26 fevereiro 2021

Empresas, nascem e morrem


O livro acima representado, que li recentemente, é uma vista sobre a génese, desenvolvimento e desaparecimento da indústria de papel no estado do Maine, nos EUA, ao longo de mais de um século.

Com o devido respeito pelas distâncias, diferenças e diversidades, apetece-me desenhar um ciclo típico, que poderá não ser assim tão específico daquele contexto.          

Fase I – Os fundadores. A empresa é criada por alguém e segue dentro da família, com dono próximo, personalizado e extraordinariamente ligada à comunidade. Mais do que um emprego para a vida, a empresa é o sustento de famílias inteiras, em sucessivas gerações. Sem muitas obrigações legais que a forcem a tal, oferece um conjunto enorme de infraestruturas e serviços sociais à comunidade. Os trabalhadores, apesar de tudo o que falta, sentem-se orgulhosos em participar no projeto e no sucesso do seu trabalho.

Fase II – Os seguidores - Esgotada a participação da linhagem original, a empresa passa a ser dirigida por quadros aí nascidos. Se bem que a propriedade possa estar já dispersa e parcialmente longe da “terra”, não têm exigências apertadas sobre o retorno do seu investimento. Assim, mantem-se na gestão local uma visão de longo prazo e uma pressão moderada sobre os resultados. Para os trabalhadores o espírito não muda muito e sindicalização não é sentida como necessária.

Fase III – A degradação – Por falta de enquadramento e/ou de caráter o ambiente é envenenado por nepotismo, pequenos reis em cada esquina e iniquidades insuportáveis. Entram os sindicatos.

Fase IV – Gente de fora – A empresa é comprada, vamos supor neste cenário, para já, por outra do mesmo setor. É submetida a concorrência interna, os processos são comparados e questionados, produtos são deslocados e os que agora mandam ainda falam a mesma língua, mas com outro sotaque. A guerra com quem lá está, já sindicalizada, e quem chega e quer mudar é total. A empresa pode ser fechada, por excedentária na nova carteira, redimensionada ou mesmo melhorada. Não remam já com todos na mesma direção, mas antes se confrontam internamente, uns de um lado e outros de outro. As decisões de investimento são algo travadas pela incerteza do clima de litigância.

Fase V – Gente mesmo de fora – Diretamente ou indiretamente os donos são investidores financeiros, que colocam como objetivo prioritário absoluto a sua retribuição e a curto prazo. Nomeiam diretamente equipas de gestão, com esse objetivo, vindas sabe-se lá de onde, que não são minimamente consideradas nem reconhecidas pela antiga organização de cima a baixo. Aqui, tudo pode acontecer e o ambiente não é nem nunca virá a ser o da família. A empresa pode acabar por fechar, como uma grande maioria neste caso, ou não.

Algo que na minha opinião falha no livro em questão é a ligação e a influencia do meio externo e do mercado. Num cenário protegido a fase II, onde as pessoas são certamente mais felizes, pode ser viável, mas tornar-se inviável se o ambiente concorrencial apertar. As empresas necessitam de capitais para investir e sobreviver; quem os disponibiliza espera naturalmente resultados, dentro das melhores expetativas. Dificilmente apenas com legislação se conseguirá proporcionar e forçar um justo equilíbrio entre resultados, sustentabilidade, respeito pelas comunidades e manutenção de valores sociais básicos. Depende das pessoas, valores e … cultura. Entre irredutíveis sindicatos fechados em direitos adquiridos e predadores financeiros que não se preocupam em matar a empresa desde que o seu retorno a curto prazo seja o pretendido… há empresa que morrem e pessoas que sofrem. Depende da … cultura.

 

11 fevereiro 2021

Importações e contrafações ideológicas


 Os States são um grande país que influencia meio mundo (mais de 3/4?) de várias formas e feitios e não apenas pelos jeans, filmes de cowboys e a coca-cola. Inevitavelmente há inúmeros produtos e ideias que são importados e adaptados, preocupando-se eles muito pouco com o tal crime de apropriação cultural, pelo contrário, até o fomentam.

Uma ideia made in USA que foi importada para o mundo ocidental em geral com tradução deficiente é o mea culpa ad-eternum pela escravatura e tráfico associado e o correspondente crédito infinito que tais crimes atestam à comunidade de cor (mesmo estas expressões têm hoje de ser usadas com pinças). Vamos por partes.

A escravatura não é invenção nem exclusivo ocidental, como os dois livros acima representados, que li recentemente bem documentam. Se a escala do tráfico Atlântico foi enorme, o equivalente no Médio Oriente e no Norte de África, só para falar de realidades mais próximas, não foi quantitativamente irrelevante nem diferente no princípio nem na brutalidade.

A partir do século XIX a Europa e especialmente a Inglaterra desenvolve um esforço enorme para acabar com a escravidão e respetivo tráfico no Mundo. Sim, com a máquina a vapor do lado deles o fim da mão de obra escrava era do seu interesse económico, mas independentemente da motivação, a ação foi essa.

O tráfico de escravos em África só acabou após a colonização europeia em larga escala do continente, durante o século XIX. Sem menorizar todos os males desse processo, neste campo particular foi decisivo. Portanto, por motivações e meios questionáveis, o facto é que a Europa está há dois séculos a lutar contra a escravidão e a erradicá-la dos territórios por ela controlada.

Passemos aos States. Foram os grandes “beneficiários” do tráfico Atlântico, mas também no século XIX o poder central aboliu a escravatura, de forma veemente e decidida, provocando uma séria guerra civil (1861-1865). O que há a acrescentar sobre isto é que os Estados do Sul, perderam a guerra, foram vencidos, mas não convencidos. Após a retirada das forças do Norte, arranjaram forma de contornar a “igualdade” constitucional formal e implementar uma coisa muito feia, que se chama segregação racial, grosso modo o equivalente do apartheid sul-africano. Este processo vergonhoso entrou pelo século XX, muito apoiado pela comunidade branca pobre e rural, que aí via uma oportunidade de promoção automática (a tal supremacia branca). Já não é escravatura, mas há uma continuidade na recusa de conceder plenos direitos aos descendentes de africanos, misturando-se os dois conceitos na mesma acusação.

As lutas dos negros (e de alguns brancos) pela igualdade nos EUA (especialmente no Sul) no século XX têm todo o mérito e razão de ser. Bravo aos corajosos.

Agora, importar esse contexto para o Ocidente em geral e em especial para a Europa que há dois séculos luta eficazmente, erradicando o flagelo de onde pode… é uma contrafação, ou, digamos, um “lost in translation”!

09 fevereiro 2021

As sobras, certo?


Acho particularmente irónica a justificação de que alguns “desvios” nas prioridades da vacinação foram feitos para “aproveitar as sobras”… Recorda-me uma história que me contaram de um empreiteiro “esperto” que tinha o hábito de propor partilhar com “oportunos terceiros” as “sobras previstas” das suas empreitadas. Estão a ver o nome correto, certo?

Se o número efetivo de doses disponíveis para cada conjunto de frascos abertos tem alguma variação, não será possível convocar um pouco por excesso, o chamado “overbooking” nas viagens aéreas? No caso de um voo confirmado, ter que esperar pelo próximo pode ser efetivamente um grande inconveniente, mas ser vacinado um dia ou no seguinte, não deve ser assim tão dramático. Questão de planificação, certo?

Obviamente que o problema de fundo não é a questão técnica da “gestão das sobras” e da sua deficiente planificação, mas sim de que serve de desculpa e justificação para uma coisa vergonhosa. Não é preciso mais acrescentar, certo?

03 fevereiro 2021

Amazon

Até há cerca de 2 meses, não tive nada, rigorosamente nada, a apontar à Amazon. Bons preços, serviço impecável. A quase totalidade do meu equipamento fotográfico veio de lá, a maior parte dos livros e outras pequenas/médias coisas também, durante cerca de 8 anos. Tudo irrepreensível.

A diferença começou quando há cerca de 1,5 meses necessitei de devolver um produto com um valor significativo. Realço que após dezenas e dezenas de produtos recebidos, os dedos de uma mão chegam-me e sobram largamente para contar as devoluções que fiz.

Vendo que o registo da devolução e correspondente reembolso tardavam, resolvi contactar o serviço cliente, para ser informado que o meu envio tinha sido efetivamente recebido 3 dias após a expedição e pedindo-me para esperar mais 2 ou 3 dias para ser reembolsado. Este filme foi repetido 10 vezes, sempre com o mesmo resultado: nulo.

Hoje, 7 semanas depois da devolução e 10 contactos com o serviço cliente, dizem-me, na 11ª vez, que há um problema, porque o meu pacote foi recebido vazio!

Bom, lá terei de passar às ações legais, coisa que me enerva solenemente, mas fica o recado. Se quiserem comprar alfinetes, tudo bem; para um produto de valor, cuidado. Pode correr muito mal, correm o risco de ficar sem o produto e sem o dinheiro.

Nota em 5/2: Depois de alguma “agitação social” na página deles, acabaram por me informar que me vão reembolsar e até oferecer 10 Euros, mas não em livros! Ainda não lhe vi a cor, mas tenho esperança. Por curiosidade e anedota anexo as imagens do folhetim. Todas as mensagens, exceto da 21/12 são reação a contactos meus!





01 fevereiro 2021

Vai ficar tudo bem?


 “Fia-te na virgem… e não corras!” Quando a primeira vaga da pandemia cá passou, ao de leve, todos se sentiram excelentes em sabedoria e competência, o povo que se assustou, teve medo e se auto confinou e o governo que concordou com o povo. Na prática não se sabia mesmo porque é que tinha corrido bem e adotou-se o autossatisfação do marinheiro que se julga o maior campeão do mar… quando ele está calmo e o vento de feição.

Mas o vento pode mudar e marinheiro que não se acautela … fia-se na virgem e não rema. Hoje é fácil apontar o que falhou em termos de preparação e atribuí-lo à impossibilidade de previsão, mas são coisas diferentes. A impossibilidade de prever não invalida a necessidade de preparar, pelo contrário.

O que estamos a assistir em termos de incapacidade de navegar num mar realmente agitado, não é novidade. O passado recente está pleno de exemplos de aselhice do Estado e, se não falarmos em coisas dramáticas como os incêndios e a proteção civil, podemos falar do caricato dos boletins de voto das últimas Presidenciais. Sobre o SNS e as suas limitações crónicas, só resta perguntar: resolveu-se esperar que o mar continuasse calmo e a tempestade milagrosamente ao largo?

Depois, temos as vacinas. Começou com a excessiva publicidade ao "irmos ficar bem". Depois, para lá da “esperteza” típica que não foi prevista, há detalhes como, por exemplo, não se ter planeado à cabeça o que fazer com as “sobras”, estranho nome  (e não falemos dos políticos prioritários porque isso alimenta o populismo!).

Acreditar que vai correr tudo bem, não preparar a sério e andar agora a pensar hoje o que se pode ainda proibir para amanhã, foi acreditar demais na virgem!