi comentários daqueles que disparam à queima-roupa à cabeça de uma adolescente à saída da escola, segundo os quais esta é uma forma covarde de fazer a guerra...!  Entendo que possa ser psicologicamente perturbador voltar para casa e a abraçar mulher e filhos umas horas depois de ter atingido mortalmente um alvo, mas será pior do que estar submerso num teatro de guerra, correndo riscos reais? Tenho dúvidas que seja pior e, sobretudo, é uma parte muito fácil de resolver. 

Quanto à selectividade e ao carácter assassino, na guerra matam-se inimigos e com meios mais convencionais aumentam os chamados danos colaterais. Achar a selectividade negativa é estranho. A haver guerra certamente que quanto mais cirúrgica melhor. Na campanha em curso até se usa o adjectivo “robot”, invocando uma certa desumanização. Ora bem o “drone” típico é apenas telecomandado, não é automático. Um míssil convencional é mais “cego” e ainda muito mais será o velhinho canhão! Não vou acreditar que a origem da campanha seja uma reacção à liderança que os Estados Unidos têm da tecnologia, mas parece. Apenas concluo que falar no problema zangão é estar ao lado do problema, o verdadeiro e estúpido problema é mesmo a guerra. É a guerra, estúpido!

Foto googleada

14 junho 2013

Ainda a Síria

No Iraque descobriram armas de destruição maciça, aqui finalmente descobriram utilização de gás sarin pelo governo sírio, que era mesmo o que faltava para justificar uma ajuda aos “bons rebeldes”.

E recordei-me da ajuda aos talibans do Afeganistão quando eles combatiam os russos que deveria ter ensinado que nem sempre o inimigo do meu inimigo, meu amigo será.

07 junho 2013

Morto pelas ideias ...?

França está em estado de choque esta semana. Um estudante de esquerda, anti-fascista, morreu após uma agressão por um grupo de extrema-direita. A exploração política dispara e há quem diga que ele morreu pelas suas ideias, quase um Martin Luther King.

Ora bem, fui investigar e, ao que parece, foi assim: havia uma venda privada de roupa de marca bastante apreciada tanto pelos jovens da extrema-esquerda como da extrema-direita… Aí, dois grupos ter-se-ão cruzado e “naturalmente” provocado. A provocação teve como consequência uma pancadaria no exterior. Clement, que até era franzino, recebe um murro que o faz cair e bater com a cabeça num poste, o que provocou a sua morte.

Para lá de naturalmente ser a lamentar a morte e uma morte assim, passar este assunto para a esfera da “luta política” e das ideias é patético e pateta.


Foto estraída do "Le Monde"

06 junho 2013

Bê5 - de bandido a clássico

Estarão certamente na memória de muitos neurocirurgiões dos anos 70 e 80. Muito lhes enriqueceram o curriculum quanto a tratamento de traumatismos cranianos!  Juntamente com a também famosa XF17 eram duas máquinas terríveis.

Hoje tem o charme de um clássico !

03 junho 2013

O mal de ser novo

O novo pacote fiscal, que traz a inovação de pretender reduzir a carga fiscal em vez de a aumentar, tem uma particularidade principal muito nociva e que é precisamente o facto de ser “novo”. O que um investidor valoriza é a estabilidade. Para alguém que pense em investir seriamente em Portugal esta não é uma boa notícia, pelo contrário. É a prova provada de que não se pode confiar nas regras existentes hoje, porque a qualquer momento podem mudar. E, como é óbvio, sem regras minimamente estáveis para o horizonte do investimento, ninguém gosta de ir a jogo.

Esta medida pode aliviar o esforço para projectos já pensado e planeados mas um investimento a sério, como nós precisamos, não é definido numa semana para durar um semestre. Pretender que relançar a economia e a confiança dos investidores se consegue com coisas assim, anunciadas hoje para terem efeito amanhã e depois de amanhã logo se verá, é demagogia ou ignorância.

Não sou economista mas posso ter a pretensão de fazer uma sugestão. Em vez de andarem com ideias novas com esta frequência assustadora, definam um quadro macro-económico e particularmente fiscal estável para um horizonte de 10 anos. É um grande desafio e que devia envolver governo e oposição. Para o desenvolvimento da economia, criação de emprego e isso tudo de que precisamos seria muitíssimo mais eficaz do que este tirar e a dar rebuçadinhos dia sim, dia não.

29 maio 2013

Onde começa e onde acaba

A fotografia vencedora do prémio World Press deste ano é espectacular. Apetece quase dizer que se o autor a tivesse realizado em estúdio com iluminação preparada não sairia muito melhor! Donde que: fantástico e parabéns!


Só que havia mesmo algo de estranho na perfeição da fotografia. De uma primeira acusação de ser uma fusão de várias, afinal parece que foi “só” ajuste de contraste e de tons… ajustes que supostamente não são manipulação. Será? É uma pergunta sem resposta clara. Mas se formos ao limite, como por exemplo nas fotos abaixo, em que eu realmente não desloquei um pixel que fosse, apenas me limitei a mexer grosseiramente nuns parâmetros de cor na da direita, podemos dizer que esta continua a ser uma “fotografia” genuína? Tenho sérias dúvidas…




28 maio 2013

Primavera ou isso

Quando o processo começou na Tunísia, todos assobiaram para o lado assumindo que com mais ou menos esforço Ben Ali colocaria ordem na casa. E Ben Ali caiu. Quando começou no Egipto as reacções já foram mais ambivalentes: é importante a democracia, é importante a legitimidade… E o regime caiu. Quando começou na Líbia, já ninguém teve dúvidas Khadafi vai pelo mesmo caminho e vamo-nos colocar do lado certo do vento da história. Enganaram-se de novo. Khadafi só caiu pela preciosa ajuda dos que quiserem activamente estar do lado “certo”.

Temos agora a Síria. Há quem ache que está em causa a simples luta entre um mau ditador e uns bons rebeldes, mas devido à má experiência da Líbia, tem havido muito mais prudência na entrada/ajuda ao conflito. No entanto, e acrescentados os ingredientes da situação geopolítica actual na zona, não é difícil concluir que o que está em confronto na Síria não é certamente a democracia contra a ditadura. É muito simplesmente uma nova declinação do histórico conflito entre sunitas e shiitas que tem quase tanto tempo quanto a religião muçulmana.

Qual o propósito de o Ocidente apoiar declaradamente uma das partes quando o registo das acções e barbaridades cometidas parece ser relativamente bem distribuído? Porque é que quando se fala do eventual uso de gás sarin pelo governo sírio é um escândalo que justifica sair a terreiro e quando parece que é antes/também usado pelos rebeldes, se assobia para o lado? Se o popular canal de televisão Al-Jazira (Qatar – Sunita) trata de uma forma diferenciada os conflitos nos diferentes países conforme o seu alinhamento com a península arábica, sede do sunismo, porque é que temos que os acompanhar nessa discriminação?

Enfim haverá interesses e razões que justificam tudo isto, como também há gente inocente que sofre e que morre, mas por favor não pintem o cenário com as cores da liberdade e da democracia. Estas merecem muito mais respeito.

23 maio 2013

Em Despedida ao Autor


De tantas vezes ter dormido
Com a minha solidão
Ficamos quase amigos
Uma doce habituação
Ela não me abandona nunca
Fiel como uma sombra
Segue-me aqui e acolá
Pelos quatros cantos do mundo

Não, eu nunca estou só
Tenho a minha solidão

Quando está no fundo da minha cama
Ela ocupa todo o espaço
E passamos largas noites
Só os dois face a face
Não sei mesmo até onde
Irá esta cúmplice
Deverei tomar-lhe o gosto
Ou reagir ?

Não, eu nunca estou só
Tenho a minha solidão

Com ela, aprendi tanto
Que até verti lágrimas
E se por vezes a repudio
Ela nunca desarma
E se prefiro o amor
Duma outra cortesã
Ela será no meu último dia
A derradeira companheira

Não, eu nunca estou só
Tenho a minha solidão

Georges Moustaki em tradução livre

19 maio 2013

As duas Europas


Neste processo em curso de clivagem entre a Europa do norte, pretensamente rica, e a do Sul, perdulária e falida, já se chegou ao ponto de identificar a linha de separação com a fronteira religiosa: de um lado o austero calvinista, do outro o católico faustoso. Nesta lógica confirma-se que a ortodoxa Grécia, ortodoxa apenas no significado religioso da palavra, é certamente um caso à parte e que a França, neste como em muitos outros campos, será uma coisa central indecisa e imprecisa. Seria interessante analisar até que ponto é a influência religiosa que determina o comportamento ou se existe algo de outra natureza que se reflecte na religião dominante; por outras palavras, qual a causa e qual o efeito.

Devo acrescentar ainda que tenho algumas dúvidas sobre essa suposta superioridade moral do norte. O sistema é menos tolerante e um sancionador mais severo, mas não me parece que ter um “ADN” moral assim tão distinto. Alemães e italianos a fazerem negócios por esse mundo fora (sejam submarinos ou sejam helicópteros) não são muito diferentes.

Para lá dessa questão espiritual e/ou moral, o que é certo e certíssimo que é há duas Europas gastronómicas: a que cozinha com azeite e bebe vinho e a outra que cozinha com manteiga e bebe cerveja. E, quem fala em gastronomia, fala em saber viver. Há uns anos quando sob um céu de chumbo eu atravessava o deprimente vale do Ruhr, com aquelas escórias das minas e tenebrosos restos de indústria pesada, eu dizia a mim próprio que preferia atravessar o Alto Douro de Fiat, do que estar ali, nem que fosse de Mercedes. Desculpando a referência explícita às marcas, o problema é por cá termos trocado os Fiats por Mercedes e não os conseguirmos pagar. Resumindo e tentando concluir com um pouquinho de exagero: deixemo-los lá então com as suas cervejas e carros de luxo em ambientes deprimentes e reaprendamos a viver conforme podemos pagar, mas com o saber que temos, e veremos no fim quem é o invejoso.